Instituto de Estudos Sociais e Políticos - IESP Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ Discente: Danielle Costa da Silva Doutorado em Ciência Política 1° Semestre – 2012 Estudos Exemplares em Ciências Sociais RESENHA: HILL, Christopher. The Changing Polítics of Foreign Polícy. Nova York: Palgrave Macmillan, 2003. O mundo e a sociedade humana em todos os seus aspectos se encontram em um contínuo e intrínseco processo de mudança. Desde a Antiguidade, passando pela Modernidade e até a Contemporaneidade, a sociedade global sofreu diversas transformações, sejam elas sociais, econômicas e políticas. O fim do mercantilismo, a predominância do Capitalismo e do liberalismo, o Nazismo, o desenvolvimento e queda do Comunismo, o fim da hegemonia Britânica, a ascensão Norte-Americana após a Segunda Guerra Mundial, a bipolaridade da Guerra Fria, a consolidação dos Estados Unidos como a maior potência mundial, o processo de globalização e diversos outros acontecimentos impactaram o mundo, cada um a seu modo, e estimularam mudanças marcantes na estrutura da política doméstica e externa dos vários Estados que compõem a sociedade global. Essa mudança na política externa é lenta e marcada pela relação não só entre os Estados, mas também entre os atores transnacionais de diversos tipos e níveis do sistema internacional com os Estados. Com isso, o autor Christopher Hill no seu livro The Changing Polítics of Foreign Polícy tem por objetivo esclarecer a natureza mutável da política externa e a interação entre os dois lados da política externa, o lento movimento do sistema internacional e os imprevisíveis movimentos dos indivíduos contidos no sistema, procurando assim contribuir para a reflexão da relação entre a política externa e as mudanças globais. Christopher Hill atualmente é diretor e professor do Centre of International Studies da Universidade de Cambridge, tendo sido professor de Relações Internacionais da London School of Economics até 2004. Tendo desenvolvido pesquisas na área de análise de política externa e sobre política internacional da Europa, ele possui uma visão crítica das ideias do Realismo sobre a política externa, principalmente sobre a concepção de que o Estado seria o agente unitário da política externa. A abordagem do presente livro orienta-se pela Análise de Política Externa (Foreign Policy Analysis, FPA na sigla em inglês), caracterizada pelo estudo dos tomadores de decisão humanos, que agem individualmente ou em grupo, e por ser uma análise aberta, comparativa, conceitual, interdisciplinar, tentando ir além das fronteiras entre o doméstico e o externo. Dessa forma, o enfoque de Hill é retrabalhar a ideia de política externa, reconsiderando a questão de agência1 (quem age, para quem e com qual propósito) na política externa, procurando estender o objeto da política externa para além da tomada de decisão de forma a garantir que a política externa seja vista não como apenas mais um exercício técnico, mas como um importante argumento político (Hill, 2003, p.10). Ao explanar a respeito do impacto das mudanças globais sobre a política externa, o principal desafio do estudo de política externa, segundo Hill, estaria em reconstituir a ideia de agência política nos assuntos mundiais e repensar o relacionamento entre agência e política externa (Hill, 2003, p.19). O autor examina então a situação da política externa no mundo e na academia e discute a questão da atuação nos assuntos internacionais seja pelo Estado ou por outros atores. Para explanar seu argumento, o autor divide seu trabalho em três seções: na primeira ele trabalha o conceito de agência, as formas como e por quem a ação política é gerada e conduzida, realçando que os principais atores são os tomadores de decisão responsáveis pelas decisões das unidades que interagem internacionalmente, qualidade essa não exclusiva dos Estados; a segunda parte está focada no contexto internacional no qual a ação é realizada, examinando as formas e a extensão de constrangimento e oportunidade de ação dos atores, ou seja, as normas e organizações internacionais, e também dos demais fatores humanos e materiais que formam e definem o mundo externo e as relações transnacionais; já a terceira parte faz uma sinopse das possíveis consequências do transnacionalismo, ou seja, da inserção do interesse nacional na formulação das políticas externas, examinando os meios como a sociedade doméstica se relaciona com a política externa ao considerar o quanto a política externa é significante aos cidadãos modernos e o quanto eles são capazes de participarem nas questões da política externa. A globalização integrou os países, aproximou as pessoas e interligou o mundo através dos aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos, sendo os atores dessa 1 Por agência deve-se entender a capacidade de agir; aqueles dotados de agência são os agentes, as entidades capazes de decisões e ações em qualquer contexto, podendo ser individuais ou coletivos. No entanto, Hill prefere usar o termo ator, deixando o termo agentes para se referir às entidades burocráticas. integração os Estados, seus respectivos cidadãos e as organizações e instituições provenientes dessa relação, e provocou também diversas mudanças nos âmbitos nacionais e internacionais. Dentre as várias mudanças ocasionadas pela globalização, Hill nos faz refletir principalmente a respeito de duas questões que se relacionam com a política externa: o pluralismo da agência, com a convergência e divergência entre os atores na política externa e o aumento de questões “intermésticas” (intermestic), nas quais estão presentes as dimensões domésticas e externas. As mudanças globais levaram a emergência de novos atores na política externa. De fato, na atualidade, os Estados não são mais os únicos com poder de agência, capazes de ações importantes, o que leva Hill a discutir sobre onde está localizada a agência nas políticas públicas e na política externa. O principal aspecto a ser observado é a de que os atores políticos são todos indivíduos humanos dotados (em grau diferente) de agência, e, portanto, responsáveis pela tomada de decisão (decision making) e pela implementação das políticas. Os Estados estão dotados do aparato burocrático responsável pela tomada de decisão na política externa: ministro do exterior, gabinetes, conselhos de segurança, o próprio líder do governo. Contudo, são os tomadores de decisão e os vários fatores que afetam a escolha e a implementação das decisões, e até das não decisões, que definem a política externa, havendo, assim vários níveis de coordenação e decisão (doméstico, regional, internacional, transnacional) e também diversos atores internacionais e/ou transnacionais, além do Estado, capazes de representarem e dar voz a segmentos particulares no âmbito internacional. De certa forma, Hill procura ressaltar a importância das atividades de associações transnacionais, criadas entre os próprios indivíduos que compõem a sociedade de Estados, para o exercício da política externa. Há uma “sociedade civil” internacional composta de vários atores não-estatais, individuais e coletivos, tais como organizações não-governamentais (ONGs) e organizações internacionais (OI), que são grupos ativos no processo multilateral da política externa, agindo independente do Estado e as vezes até contra o Estado. Apesar de os atores transnacionais disporem de recursos para fazerem sua própria estratégia internacional, Hill resalta que eles não têm a responsabilidade pelas ações, estruturas e consequências, pois elas cabem ao Estado, já que a política externa é o campo da política, ele é o detentor das estruturas institucionais que controlam, administram e representam uma nação, e, portanto, o responsável por ela. Mas isso não diminui a capacidade que esses atores não-estatais têm de agir no âmbito internacional, atuando nas diversas dimensões do sistema internacional, como por exemplo, na questão dos direitos humanos e do meio ambiente. Recentemente, temos visto a atuação de ONGs e outras organizações na divulgação de casos de violação dos direitos humanos que culminaram na mobilização de Estados e de órgãos internacionais, como no caso da Líbia e da Síria. Também é de grande expressão a atuação de atores transnacionais como empresas multinacionais e construtoras que ao se instalarem em outros países contribuem para o exercício da política externa e para a construção do interesse nacional. Um elemento que fornece a base para a atuação dos diversos atores transnacionais, sendo também ele um resultado das mudanças globais, é o impacto da interpenetração entre os fatores de ordem doméstica e internacional nos fenômenos da política externa. Ao relacionar conceitualmente a política externa ao ambiente da interrelação entre o doméstico e o internacional, Hill procura desconstruir a percepção realista de que o contexto externo é dado, esclarecendo que os tomadores de decisão, juntamente com diversos outros fatores, constroem o ambiente externo no qual trabalham, ambiente este que não pode ser dividido por paradigmas acadêmicos. Com as duas áreas sendo claramente distinguidas através das estruturas legais-normativas e ritmo de aplicação das políticas, a interrelação entre doméstico e externo acontece de forma mais óbvia em questões como recursos, cultura política e mudança doméstica (Hill, 2003; p. 225). De fato, o ambiente doméstico molda a política externa através da interação com os fatores internacionais, sendo ambas filtradas pelo processo de tomada de decisão que produz o conjunto de posições e atitudes na política: por exemplo, resoluções das Nações Unidas ou de outras organizações interestatais, se acatadas pelos governantes dos Estados, são implementadas em nível doméstico; problemas financeiros de alguns países da Europa e também a bolha no mercado norte-americano afetaram a economia de todos os países do bloco do euro, provocando uma crise internacional. Assim, tanto o político profissional quanto o analista da política externa deve ter em mente que, apesar das evidentes distinções entre si, as duas dimensões não são independentes, pois a política externa tem suas fontes domésticas e, por sua vez, a política doméstica sofre influências externas (Hill, 2003; p.39). Os fatores capazes de fazer essa interrelação entre os dois ambientes são vários: as Constituições políticas dos Estados, seus políticos, a cultura, a opinião pública, a mobilização da sociedade civil, a mídia, o tipo de sistema socioeconômico. Por exemplo, a ideologia política do presidente de um determinado Estado pode influenciar na tomada de decisão se seu país em ir à guerra ou em apoiar uma resolução internacional da ONU; um meio de imprensa pode noticiar mundialmente informações que obriguem os Estados a assumirem ou justificarem suas posições (como no caso WikiLeaks). De fato, a política externa não é imune aos impactos de valores, ideias e iniciativas gerados internamente, pelo contrário, ela é movida e transformada por esses fatores, até mesmo necessitando deles para ser ainda mais dinâmica. A política externa é uma atividade e não apenas uma visão que procura explicar as posições políticas. Os Estados são construções institucionais idealizadas que não agem por si próprios, e sim através das ações dos indivíduos tomadores de decisão, as quais mudam de acordo com os fatores sociais, políticos, econômicos e também com o contexto histórico. O que nota-se na atualidade e o que Hill espera que seja entendido é o fato de a política não ser feita somente por aqueles indivíduos encarregados burocraticamente de fazer a política, pois ela conta também com a participação dos cidadãos nas relações internacionais, sendo então imperativa a reconfiguração das abordagens dos tomadores de decisão e que o Estado trabalhe em cooperação com outros Estados e atores para alcançar seus fins, com a política externa consistindo em um processo contínuo de engajamento em formas de multilateralismo. A política externa, tanto na sua prática quanto nas suas reflexões teóricas, não pode se manter inerte à natureza mutável da política e de seus atores, e essa é a lição que Hill nos apresenta em seu livro: que a política externa tem que responder a mudança no mundo e as demandas dos cidadãos (Hill, 2003; p. 306).