doenca critica cronica - artigo de revisao narrativa

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ESCOLA DE SAÚDE PÚBLICA DO CEARÁ
HOSPITAL GERAL DE FORTALEZA
PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA EM CLÍNICA MÉDICA
SARAH MUSY LEITÃO
DOENÇA CRÍTICA CRÔNICA: ARTIGO DE REVISÃO NARRATIVA
FORTALEZA
2015
Sarah Musy Leitão
DOENÇA CRÍTICA CRÔNICA: artigo de revisão narrativa
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no
Hospital Geral de Fortaleza, como parte dos requisitos
para término do Programa de Residência Médica em Clínica Médica
Orientadora: Dra. Penélope Matos Wirtzbiki
Co-orientador: Dr. Otílio José Nicolau de Oliveira
FORTALEZA
2015
RESUMO
Introdução: Existem três desfechos possíveis para o paciente crítico: controle
rápido da instabilidade com recuperação funcional; óbito; curso subagudo, no qual
há sobrevivência com persistência de disfunções orgânicas e dependência
prolongada de suporte de manutenção da vida. Esta última possibilidade é a doença
crítica crônica: condição devastadora, com alta taxa de mortalidade, porém
desconhecida de muitos médicos e familiares. Objetivo: tornar o tema doença crítica
crônica mais acessível aos médicos, por meio de revisão da literatura. Métodos:
Revisão de literatura narrativa. Foram selecionados artigos publicados entre 2005 e
2015, localizados pelos descritores: ventilação mecânica / cuidados paliativos /
estado crítico / doença crônica / critical illness, nas bases de dados Bireme, Scielo e
PubMed.
Resultados:
Foram
revisados 29
trabalhos
científicos,
e
feitas
considerações a respeito da realidade cearense. Conclusão: Apesar da importância
da doença crítica crônica e de seu impacto no sistema de saúde, faltam dados sobre
seus aspectos epidemiológicos e desfecho dos pacientes.
DESCRITORES
Ventilação mecânica / Cuidados paliativos / Estado crítico / Doença crônica /
critical illness
ABSTRACT
Introduction: There are three possible outcomes for critically ill patients: rapid
control of instability with functional recovery; death; subacute course, in which there
is survival to the acute insult with persistent organ dysfunction and prolonged
dependence on life-sustaining support. This possibility is the chronic critical illness: a
devastating condition with a high mortality rate, but both the physicians as family
members have lack of knowledge about this disease. Objective: To make the
subject chronic critical illness more accessible to health professionals, through a
literature review. Methods: Narrative Literature review. We selected articles
published between 2005 and 2015, located through the keywords: ventilação
mecânica / cuidados paliativos / estado crítico / doença crônica / critical illness, in
Bireme, SciELO and PubMed databases. Results: We reviewed 29 papers and
made considerations about Ceará reality. Conclusion: Despite the importance of
chronic critical illness and its impact on health system, there is lack data about its
epidemiology and outcome of patients.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................6
2 MÉTODOS............................................................................................................8
3 DESENVOLVIMENTO...........................................................................................9
3.1 Definição........................................................................................................9
3.2 Epidemiologia..............................................................................................10
3.3 Fisiopatologia e Quadro Clínico................................................................13
3.4 Tratamento e Prognóstico..........................................................................15
4 DISCUSSÃO........................................................................................................18
5 CONCLUSÃO......................................................................................................19
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................20
6
1 INTRODUÇÃO
Os avanços tecnológicos progressivos nos cuidados intensivos têm permitido
que mais pacientes sobrevivam a condições críticas agudas. No entanto, muitos
desses sobreviventes persistem com múltiplas disfunções orgânicas e dependência
de cuidados intensivos prolongados, principalmente a ventilação mecânica, uma
síndrome conhecida como doença crítica crônica. (1, 2, 3, 4, 5, 6)
O termo foi criado por Girard e Raffin, em um artigo publicado em 1985 com o
título “Salvar ou deixar morrer?”. Os autores focaram em um subgrupo de pacientes
que sobreviveram ao episódio inicial da doença crítica, mas permaneceram
dependentes de cuidados intensivos, nem morrendo no período agudo dos cuidados
intensivos, nem se recuperando. (6)
A doença crítica crônica é uma condição devastadora: a mortalidade excede a
da maioria das malignidades e a dependência funcional persiste para a maioria dos
sobreviventes. Estimativas indicam a existência de mais de 100.000 pacientes nos
Estados Unidos, com números crescentes em outros países. Uma parcela
importante dos pacientes tem baixa qualidade de vida, com grande sobrecarga
emocional também para seus familiares e cuidadores. Nos Estados Unidos, os
custos anuais relacionados ao tratamento já superam 20 bilhões de dólares, com
tendência crescente. (6)
Apesar de haver um consenso quanto à sua definição (pelo menos 21 dias
em ventilação mecânica por pelo menos 6 horas/dia), alguns estudos têm proposto
critérios alternativos, como a indicação de traqueostomia, um período diferente de
ventilação mecânica ou a admissão em uma unidade intermediária para desmame
de ventilação mecânica. Independente da definição, a incidência da doença critica
7
crônica tem dobrado nas últimas décadas e ainda deverá crescer nos próximos
anos. (7)
Em geral, a população dos pacientes críticos crônicos é caracterizada pela
heterogeneidade, uma alta taxa de mortalidade e uma grande demanda por serviços
de cuidados pós-agudos de reabilitação ou unidades de cuidados especiais. (1, 2, 3,
6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13)
Apesar da importância da doença crítica crônica e seu impacto na
organização do sistema de saúde, ainda faltam dados cerca dos seus aspectos
epidemiológicos e desfecho dos pacientes, particularmente nas unidades de terapia
intensiva brasileiras. Essas informações podem contribuir para melhor conhecer a
dimensão da doença crítica crônica no Brasil e estimar a necessidade de cuidados
pós-agudos de reabilitação.
8
2 MÉTODOS
Revisão de literatura narrativa. Foram selecionados vinte e nove artigos
publicados entre 2005 e 2015, localizados por meio das palavras-chave: ventilação
mecânica / cuidados paliativos / estado crítico / doença crônica / critical illness, nas
bases de dados Bireme, Scielo e PubMed.
Os dados do Núcleo Interno de Regulação de leitos do Hospital Geral de
Fortaleza foram comparados com os dados da literatura, quanto aos doentes críticos
crônicos.
9
3 DESENVOLVIMENTO
3.1 Definição
Apesar de ser uma síndrome complexa, a principal característica da doença
crítica crônica (DCC) é a ventilação mecânica prolongada (VPM), cuja definição varia
na literatura de 2 dias a 4 semanas. (6)
Existe um consenso (2004) quanto à definição de ventilação mecânica
prolongada: mais de 21 dias consecutivos em ventilação mecânica por mais de 6
horas diárias. Há, porém, definições alternativas, incluindo a necessidade de
traqueostomia e utilizando durações diferentes de ventilação mecânica. A indicação
de traqueostomia, excluindo indicações relacionadas à cirurgia de cabeça e
pescoço, mostra que o médico está prevendo o curso de uma ventilação mecânica
prolongada e sobrevivência por um período de tempo razoável. A dificuldade de
estabelecer a traqueostomia como definição de DCC se deve à variação do
momento em que se indica o procedimento entre as unidades de terapia intensiva
(UTIs) e entre os médicos de uma mesma UTI. Na literatura, não há consenso sobre
o momento adequado para se realizar a traqueostomia. Além disso, critérios que não
sejam relacionados à ventilação mecânica estão sendo utilizados para definir DCC,
considerando outros aspectos da síndrome: disfunção múltipla de órgãos, sepse
grave, feridas graves. Tais critérios são utilizados para definir DCC em estudos que
tratam de economia, a fim de recomendar a quantidade de recursos a serem
repassados às unidades hospitalares. (2, 7, 14, 15, 28)
Um estudo feito em Porto Alegre-RS comparou duas definições de DCC:
traqueostomia feita devido à previsão de ventilação mecânica prolongada e duração
10
de ventilação mecânica por mais de 21 dias. Entre os 274 pacientes críticos, 24
eram doentes críticos crônicos (DoCC): 19 pelo critério da traqueostomia, 15 pelo
critério da VMP, 10 preenchiam os dois critérios. Os pacientes em ventilação
mecânica por mais de 21 dias são mais graves e apresentam maior mortalidade do
que os pacientes classificados como DoCC pela traqueostomia. (28)
3.2 Epidemiologia
Apesar das diferenças entre os estudos, é evidente que a incidência de DCC
vem aumentando. Estima-se que 5% a 10% dos pacientes críticos agudos
internados em UTIs se tornem DoCC. A mortalidade da DCC em um ano chega a
48-70%, maior que a de muitas neoplasias. Além disso, a qualidade de vida dos
DoCC que recebem alta é ruim. Apenas 10% deles vivem com boa qualidade; 70%
necessitam de suporte à vida permanentemente (internação domiciliar ou
institucionalização). Até 53% dos DoCC são liberados da ventilação mecânica, o que
ocorre geralmente em até 37 dias de VMP. Os pacientes que não conseguem
desmame da VMP em até 60 dias, raramente o farão após esse período. (1, 2, 3, 6,
8, 9, 10, 11, 12, 13, 16)
Entre os fatores de risco para DCC, está internamento prévio por doença
grave, doenças crônicas prévias (principalmente cardíacas, pulmonares ou renais),
idade avançada, necessidade de procedimento cirúrgico de grande porte ou em
caráter emergencial, índice de massa corporal acima ou abaixo da faixa normal,
sepse grave e altos escores de gravidade no momento da admissão à UTI. (4, 11,
12, 17, 18)
11
A DCC já é considerada problema de saúde pública para alguns governos,
principalmente porque envolve internação prolongada (média de 60 dias, incluindo
20-40% das diárias de leito das UTIs) e gastos excessivos durante e após a estadia
no hospital (cerca de 20 bilhões de dólares por ano nos Estados Unidos são
destinados a DoCC, o que representa 13% dos gastos hospitalares no país).
Ambientes alternativos para os DoCC estão sendo criados e aprimorados por todo o
mundo, a fim de otimizar os recursos e liberar os leitos de UTI para pacientes críticos
agudos. Um desses ambientes são os “long-term acute care hospitals (LTACs)”,
definidos como hospitais de cuidados agudos com permanência que excede 25 dias.
(1, 2, 3, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 19, 29)
Os únicos dados epidemiológicos sobre a DCC no Ceará são os do Núcleo
Interno de Regulação de Leitos do Hospital Geral de Fortaleza (NIR/HGF). Definindo
DCC como mais de 21 dias consecutivos em ventilação mecânica por mais de 6
horas diárias ou indicação de traqueostomia, a incidência de DoCC no Centro de
Terapia Intensiva do HGF (CTI/HGF) é muito maior do que a relatada na literatura,
com mortalidade semelhante. Tais dados serão mais bem abordados no tópico
Discussão.
Apesar da alta taxa de mortalidade pela DCC, alguns estudos mostraram que
tanto
os
médicos
assistentes
e
quanto
os
familiares
têm
expectativas
superestimadas sobre o desfecho do paciente em um ano. Esse fato decorre da falta
de conhecimento sobre a DCC e da deficiência na comunicação da equipe
assistencial com os familiares. Prognosticar é algo desafiador para os médicos, e os
escores prognósticos geralmente usados para doentes críticos agudos, como o
APACHE, não são válidos para o DoCC. Para facilitar a predição de mortalidade, a
indicação de cuidados paliativos, a utilização racional de recursos hospitalares e a
12
comunicação sobre DCC, foi criado e validado o escore ProVent (Quadro 1). Com o
objetivo de predizer a mortalidade dos DoCCs em um ano, esse escore é baseado
nos
seguintes dados:
idade,
contagem
de
plaquetas e
necessidade
de
vasopressores ou hemodiálise no 21º dia de ventilação mecânica. A pontuação varia
de 0 a 5. Para pacientes com escore ProVent>2, a mortalidade hospitalar é 43%,
raramente há alta para casa, e a mortalidade em um ano é de 86% (Quadro 2). (6,
16, 18, 20, 21)
Quadro 1: Escore ProVent: variáveis e pontuação
Adaptado de CARSON, 2012
Variáveis
Pontuação
Idade
<50 anos
0
50-64 anos
1
≥65
2
Plaquetas
>150.000/mm³
0
≤150.000/mm³
1
Vasopressores
Não
0
sim
1
Hemodiálise
Não
0
Sim
1
13
Quadro 2: Mortalidade em um ano pelo escore ProVent
Adaptado de CARSON, 2012
Escore ProVent
Percentual de Mortalidade (IC 95%)
0
20 (10-29)
1
36 (24-48)
2
56 (45-68)
3
81 (67-94)
4 ou 5
100 (77-100)
3.3 Fisiopatologia e Quadro Clínico
É difícil a percepção da transição entre a doença crítica aguda e a síndrome
de doença crítica crônica. A história “natural” da DCC envolve infecções de
repetição, atelectasia, taquicardia compensatória ao baixo débito cardíaco,
desnutrição tipo Kwashiorkor, perda de massa muscular, hiperglicemia, doença
metabólica óssea, deficiência de vitamina D, ansiedade, transtorno depressivo,
alteração do ciclo sono-vigília, déficit cognitivo, coma e delirium, imobilidade, úlceras
por pressão, trombose venosa profunda e embolia pulmonar, hiporexia, constipação,
incontinência urinária, urolitíase, polineuropatia e miopatia do doente crítico,
hipotensão postural e disfunção do eixo neuroendócrino. (4, 6, 11, 22, 23, 24, 25)
A DCC não é simplesmente uma extensão temporal da doença crítica aguda,
é uma síndrome inflamatória distinta com fenótipo previsível e com planos
terapêuticos próprios, que independe do evento inicial (sepse, trauma, cirurgia etc.).
A fisiopatologia da DCC inclui distúrbios metabólicos, imunológicos, nutricionais e
14
neuroendócrinos, e para entender essas alterações, é necessário conhecer o
conceito de homeostasia e de alostasia. Homeostasia é a habilidade de manter os
parâmetros (como temperatura, pressão arterial, pH, frequência cardíaca e
respiratória) dentro dos limites normais. Quando o organismo é submetido a um
evento estressor, a homeostasia é modulada pelo fenômeno da alostasia: ajuste dos
parâmetros fisiológicos para atingir um novo equilíbrio, promovendo estabilidade
durante uma mudança. (5, 11, 25)
Na doença crítica aguda, o estímulo que leva à alostasia é efetivamente
eliminado, e os parâmetros homeostáticos retornam à linha de base. A sobrecarga
de estímulos estressantes, por outro lado, pode transformar o benefício da alostasia
em consequências fisiopatológicas danosas. Didaticamente, existem quatro estágios
fisiopatológicos possíveis para um doente crítico: doença crítica aguda, doença
crítica aguda prolongada, doença crítica crônica e recuperação. A resposta orgânica
à doença crítica aguda é marcada pelos hormônios adrenérgicos, estimulados pelo
eixo hipotálamo-hipófise, promovendo catabolismo e priorização de sistemas
orgânicos vitais; nesse momento, o objetivo terapêutico é o suporte cardiopulmonar
e a correção do insulto agudo, para desativar a alostasia. Se o insulto for grave
demais para ser revertido, ocorre a morte. Alternativamente, o insulto pode
continuar, diminuir ou se repetir, levando o paciente ao estágio de doença crítica
aguda prolongada. Nesse momento, há feedback negativo do eixo hipotálamohipófise pelos hormônios liberados no estágio anterior, causando diminuição do GH,
IGF-1, TSH, T3, T4 e ACTH. Ainda há hipercortisolismo pela produção da adrenal
via endotelina-1. Ocorre também hipogonadismo hipogonadotrófico. A alostasia já se
torna prejudicial nesse estágio, promovendo disfunções orgânicas persistentes,
catabolismo e resistência insulínica. O estágio fisiopatológico de doença crítica
15
crônica começaria em torno do 14º dia de doença e de dependência do ventilador
mecânico, quando há um estado permanente de sobrecarga alostática. Não há
marcador sérico específico para DCC. (5, 11, 25)
3.4 Tratamento e Prognóstico
Há poucos estudos sobre o tratamento do DoCC. A terapêutica do DoCC
precisa ser feita por equipe multidisciplinar, incluindo médico clínico, cirurgião,
psiquiatra,
enfermeiros,
nutricionistas, psicólogos,
fisioterapeutas,
terapeutas
ocupacionais, ortodontistas e os familiares. Os cuidados são oferecidos durante o
internamento e após a alta hospitalar, o que eleva os custos. Além disso, as taxas
de readmissão hospitalar são altas: 40% em um ano. O DoCC não se beneficia mais
das tentativas de reanimação volêmica e de estabilização dos sistemas orgânicos;
deve-se objetivar a restauração das reservas fisiológicas, reabilitação e o desmame
da ventilação mecânica. (6, 11, 25)
Se o trato gastrointestinal estiver funcionando, a nutrição é preferencialmente
feita por via enteral, e uma gastrostomia pode ser instituída se o tempo de sonda
enteral ultrapassar 30 dias. A oferta nutricional inclui glutamina, zinco, arginina,
vitamina A e vitamina C. A hiperglicemia é bastante frequente no DoCC, mesmo
não-diabéticos, devido ao estado inflamatório crônico. Deve-se utilizar insulina para
o controle glicêmico, com alvo de até 180mg/dL de glicemia capilar. Tal controle é
difícil, devido à imprevisibilidade das alterações hormonais, às variações da terapia
nutricional e ao uso frequente de corticoides. Para a doença mineral óssea, pode-se
ofertar cálcio e vitamina D na dieta, e até bifosfonatos. (5, 6, 11, 25)
16
A etiologia da neuromiopatia do doente crítico é desconhecida, e não há
tratamento específico. Precisa-se, portanto, evitar essa condição, controlando os
níveis glicêmicos, dando suporte hemodinâmico/ventilatório o mais breve possível
durante
a
fase
aguda
da
doença,
utilizando
corticoide
e
bloqueadores
neuromusculares de forma restritiva e criteriosa, prescrevendo mobilização e
fisioterapia. Os cuidados com as úlceras por pressão incluem mobilização, terapia
nutricional adequada, avaliação diária da pele localizada em pontos de pressão,
tratamento contínua desde a constatação do estágio 1, alívio da pressão sobre as
áreas envolvidas, desbridamento da área desvitalizada. (6, 11)
Um desmame eficiente da ventilação mecânica (VM) inclui despertar diário,
tentativas diárias de ventilação espontânea e implantação de protocolos organizados
para o desmame da VM. Isso previne a VMP e a pneumonia associada à ventilação
mecânica, e diminui o tempo de internação na UTI. Pode-se considerar o paciente
liberado da VM quando não precisa de suporte ventilatório (exceto por ventilação
não-invasiva no período noturno) por sete dias ou mais. Vários fatores dificultam o
desmame da VMP: desnutrição, neuromiopatia do doente crítico, miopatia por
corticoides, aspirações recorrentes, embolia pulmonar, delirium, depressão,
ansiedade, privação de sono, infecções, falha em identificar potencial desmame,
entre outros. A realização de traqueostomia precocemente pode diminuir o tempo
de ventilação mecânica e de internamento na UTI, mas os estudos são conflitantes;
além disso, prever uma VMP não é tão simples, e alguns pacientes podem ser
submetidos à traqueostomia desnecessariamente. Traqueostomia não altera
mortalidade. (6, 15, 16)
A maioria dos DoCC manifesta alguma alteração psíquica ou neurológica
durante o internamento e após a alta hospitalar. Os diagnósticos frequentemente
17
encontrados são transtorno de ansiedade, transtorno depressivo, déficit cognitivo,
delirium e alterações do sono. A identificação dessas condições, sua prevenção e
tratamento adequado são importantes para a redução do tempo de internamento e
melhora da qualidade de vida. (11, 24)
Para todos os DoCC, os cuidados paliativos são essenciais, incluindo aqueles
que estão recebendo tratamento curativo e terapias de suporte de vida. Além de
aliviar os sintomas, os cuidados paliativos visam à comunicação sobre os objetivos
do tratamento com a família e o próprio paciente (se for possível) e todo o suporte a
eles necessário. (19, 24, 26, 27)
Os DoCC podem ser tratados em diversos ambientes, que incluem do
domicílio à UTI, refletindo que a DCC é marcada por episódios de agudização. (5,
25)
Talvez o melhor modo de tratar o DoCC seja prevenindo a DCC. (25)
18
4 DISCUSSÃO
Utilizando as informações do Núcleo Interno de Regulação de Leitos do
Hospital Geral de Fortaleza (NIR/HGF), percebe-se que a incidência de DCC no
Centro de Terapia Intensiva do HGF (CTI/HGF) é muito maior do que a relatada na
literatura, que é de 5% a 10%. Cerca de 35% dos pacientes críticos agudos
internados no CTI/HGF se tornam DoCC, utilizando como definição de DCC a
ventilação mecânica por mais de 6 horas por dia por mais de 21 dias ou
traqueostomia por previsão de ventilação mecânica prolongada.
Para o NIR/HGF, é preocupante a ocupação dos leitos do CTI/HGF por esses
pacientes, que, em geral, têm internamentos prolongados. Isso ocorre pelo número
insuficiente de leitos de Unidade de Cuidados Especiais ou semi-intensivos no
estado do Ceará.
A letalidade dos DoCC no HGF é cerca de 48% durante o internamento. A
literatura internacional considera que a letalidade desses pacientes é de 48-70% em
um ano.
Não há estudo interno do hospital quanto às quantias gastas com DoCC.
Talvez, entender os motivos da incidência tão alta de DCC no HGF, aumentar
o número de leitos de cuidados semi-intensivos e de reabilitação e melhorar a
qualidade da assistência aos DoCCs sejam estratégias para otimizar a gestão de
leitos no HGF e, provavelmente, são extensivas a todos os hospitais públicos do
estado do Ceará.
19
5 CONCLUSÃO
Apesar da importância da doença crítica crônica e seu impacto na
organização do sistema de saúde, ainda faltam dados acerca dos seus aspectos
epidemiológicos e desfecho dos pacientes, particularmente nas unidades de terapia
intensiva brasileiras.
20
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