DETECÇÃO DO CITOMEGALOVÍRUS HUMANO EM DOADORES DE SANGUE ATRAVÉS DE PCR EM TEMPO REAL Detection of human cytomegalovirus in blood donors by real-time PCR Renato Lopes Fernandes de Medeiros1, José Alexandre Rodrigues de Lemos2, Maria de Fátima Lima de Assis3, Iracina Maura de Jesus4, Elisabeth Conceição de Oliveira Santos5 RESUMO O citomegalovírus humano (HCMV) é um agente infeccioso da família Herpesviridae. Neste trabalho, pesquisou-se HCMV através da PCR em Tempo Real, em 115 amostras de DNA extraído de leucócitos de indivíduos voluntários para doação de sangue no Centro de Hemoterapia do Pará. A presença do DNA viral foi evidenciada em 57% dos indivíduos estudados, sendo que 2/3 deles eram do sexo masculino, não tendo sido observada nenhuma relação significante entre faixa etária, gênero e presença do DNA viral. Os resultados através da PCR em Tempo Real nos permitem sugerir que os bancos de sangue introduzam a identificação do HCMV na escolha das amostras de sangue com leucócito que serão utilizadas em pacientes imunodeprimidos e mulheres em início de gestação, pelo fato do HCMV ser um vírus teratogênico. PALAVRAS-CHAVE Citomegalovírus, doadores de sangue, Reação em Cadeia da Polimerase ABSTRACT The human cytomegalovirus (HCMV) is an infectious agent of the Herpesviridae family. In this work, we used Real-Time PCR to identify HCMV in 115 samples of extracted DNA of leukocytes from voluntary blood donors at in the Centro de Hemoterapia do Pará. The presence of viral DNA was evidenced in 57% of the studied individuals, 2/3 of them were male, not having been observed any significant association between age, gender and the presence of viral DNA. The results through Real-Time PCR suggests that the blood banks should introduce the identification of HCMV in samples of blood with leukocyte that will be used in immunocompromised patients and women in beginning of pregnancy, because HCMV is a teratogenic agent. KEY WORDS Cytomegalovirus, blood donors, Polymerase Chain Reaction 1 Mestre em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários. Consultor da UNESCO/IEC/SVS/MS. End.: Rua Antonio Barreto, 377, Bloco B, apto. 101 – Belém – PA – CEP: 66055-050 – E-mail: [email protected] 2 Doutor em Biologia Genética. Professor Adjunto do Departamento de Genética da Universidade Federal do Pará. 3 Citogeneticista. Pesquisadora do Instituto Evandro Chagas. 4 Especialista em Vigilância em Saúde Ambiental. Pesquisadora do Instituto Evandro Chagas/SVS/MS. 5 Virologista. Diretora do Instituto Evandro Chagas. C A D . S A Ú D E C O L E T ., R I O DE J A N E I R O , 15 (3): 393 - 400, 2007 – 393 RENATO LOPES FERNANDES DE MEDEIROS, JOSÉ ALEXANDRE RODRIGUES DE LEMOS, MARIA LIMA DE ASSIS, IRACINA MAURA DE JESUS, ELISABETH CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA SANTOS DE FÁTIMA 1. INTRODUÇÃO O Citomegalovírus Humano (HCMV), um dos principais agentes infecciosos que afetam seres humanos, é membro da família Herpesviridae, subfamília Betaherpesvirinae, e, de acordo com o Comitê Internacional de Taxonomia Viral, é conhecido como Herpesvírus humano 5 – HHV 5 (Mocarski Junior, 1995). Durante o período de infecção, o HCMV, como outros vírus, é liberado através de diversos exudatos, como: urina, fezes, sangue, sêmen, excreção cervical, saliva, leite materno e lágrima (Kapranos et al., 2003). A infecção primária é freqüentemente assintomática, sendo as populações de maior risco pacientes imunocomprometidos (imunodeficiência congênita ou adquirida, transplantados e pacientes dependentes de drogas imunossupressoras), pacientes com câncer e recém-nascidos (Mocarski Junior, 1995). A relação entre o HCMV e as transfusões sangüíneas começou a ser considerada desde 1966, quando Kaarianen et al. (apud Sandler & Glumet, 1982) evidenciaram, por isolamento do vírus em linhagens celulares, a presença do HCMV em pacientes pós-transfusionais com infecção subclínica (Sandler & Glumet, 1982). A potencialidade de uma transmissão do HCMV está associada à quantidade de monócitos presentes na corrente sangüínea (Slobedman & Mocarski, 1999). Em indivíduos transfusionados imunocompetentes e sem história clínica, a infecção pós-transfusional por HCMV geralmente resulta em uma soroconversão assintomática, podendo apresentar sintomas semelhantes ao da síndrome da mononucleose; porém, em indivíduos imunodeprimidos a infecção torna-se mórbida chegando mesmo a ser fatal (Sandler & Glumet, 1982). Os indivíduos que não apresentam problemas de imunossupressão, quando infectados pelo HCMV, se desenvolverem alguma sintomatologia, esta geralmente apresenta-se de forma leve, não sendo registrada na maioria das vezes. O que torna o HCMV um dos mais graves agentes infecciosos é a infecção em gestantes, principalmente nos três primeiros meses de gestação. O HCMV faz parte do complexo TORCH (toxoplamose, vírus da rubéola, o citomegalovírus humano e o herpesvírus) responsável por teratogenia congêntia (Pannuti, 1996). Diversos estudos estimam que o risco de infecção pós-transfusional em pacientes soronegativos varia de 2,7% a 10,5% por unidade de sangue. Para indivíduos que receberam múltiplas transfusões, esta taxa aumenta para 20% a 60% (Bico et al., 1989). A prevalência do HCMV em doadores de sangue é superior a 80% (Kothari et al., 2002) e, por admitir-se que o HCMV está associado aos leucócitos, tem sido recomendado em transfusões o uso de sangue completamente destituído de leucócitos, para evitar infecções pós-transfusionais (Mocarski Junior, 1995). 394 – C A D . S A Ú D E C O L E T ., R I O DE J A N E I R O , 15 (3): 393 - 400, 2007 DETECÇÃO DO CITOMEGALOVÍRUS HUMANO EM DOADORES DE SANGUE ATRAVÉS DE PCR EM TEMPO REAL Nos Estados Unidos, uma universidade implantou, como forma de evitar a transmissão do HCMV em transfusões, uma triagem de doadores selecionando apenas os indivíduos negativos para HCMV. Como conseqüência, a taxa de prevalência em doadores foi reduzida de 12,5% para 1,8% (Yeager et al., 1981). Embora o teste ELISA seja mais utilizado no diagnóstico do HCMV (GrangeotKeros & Cointe, 2001; Takeda et al., 2001; Zang et al., 2003), com o advento da Biologia Molecular, tornou-se possível identificar o agente viral presente no material em estudo. O método quantitativo da Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) em Tempo Real, baseado no uso de uma sonda fluorescente, permite correlacionar a intensidade de sinal fluorescente com a quantidade de genoma viral amplificado (Satou et al., 2001; Maclkay et al., 2002), o que nos assegura uma triagem mais eficaz entre os doadores assintomáticos. O uso da técnica de PCR em Tempo Real tem sido aplicado também no monitoramento de pacientes imunodeprimidos pós-transplante (Griscelli et al., 2001; Sanches et al., 2001; Tanaka et al., 2002). Entendendo-se a transfusão sangüínea como uma das formas de transmissão do HCMV, é de importância estudos detalhados em doadores de sangue e, assim, demonstrar o perfil dos indivíduos doadores de sangue atendidos no Centro de Hemoterapia do Pará (HEMOPA) com relação à infecção pelo HCMV. Para esse estudo, foi utilizado como método diagnóstico o PCR em Tempo Real. 2. MATERIAL E MÉTODOS Esta investigação foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará, tendo o parecer de aprovação o número de protocolo 040/2004 – CEP/NMT. O estudo compreendeu um total de 115 amostras de DNA extraídos de leucócitos de indivíduos voluntários para doação de sangue no Centro de Hemoterapia do Pará (HEMOPA), provenientes do município de Belém (Pará), no período de agosto de 2003 a janeiro de 2004. A metodologia utilizada para a extração do DNA é baseada no princípio de eluição de sílica-gel (Amenshan ®), de acordo com o fabricante. Para a detecção do HCMV por PCR em Tempo Real, foram confeccionados iniciadores e sonda através de um programa da Applied Biosystems® denominado de Assay-By-Design. O Master Mix – TaqMan Universal PCR Master Mix contém nucleotídeos, Tampão e TaqDNAPolimerase. Para cada reação, foi utilizado 15µL do Master Mix, 10,5µL de água destilada, 1,5µL do Mix de iniciadores e sonda (Assay-By-Design, 3µL de DNA genômico do paciente, resultando em uma mistura com volume final de 30µL. C A D . S A Ú D E C O L E T ., R I O DE J A N E I R O , 15 (3): 393 - 400, 2007 – 395 RENATO LOPES FERNANDES DE MEDEIROS, JOSÉ ALEXANDRE RODRIGUES DE LEMOS, MARIA LIMA DE ASSIS, IRACINA MAURA DE JESUS, ELISABETH CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA SANTOS DE FÁTIMA As reações foram incubadas no termociclador em Tempo Real ABI 7000 (Applied Biosystems®), obedecendo à seguinte seqüência de ciclos, temperatura e tempo: 1 ciclo a 50°C por 5 minutos; 55 ciclos a 95°C por 15 segundos e 55 ciclos a 60° por 1 minuto. A região gênica do HCMV estabelecida para ser estudada foi a DNApol (DNA Polimerase) com 300 pares de base. Essa seqüência foi submetida ao procedimento Assays-by-Design com a finalidade de ser escolhido o melhor ponto para amplificação. A região amplificada compreendeu 80 pares de base e o ponto escolhido para a ligação da sonda foi o 76. Foi analisada a associação dos resultado do ensaios moleculares com o gênero e idade, utilizando-se o teste χ2 a um nível de significância α = 0,05, com auxílio do software estatístico Bioestat 3.0 (Ayres et al., 2003). 3. RESULTADO Foram analisados leucócitos de 80 homens e 35 mulheres com idades entre 18 a 74 anos. Dos 115 indivíduos analisados, 65 eram portadores de DNA viral (57%) e, nos 50 restantes (43%), não foi detectado DNA do HCMV (Tabela 1). Dentre as mulheres, o percentual de indivíduos HCMV+ (62,9%) foi um pouco superior que dentre os homens (53,8%), sem, no entanto, observar-se diferença estatisticamente significante (p = 0,3647). Pôde-se observar que as prevalências de HCMV+ são semelhantes entre as diferentes faixas etárias, com destaque para a faixa etária de 46 a 54 anos, que apresentou valor um pouco superior ao encontrado nas demais. Entretanto, esta diferença não foi estatisticamente significante (p= 0,8427). Tabela 1 Diagnóstico para HCMV por PCR em Tempo Real no total de doadores de sangue, segundo sexo e faixa etária. χ2 = 0,822, p = 0,3647; **χ2 para tendência = 0,039, p= 0,8427. 396 – C A D . S A Ú D E C O L E T ., R I O DE J A N E I R O , 15 (3): 393 - 400, 2007 DETECÇÃO DO CITOMEGALOVÍRUS HUMANO EM DOADORES DE SANGUE ATRAVÉS DE PCR EM TEMPO REAL Observou-se na Tabela 2 que há uma tendência estatisticamente significante dos casos positivos masculinos serem mais jovens em comparação com as mulheres (p = 0,033), uma vez que 39,5% tinham entre 18 e 27 anos, decrescendo à medida que a idade avança, enquanto apenas 13,6% das mulheres HCMV+ tinham entre 18 e 27 anos, aumentando para as faixas etárias seguintes. Tabela 2 Faixa etária e gênero dos indivíduos positivos para o HCMV. χ2 para tendência, p= 0,033. 4. DISCUSSÃO Os dados obtidos em nossas análises reforçam a premissa de que o HCMV pode estar hospedeiro em um organismo humano sem qualquer sintoma-tologia detectável. Como estudamos uma amostra de leucócitos provenientes de indivíduos voluntários para doação de sangue, cadastrados em um Centro de Hemoterapia, nosso estudo torna-se de alta relevância, uma vez que esse material será utilizado em terapias transfusionais. Sendo a maioria dos receptores de sangue imunocompetentes, a partícula viral do HCMV, provavelmente, não acarretará problemas para esses indivíduos. No entanto, sugerimos que, a exemplo do que foi descrito por Yearger et al. (1981), de alguma forma os bancos de sangue introduzam a identificação do HCMV como critério de escolha das amostras de sangue com leucócitos que serão utilizadas em pacientes imunodeprimidos e mulheres em início de gravidez, já que o HCMV faz parte do complexo TORCH, grupo de agentes etiológicos considerados teratogênicos. O fato de em um total de 115 amostras termos observado 57% positivas e 43% negativas nos leva a concluir que a freqüência do HCMV em população assintomática é relativamente alta, apesar de se observar uma prevalência ainda maior (aproximadamente 80%) em outros estudos, principalmente em regiões subdesenvolvidas (Kothari et al., 2002). Sabe-se que as técnicas moleculares, como C A D . S A Ú D E C O L E T ., R I O DE J A N E I R O , 15 (3): 393 - 400, 2007 – 397 RENATO LOPES FERNANDES DE MEDEIROS, JOSÉ ALEXANDRE RODRIGUES DE LEMOS, MARIA LIMA DE ASSIS, IRACINA MAURA DE JESUS, ELISABETH CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA SANTOS DE FÁTIMA a PCR em Tempo Real, apresentam uma sensibilidade e especificidade maior que a técnica ELISA, utilizada na maioria dos trabalhos da literatura. Desta forma, esta seria uma possível hipótese que explicaria a diferença, fazendo com que a prevalência, embora se apresentasse relativamente alta, é ainda menor do que as vistas em outras investigações laboratoriais (Grangeot-Keros & Cointe, 2001; Takeda et al., 2001; Kothari et al, 2002; Zang et al., 2003). A diferença de infecção pelo HCMV entre os gêneros não foi estatisticamente significante, correspondendo aos resultados obtidos por Bico et al. (1989), em um estudo sobre a prevalência de anticorpos contra o HCMV em doadores de sangue, realizado em Montevidéu, Uruguai. Os autores constataram que a diferença no grau de susceptibilidade entre os homens e as mulheres doadores não foi relevante. As porcentagens de soropositividade foram bastante semelhantes, com 59% para os homens e 58% para as mulheres, o que significa que não houve distinção nas freqüências de infecção entre homens e mulheres. A técnica da Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) em Tempo Real confirmou a presença do genoma viral na amostra estudada. No caso da infecção pelo HCMV, uma das células alvo é o monócito (Slobedman & Mocarski, 1999), que por ser totalmente diferenciada e presente na corrente sangüínea, tem uma vida média temporária. Portanto, é de se esperar a relação entre a presença de partícula viral em monócitos e o estado de infecção aguda. Nossos resultados mostraram que esta relação pode não ser exata, em vista de todos os doadores testados serem assintomáticos, o que comprova a latência temporária do vírus. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nosso trabalho nos levou a concluir que a freqüência do HCMV em população assintomática é relativamente alta, mesmo utilizando métodos de análise laboratorial (método molecular), diferente dos utilizados rotineiramente em investigações deste espectro de pesquisa. Observou-se a presença do genoma viral em mais da metade dos indivíduos estudados. Notou-se uma maior tendência dos casos masculinos serem mais jovens em comparação com as mulheres. Os indivíduos mais jovens mostraram-se mais susceptíveis à infecção pelo HCMV, o que pode corresponder à maior exposição às vias de contágios. Em virtude dos indivíduos estudados serem todos assintomáticos, nossos dados nos levam a supor que os monócitos são células-alvo que podem manter o vírus HCMV em latência. Desta maneira, após as análises, sugerimos que os bancos de sangue introduzam a identificação do genoma do HCMV como parte da seleção de amostras sangüíneas com presença de leucócitos que serão utilizadas em pacientes imunodeprimidos e mulheres em início de gestação, em vista do HCMV ser um vírus responsável por teratogênese. 398 – C A D . S A Ú D E C O L E T ., R I O DE J A N E I R O , 15 (3): 393 - 400, 2007 DETECÇÃO DO CITOMEGALOVÍRUS HUMANO EM DOADORES DE SANGUE ATRAVÉS DE PCR EM TEMPO REAL REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AYRES, M.; AYRES, M. JR.; AYRES, D. L.; DOS SANTOS, A. S. 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