56 - paciente adotada

Autor: Acadêmica
Título: PACIENTE ADOTADA
No meu primeiro encontro com os professores de medicina de saúde
comunitária ouvi dizer que poderia adotar um paciente durante as aulas na
comunidade, mas que algum deles também poderia me adotar. Foi o que
aconteceu. Dona Vivência (nome fictício), 96 anos, me adotou.
Nas visitas, nem a professora podia examiná-la. Eu sorria e aceitava cheia de
alegria quando ela, tímida, dizia baixinho: você pode! E na hora do exame físico
sempre falava: ” sou do tempo em que não se deixava olhar acima dos joelhos”.
A visita sempre era muito animada e D. Vivência, pernambucana, muito
religiosa, analfabeta, mostrava seus trabalhos manuais que eram feitos, apesar
da cegueira de um olho, com muita delicadeza. Imagens de Jesus Cristo
coloriam sua sala em bordados com orações.
Versos, repentes e orações antigas eram citadas em cada chegada e saída
de nossas visitas a ela. Saíamos revigorados com a vitalidade daquela mulher
que gostava de morar sozinha e conseguia se manter bem desta forma.
Com o tempo, nossas visitas foram se dirigindo a pessoas mais acometidas
por doenças crônicas e pouco visitávamos Dona Vivência.
Certo dia, voltamos à sua casa e percebemos que ela estava bem mais frágil.
Algo estava diferente. Senti naquele momento que aquela seria nossa última
visita a ela. Ouvi sua oração, que dessa vez foi mais demorada. Ela apertou
minha mão. Meu coração ficou apertado. Voltei para a Unidade de Saúde calada.
Algum tempo depois, soube que ela havia falecido, foi definhando aos poucos
após completar 100 anos.
Só não me avisaram que algum paciente poderia me deixar órfã.