as políticas públicas de educação inclusiva e a

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AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A
UNIVERSIDADE BRASILEIRA – COMO A UNIVERSIDADE
BRASILEIRA DEVE COMPREENDER-SE NO PROCESSO DE
INCLUSÃO
VEIGA*, Marcelo da – PUCPR
[email protected]
BONETI**, Lindomar Wessler – PUCP
[email protected]
Resumo
A proposta central deste trabalho é destacar o papel das universidades brasileiras no processo
de inclusão social para a formação do indivíduo capaz de participar ativamente da sociedade,
não apenas sob o ponto de vista profissional, mas político-social. Trata-se de reflexões
teóricas resultantes de estudos realizados no Curso de Mestrado em Educação, sobre políticas
públicas de educação, especificamente para analisar a universidade brasileira como agente
fundamental para o crescimento sustentável do processo de inclusão no Brasil. Busca-se
demonstrar como a universidade brasileira deve compreender-se diante do desafio de
proporcionar aos indivíduos um acesso pleno à sociedade, como indivíduos capazes de
modificar a atual situação da desigualdade social e formadores de políticas públicas mais
justas e igualitárias. Para isso, será feita uma leitura do contexto universitário brasileiro, da
noção de desigualdade e participação na formação de políticas públicas e o processo de
participação pró-ativa. São discutidos temas como inclusão, exclusão, autonomia, acesso,
acessibilidade e principalmente participação ativa, sendo este último tema fundamentado na
proposta de Pedro Demo. Ainda é discutido o papel do Estado na formação de políticas
públicas e destas políticas no processo de inclusão, além de analisar o contexto das
universidades brasileiras, e como estas devem proporcionar um processo de inclusão efetivo.
A metodologia utilizada busca um conhecimento dos conceitos intrínsecos ao processo de
inclusão, através da análise crítica dos resultados encontrados para o fim de contribuir com os
estudos realizados. Do ponto de vista científico contribui como referencial teórico para novos
estudos, do ponto de vista social contribui para a conscientização e promoção do
desenvolvimento da sociedade.
Palavras-chave: Inclusão; Universidades Brasileiras; Participação.
*Aluno do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) Mestrado e Doutorado da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná. Professor nos cursos de Administração, Ciências Econômicas e Ciências Contábeis da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
** Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) Mestrado e Doutorado da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná. Pesquisador nas áreas de políticas públicas, educação e cidadania; políticas da
educação superior; exclusão e inclusão social; a desigualdade social e a escola.
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Introdução
O objetivo principal deste trabalho é destacar o papel universidades brasileiras no
processo de inclusão social para a formação do indivíduo capaz de participar ativamente da
sociedade, não apenas sob o ponto de vista profissional, mas político-social. Para isso, será
feita uma leitura do contexto universitário brasileiro, da noção de desigualdade e participação
na formação de políticas públicas e o processo de participação pró-ativa.
Este trabalho decorre dos questionamentos propostos no mestrado em educação
quando me proponho a compreender como o processo de inclusão no ensino superior ocorre e
qual o papel da universidade brasileira. A questão central está em como a universidade
brasileira se compreende no processo de inclusão escolar.
A questão da desigualdade social vem sendo alvo das discussões sobre o futuro da
América Latina, em termos de sustentabilidade, de dependência econômico-financeira e em
termos de delineamento das políticas públicas adotadas. Autores, governantes, políticas
sociais destacam a importância da inclusão social através do acesso aos diversos níveis
educacionais.
Ao mesmo tempo em que são discutidos temas como inclusão social, desigualdade e
acesso à educação, percebe-se um processo de realinhamento do sistema de ensino superior
brasileiro. Em minha prática profissional como docente de uma universidade comunitária,
venho percebendo o ingresso de jovens provenientes de programas sociais, mas as
organizações não têm encontrado estratégias de integração que favoreçam a sua inclusão.
Sabe-se, no entanto, que uma vez que a desigualdade social é o principal entrave ao
desenvolvimento sustentável, é necessário criar mecanismos igualitários que contribuam para
a melhor adaptação dos atores envolvidos nas Instituições de Educação Superior - IES.
Desafios de manutenção do atual modelo universitário surgem, em termos de
financiamento do ensino, pesquisa e extensão, ao mesmo tempo em que surge também a
necessidade de redistribuir as condições de acesso aos excluídos sociais, onde o governo
repassa a responsabilidade para as instituições de educação superior.
A Educação Inclusiva, ainda pouco conhecida no Brasil, vem desencadeando no
mundo todo uma mudança de paradigmas na Educação, transformando a visão
estigmatizadora do excluído. A Educação Inclusiva privilegia o caráter plástico da capacidade
de aprendizagem dos seres humanos e revela que todos podem aprender, desde que sob
condições necessárias.
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As crescentes exigências da sociedade moderna, as inovações tecnológicas, as
instituições científicas, refletem e modelam com grande intensidade as estruturas de
gerenciamento do sistema educacional brasileiro, que nas últimas décadas tem sido palco de
expressivos indicadores de desenvolvimento social bem como, de análises reflexivas sobre a
inclusão e permanência de jovens e adultos na sociedade do conhecimento.
Para Choo (2003, p. 32), “a principal atividade de informação é resolver a
ambigüidade das informações sobre o ambiente: o que está acontecendo lá fora? Por que isso
está ocorrendo? O que isso significa?” Essa forma de criação de significado deve ser feita de
maneira retrospectiva, haja vista apenas poder-se dar sentido a ações ou fatos que já
aconteceram. Somente assim se pode olhar para trás e construir seu significado. Choo (2003)
afirma:
Os fatos presentes são comparados com a experiência passada, com o objetivo de
construir significado: “O objetivo das organizações, vistas como sistemas de criação
de significado, é criar e identificar fatos recorrentes, de modo a estabilizar o
ambiente e torná-los mais previsíveis. Um fato perceptível é aquele que lembra algo
que já aconteceu antes.
Para Amaral (2003, p. 12) “não há possibilidade de nação soberana, sem autonomia
científica e tecnológica. Não há possibilidade de inserção justa na sociedade internacional, na
globalização, como se diz agora, sem soberania”.
O contexto universitário no Brasil
Inseridas em um contexto de vulnerabilidade, alto grau de competitividade, novas
exigências e pressões do mercado e governamentais, as instituições de educação superior
devem ter a capacidade de se reconstruir continuamente. A organização voltada para o futuro
“não verá o cliente como um consumidor de produtos pré-fabricados, mas como um ser
humano total, com aspirações, desejos e necessidades e uma grande capacidade de
contribuição” (MOTTA, 1999, p. 29).
Ao gestor da área educacional, faz-se como pressuposto conciliar a gestão
administrativa, pedagógica, acadêmica e científica. Neste cenário em construção, a gestão das
organizações de ensino para Finger (1997) deveria estar centrada no seu plano estratégico e
servir como elemento facilitador de processo educacional. A gestão, os seus processos e
recursos devem estar a serviço do objetivo fim institucional, que é a qualidade de ensino
oferecida a seus alunos. Conforme Finger (1997), deixar de enfatizar as hierarquias estruturais
2414
e incorporar mais a coordenação e a motivação como métodos de trabalho, substituindo a
tradicional chefia e supervisão.
O atual contexto aponta a expansão do ensino superior, consolidada pelo segmento
privado, ao mesmo tempo em que a qualidade do ensino é questionada. A concorrência na
educação aumenta e a relevância social da educação é exigida. O foco da educação superior
está no mercado, que busca qualidade e competência. O modelo de universidade empresarial
está se disseminando, e contratos de gestão vêm sendo propostos.
Estes fatores agem em conjunto no interior dos sistemas educacionais, perturbando os
pactos implícitos de acomodação e ingerência recíprocos que costumam predominar em seu
interior. A escassez crescente de recursos orçamentários, a busca de critérios mais adequados
em sua distribuição, a obsolescência de práticas educacionais estabelecidas, o surgimento de
novas demandas e fontes potenciais de recursos em um mercado muito mais amplo de
interesses, tudo isto faz com que os setores mais dinâmicos das universidades tendam a se
mover com mais determinação, questionando o seu entorno, aceitando com menos
complacência a acomodação e a estagnação, e procurando novos caminhos.
A UNESCO no documento “O ensino superior no século XXI: visão e ações”,
resultante da Conferência Mundial sobre o Ensino Superior realizada em Paris no ano de 1998
destaca a exigência da qualidade e de políticas que busquem a melhora da qualidade faz com
que as instituições procurem melhorar simultaneamente cada um dos componentes
individuais, formando um sistema coerente.
Neste ponto vale destacar que a qualidade não fica restrita a estrutura da instituição,
mas pessoal envolvido na prestação do serviço, alunos, programas e principalmente a gestão
da instituição.
Marcelo Freitas destaca que “O educador não é mais aquele que vende seu tempo para
a escola, mas sim um detentor de competências que agregam valor para o alcance dos
objetivos institucionais”. A UNESCO relata a importância da interação entre a relação do
ensino superior com o mercado de trabalho, principalmente em países em desenvolvimento. A
qualidade desejada deve ser capaz de contemplar o sucesso acadêmico em conjunto com o
papel contemporâneo e estratégico que a educação deve desempenhar no desenvolvimento de
uma nação.
É neste ponto em especial que se analisam alguns conceitos relevantes. Sabe-se que a
integração com o mercado de trabalho é importante. Mas a formação plena do indivíduo como
agente participativo, como agente de mudança da sociedade onde está inserido é fundamental.
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Assim as políticas públicas devem estar voltadas não somente à inserção, mas a integração do
indivíduo ao meio, e principalmente para torná-lo um sujeito pró-ativo.
A noção de desigualdade social adotada pelas políticas públicas
A classe dominante não enxerga a desigualdade social, imaginando ser possível atingir
os direitos sociais por meio das instâncias judiciais. Primeiro se faz importante definir
igualdade, desigualdade e pobreza.
Marx ainda é o estudo mais próximo da desigualdade social. Rosseau examina a
questão da desigualdade segundo a interpretação que o homem dá de si e dos outros após o
aparecimento da sociedade civil. A noção de igualdade e desigualdade passa a ser
extremamente jurídica. Fundamenta-se na relação entre a pessoa e a organização da sociedade
civil, quem é, qual o papel exercido no grupo social, quanto ganha, etc. Não é levado em
conta o aspecto histórico, nem um contexto social mais amplo.
Pensar sobre desigualdade implica pensar a condição social; pensar sobre a condição
social implica pensar sobre diferença. O desigual é o pobre e não o rico, apesar do número de
pobres ser superior ao de ricos. Os pobres acabam por legitimar o poder dos ricos sobre eles.
A essência do critério de construção da noção de desigualdade social é a capacidade
individual de acesso aos bens sociais e culturais reconhecidos pela racionalidade burguesa. Os
segmentos pobres assim se consideram quando dizem não ter acesso a escolha, ao trabalho, ao
lazer, ao transporte coletivo e à serviços de saúde, entre outros.
Autonomia, homogeneidade e normalização
Para Piaget (1977), a constituição do princípio de autonomia se desenvolve juntamente
com o processo de desenvolvimento da autoconsciência. No início, a inteligência está calcada
em atividades motoras, centradas no próprio indivíduo, numa relação egocêntrica de si para si
mesmo. É a consciência centrada no eu. Nessa fase a criança joga consigo mesma e não
precisa compartilhar com o outro. É o estado de anomia.
O estado de autonomia se constitui centrado no reconhecimento do outro como ele
mesmo e no respeito mútuo. As regras são constituídas cooperativa e racionalmente. O
indivíduo é sujeito de seus atos. As relações interindividuais estão presentes em todos os
sentidos e as regras emanam no coletivo e são construídas nas relações, engendradas pelas
relações, e não por este indivíduo ou por aquele grupo para os outros. Os indivíduos fazem
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parte da construção, do respeito e das reformulações das regas sempre que novas relações ou
novas opções se fazem necessárias. É o estado de autoconsciência.
A educação não pode ter como objetivo tornar o indivíduo apto para o convívio social
e o trabalho, segundo normas preestabelecidas e condizentes com os interesses do mercado
produtivo, e sim para formar o homem como cidadão ativo exercendo sua individualidade,
deve contribuir para um indivíduo autônomo e capaz de redefinir a sociedade onde deseja
conviver.
Quanto à homogeneidade, para Durkheim (1952) a sociedade não poderia existir sem
que houvesse em seus membros certa homogeneidade: a educação perpetua e reforça essa
homogeneidade, fixando de antemão na alma da criança certas similitudes essenciais,
reclamadas pela vida coletiva.
Por outro lado, sem uma tal ou qual diversificação, toda cooperação seria impossível:
a educação assegura a persistência desta diversidade necessária, diversificando-se ela mesma
e permitindo as especializações. Se a sociedade tiver chegado a um grau de desenvolvimento
em que as antigas divisões, em castas e em classes não possam mais manter-se, ela
prescreverá uma educação mais igualitária, como básica.
Se, ao mesmo tempo, o trabalho se especializar, ela provocará nas crianças, sobre um
primeiro fundo de idéias e de sentimentos comuns, mais rica diversidade de aptidões
profissionais. O princípio da normalização diz respeito a uma colocação seletiva do indivíduo
em uma classe à qual não pertence. No Brasil este processo é utilizado para incluir portadores
de deficiência em classes comuns. Neste caso, o professor de classe comum não recebe um
suporte do professor da área de educação especial. Os estudantes do processo de normalização
precisam demonstrar que são capazes de permanecer na classe comum.
O maior viés deste método é o determinante de que aquele indivíduo deve se adaptar
ao grupo dito “comum”, sem a modificação deste para aceitá-lo. O indivíduo acessa o novo
grupo, sem, no entanto, ter a oportunidade de agir sobre ele.
Formação integral do indivíduo
A educação inclusiva deve antes de tudo pressupor uma educação voltada a formação
integral do indivíduo objeto da inclusão. A simples inclusão do indivíduo em um grupo do
qual não pertence não basta, há de se contemplar uma ampla formação capaz de fazer dele um
cidadão ativo e participativo naquele grupo.
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O homem deve ser concebido como um ser integral, o qual, que se relaciona com
outros indivíduos, afirma a sua identidade social e política e reconhece as diferenças e
semelhanças, reforçando os laços de convívio desenvolvendo sua identidade e sua
socialibilidade.
Essa concepção de homem resulta em pensar um “eu” socialmente competente, um
sujeito político, um cidadão capaz de atuar sobre a realidade e, dessa forma, ter participação
ativa na história da sociedade da qual faz parte e na construção de sua própria história. A
importância de formar um cidadão pleno, ativo e participativo no processo cultural, político,
econômico e social deve ser o enfoque da educação inclusiva. Segundo Freire (1996, p. 59)
“as pessoas são seres condicionados, mas não seres determinados”.
A formação vai muito mais além do que a preparação técnico-científica, conforme
Freire (1996). Segundo o autor, infelizmente o que é válido atualmente é o “pragmatismo”
pedagógico, ou seja, o treino técnico-científico, fundamentalmente voltado para a ditadura do
mercado.
O autor ainda cita que “...ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para sua própria produção ou a sua construção”, e que o conhecimento precisa
ser vivido e testemunhado pelo agente pedagógico. Esse raciocínio existe por sermos seres
humanos e, como tal, temos consciência que somos inacabados. Freire (1996, p 52).
Demo (1988, pg. 49) enfoca a educação como agente de conscientização política:
"acreditamos que a maior virtude da educação, ao contrário do que muitos pensam, está em
ser instrumento de participação política." O termo "educação integral" também foi utilizado
no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1984). A idéia de educação integral presente
no Manifesto é a do direito do indivíduo a uma educação pública que alcance diversas
dimensões de sua formação.
Integração e acessabilidade
Diferente do conceito de normalização a integração pressupõe participação de todos.
Neste caso, se o indivíduo inserido não atende aos moldes de outro grupo social, tanto o
indivíduo quanto o grupo devem trabalhar juntos para que ambos possam criar um meio de
convivência harmoniosa e enriquecedora.
A integração educacional deve ser avaliada não somente em si mesma, levando-se
em conta se possibilita o desenvolvimento pessoal e social da criança com
necessidades especiais, mas também se favorece a integração na sociedade e durante
a vida adulta. Neste último ponto, é preciso levar em conta que o processo de
integração depende em uma pequena parte das possibilidades do indivíduo e em
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grande parte da adaptação das instituições a essas possibilidades. Neste sentido, a
integração comunitária pressupõe mudanças muito importantes na estrutura social e
nas atitudes dos cidadãos, podendo, assim, ocorrer um processo satisfatório de
integração escolar, seguido de uma difícil incorporação à sociedade (COLL e
OUTROS, 1995).
A acessibilidade, no entanto diferencia-se da integração, como acesso entende-se o
direito adquirido de usufruir de um direito comum à todos. Assim, é direito de todos a
educação, e, portanto, é papel do Estado prover este acesso. Este indicador pode esconder
muitas deficiências no sistema educacional. Uma comunidade onde todas as crianças em
idade escolar freqüentam instituições de ensino não é necessariamente uma comunidade
desenvolvida ou com uma participação mais igualitária nos meios de produção e renda.
A visão dos filósofos sobre educação e cidadania
Platão, em A República (1975), estabelece uma relação entre a educação e a cidadania.
Delineia uma utopia pedagógica cuja realização depende de uma transformação radical do
Estado. Nessa sociedade ideal, a educação corresponde ao desenvolvimento de faculdades e
virtudes adequadas às funções que os indivíduos exercem e é essa adequação que produz a
justiça, com cada um desempenhando, de maneira satisfatória, a função para a qual é mais
apto. Aos filósofos, que cultivam a razão, caberia governar a sociedade.
Acima da experiência, da arte e da ciência, Aristóteles (1973) destaca a filosofia como
a mais alta de todas as ciências, reservada à formação do homem justo, o cidadão. Para
Aristóteles (1977), somente o Estado poderá oportunizar o pleno desenvolvimento dos valores
morais "uma vez que todos pertencem ao Estado de que cada um é parte". Portanto, a
educação tem caráter público.
O que Kant propõe para a educação deriva-se de suas concepções filosóficas e
políticas. Ele afirma que "o homem não pode chegar a ser homem a não ser por intermédio da
educação. Ele não é mais do que aquilo que a educação faz dele" (Kant, 1996a, p. 73). Educase para o exercício da razão por meio da disciplina, aspecto negativo da formação, no qual o
homem aprende a dominar seus instintos, e por meio da instrução, aspecto positivo, no qual
adquire cultura (Kant, 1996b).
Para Hegel são direitos inerentes ao indivíduo: a) A individualidade da liberdade no
ser-para-si puro. Este é o direito mais alto, mas ao mesmo tempo, enquanto superioridade só
abstrata, é o completamente baixo. b) Ninguém pode ter sobre a pessoa o direito sobre ela,
como sobre uma coisa. Ao indivíduo pertence o corpo e a vida e tudo que não seja exterior à
pessoa. O indivíduo tem direito sobre as coisas.c) Como pessoas todos os homens são iguais.
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Hegel pensa em uma formação voltada para a vida pública, mais especificamente, para
o serviço do Estado. Nesse sentido, a função da escola deve ser compreendida em relação a
sua concepção de Estado sustentado por uma classe média constituída de funcionários
competentes e por uma classe política situada acima das demais classes, com funções de
governo. É, portanto, tarefa da escola preparar os indivíduos para serem membros desse
Estado.
A educação como formação à cidadania – sob o ponto de vista da obra de Pedro Demo
Na obra de Pedro Demo “Participação é conquista” ele faz uma crítica ao processo de
inclusão e educacional, tendo como principal argumento o fato da educação estar voltada aos
interesses do exclusor, que não permite ao indivíduo excluído participar do processo político,
que segundo o autor é o maior direito do indivíduo.
A escolha de prover a inclusão social não é apenas um aspecto qualitativo, onde se
espera o aumento do nível intelectual da população. Ao contrário, uma vez que estamos em
um contexto onde a exclusão social é atrativa a muitos, a inclusão deverá ocorrer a medida em
que contribui para a classe dominante. Toda nação necessita ter a sua disposição recursos para
o desenvolvimento ou manutenção do poder. Entre estes recursos está o recurso humano, ou o
insumo intelectual.
A inclusão vem para capacitar os indivíduos da classe dominada para que tenham
capacitação técnica, sem no entanto, descaracterizar a submissão ao atual modelo. Segundo
DEMO (1988), o planejamento participativo está baseado em três componentes básicos: a) o
processo inicial de formação da consciência crítica e autocrítica na comunidade; b) a
necessidade de formulação de uma estratégia concreta de enfrentamento dos problemas; c) a
necessidade de se organizar.
Dessa forma, torna-se mister a criação de um senso crítico na população, incentivando
a crítica quanto ao estado das coisas, inclusive no que tange as próprias iniciativas. Uma vez
contextualizada a situação esta população pode extrair os problemas e criar mecanismos para
enfrentá-los. Inclusão social, ou planejamento participativo para realizar estes dois pontos
deve contar com uma população organizada, uma vez que um único indivíduo não terá poder
para mudar o estado das coisas.
Demo (1988, p. 23) nos relata que "... a redução das desigualdades só pode ser fruto de
um processo árduo de participação, que é conquista, em seu legítimo sentido de defesa de
interesses contra interesses adversos."
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O problema quanto ao uso da educação para provimento da inclusão social, está no
fato de que a classe mobilizadora, representada neste contexto pelos professores, colegiados,
gestores escolares, não representa a idéia do excluído, uma vez que se compõe por indivíduos
provenientes da classe favorecida. A interiorização dos ideais da inclusão social, necessita que
o professor compreenda a realidade do ponto de vista do excluído, e não do exclusor. Isso não
quer dizer que o educador deve morar em um subúrbio, não ter comida à mesa ou não ter o
que vestir, mas saber contextualizar a faceta de um contexto cujo pensamento não visita
costumeiramente.
Conclusões
Compreender a educação como um fenômeno humano produzido em situações sóciohistóricas, num processo de conquistas e elaborações sociais de significados, permite
compreender o verdadeiro sentido da educação inclusiva.
É importante uma visão participativa de todos na área educacional, seja como discente,
docente ou administrador universitário. Não basta compreender o processo de inclusão sem,
no entanto, perceber-se como indivíduo comprometido.
Torna-se mister a criação de um senso crítico na população, incentivando a crítica
quanto ao estado das coisas, inclusive no que tange as próprias iniciativas. Uma vez
contextualizada a situação esta população pode extrair os problemas e criar mecanismos para
enfrentá-los. Inclusão social, ou planejamento participativo para realizar estes dois pontos
deve contar com uma população organizada, uma vez que um único indivíduo não terá poder
para mudar o estado das coisas.
Neste sentido, diante do desafio de integrar os anseios financeiros de financiamento do
ensino e os anseios políticos-sociais de um país em desenvolvimento, o papel das instituições
de educação superior é criar mecanismos de gestão universitária capazes, mas principalmente
o de criar nos seus agentes a noção de que todos devem estar comprometidos neste objetivo.
As instituições de educação superior devem compreender seu papel na formação plena
dos indivíduos, de agentes ativos na redução da desigualdade social. Para isso, devem
compreender o verdadeiro sentido da exclusão e da inclusão.
Apenas inserir indivíduos no contexto universitário não basta. Cada vez que isto
ocorre estamos dando-lhes oportunidade de participar do mercado de trabalho, mas talvez,
não estamos oferecendo a oportunidade para que se torne um cidadão pleno.
2421
A universidade brasileira necessita desenvolver programas internos de integração,
onde o indivíduo compreenda o sentido da participação político-social.
Programas de cooperação com a sociedade, de responsabilidade social, de participação
nos movimentos políticos e sociais, cooperação na formação de políticas públicas deve fazer
parte do currículo destas instituições.
Além disso devem promover sistemas de avaliação destes programas, da eficácia e do
impacto na cultura de seus alunos.
No Brasil o papel das instituições de educação superior na formação de políticas
públicas ainda é muito pequeno. Poucos são os exemplos de participação de instituições de
caráter privado em ações comunitárias.
Ademais, devem contribuir para que os indivíduos incluídos possam criar também, um
senso de responsabilidade para diminuir a desigualdade, e que através dos conhecimentos
adquiridos possam mudar a realidade daqueles que fazem parte da sua convivência social.
Não há dúvidas que a universidade brasileira tem papel fundamental na redução da
desigualdade social e no favorecimento do desenvolvimento sustentável do país. São elas os
agentes capazes de criar o senso crítico, através da pesquisa, da compreensão e análise do
contexto social. Para isso não podem promover apenas o desenvolvimento de um indivíduo
tecnicista, mas principalmente devem promover a formação de um cidadão pró-ativo.
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