Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 11 - Nº 34 / 2º Semestre 2011 Eleições estadunidenses: o árduo caminho até 2012 Márcio Bonilha Neto Em virtude do cenário de crise econômica, um tema vem ganhando bastante força nos noticiários. Trata-se das eleições para presidente dos Estados Unidos, que, apesar de marcadas apenas para o dia 6 de novembro de 2012, já vêm movimentado os dois principais partidos. A realidade é que os Estados Unidos passam por uma grave crise econômica. Não se trata mais de grandes bancos de investimentos indo à falência (o que por si só já é um péssimo cenário), mas de um grande número de homens e mulheres sem emprego e muitas empresas produzindo menos. Em resumo, o contexto é de baixo crescimento, aliado à falta de perspectivas de melhora no curto prazo, em virtude da ausência de resultados após as medidas tomadas nos últimos anos. Diante disso, o pensamento para os próximos anos é natural. Mais do que isso, é de interesse profundo dos mercados, pois o perfil do próximo presidente indica o rumo da economia dos Estados Unidos. Resta-nos analisar a conjuntura norte-americana, levando em consideração os prováveis candidatos e os argumentos de ambos os lados. Isso porque são esses argumentos que trazem a economia tão perto da política: o que vimos nas discussões para o aumento do teto da dívida norte-americana foi um Congresso extremamente equilibrado, com os Democratas buscando aumento nos tributos e Republicanos exigindo cortes nos gastos com programas sociais do governo federal. A campanha eleitoral já começou, como é possível perceber na atitude dos partidos. Pelo lado dos Democratas, Barack Obama se declarou candidato à reeleição e fez isso mais de um ano e meio antes da eleição. Aliada à declaração, está sua atitude, uma vez que passou as últimas semanas rodando os Estados Unidos e, em cada local em que se encontrava, discursava sobre um tema sensível à região, mostrando o que vem sendo feito e como suas ideias podem melhorar a situação. O exemplo mais evidente dessa tática foi a viagem de ônibus (assim como em 2008) pelo meio-oeste norte-americano, uma das regiões que mais sofrem com a crise. Além disso, o atual presidente, afeito ao marketing e às redes sociais, lançou campanha para incentivar doações: todos aqueles que doarem mais de cinquenta dólares para o candidato participarão de um jantar com ele. Pelo lado dos Republicanos, a movimentação também já começou. Há, no entanto, uma diferença básica, pois, enquanto Obama é o candidato natural dos Democratas, a oposição precisará definir um nome nas primárias. Apesar de estas só ocorrerem no início de 2012, já há alguns nomes e, dentre estes, alguns favoritos. Até o momento, são dois os principais candidatos: Mitt Romney, ex-governador de 10 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 11 - Nº 34 / 2º Semestre 2011 Massachusetts e Rick Perry, atual governador do Texas. Nos dois casos, o destaque é decorrente de bons governos nos estados em que passaram, principalmente na área econômica, a qual será o principal ponto da campanha. No entanto, os dois pré-candidatos têm históricos e características que impedem unanimidade dentro do próprio partido. Por um lado, Romney é considerado muito liberal para os padrões republicanos, além de ser mórmon, religião que não é muito bem vista por grande parte do eleitorado do partido, composto basicamente por cristãos evangélicos. A religião também é um problema para Rick Perry, mas não por sua escolha, a qual coincide com a maioria dos eleitores. A questão, para o governador do Texas, é a maneira ortodoxa que a pratica, de modo que acaba sendo, muitas vezes, criticado por ativistas laicos, por misturar suas crenças com a política. Dois exemplos disso ocorreram nesse ano: em abril, o texano reuniu milhares de pessoas para orações coletivas por chuva. Nesse mês, em meio às discussões sobre o teto da dívida, ele foi pedir orientação a Deus sobre os rumos da política norte-americana. Por outro lado, pesa a seu favor o fato de ele ser proveniente do Texas, um estado de peso no complexo sistema eleitoral dos Estados Unidos, em que quanto maior a população, maior o número de delegados. Além desses dois, há também outros candidatos, mas com menor expressão, uma vez que não têm a mesma experiência em economia dos dois favoritos. Com os mesmos problemas de Mitt Romney (extremamente liberal e mórmon), há o ex-governador de Utah, Jon Hunstman, cuja candidatura não deve emplacar em virtude de suas ligações com os Democratas, já que até pouco tempo atrás ele era o embaixador norte-americano na China. Outra candidatura que vem perdendo popularidade é a de Michele Bachmann, cujo principal atrativo é o de ser mulher e cristã fervorosa. No princípio, ela parecia ser uma das favoritas, mas foi a principal prejudicada pela entrada de Rick Perry na corrida, pois os dois têm o mesmo apelo, mas o governador do Texas é muito mais experiente, principalmente no que diz respeito a temas econômicos. Há, ainda, dois nomes que vêm sendo citados nas pesquisas, apesar de esses políticos não se declararem como précandidatos. O primeiro deles é de Rudolph Giuliani, prefeito de Nova Iorque na época dos ataques terroristas de 11 de setembro. Apesar de ter feito um bom governo na principal cidade do país, Giuliani está afastado dos cargos eletivos, além de ter sofrido amarga derrota na campanha para ser o candidato republicano em 2008. Por fim, há a ex-governadora do Alasca, Sarah Palin. Ainda desgastada pelas últimas eleições, ela ainda não se decidiu se participará do processo novamente, de modo que tudo dependerá da consolidação do saldo político do Tea Party, cuja forte oposição dificultou as negociações para o aumento do teto da dívida. Em virtude do contexto que já apresentamos aqui, de desemprego acima de 9% e baixo crescimento, é certo que o tema principal de debate será a economia. Para uma 11 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 11 - Nº 34 / 2º Semestre 2011 melhor compreensão dos argumentos de ambos os partidos, é importante que seja feita uma breve retrospectiva dos últimos anos. Com a crise no ano de 2008, que levou pânico ao mercado financeiro e acarretou na falência de várias instituições, com destaque para o Lehman Brothers, a eleição de Barack Obama, como sucessor do controverso Republicano George W. Bush, não foi nenhuma surpresa. Assumindo a presidência com status de estrela, o primeiro negro a chegar ao cargo tido como o mais importante do mundo teve de enfrentar a crise, a qual pode ser considerada uma verdadeira “herança maldita”. Desta forma, continuou as medidas de seu antecessor, na medida em que auxiliou as principais instituições financeiras, evitando falências. Ao mesmo tempo, o Federal Reserve manteve a política de juros baixos, sendo que atualmente eles estão zerados, se considerarmos a inflação, e houve, também, forte emissão de moeda. O objetivo dessas medidas era estimular a economia, gerar empregos e retomar o crescimento, o que não foi possível em virtude da falta de confiança do mercado, aliada a força de atração que os países emergentes exercem em relação ao dólar. Com isso, apesar dos bilhões despejados nos Estados Unidos, os consumidores de lá não viram nenhuma mudança, pois todo este capital buscou o crescimento e os juros altos praticados pelos BRICS (sendo esse um dos principais motivos da valorização de nossa moeda). Ao mesmo tempo, o presidente Barack Obama se destacou por outros aspectos. Ainda na economia, foram freqüentes os discursos com vistas a estimular o consumo para que a circulação de moeda fizesse a economia se recuperar. No entanto, a população estava (e ainda está) bastante endividada, sendo que a maior parte do capital circulante provém do pagamento das hipotecas remanescentes da crise de 2008. Outro ponto alto (e ao mesmo tempo bastante controvertido) foi o foco do presidente nos programas sociais: após longo debate no Congresso, o governo conseguiu passar o Medicare, programa de saúde básica mais abrangente para os norte-americanos. Em um país marcado pela forte iniciativa privada, medidas como esta, bem como o segurodesemprego, entre outras, são vistas com bastante desconfiança, de modo que alguns passaram a taxar Obama de socialista. Mais recentemente, na discussão sobre o teto da dívida, o assunto voltou à tona, na medida em que os Republicanos pretendiam cortar esses gastos sociais, com o objetivo de diminuir o déficit. No entanto, foi na política externa a maior surpresa da Barack Obama. Durante a campanha para a Casa Branca, esse foi o principal campo de questionamento sobre ele, o que influenciou na escolha de seu vice, Joe Biden. Entretanto, foi o “inexperiente” Obama que chefiou a operação que matou Osama Bin Laden, feito este que foi o maior objetivo da política externa de George Bush. Tal fato acarretou em uma grande popularidade para o presidente, que aproveitou o momento para lançar sua candidatura. No entanto, os acontecimentos seguintes, em especial o agravamento da crise 12 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 11 - Nº 34 / 2º Semestre 2011 econômica e o rebaixamento da nota do país, pela Standard&Poor’s, mudaram este quadro, de modo que a aprovação de Obama hoje é menor que a de seu antecessor. É dentro desse quadro de desconfiança em relação a Barack Obama que cresce a força dos Republicanos. No entanto, o grande problema da oposição é a falta de homogeneidade em seu quadro, no qual há desde os mais moderados, com certa proximidade em relação ao governo (como é o caso de Jon Hunstman) até os mais exaltados, dentre os quais se destacam os membros do movimento Tea Party. Estes começaram a ter projeção com a candidatura de Sarah Palin à vice-presidência em 2008 e, no atual Congresso, ganharam bastante força, tendo sido os grandes responsáveis pelo longo impasse nas discussões sobre o aumento do teto da dívida pública norte-americana. Tendo em vista esse breve histórico do atual governo, já é possível levantarmos alguns argumentos que serão trazidos à tona durante a campanha. Pelo lado dos Democratas, Obama tentará convencer os eleitores de que a crise teve origem com seu antecessor e de que ele precisará de mais tempo para colocar suas ideias em prática e resolver de vez o problema. Além disso, é certo que ele valorizará a morte de Osama Bin Laden, assim como o fato de que ele foi muito mais flexível nas discussões sobre o teto da dívida. Os Republicanos, por sua vez, voltarão a criticar a inexperiência de Obama, mas agora com um foco maior na economia. Este tema, que sempre foi central nas eleições dos Estados Unidos (como nos esquecer do “é a economia, estúpido”) ganhará ainda mais força, tendo em vista o declínio dos Estados Unidos e a ascensão das potências emergentes, principalmente da China. Dentro desse contexto, o ataque será centrado nos gastos com programas sociais. Há, ainda, um assunto comum aos dois partidos. Como nos Estados Unidos o voto é facultativo, ambos terão de convencer seus eleitores a votar, uma tarefa que será extremamente difícil, tendo em vista que pesquisas indicam que a população vem se desiludindo cada vez mais com os políticos, relacionando estes com os problemas econômicos individuais. Certamente outros assuntos virão à tona, estes que aqui foram levantados estão limitados pelo tempo. O presidente Barack Obama tem ainda um ano pela frente. Com certeza será um ano difícil, as perspectivas para a economia dos Estados Unidos não são boas, tendo em vista que boa parte de seus parceiros também passa por momentos difíceis. No entanto, ainda é muito cedo para qualquer previsão ou pesquisa de opinião. Por fim, é fundamental que nós não nos esqueçamos de outra votação, pois parte do Congresso também será renovada. Nós, brasileiros, conhecemos bem a dependência do presidente em relação ao Legislativo e os norte-americanos também vêm sofrendo muito com isso. Deste modo, os dois partidos buscarão aumentar suas bancadas, com objetivo de pôr fim ao atual equilíbrio, o qual vem dificultando a tomada das decisões mais complexas. 13 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 11 - Nº 34 / 2º Semestre 2011 Faltando mais de um ano para as eleições, é fundamental que o processo não paralise os Estados Unidos. Em um mundo ainda em crise, a falta de ação do país que emite a principal moeda de circulação não é algo que desejamos. Desta forma, torçamos por uma campanha que não se confunda com o governo, que as ações dos legisladores não sejam pautadas pelo voto, mas sim pelo bemestar da sociedade e, consequentemente, da economia internacional. Sei que talvez esteja pedindo muito, mas a responsabilidade política no próximo ano deveria ser o fator mais importante para a escolha dos candidatos. Os Estados Unidos ainda são a principal economia do planeta e um importante parceiro comercial do Brasil. Em virtude disso, os fatos que acontecem lá têm grande repercussão aqui, de modo que devemos estar sempre atentos aos próximos passos e de olho nos principais nomes, para saber o que nos espera. Márcio Bonilha Neto é Bacharel em Direito (USP) e Relações Internacionais (PUC-SP) e autor do blog politicainternacional.blog.com. 14