Gestão de processos comunicacionais

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FÓRUM
GESTÃO DE PROCESSOS
COMUNICACIONAIS
Maria Aparecida Baccega
PODE-SE PERCEBER HOJE, no mundo, um repensar de
caminhos, que se manifesta em propostas diferenciadas de inserção do homem na realidade. Todas as
culturas lutam para ter vez e voz. Sob a aparente fragmentação, está em construção o mundo da globalidade,
entendida como o espaço onde o jogo das diferenças
se coloca como manifestação de identidade a ser resgatada e respeitada. Nesse cenário, a Comunicação/Cultura estabelece também seus novos caminhos: não mais
a fragmentação da especialização e sim a especialização
que medeia a globalidade. Contata-se, assim, a imposição de um novo profissional na área de Comunicações
e Artes, aqui chamada Comunicação/Cultura: o gestor
de processos comunicacionais.
Esse novo profissional trabalha no campo da comunicação, o qual se constitui de múltiplas variáveis
que se esbarram, se atropelam, lutam entre si, que
parecem desaparecer - e voltam vigorosas - que, de
modo algum, enfim, são neutras. Só a atuação de todas
e de cada uma delas garante que nesse campo se
manifeste, de modo específico, a construção de sentidos novos, renovados ou mesmos sentidos com roupagens outras - sempre inter-relacionados à dinâmica da
sociedade, lugar último e primeiro onde os sentidos
verdadeiramente se constróem.
Entre essas variáveis podemos destacar as várias
opções profissionais: jornalismo, relações públicas,
publicidade, editoração, profissional de televisão, rádio, cinema e turismo, de teatro, artes plásticas ou
música, bibliotecário ou documenlalista, cada uma
com suas especificidades teórico-metodológicas. O
campo da comunicação interage com cada uma delas, alargando-se nelas e manifestando um resultado
ampliado, no qual se percebe a apropriação das especificidades das várias opções, na configuração de um
sentido novo.
Esse sentido novo se dá, lambem, pelo intercâmbio
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das posições enunciador/enunciatário, outra das características do campo da comunicação.
Todo indivíduo/sujeito que produz qualquer programa, qualquer produto da chamada indústria cultural é um sujeito enunciador no sentido de que ele é o
formulador de um discurso de comunicação, ele é o
agente desse discurso; mas ele é, ao mesmo tempo,
enunciatário de todos os discursos sociais que caracterizam a realidade em que vive, na qual se construiu
como indivíduo comunicador. São valores, estereótipos, manipulações e simulacros, entre outros aspectos, que caracterizam sua realidade e que, de algum
modo, estão presentes nele, através de filtros cuja
elaboração a própria sociedade possibilitou e de que
nem sempre ele tem consciência. Logo, o sujeito que
elabora os produtos dos meios de comunicação é ele
próprio um enunciador/enunciatário.
Do outro lado, no pólo da chamada "recepção",
vamos encontrar também um indivíduo/sujeito, portador de configurações de verdades e valores que permeiam o imaginário, presentes no cotidiano das
pessoas, dos grupos, das classes sociais. Ele tem um
universo próprio, o qual ele dinamiza no momento
mesmo em que ouve, vê ou lê qualquer produto. Ele
é enunciatário no sentido de que seu universo ou a
visão que o comunicador tem de seu universo, está
incorporado no discurso que ele "recebe".
Mas ele não é tão somente um recipiente onde se
colocam produtos maleáveis que vão se acomodando
ao formato prévio, imaginado pelo "emissor". Pelo
contrário, ele é um indivíduo/sujeito ativo, que, ao
"ler" o discurso da comunicação, utiliza-se de todos
os outros discursos sociais por ele apropriados, os
quais embasam a leitura desse novo. A comunicação,
porém, só se efetiva, como sabemos, quando o outro
a incorpora, quando o outro - que é ele - se apropria
do que foi comunicado - e aí ele é enunciador de um
discurso outro construído no encontro dos dois pólos.
Ele é, portanto, um enunciatário/enunciador.
Nesse campo da comunicação se estruturam, mais
ou menos lentamente, novos sentidos, novos valores.
Esse discurso outro arranca as palavras do cotidiano
para com elas construir-se; contém tanto o "efetivamente" vivido como as possibilidades humanas do
viver. Apreende e manifesta tanto a consciência social
quanto a consciência estética.
A pesquisa e produção de conhecimento no campo
da comunicação ocorre como resultado do diálogo
das várias áreas do saber com a comunicação e as artes
e da interação entre o resultado desse diálogo e a
prática profissional.
O aprofundamento dessas questões teórico-práticas e a realidade do mercado profissional levaram à
decisão de se elaborar o curso de pós-graduação lato
sensu Gestão de Processos Comunicacionais: Elaboração, Implantação e Avaliação de Projetos de Comunicação/Cultura nos Setores Público e Privado, iniciado
em agosto de 1993, no Departamento de Comunicações e Artes da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo.
O curso, cuja proposta configura a síntese entre os
avanços tecnológicos e a criticidade, no caminho da
produção de novas modalidades de atuação, compreende vários núcleos, agrupados em três etapas.
PRIMEIRA ETAPA: 240 h
. Metodologia da Pesquisa em Comunicação e Cultura,
que se propõe à construção de uma estratégia multimetodológica, em que se contemplam as várias áreas
do saber, a partir de modelos metodológicos básicos,
de variações dos métodos e das principais técnicas a
eles associadas.
• Cotidiano e Linguagem, onde se discute a Comunicação/Cultura no cotidiano - lugar em se dá a interação
entre elas -, universo mais próximo e a partir do qual
o indivíduo vê o mundo. Objeto de disputas entre as
instâncias de poder que lutam para administrá-lo, o
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cotidiano , cuja materialização se efetiva na linguagem, é o centro da práxis, o lugar de mudanças e/ou
permanências, lugar privilegiado de atuação do gestor de processos comunicacionais.
• Políticas de Comunicação/Cultura, cujo objetivo é, a
partir da relação dos eventos e práticas cotidianas de
Comunicação/Cultura com seus fundamentos filosóficos
e políticos, desenvolver no aluno a competência de
planejador, executor e avaliador de políticas nessa área.
. Estética dos Meios de Comunicação, o qual, numa
abordagem contemporânea da arte, considera os fenômenos nascidos das inovações tecnológicas em
correlação com os efeitos produzidos no campo da
educação e da sociedade como um todo, levando em
consideração a ruptura do discurso estético na sua
interação com os meios massivos. Essa interação é
considerada uma das bases dos novos padrões estéticos e do gosto que caracterizam os comportamentos da
nova geração, tanto em nível nacional como internacional.
. Comunicação e Educação sistematiza as relações entre Comunicação, Cultura e Educação, inter-relacionando os conhecimentos sobre o tema fornecidos
pelas áreas das Teorias da Comunicação, Teorias da
Arte e Filosofia da Educação, com vistas a atender à
crescente demanda de profissionais capazes de atuar
no campo da comunicação com vistas a objetivos
didáticos e pedagógicos: tanto no âmbito da escola,
no sentido da promoção de ações voltadas à leitura
crítica dos meios de massa e otimização dos recursos
de comunicação presentes no processo ensino/aprendizagem, quanto no interior de sistemas
mais amplos como os de rádio e televisão.
SECUNDA ETAPA: 240 h
Esta etapa destina-se à elaboração do Projeto de
Comunicação/Cultura. Implica, portanto, o deslocamento ao local escolhido pelo aluno, para elaborar seu
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Plano de Trabalho, quando da seleção para participar do
Curso. Prevê-se que, a partir das formulações teórico-práticas dos Núcleos da Primeira Etapa, o aluno terá
condições de "ver" esse local com olhos científicos e
utilizar-se de metodologias de pesquisa adequadas a
seus objetivos. Toda essa fase é acompanhada por três
professores-orientadores, escolhidos pelo aluno, de
acordo com as afinidades com seu projeto.
TERCEIRA ETAPA: 240 h
Esta etapa constitui-se de dois núcleos:
• Processos de Produção em Comunicação/Cultura, o
qual realiza a complementação prática dos demais Núcleos, levando o aluno a acompanhar processos de
produção de vídeos, jornais, panfletos, etc., como uma
estratégia para que, conhecendo tais processos, seja
capaz de distinguir os que mais convêm aos objetivos
de seu Projeto.
Avaliação de Projetos Comunicacionais, baseado na
compreensão da natureza, dos métodos c das técnicas
próprios do trabalho de planejar e avaliar projetos,
oferece ao aluno um espaço acadêmico para a avaliação de seus próprios trabalhos de intervenção cultural e para a sistematização dos conhecimentos sobre
planejamento e avaliação de projetos.
Estas são as bases da formação de um novo profissional na área de Comunicação/Cultura, que a própria
sociedade vem solicitando: aquele que é capaz de
coordenar ações que envolvam ambos os setores, os
quais, na verdade, são os pilares do campo da comunicação.
A realidade das instituições públicas e das empresas privadas tem demonstrado a necessidade de um
planejamento articulado das diversas mídias para a
composição das estratégias globais de comunicação. É
um procedimento que maximiza recursos destinados
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à configuração, junto aos vários públicos, da imagem
de bens, serviços e produtos dos setores público e
privado.
A formação deste profissional vem ao encontro das
mudanças ocorridas em todo o mundo, não apenas nas
arcas política e tecnológica, como, e talvez sobretudo,
na retomada que se busca de uma visão não comparti-
mentada do saber, uma visão globalizada dos problemas da sociedade e, portanto, das questões de
Comunicação/Cultura.
Maria Aparecida Baccega é professora do Departamento de Comunicações e
Artes da ECA-USP
BACCEGA, Maria Aparecida. Gestão de processos comunicacionais. Revista Comunicações & Artes, São Paulo, ano 17, n. 28, p. 116-119, jan. abr. 1994.
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