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Resumo
A Fibromatose Hialina Juvenil (FHJ) é uma rara desordem de origem autossômica recessiva
caracterizada por múltiplas contraturas e nódulos subcutâneos o que acarreta incapacidade
funcional com respectiva queda na qualidade de vida. Desse modo o estudo teve como objetivo
descrever clinicamente o caso de uma portadora da FHJ, descrevendo sua qualidade de vida e
limitação funcional através da medida de independência funcional - MIF e o questionário
específico para qualidade de vida, WHOQOL-Bref. Concluiu-se, apesar da dependência cinético
funcional apresentada pela portadora de FHJ, sugerida pela MIF é possível a qualidade de vida
para esta paciente, a partir de uma consistente retaguarda familiar, com a presença do domínio
psicológico e social positivos.
Palavras-chave: Qualidade de vida; estudo de caso; perfil de impacto da doença.
Abstract
The Juvenile Hyaline Fibromatosis (JHF) is a rare autosomal recessive disease, characterized
by multiple contractures, tumors, subcutaneous nodules, gingival hypertrophy and the irregular
accumulation of hyaline substance leading to functional incapacity with respective detriment in
the quality of life of the patient. Therefore, the present study had the objective of making the
clinical description of the case of a carrier of JHF, correlating their quality of life and functional
limitation resulting from the disorder, by the Functional Independence Measure- FIM and the
specific questionnaire for evaluation of the quality of life, WHOQOL-Bref. We conclude that,
despite the kinetic functional dependence presented by the carrier of JHF, it is possible to have
quality of life for this patient starting from a solid family support, besides the presence of the
psychological and social domain of the carrier of the disease.
Keywords: Quality of Life; case studie; Sickness Impact Profile
Introdução
A Fibromatose Hialina Juvenil (FHJ) rara desordem progressiva de origem
autossômica recessiva caracterizada por múltiplas contraturas, tumores fibrosos,
nódulos subcutâneos, hipertrofia gengival e depósito irregular de substância hialina na
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pele e nos órgãos, com aparecimento inicial geralmente na infância (LARRALDE et al.,
2001; HADDAD et al., 1997; MUNIZ et al., 2006). Existem poucos casos relatados na
literatura, até 2007 apenas 70 casos foram reportados (Uslu et al., 2007). A evolução
clínica é variável de forma progressiva e a maioria dos pacientes sobrevive até a quarta
década (GUPTA et al., 2005).
Essa doença foi descrita pela primeira vez por Murray em 1873 como “Molluscum
Fibrosum”, após a publicação deste estudo, a doença foi denominada de "síndrome de
Murray," anos mais tarde também foi relatada em um estudo realizado por Puretic e
colaboradores, onde recebeu o nome de "Síndrome Puretic" (PURETIC et al., 1962).
Atualmente, é conhecida como "Hialinose Juvenil Sistêmica", termo que foi introduzido
por Kitano et al. (1972).
O gene que causa a FHJ foi mapeado no intervalo 7-cM no cromossomo 4q21, e
recentemente foi identificado que esse erro genético causa déficit na proteína 2 da
morfogênese capilar (CMG2) (RAHMAN et al., 2002; HAKKI et al., 2005).. A proteína
CMG2 é reguladora das células endoteliais durante o período de morfogênese capilar ,
com forte ligação com a laminina e o colágeno do tipo IV (DOWLING et al., 2003;
AGHIGHI et al., 2005).
O depósito de material hialino amorfo de constituição glicoproteíca na pele, em
mucosas e órgãos internos, parece estar relacionado a uma alteração da síntese e do
metabolismo do colágeno, levando ao aumento na produção de colágenos tipos IV e V
pelas células endoteliais dos vasos sanguíneos, e aumento da síntese de uma
substância glicoproteíca pelos fibroblastos (LIMA et al., 2003; ISHIKAWA et al., 1979;
HANKS et al., 2003).
O tratamento mais efetivo para a FHJ é a retirada cirúrgica dos tumores no
estágio inicial onde os mesmos são menores. A capsulotomia, esteróides, hormônios
adrenocorticóides (ACTH) e fisioterapia podem ser usados para aliviar as contraturas
articulares (ANTAYA et al., 2007). Na literatura atual, as citações relacionadas à
fisioterapia aplicada a este perfil de pacientes, são restritas e de pouco conteúdo,
mesmo os autores sugerindo a fisioterapia imediata como possibilidade de melhora do
quadro. Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi descrever clinicamente um caso de
FHJ e verificar a qualidade de vida e as funcionalidades de uma paciente acometida.
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Metodologia
O presente estudo trata-se de um estudo observacional descritivo, do tipo estudo
de caso. Para a realização do estudo, utilizou-se a análise de um único sujeito, o qual o
mesmo assinou previamente um termo de consentimento livre e esclarecido. A
pesquisa foi feita de acordo com a Declaração de Helsinque 1964-2008 (WILLIAMS,
2008) para estudos com seres humanos. Os dados foram colhidos por meio de uma
anamnese materna, contendo informações detalhadas e retrospectivas, desde a
concepção até o presente momento, juntamente com as informações diretas oferecidas
pela paciente.
Para utilização das imagens da paciente, foi apresentado um termo de
autorização, o termo foi assinado pela paciente e também pela responsável pelos
cuidados da mesma autorizando a utilização das fotografias que são apresentadas
neste artigo, essas imagens tem autorização para serem utilizadas em fins de estudo e
podem ser utilizadas em publicações ou projeções em Congressos sem que seja
mencionado o nome da paciente.
Foram analisados relatórios médicos e exames complementares que o sujeito
em questão foi submetido desde a infância, onde continham informações significativas
para a elaboração do estudo. Além disso, foram aplicados dois questionários, um deles
teve como objetivo avaliar a qualidade de vida - WHOQOL-Bref (FLECK et al., 2000). O
termo qualidade de vida inclui uma variedade potencial maior de condições que podem
afetar a percepção do indivíduo, seus sentimentos e comportamentos relacionados com
o seu funcionamento diário, incluindo, mas não se limitando, à sua condição de saúde e
às intervenções médicas (FLECK et al., 2000). Desse modo, como o WHOQOL-Bref foi
desenvolvido para avaliar a qualidade de vida de forma multicêntrica, baseando-se em
seis domínios: físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, meio
ambiente e espiritualidade/religião/crenças pessoais, ele foi utilizado para esse estudo.
Outro instrumento utilizado foi o questionário para medir o Índice de
Independência Funcional- MIF (RIBERTO et al., 2001; RIBERTO et al., 2004), que é
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capaz de medir o grau de solicitação de cuidados de terceiros que o paciente portador
de deficiência exige para realização de tarefas motoras e cognitivas.
Resultados
Relato do Caso
A paciente do sexo feminino, branca, nasceu de parto cesariano após gestação
completa, planejada e desejada com estatura de 45 cm, peso de nascimento de 2.670
gramas, sem complicações ginecológicas e obstétricas relevantes.
No momento da realização do presente trabalho, a paciente encontrava-se com
26 anos de idade, e possuía 110 centímetros de altura e 30 quilogramas, com escaras
múltiplas e dependência funcional para a realização de suas atividades de vida diária.
Apresenta severa hipertrofia gengival (Figura 1), nódulos na região posterior da cabeça,
na região dorsal, na face posterior da coxa e pequenas bolhas nas extremidades dos
dedos e artelhos. Pôde-se encontrar também deformidades estruturais bilaterais na
região auricular, com predominância na face ântero-superior, retroauricular e
deformidades ósteo-articulares estruturadas por todo o corpo, com regiões gravemente
afetadas (Figura 2).
A constituição familiar era composta pela figura materna, paterna e de dois
irmãos, ambos não portadores da síndrome. Houve outra gestação, com intervalo de
dois anos, após o nascimento da paciente relatada de um filho natimorto, devido ao
deslocamento da placenta, contudo sem diagnóstico da síndrome.
Nenhum outro caso de Fibromatose Hialina Juvenil foi encontrado na família.
Detalhes relatados pela mãe, como antecedente familiar distante com má-formações
em extremidades e características similares são dados a serem relevados para estudos
genéticos sobre a síndrome.
Ao nascer, foram observados choros constantes e diminuição dos movimentos
reflexos do recém-nascido, apresentando-se cianótica, contudo sem a necessidade de
internação no centro de terapia intensiva neonatal. Os primeiros sinais observados
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pelos pais foram manchas de coloração roxeadas, distribuídas pelo corpo e pequenos
nódulos na região nucal, nas falanges proximais das mãos, joelhos e artelhos.
Segundo
informações
colhidas,
a
criança
adquiriu
sustento
cefálico
aproximadamente aos seis meses de idade e as demais posturas funcionais não
assumia e não mantinha. Entretanto, a paciente iniciou o controle de esfíncteres vesical
e fecal aos dois anos de idade, permanecendo preservado até os dias atuais.
Gradualmente suas articulações tornaram-se rígidas como consequente da imobilização
por desuso, causada pelas dores periódicas em suas articulações.
O diagnóstico final foi apresentado à família aos quatro anos de idade,
dificultando um possível tratamento adequado com intuito de ausentar e/ou minimizar a
evolução clínica da síndrome. Paciente realizou tratamento fisioterapêutico durante dois
anos, dos quatro aos seis anos, contudo o desconforto ao movimento apresentado pela
criança fez com que a família optasse pela suspensão da fisioterapia.
Por volta dos seis anos, a paciente relata o aparecimento de bolhas com aspecto
aquoso, evoluindo para manchas similares a queimaduras distribuídas pelo corpo,
seguidas de febre alta e dor juntamente com o aparecimento de nódulos pelo corpo,
indicando a existência de um quadro inflamatório e infeccioso. Ainda com seis anos de
idade, a paciente apresentou um quadro de insuficiência respiratória aguda e baixo
peso, sendo submetida a suporte de oxigênio até os vinte anos de idade.
Sua dieta consiste, atualmente, de todos os tipos de alimentos, contudo em
estado pastoso para facilitar a deglutição, tendo em vista que a paciente possui
dificuldades para deglutição de alimentos desde os três anos de idade, devido à
hipertrofia gengival e má formação da região orofaríngea
Atualmente, a paciente encontra-se hígida, sem suporte de oxigênio, respirando
em ar ambiente, por provável adequação física e familiar frente ao manejo da paciente.
Além disso, a mesma locomove-se e realiza suas atividades de vida diária com auxílio
de
uma
cadeira
de
rodas
motorizada
exclusivamente para a paciente (Figura 3).
79
com
direção
manual,
confeccionada
Figura 1- Hipertrofia gengival
Figura 2- Alinhamento biomecânico em decúbito dorsal
80
Figura 3. Posicionamento da paciente na cadeira adaptada.
Radiografias realizadas na coluna dorsal e lombossacra, consecutivamente,
apresentam importante escoliose à direita com desvio do eixo rotacional e redução da
textura óssea generalizada. Em posição ântero-posterior é encontrada escoliose
cônvexa à direita na coluna cervical e novamente redução na textura óssea. Na região
pélvica são encontradas grosseiras calcificações em região inferior da pelve e na coxa
direita, imagem de luxação das articulações coxofemoral e má definição da cavidade
acetabular e da cabeça femoral bilateralmente. Em membros inferiores, as radiografias
evidenciaram osteoporose generalizada, de forma moderada, com acometimento em
ossos longos.
A medida de independência funcional (MIF), obteve pontuação final 65 (tabela 1).
E o questionário específico para qualidade de vida, WHOQOL-Bref: 73,1, sendo o
domínio físico 57,1; psicológico 83,3; social 83,3; ambiental 68,8.
81
75
Tabela 1 -Scores apresentados pela portadora de FHJ - MIF.
Item
Auto-cuidado
Score
A
Alimentação
1
B
Higiene pessoal
1
C
Banho
1
D
Vestir-se metade superior
1
E
Vestir-se metade inferior
1
F
Utilização do vaso sanitário
1
Controle de esfíncteres
G
Controle da urina
7
H
Controle das fezes
7
Mobilidade
I
Leito, cadeira, cadeira de rodas
1
J
Vaso sanitário
1
K
Banheira, chuveiro
1
Locomoção
L
Marcha, cadeira de rodas
6
M
Escadas
1
Comunicação
N
Compreensão
7
O
Expressão
7
Cognição Social
P
Interação social
7
Q
Resolução de problemas
7
R
Memória
7
RESULTADO
65
82
Discussão
A FHJ, como relatada anteriormente, é uma desordem rara autossômica
recessiva, com manifestações e graus de acometimento variados. As contraturas e
rigidez das grandes articulações, limitação dos movimentos articulares, são frequentes
e quase sempre acompanhadas de dor, que por vezes impossibilita a deambulação,
com consequente atrofia dos músculos e incapacidade funcional (NORMAN et al.,
1996; LANDING; NADORRA , 1992; SANGUEZA et al., 1988).
Hipertrofia gengival é um achado comum
suficientemente
grave
para
interferir
com
(figura 1), este pode ser
a
alimentação
correcta
e, eventualmente, a mastigação, o que por sua vez pode levar à desnutrição,
infecções recorrentes e até a morte (KESER et al., 1999, LARRALDE et al., 2001).
Contratura em flexão envolvendo os joelhos, cotovelos, dedos e articulações do
quadril (figura 2) podem ocorrer quando um tipo de tumor infiltra a cápsula articular
(Park et al., 2010). Os nódulos limitam a deambulação e movimentos manuais, incluindo
a higiene pessoal e as atividades de vida diárias (HAKKI, et al., 2005). Afirmação
corroborada pelo presente estudo, que no item constituído por alimentação, higiene
pessoal, banho, vestir-se e utilização do vaso sanitário, a paciente alcançou o score 1,
o que caracteriza a necessita de ajuda total para a realização dessas atividades.
O prognóstico da FHJ em geral é bom, não comprometendo o estado geral,
apesar das complicações articulares, atrofia muscular, dificuldade para a deambulação
e o aspecto estético. Em consonância com Sangueza e colaboradores (1988), a
paciente, analisada por esse estudo, apresentou independência completa em
segurança e em tempo normal, atingindo score 7 no item controle de esfíncteres.
Quanto à mobilidade e transferências, pontuou apenas 1, representando dependência
total para realização dessas atividades. Dessa forma, evidenciou-se que a FHJ
acometeu drasticamente o aparelho locomotor, porém sem maiores acometimentos
orgânicos.
No caso em questão, a locomoção, realizada através da cadeira de rodas,
apresenta um score 6, traduzindo uma independência modificada, ou seja, a paciente
locomove-se por meio de uma cadeira de rodas com auxílio técnico. Dentro desse
83
contexto, Habibeddine (2003) comenta que esta adaptação ocorre devido à
proximidade dos tumores e nódulos das articulações, podendo estes levarem à
imobilização parcial ou total da funcionalidade articular (HABIBEDDINE et al., 2003). No
item comunicação e cognição social, o score apresentado pela paciente desse relato foi
7, denotando total independência, que caracteriza uma preservação cortical encefálico
sem prejuízos cognitivos.
Na avaliação da qualidade de vida, no domínio físico, a portadora da FHJ
alcançou pontuação de 57,1%; no domínio fisiológico e social 83,3%; enquanto que no
ambiental
68,8%;
totalizando
uma
qualidade
de
vida
de
73,1%,
garantida
provavelmente, pela adaptação domiciliar, inclusão social e aceitação da deficiência por
parte do núcleo familiar da portadora de FHJ.
Apesar das informações da literatura serem escassas sobre exercícios físico e
procedimentos fisioterápicos no caso específico da FHJ, pode-se sugerir a aplicação de
alongamentos passivos, alongamentos manuais, exercícios de flexibilidade no limite da
dor e mobilização articular através de tração passiva e/ou movimentos de deslizamento
das superfícies articulares (KISNER; COLBY, 1998). É importante lembrar que ainda
não existem comprovações científicas mínimas sobre o efeito do exercício físico e
procedimentos fisioterápicos, pois estudos que comprovem a efetividade destes
procedimentos ainda não foram realizados.
Conclusão
Em vista dos argumentos apresentados, conclui-se, apesar da dependência
cinético funcional apresentada pela portadora de FHJ, que é possível uma considerável
qualidade de vida a partir de um consistente apoio familiar, apresentada com a
presença positiva do domínio psicológico e social pela portadora da enfermidade.
Devido às manifestações clínicas relatadas no estudo, as graves contraturas
articulares e deformidades estruturais secundárias adquiridas pelo desuso, além do
quadro álgico dos pacientes portadores de FHJ, é importante salientar a realização da
fisioterapia precoce para minimizar e/ou evitar as deformidades, devem ser realizadas
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de forma adequada para evitar a desistência da paciente, como observamos neste
relato de caso.
Dentro desse contexto, salienta-se a importância da realização de novos estudos
e atualizações científicas no que se refere ao exercício físico e aos procedimentos
fisioterápicos, assim como estudos que poderão servir de base para resoluções e
prevenções genéticas, tratando–se principalmente de casamentos consangUíneos
referentes a FHJ.
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