John Locke - Universidade Católica Editora

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CEFI – CENTRO DE ESTUDOS DE FILOSOFIA
John Locke
nos 300 anos da sua morte
organização
Universidade Católica Editora
Carlos Morujão
Luís Loia
Índice
Apresentação
Génese e Significação: Locke, Descartes e o Platonismo de Cambridge
Carlos Morujão
7
11
Lucidez Empírica ou Luz Natural da Razão? A propósito do Ensaio sobre o
Entendimento Humano de John Locke
Carlos H. C. Silva
25
As aporias sobre a identidade pessoal em John Locke. Análise do
texto: “Da identidade e da diversidade” (Essay, II, 27)
Joaquim de Sousa Teixeira
79
John Locke e a génese das ideologias modernas
113
Mendo Castro Henriques
O igualitarismo de Locke
133
João Cardoso Rosas
Interioridade e Tolerância (Meditação a propósito da doutrina presente
na Carta sobre a Tolerância)
143
Américo Pereira
Situação de Locke no jusnaturalismo
149
António Braz Teixeira
A presença de Locke nas cartas filosóficas do Verdadeiro Método de
Estudar de Luís António Verney
159
Maria de Lourdes Sirgado Ganho
Locke e a Escola de Salamanca
André Azevedo Alves e José Manuel Moreira
165
Apresentação
John Locke nasceu a 29 de Agosto 1632 e faleceu a 28 de Outubro de 1704.
No ano em que se comemoraram os 300 anos do seu falecimento, a Universidade
Católica Portuguesa, através do antigo Centro de Literatura e Cultura Portuguesa e
Brasileira, actual CEFi – Centro de Estudos de Filosofia da Faculdade de Ciências
Humanas, e do Instituto de Estudos Políticos, realizou um simpósio dedicado ao estudo do seu pensamento. Nele participaram diversos especialistas nacionais da obra
e do pensamento de Locke, que procuraram analisar os diversos domínios em que se
expressou: na metafísica, na filosofia do conhecimento, na antropologia filosófica,
na filosofia social e política, na filosofia da religião.
A influência de Locke, nos quase 100 anos que mediaram entre a publicação dos
seus Ensaios sobre o Entendimento Humano, cuja 1.ª edição data de 1690, e a Crítica da
Razão Pura de Kant, foi enorme. Um autor de uma estatura filosófica que, para muitos, é bastante superior, como foi o caso de Leibniz, seu quase contemporâneo, não
teve idêntica sorte, se bem que se deva reconhecer que boa parte da obra de Leibniz
(como, por exemplo, a sua famosa resposta à filosofia do conhecimento de Locke,
nos Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano) tenha permanecido durante largos
anos inédita. Tal facto, contudo, não obsta a que reconheçamos que, a par de Isaac
Newton no campo da ciência, Locke tenha sido um os grandes mestres do século
XVIII. Em França (onde residiu entre 1675 e 1679, altura em que tomou contacto
com a filosofia de Descartes e de Malebranche), a sua influência, graças a Voltaire,
primeiro, e a D’Alembert, posteriormente, far-se-á sentir até ao início do século XIX;
foi, aliás, francesa a primeira tradução do Ensaio, a célebre tradução Costes, de 1700,
revista pelo próprio Locke e contendo divesas correcções e adições. Na Alemanha,
a par de David Hume, mais novo e, por isso mesmo, conhecido posteriormente,
é um elemento fundamental para a compreensão do lento processo de dissolução da
escola racionalista de Leibniz-Wolff. Em autores de língua portuguesa (como, aliás,
bem o documenta o ensaio de Maria de Lourdes Sirgado Ganho, incluído nesta
colectânea) a sua presença foi também significativa.
Um dos principais objectivos de Locke foi o de encontrar um ponto de vista
filosófico que acabasse com as disputas entre os filósofos, pelo conhecimento da
natureza inalterável do espírito humano; para tal, os conceitos deveriam poder ser
reduzidos ao processo do seu nascimento. O método de Locke apresenta, por isso,
uma notável originalidade relativamente às preocupações dominantes da filosofia
inglesa, quer a que o antecedeu, quer a sua contemporânea. Ao contrário de
8 | Apresentação
Thomas Hobbes, entre os materialistas, ou de Ralph Cudworth e da chamada Escola de Cambridge, entre os espiritualistas, Locke apenas indaga o processo de nascimeno das nossas representações com a finalidade de chegar a uma determinação
segura do seu valor objectivo. O seu fenomenismo, de tão grande influência em
certas correntes da filosofia moderna e contemporânea (como o demonstra o ensaio
de Joaquim de Sousa Teixeira) encontra-se todo ele orientado para uma análise do
campo de aplicação legítima dos conceitos do entendimento. Porém, mais do que
fornecer um modelo de crítica do conhecimento, a ser seguido pelos autores das décadas seguintes, o contributo de Locke, neste domínio, deverá situar-se no impulso
que forneceu para a constituição de um modelo de evidência em progressivo afastamento do intelectualismo cartesiano. O longo ensaio de Carlos H. C. Silva situa este
projecto no contexto da tradição filosófica do Ocidente, assim como documenta a
sua eficácia próxima e remota.
Mas, segundo Locke, também os princípios da moral e da religião revelada só
poderiam ser firmemente estabelecidos após um exame minucioso da nossa capacidade de conhecimento, que permitisse distinguir os objectos que estão ao nosso
alcance daqueles que se encontram acima da nossa compreensão. A concretização
deste projecto deveria, segundo Locke, permitir o estabelecimento da tolerância religiosa e política, após mais de um século de guerras de religião e depois da trágica
experiência da revolução inglesa do tempo de Cromwell. Sem negar o enraizamento
de algumas das ideias políticas e sociais de Locke na tradição filosófica do Ocidente,
que até ele chegou por vias muitas vezes indirectas (cf., a este propósito, as observações pertinentes de André Azevedo Alves e de José Manuel Moreira, no ensaio
que fecha esta colectânea, e, de um outro ponto de vista, o ensaio de António Braz
Teixeira), Locke aparece-nos, aqui, como um autor profundamente marcado pelas
ideias e pelas circunstâncias do seu tempo; veja-se, por exemplo, a sua posição sobre
o «papismo» como tentativa de ingerência de um governo estrangeiro, ou sobre o
ateísmo enquanto negação do princípio de certeza das leis em que se funda o direito
natural. Locke foi, aliás, um dos doutrinários que mais inspirou a chamada Glorious
Revolution de 1688, tendo-lhe sido oferecido, pelo novo rei, Guilherme II de Orange,
um lugar de embaixador, que recusou por razões de saúde.
Comemorar um autor, por ocasião da data da sua morte ou do seu nascimento
tornou-se, sem dúvida, uma espécie de ritual a que a Universidade nos habituou.
Nem mesmo a maioria dos que afirmam desprezar estes rituais perde, normalmente,
a oportunidade de neles participar. O que não os torna simplesmente inúteis é o
facto de conseguirem mostrar a actualidade do pensamento do homenageado e o
modo como ainda hoje (ou seja, em função dos problemas de hoje) pode ser
lido e utilizado. Pensamos que, nesta perspectiva, a colectânea de textos que aqui
John Locke nos 300 anos da sua morte | 9
apresentamos se justifica plenamente. Seja, por exemplo, na apresentação das características e dos limites do seu liberalismo político (tal como o fazem, de pontos de
vista nem sempre coincidentes, os ensaios de João Cardoso Rosas e de Mendo
Castro Henriques), seja na discussão das suas teses sobre tolerância política e religiosa
(como, além dos dois anteriores, o faz também o ensaio de Américo Pereira), seja,
ainda, na discussão das suas teses gnosiológicas e epistemológicas, como em alguns
dos ensaios mais acima referidos. Acreditamos, por isso, ter fornecido ao leitor um
conjunto de textos que lhe permitirá contribuir para a realização do desejo final de
Goethe, em cuja clareza e sobriedade na escrita tantos dos seus contemporâneos
reconheceram alguma afinidade com um certo espírito inglês: «deixem que mais
luz entre!»
Os organizadores
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