CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC ALEXANDRA RINALDI A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO DE RISCO PARA AS ORGANIZAÇÕES São Paulo 2007 CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC ALEXANDRA RINALDI A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO DE RISCO PARA AS ORGANIZAÇÕES Dissertação apresentada ao Centro Universitário SENAC – Campus Santo Amaro, como exigência para obtenção do Título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Dorival Barreiros São Paulo 2007 Catalogação na fonte R578i Rinaldi, Alexandra A importância da comunicação de risco para as organizações / Alexandra Rinaldi -- São Paulo, 2007. 139 f. : il. 31 cm. Orientador: Prof. Dr. Dorival Barreiros Dissertação (Mestrado) – Centro Universitário SENAC – Campus Santo Amaro – (Mestrado em gestão integrada em saúde do trabalho e meio ambiente) São Paulo, 2007. 1. Risco 2. Comunicação de risco 3. Gerenciamento de risco I. Barreiros, Dorival (Orient.) II. Título. CDD 363.11 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à memória de José Carlos Castilha Crozera, amigo com quem pude dividir, elocubrar e viajar nas leituras de Jorge Luis Borges, Gabriel Garcia Marques e Vinícius de Moraes. Com quem compartilhei a dor e a delícia da profissão de jornalista. A sua ausência é um vazio inexplicável! Mais vale o fim de uma coisa do que seu começo, Mais vale a paciência do que a pretensão Eclo. 3,3 AGRADECIMENTOS À FUNDACENTRO, pela concessão da licença para estudos, sem a qual eu não chegaria aos finalmente. Ao colega de trabalho Dorival Barreiros, que sem o seu apoio e incentivo desde o início, muito provavelmente eu não teria me arriscado. Ao orientador, Prof. Dr. Dorival Barreiros, que com seus comentários pontuais e a incansável cooperação nas referências bibliográficas, possibilitou a realização e conclusão deste trabalho. Suas palavras iniciais servirão para outras ações na minha vida pessoal: “Agarre o touro pelo chifre”. À Maria Carolina Maggiotti Costa e Gerrit Gruenzner. Gratidão por toda a ajuda no alinhamento das idéias! Aos colegas da FUNDACENTRO Maria Aparecida Buzzini Moura, Cristiane Queiroz Barbeiro de Lima e Denise Monetti que entre um artigo e outro, estiveram sempre à disposição para me ajudar e emprestar seus livros sempre interessantes! Ao Rogério Galvão, Ronildo Barros Orfão e José Prado Alves Filho pela carinhosa acolhida no exame de qualificação. À Lílian Mendonça, bibliotecária da FUNDACENTRO, que pacientemente e carinhosamente estabeleceu a ponte entre as bibliotecas. Ao meu companheiro Clodoaldo Novaes que suportou, sem reclamar, nos momentos de mais downs do que ups! Ao meu pai, mãe, amigos e familiares que em muitos, muitos dias pensaram em me “desertar”! À Deus, por sempre renovar minhas forças e abençoar as minhas grandes conquistas! RESUMO A comunicação de risco é um tema complexo e abrangente ao envolver situações de risco, sejam eles decorrentes de ações humanas, naturais e industriais. Esta dissertação tem como objetivo evidenciar a importância da comunicação de risco para as organizações. Para isto, o trabalho se constituiu na revisão e análise crítica da literatura a fim de apontar para os benefícios e limitações que as organizações encontram ao incorporarem o tema nos seus processos de gestão. A comunicação de risco, objeto deste estudo, assume um papel importante para as organizações como instrumento de mediação entre as análises científicas de gestores e especialistas, e entre o público leigo, a fim de que se estabeleça o processo de troca de informações e melhor compreensão acerca dos riscos tecnológicos. Evidenciou-se que, pelo fato do tema ser complexo, para sua melhor compreensão, se faz necessário incorporar análises de caráter social, tecnológico, econômico e político, a fim de incorporar abordagens multidisciplinares e contribuir para o aprofundamento do tema a partir de outras perspectivas. Palavras-chave: Risco. Comunicação de risco. Gerenciamento de risco. ABSTRACT Risk Communication is a wide and complex theme, which involves risks from natural causes, industrial and man made disasters. This dissertation has the intention to show the importance of risk communication to organizations. As for that, it was based on the review and the critical analysis of the literature in order to point out the benefits and constrains that organizations face to adopt the theme in their risk management processes. Risk communication, the main focus of this work, plays a vital role to organizations since it serves to mediate the scientific analysis from managers and experts to the lay people in order to establish the exchange of information and better understanding that surrounds technological risks. It was observed that, despite the complexity of the theme and for its better comprehension, it is necessary to incorporate social, technological, economic and political analysis in order to help the development of new multidisciplinary studies, as well as new approaches including new perspectives. Keywords: Risk. Risk communication. Risk management. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1:Panorama do processo de gestão de riscos.......................................27 Figura 2:Contexto da Comunicação de Risco...................................................40 Figura 3:Modelo do fluxo de informações em comunicação de risco................54 Figura 4:Modelo de transmissão de mensagens...............................................55 Figura 5:Modelo do processo da comunicação de risco....................................57 Figura 6:Níveis de aceitabilidade do risco.........................................................71 Figura 7:Percepção de um trabalhador.............................................................82 Figura 8:Limitações governamentais na comunicação de risco........................90 Figura 9:Panorama detalhado da amplificação social do risco........................102 LISTA DE QUADROS Quadro 1:Diferenças de abordagem sobre risco entre especialistas e público...... 62 Quadro 2:Fatores que influenciam a percepção do risco....................................... 80 LISTA DE SIGLAS ALARA As Low as Reasonably Achievable ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária APLAS Audiências Públicas para Licenciamento Ambiental AS-NZS Australian Standards – New Zealand Standards BSI British Standards Institution CERCLA Comprehensive Environmental Response, Compensation, and Liability Act CIPA Comissão Interna de Prevenção de Acidentes CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente CSA Canadian Standards Association FPNQ Fundação para o Prêmio Nacional da Qualidade FAO Food and Agriculture Organization FOIA Freedom of Information Act NRC National Research Council NR Norma Regulamentadora OECD Organisation for Economic Co-Operation and Development OHSAS Occupational Health and Safety Assessment Series OIT Organização Internacional do Trabalho OMS Organização Mundial da Saúde PAE Plano de Ação de Emergência PGR Programa de Gerenciamento de Riscos SARA Superfund Amendment and Reauthorization Act SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente WHO World Health Organization SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..........................................................................................14 1.1 Contextualização do tema.............................................................................................14 1.2 Limitação do tema..........................................................................................................19 1.3 Objetivos.........................................................................................................................20 1.3.1 Objetivo geral.................................................................................................................20 1.3.2 Objetivos específicos....................................................................................................20 1.4 Estratégia de Pesquisa..................................................................................................21 1.5 Organização do Trabalho...............................................................................................22 2 REVISÃO DA LITERATURA....................................................................23 2.1 Conceito de risco..........................................................................................................23 2.2 Conceito de gestão.......................................................................................................25 2.3 Etapas da gestão de riscos da Australian Standards-New Zealand Standards.......27 2.4 Importância da gestão de riscos para as organizações.............................................30 2.5 Cultura organizacional como apoio ao processo de gestão.....................................32 3 A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO DE RISCO...............................36 3.1 Comunicação de risco: conceituação..........................................................................36 3.2 Contexto da comunicação de risco..............................................................................38 3.3 Objetivos da comunicação de risco.............................................................................41 3.4 A evolução da comunicação de risco...........................................................................43 3.5 A percepção como apoio ao processo da comunicação de risco.............................45 3.6 O auxílio das pesquisas na compreensão da percepção de risco............................46 3.7 Benefícios de implementação do processo da comunicação de risco.....................48 3.8 O apoio da alta direção quanto à prática da comunicação de risco..........................49 3.9 A identificação das partes interessadas no processo da comunicação de risco....51 3.10 Modelos de comunicação de risco...............................................................................53 4 LIMITAÇÕES NO PROCESSO DA COMUNICAÇÃO DE RISCO...........59 4.1 Risco: um problema de comunicação..........................................................................59 4.2 As diferentes abordagens sobre risco entre especialistas e público........................61 4.3 Comunicar riscos: um desafio aos gestores...............................................................63 4.4 Lidar com as incertezas dos dados científicos...........................................................65 4.5 O risco de comparar riscos...........................................................................................67 4.6 Aceitabilidade do risco..................................................................................................69 4.7 Confiança e credibilidade: limitações das fontes de informações............................72 4.8 O papel da mídia na divulgação dos riscos.................................................................74 4.8.1 Ética da mídia.................................................................................................................76 4.9 Fatores que influenciam a percepção do risco...........................................................79 4.9.1 Diferenças de percepção entre as partes interessadas.............................................81 5 OUTROS FATORES QUE INFLUENCIAM NO PROCESSO....................... DA COMUNICAÇÃO DE RISCO..............................................................84 5.1 Fatores políticos internos à organização....................................................................84 5.1.1 Ética organizacional quanto à comunicação dos riscos...........................................86 5.2 Fatores políticos externos: o papel do governo..........................................................89 5.3 Fatores tecnológicos.....................................................................................................93 5.4 Fatores sociais...............................................................................................................94 5.4.1 Amplificação social do risco........................................................................................98 5.5 Fatores econômicos....................................................................................................103 6 A PRESENÇA DA COMUNICAÇÃO DE RISCO NA .................................. LEGISLAÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL E ................................... OUTROS DOCUMENTOS.....................................................................104 6.1 Marcos Legais no Brasil e em outros países.............................................................106 6.1.1 As Normas Regulamentadoras NR 1 e NR 9.............................................................106 6.1.2 Convenção 174 da OIT................................................................................................108 6.2 O acesso público às informações..............................................................................110 6.2.1 Convenção Aarhus na Comunidade Européia..........................................................110 6.2.2 Freedom of Information Act e Right to Know nos Estados Unidos.........................110 6.2.3 Legislação Brasileira e as Audiências Públicas........................................................112 6.3 Documentos que sugerem transparência na gestão organizacional......................116 6.3.1 Agenda 21: O Princípio 10...........................................................................................116 6.3.2 O Princípio da Precaução e a comunicação do risco...............................................117 6.3.3 Norma Cetesb...............................................................................................................118 6.3.4 Diretiva de Seveso.......................................................................................................119 6.4 Legislação ambiental na Constituição Federal e Estadual.......................................121 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES.........................................123 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................130 14 1 INTRODUÇÃO 1.1 Contextualização do tema A partir da década de 1970 houve uma crescente preocupação de diferentes partes interessadas com relação à maneira pela qual as organizações1 gerenciavam seus riscos (Slovic, 2002). Vários eventos ocorridos podem justificar esse interesse crescente observado. Acidentes como em Flixborough em 1974, Seveso em 1976, Three Mile Island em 1979, Bhopal em 1984 e Chernobyl em 1986, ganharam grande visibilidade pública na mídia internacional. Como desdobramento desses eventos, diferentes atores sociais passaram a exigir dos poderes públicos novas regulamentações, e, das organizações, maior transparência na maneira como os riscos decorrentes de suas atividades estavam sendo gerenciados. De forma a manter melhor governabilidade sobre a situação e minimizar os conflitos de interesses entre governo, especialistas e público, a comunicação de risco emergiu como um elemento reconhecido no gerenciamento de risco no início dos anos 80. Sandman, (1987), ao comentar a existência da comunicação de risco, destaca que, “os riscos que o matam não são necessariamente aqueles que o aborrecem ou amedrontam. Para preencher a lacuna entre esses dois tipos de risco, os gerenciadores de risco do governo e do setor industrial começaram a utilizar a comunicação de risco" (p.21). 1 Organizações neste trabalho é: “toda empresa, operação, firma, companhia, instituição ou associação, ou parte das mesmas, independentemente que tenha caráter de sociedade anônima ou que seja pública ou privada, com funções e administração próprias” (OIT, 2001). 15 A comunicação de risco é uma das etapas do processo de gerenciamento de risco, a qual contribui para gerar e receber as informações necessárias para que as partes interessadas não somente compreendam as iniciativas, processos de decisão tomados pelas organizações para gerenciar seus riscos, sejam eles ocupacionais ou ambientais, mas também, para promover e desenvolver a percepção que essas partes interessadas têm a respeito dos perigos e riscos existentes decorrentes da natureza da atividade desenvolvida. Neste sentido, (CVETKOVICH;LOFSTEDT,1999), apontam para a necessidade que as organizações têm em demonstrar junto às partes interessadas a existência de um programa de gerenciamento de risco consistente na natureza de suas atividades. Além disso, a comunicação de risco é uma forma de auxiliar as organizações a compartilharem de seus processos de decisão com a comunidade direta ou indiretamente afetada. Entretanto, desde seu surgimento à atual realidade, as experiências organizacionais apontam para falhas constantes em adequar a comunicação de risco à gestão de riscos, na ausência de transparência no que comunicar, como comunicar e quando comunicar, e ainda nas dificuldades de se promover a interação entre sociedade, partes interessadas e organizações. Em decorrência destas dificuldades de compreensão sobre a importância da comunicação de risco em diferentes contextos, muitas organizações enfrentam momentos delicados para justificar a implementação de projetos, explicar situações de emergências decorrentes de seus processos produtivos e de explicar a ocorrência de acidentes que trouxeram impactos desastrosos sobre pessoas e meio ambiente. Isso não significa que a comunicação de riscos poderia ter evitado todos estes acidentes, mas enfatiza-se que a incorporação do processo de comunicação de risco à gestão de riscos poderia ajudar a contribuir para uma melhor performance organizacional. 16 Embora muitas organizações venham se esforçando em incorporar a comunicação de risco em seus programas de gestão, parte delas agem e são conduzidas por meio de requisitos legais que as obrigam a informar a sociedade e as partes interessadas sobre seus riscos, como o direito-de-saber (right-to-know) nos Estados Unidos, a lei sobre política ambiental americana e a comunicação em situações de emergência também praticada no Brasil pela CETESB. Por outro lado, cada vez mais as organizações se vêem obrigadas a engajarem em iniciativas voluntárias que exigem delas uma maior adesão a princípios que possam sinalizar para as diferentes partes interessadas de que tem uma atuação com ética e responsabilidade social. O exemplo foi a adoção do Responsible Care®, ou Atuação Responsável no Brasil em 1992, como forma de minimizar os grandes acidentes na indústria química ocorridos nos anos de 1984 e 1985, os quais se constituíram marcos importantes para que esse setor viesse a adotar iniciativas no sentido de melhorar a imagem desse tipo de atividade junto às diferentes partes interessadas, e ao mesmo tempo tornar mais eficazes seus mecanismos de controle de riscos. O Atuação Responsável é composto por seis formas de códigos de conduta, os quais estão interligados na busca da melhoria contínua dos aspectos de saúde, segurança e meio ambiente. O programa preconiza ainda que as empresas sejam transparentes com suas partes interessadas e mantenha a população treinada e informada. Neste mesmo contexto de aplicação voluntária, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA, lançou, em 1988, o APELL – Alerta e Preparação de Comunidades para Emergências Locais, no qual auxilia as organizações quanto à gestão dos riscos. Ainda em 1988, a Associação Brasileira da Indústria Química – ABIQUIM, incumbiu-se de implantar o APELL no Brasil como um instrumento para elaboração de planos de emergência para aumentar a coordenação no atendimento a acidentes e melhorar o diálogo entre a indústria e a população. 17 Se por um lado as organizações despertaram para a adoção de iniciativas voluntárias e de melhor gestão dos riscos tecnológicos, por outro, novos desafios voltados à gestão corporativa devem ser melhor observados. Sob a ótica organizacional, a presença do risco não se restringe somente à gestão dos riscos tecnológicos. Amplia-se à gestão do risco corporativo, como por exemplo, o risco financeiro, o risco operacional e o risco estratégico, abrindo novos debates quanto à gestão dos riscos organizacionais. Ou seja, para as organizações, a má governança2 corporativa reflete nos investimentos externos por parte dos acionistas. Para evitar a evasão dos investimentos financeiros, foi assinada em Julho de 2002, a Lei Americana Sarbanes-Oxley, também conhecida como Sarbox. A Sarbox, proposta pelos senadores Paul Sarbanes e Michael Oxley, busca garantir a criação de mecanismos de auditoria e segurança confiáveis nas empresas de maneira a mitigar riscos aos negócios e garantir a transparência na gestão das organizações. O termo comunicação de risco inicialmente surgiu na literatura em 1984 (Leiss, 1996). Desde então, o foco da comunicação de risco vem sendo tratado nas áreas da saúde pública, por meio de campanhas em saúde, das descobertas científicas, como por exemplo, os alimentos geneticamente modificados, de crimes ambientais e atos de terrorismo e desastres naturais, - enfim, todas as situações que exponham as sociedades a situações de risco. A chegada de novas doenças migratórias, como por exemplo, a Síndrome da Doença Respiratória (SARS), a gripe aviária, e em especial o ataque terrorista ocorrido em 2001 nas torres gêmeas do World Trade Center em Nova York, exigiram das entidades governamentais em nível mundial, medidas preventivas com o objetivo de alertar e preparar as populações diante de situações vulneráveis. 2 Governança corporativa é definida como “o sistema através do qual as organizações são dirigidas e controladas” (Australian Standards-New Zealand Standards 4360 (2004, p.10) 18 A sociedade que até o início do século XX baseava-se na distribuição do bemestar entre os grupos sociais já não é mais a mesma sociedade predominante na atualidade. Para o sociólogo alemão Ulrick Beck (1992), vivemos em uma “sociedade de risco” como resultado do acelerado processo de modernização, e para Giddens (1991), “a modernidade é uma cultura de risco”. Dessa forma, a comunicação de risco traz uma nova oportunidade de tornar o processo de comunicação bilateral ao envolver e considerar a opinião pública. Desse modo, ao passo que a modernização presente intra e extra organizações trouxe benefícios sociais, os riscos de doenças que migram para diferentes regiões geográficas e a incerteza de lidar com situações inesperadas como o bioterrorismo3, a biotecnologia4 e os acidentes naturais, exigem das organizações, entidades governamentais, especialistas e atores sociais, um novo olhar para as situações que envolvam riscos. Além disso, entre esses diferentes contextos em comunicar riscos, insere-se a mídia. Sendo a mídia, fonte primária de informação, a mesma poderá contribuir tanto positiva, quanto negativamente, na divulgação dos riscos ao público em geral. Em suma, observa-se que, na evolução da comunicação de risco, constata-se que, mesmo em diferentes contextos, a demanda da sociedade por informações transparentes requer que instituições governamentais e indústrias incorporem a comunicação de risco como parte estratégica dos negócios e como forma de melhorar o status quo. 3 Na definição de Ferreira (1999), bioterrorismo é a “modalidade de terrorismo em que se faz uso de arma biológica” (p. 303) 4 Biotecnologia é definida como “a aplicação de processos biológicos à produção de materiais e substâncias para uso industrial, medicinal, farmacêutico, etc” (ibid, p. 303) 19 1.2 Limitação do tema A comunicação de risco é um tema que tem um escopo de abrangência cada vez maior dentro das organizações, mas o foco de interesse nesta proposta é o de mostrar de que maneira as organizações poderiam incorporar essa iniciativa aos seus processos de gestão, a fim de melhorar sua governabilidade com relação a maneira como gerencia seus riscos, sua relação com as partes interessadas, e ainda, proporcionar melhor transparência e ao mesmo tempo contribuir para o desenvolvimento da correta percepção a respeito da dimensão dos riscos existentes. Para tanto, optou-se em utilizar os conceitos das etapas de gestão da Australian Standards-New Zealand Standards 4360 – AS-NZS 4360 (2004), a qual contempla a comunicação e consulta em todas as etapas da gestão de riscos. Embora o foco deste trabalho não esteja em discorrer sobre as etapas de outros modelos de gestão, cabe ressaltar que estes diferentes modelos servem apenas como forma de apontar para as diferentes abordagens dos especialistas quanto à estas etapas, bem como ressaltar a presença e a importância da comunicação de risco. Segundo Somers (1983), a escolha quanto ao modelo ou a estratégia mais apropriada para a aplicação da gestão de riscos é uma questão complexa freqüentemente associada a fatores políticos e sociais. De acordo com Liberatore (1999), a implementação e os métodos a serem utilizados quanto à escolha de um modelo de gestão, estão associados à gestão das incertezas científicas e organizacionais. A esse respeito, o Capítulo 4 deste trabalho descreve as incertezas científicas e limitações organizacionais. 20 1.3 Objetivos 1.3.1 Objetivo geral Evidenciar a importância do processo de comunicação de riscos para as organizações. 1.3.2 Objetivos específicos a) Apontar para as dificuldades enfrentadas pelas organizações para incorporar o processo de comunicação de riscos na tomada de decisão relativos ao gerenciamento de riscos de suas atividades. b) Analisar, com base na revisão da literatura, os benefícios que as organizações encontram ao engajarem no processo de comunicação de risco. 21 1.4 Estratégia de Pesquisa Esta pesquisa é de caráter exploratório analítico, uma vez que tem a intenção, por meio da revisão e análise crítica da literatura, de explorar os contornos sociais, políticos, técnicos e econômicos nos quais a comunicação de risco se insere. Para a realização do trabalho, buscou-se, principalmente em artigos e referências bibliográficas internacionais e nacionais, levantar o estado da arte sobre o tema comunicação de risco. Para tanto, os primeiros critérios utilizados constituíram-se na busca por palavras-chave incluindo-se, comunicação de risco (risk communication), gerenciamento de riscos (risk management), risco (risk) e percepção de risco (risk perception). Paralelamente, buscou-se explorar também as principais bases de dados, tais como LILACS, Portal de periódicos da CAPES, base de dados ORACLE, BIREME e internet, por meio da seleção de artigos, dissertações e teses. Além dos Portais consultados, outros documentos oficiais, tais como da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), do National Research Council (NRC) e da World Health Organization (WHO) serviram como apoio à presente pesquisa. O período de levantamento da revisão bibliográfica, compreendeu a partir do ano de 1969 até 2006, embora se faça citação à uma referência de 1949 sobre teoria da comunicação. 22 1.5 Organização do Trabalho O Capítulo 1 contextualiza o tema, bem como as limitações de estudo, objetivos e a estratégia de pesquisa realizada para a execução deste trabalho. Os Capítulos 2 e 3 constam da revisão da literatura acadêmica os quais buscam ressaltar a importância do processo de gestão de riscos, bem como as bases conceituais para a construção do processo da comunicação de risco. O Capítulo 4 versa sobre as limitações no processo da comunicação de risco, mostrando os fatores negativos que bloqueiam de forma significativa a construção do processo da comunicação de risco. O Capítulo 5 faz uma reflexão sobre outros fatores de caráter político, social, tecnológico e econômico, os quais dificultam a implementação do processo da comunicação de riscos. O Capítulo 6 tece algumas sugestões sobre os requisitos legais existentes nos níveis nacional e internacional, levando-se em consideração as lacunas que a legislação não abrange. Este capítulo tem a intenção de mostrar alguns dos mais relevantes requisitos legais e documentos que auxiliam as organizações quanto à transparência em comunicação de risco. O Capítulo 7 discorre sobre as considerações finais e sugestões para futuros trabalhos científicos. 23 2 REVISÃO DA LITERATURA 2.1 Conceito de risco Historicamente, o conceito de risco, introduzido no século XVII, durante o Renascimento, pode ser melhor compreendido na bibliografia do economista Peter Bernstein (1997). Esse autor observa que o risco é central às sociedades contemporâneas, faz uma clara distinção entre o que impedia a sociedade daquela época a romper com barreiras existentes entre a medição, controle e probabilidade dos riscos. Para o autor, no mundo medieval e antigo os indivíduos não tinham compreensão real do risco ou da natureza da tomada de decisões baseando-se apenas em oráculos, adivinhos e superstições. A partir dessa época, a evolução do conceito de risco deixou de ser o que antes era considerado um domínio obscuro, para o que atualmente pode ser considerado pela sociedade moderna, um domínio complexo e abstrato. À essa complexidade, o próprio conceito de risco encontra-se amplamente abordado na literatura, mas no entanto, não existe uma definição apropriada para o termo (Slovic, 1992). Para Covello, as pessoas tendem a ter maior dificuldade em definir riscos, não em virtude da ausência de informações sobre o tema, mas pela abundância da mesma (Covello, 1983). Ao abstracionismo, chega-se à potencialidade de colocar que riscos são construções mentais e não fenômenos reais, mas originários da mente humana e representam o que as pessoas observam na realidade e como os experienciam OECD (2003) apud Renn (2006). Esta colocação parece-nos um tanto limitada para justificar a existência de diversas abordagens descritas em diferentes escolas de pensamento, tais como da psicologia, história, matemática e estatística (Bernstein, 1997) e tantas preocupações da sociedade em evitar riscos. Dessa forma, é desnecessário dizer que um indivíduo corre o risco de morrer ao saltar de páraquedas, corre o risco de tomar um choque ao mexer em um fio desencapado e corre o risco de se afogar se não souber nadar. Além disso, o risco está presente no ambiente de trabalho, nos diferentes estilos de vida que as pessoas adotam, na bolsa de valores, nas organizações ao implementarem novas tecnologias, etc. 24 À esses riscos presentes nas novas tecnologias implementadas pelas indústrias, que o presente trabalho tem início. Se por um lado, os riscos fazem parte da história da humanidade, por outro, o que mudou foi a maneira pela qual as pessoas passaram a questionar em como não estarem expostas a eles, e na maneira pela qual os responsáveis pelos riscos teriam de explicar as formas de minimizar estes questionamentos. Nesse sentido, emerge o conceito de risco percebido como instrumento para compreender a subjetividade das pessoas quanto aos riscos tecnológicos. Embora o conceito de risco associado às tecnologias e aos desastres naturais tenha sido intensificado somente a partir da segunda metade deste século, período em que os grandes acidentes ocorreram, novamente recorre-se à história do risco. Com a evolução da ciência, surge a teoria das probabilidades, núcleo matemático do conceito de risco, ou seja, o conceito do risco científico. Para a proposta deste trabalho, o conceito do risco científico é bastante oportuno, pois as páginas que se seguem irão abordar o risco sob o ponto de vista dos especialistas e gestores envolvidos na gestão dos riscos tecnológicos. Sendo assim, no escopo da gestão de riscos, risco é definido como “a magnitude de perda ou de acidentes multiplicados pela probabilidade de sua ocorrência” (LIBERATORE, 1999, p.3). 25 2.2 Conceito de gestão O termo gestão5 vem sendo amplamente empregado no mundo corporativo, como por exemplo, gestão de negócios, gestão financeira, gestão de recursos humanos, entre outros. O gerenciamento de riscos é um termo geralmente aplicado ao processo de gestão que consiste num conjunto de medidas e procedimentos internos, que incluem a identificação, estimativa, avaliação, redução e controle dos riscos a serem mantidos em níveis aceitáveis pelos técnicos. Os riscos relacionados aos processos industriais fazem com que as organizações revejam seu sistema produtivo e busquem uma harmonização e maior comprometimento com seus atores envolvidos. Desta forma, o gerenciamento de riscos quando bem implementado reverterá em benefícios assim explicitados: -Controle dos mais diversos eventos, identificando-os e tomando ações para minimizar a probabilidade dos efeitos; -melhorias no planejamento, desempenho e efetividade; -busca de economia e eficiência; -melhoria nas relações com os stakeholders e, -promoção do bem-estar entre seus empregados A CETESB, Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do estado de São Paulo, por exemplo, faz uso do termo gerenciamento de riscos e assim define: 5 Embora os termos gestão e gerenciamento tenham o mesmo significado, a gestão aqui refere-se aos modelos, enquanto o gerenciamento como uma das etapas da gestão. O gerenciamento ou a gestão de riscos derivam da palavra inglesa risk management. 26 “É um processo de identificação, avaliação e controle dos riscos, compreendendo a formulação e a implantação de medidas e procedimentos técnicos e administrativos que têm por objetivo prevenir, reduzir e controlar os riscos; e ainda, manter uma instalação operando dentro de padrões de segurança considerados toleráveis ao longo de sua vida útil” (CETESB, 2000, p.33). Entretanto, conforme sugere a CETESB, este processo de identificação, avaliação e controle dos riscos deve ser monitorado por meio de um PGR6 (Programa de Gerenciamento de Riscos), documento no qual a política e as diretrizes de um sistema de gestão devem estar contemplados com o objetivo de prevenir acidentes ou atividades perigosas. Quanto ao uso do termo gestão de riscos, a Australian Standards-New Zealand Standard 4360 (2004), assim define: “A gestão de riscos refere-se à identificação de variações potenciais em relação ao que planejamos ou esperamos, e à gestão dessas variações para que seja possível maximizar oportunidades, minimizar perdas e melhorar as decisões e os resultados” (p. 6). De acordo com a Canadian Standards Association Q850 (1997), gestão de riscos é definida como uma “aplicação sistemática das diretrizes sobre gerenciamento de riscos, métodos e práticas em termos de análise, avaliação, controle e transmissão de informações sobre riscos”. Em suma, quaisquer que sejam as definições adotadas, gerenciamento ou gestão de riscos, ambos assumem importância fundamental no contexto das organizações a fim de manter melhor governabilidade sobre suas atividades tecnológicas. 6 Conforme sugere a CETESB, todo Gerenciamento de Risco deve possuir um PGR (Programa de Gerenciamento de Risco) implementado. 27 2.3 Etapas da gestão de riscos da Australian Standards – New Zealand Standards No modelo de gestão aqui apresentado, conforme apontado na Figura abaixo, a comunicação e consulta surgem como uma etapa constante entre todas as fases do processo de avaliação de riscos. A consulta precede a comunicação, ou seja, antes de se tomar uma decisão, a organização e as partes interessadas internas devem chegar a um consenso e definir um posicionamento antes de comunicar os riscos às partes interessadas externas. Fonte: Australian Standards-New Zealand Standards 4360:2004 FIGURA 1 – Panorama do processo de gestão de riscos 28 Para que haja este posicionamento é necessário primeiramente que as organizações revejam o histórico de riscos, bem como desenvolvam uma estrutura para as tarefas de gestão de riscos subseqüentes, com vistas ao estabelecimento dos seguintes contextos: -esclarecer os objetivos organizacionais; -identificar o ambiente no qual se buscam os objetivos; -especificar o escopo principal e os objetivos para a gestão de riscos, as condições limitativas e os resultados necessários; -identificar um conjunto de critérios com base nos quais os riscos serão mensurados; e -definir um conjunto de elementos principais para a estruturação do processo de avaliação de riscos (AS-NZS 4360:2004, p. 21) Além do contexto que deve ser estabelecido, essa etapa tem como objetivo dar uma visão ampla de todos os fatores que podem influenciar a capacidade da organização de atingir os resultados esperados. A etapa posterior ao estabelecimento dos contextos consiste na identificação de riscos, a qual permite desenvolver uma lista abrangente de fontes de riscos e eventos que possam ter um impacto na consecução de cada um dos objetivos identificados nos contextos acima descritos. Podem ser identificados a partir da aplicação de técnicas estruturadas, tais como a Análise Preliminar de Perigos (APP), Análise de Perigos e Operabilidade (Hazard and Operability Analysis – HazOp), “E se”, ou “What if”, Análise de Modos de Falhas e Efeitos (AMFE), entre outras. A fase de identificação de riscos possibilita ainda às organizações realizarem uma previsão de possíveis exposições às incertezas, bem como promover o entendimento do nível de risco e de sua natureza. 29 A análise de risco, ou seja, a terceira etapa do modelo de gestão, refere-se a um método sistemático de análise e avaliação de todas as etapas e elementos de um determinado trabalho, com o objetivo de desenvolver e racionalizar toda a sequência de operações que o trabalhador executar, tais como, identificar os riscos potenciais de acidentes físicos e materiais; identificar e corrigir problemas de produtividade; implementar a maneira correta para execução de cada etapa do trabalho com segurança. É por meio da análise de riscos que se definem as prioridades e opções de tratamento (Australian Standards-New Zealand Standards 4360:2004). A avaliação de riscos, consiste em aprimorar as análises de riscos realizadas anteriormente, a fim de permitir melhor compreensão dos riscos e auxiliar na tomada de decisões sobre as futuras ações. Tais decisões podem incluir as prioridades de tratamento de um risco e a avaliação se uma determinada atividade deve ou não ser realizada. O tratamento de riscos implica em identificar uma série de opções para o tratamento desses riscos, avaliar tais opções, elaborar planos de tratamento e implementá-los. Nesta etapa, a Australian Standards - New Zealand Standards 4360 (2004), recomenda a consulta ampla sobre o tratamento dos riscos às partes envolvidas e, talvez, à comunidade mais ampla e especialistas. Muitos tratamentos precisam ser aceitáveis para as partes envolvidas ou para os responsáveis pela implementação, para que sejam eficazes e sustentáveis. O monitoramento e análise crítica proporcionam o acompanhamento rotineiro do desempenho real, para que possa ser comparado ao desempenho esperado ou requerido. O monitoramento e a análise crítica são partes integrantes e essenciais da gestão dos riscos, e constitui-se uma das etapas mais importantes do processo de gestão de riscos no âmbito organizacional, por ser a etapa de validação das diferentes opiniões técnicas. 30 2.4 A importância da gestão de riscos para as organizações O escopo em que se insere a gestão de riscos primeiramente, é permitir às organizações, boas práticas gerenciais de controle dos riscos, motivando-as a agirem proativamente e não reativamente. Todavia, a gestão de riscos não deve ser encarada como uma prática estanque e de cumprimento de normas, mas como uma reafirmação de melhoria de desempenho e implementação de novas ações, permitindo aos seus atores internos e externos reavaliarem as prováveis ocorrências do risco. O gerenciamento de riscos conforme sugere Petts (1992) deve atender a outros objetivos os quais incluem o controle e redução dos riscos em níveis aceitáveis, a redução do nível de incertezas no processo de gestão e o desenvolvimento da percepção e comunicação aumentando a confiança pública nas questões que tratam o risco. Adicionalmente, a gestão de riscos poderá beneficiar as organizações, na medida em que mantenha um equilíbrio entre a responsabilidade pela identificação e avaliação dos riscos, e ainda, na habilidade em controlá-los. Esta sinergia entre a responsabilidade e a habilidade em controlar riscos, apresenta alguns benefícios para as organizações: a) Redução das surpresas b) Aproveitamento das oportunidades c) Melhoria do planejamento, desempenho e eficácia d) Economia e eficiência e) Melhoria nas relações com as partes interessadas f) Melhoria nas informações para a tomada de decisão g) Melhoria da reputação h) Proteção de diretores e gerentes i) Responsabilidade, garantia e governança j) Bem-estar pessoal (Australian Standards-New Zealand Standards 4360-2004) 31 É por meio da gestão de riscos, incorporada à cultura das organizações, que a probabilidade de sucesso se sobrepõe à probabilidade do fracasso, permitindo às organizações um panorama geral de seus objetivos e formas de prevenir e mitigar possíveis danos. Entretanto, parte das organizações depara-se com dificuldades de interpretação de leis e regulamentos e como adequá-los às suas realidades. Estas dificuldades emergem basicamente de dois aspectos que estão voltados à gestão das incertezas científicas (dados científicos) e incertezas organizacionais (definições e atribuições de responsabilidades e a habilidade das instituições em lidar com eventos sem precedentes), que geralmente encontram-se confrontadas com situações inesperadas como, por exemplo, o risco de uma explosão. Além destas situações inesperadas, as organizações devem atender três componentes que segundo Renn (2006), formam a “espinha dorsal” de uma organização. Estes componentes referem-se aos bens organizacionais voltados aos recursos financeiros e de infra-estrutura na gestão de riscos e na habilidade de gerar informações precisas. Inclui ainda as competências e conhecimento técnico por parte dos especialistas e na habilidade da organização em demonstrar flexibilidade de adaptação às mudanças internas e visão de futuro em colocar novas práticas em contexto. Outros fatores que também influenciam na implementação da gestão de riscos estão relacionados à cultura organizacional, ao incentivo pró-ativo da diretoria em incorporar a gestão de riscos à gestão da organização, à política da organização e à postura dos gestores em demonstrar contínuamente a importância da gestão de riscos para os colaboradores internos à organização. 32 2.5 Cultura organizacional como apoio ao processo de gestão A cultura organizacional7 é intrínseca à forma das organizações serem. No entanto, promover uma gestão de riscos eficaz pressupõe mudanças quanto à essa cultura. Estas mudanças estão associadas ao apoio da alta direção em promover a eficiência operacional em todos os níveis da organização e ao apoio dos gestores quanto à melhoria contínua do processo de gestão. Os gestores, a grande peça-chave das organizações, atuam como agentes de mudanças e refletem parcialmente a cultura das organizações. São os gestores que devem estimular e motivar seus subordinados a agirem ativamente nos programas de gestão de riscos. Esta motivação só será possível a partir do momento em que os gestores desenvolvam a percepção de que o trabalhador é também um agente de mudança, e não meramente aquele que se coloca como cumpridor das relações de poder. Estas relações de poder estão presentes em muitas ocasiões nas quais o gestor exige de seus subordinados a produção de vários relatórios ao invés de promover uma gestão mais participativa que permita a troca de opiniões e debates internos. O gestor também deve estabelecer uma relação de divisão de responsabilidades entre os subordinados, e reconhecer o trabalho por eles desempenhado. O desempenho dos gestores quanto à gestão de riscos deve ser promovido primeiramente “in company” para que os funcionários possam se prevenir e se preparar diante de situações de crise. O uso de intranet é uma maneira efetiva de disseminar informações entre os funcionários e reforçar os procedimentos de segurança e futura prevenção (Lundgren;Mcmakin, 1998). 7 Cultura organizacional é definida por Schein (1992, p.12) como sendo "um conjunto de pressupostos básicos que um grupo aprendeu para lidar com seus problemas de adaptação externa e integração interna e que têm funcionado bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir em relação a esses problemas". 33 De acordo com a OSHA (2004), é a formação de uma cultura organizacional que traz benefícios à organização resultando em atitudes positivas nos locais de trabalho; em envolvimento e comprometimento de toda a força de trabalho; em recíproca significativa e mensurável melhora nas metas de saúde, segurança e trabalho; em políticas e procedimentos que servirão de instrumentos de referência; em treinamento pessoal em todos os níveis da organização e em responsabilidade e comprometimento por parte de seus empregados. No que se refere à política organizacional, a mesma deve estar contemplada em um documento elaborado pela diretoria, e a gestão de riscos, como sendo parte integrante desta política. Neste documento, de acordo com a Australian StandardsNew Zealand Standards 4360 (2004, p. 86), as seguintes informações devem estar incluídas: a) os objetivos e a base para o gerenciamento dos riscos; b) as relações entre a política e os planos estratégico e operacional da organização; c) a extensão ou gama de riscos que precisam ser gerenciados; d) as diretrizes sobre o que deve ser considerado risco aceitável; e) quem são os responsáveis pelo gerenciamento dos riscos; f) o suporte e conhecimento disponíveis para auxiliar os responsáveis pelo gerenciamento dos riscos; g) o nível de documentação requerido e; h) os requisitos para monitorar e analisar críticamente o desempenho organizacional em relação à política. A política organizacional, deve promover ainda uma comunicação interna clara que contemple o desenvolvimento e cumprimento de leis, de técnicas relevantes para o controle dos riscos e de práticas de gestão. 34 As informações internas à organização devem ser implementadas de forma consistente com os seguintes objetivos: a) significado e objetivos da política interna; b) visão,valores e credos que permeiam a organização; c) o comprometimento dos gestores na implementação da comunicação; d) planos, padrões, procedimentos e sistemas relacionados à implementação e medidas de desempenho; e) informações factíveis que contribuam para o envolvimento dos trabalhadores; f) sugestões e idéias que contribuam para as melhorias; g) relatórios de desempenho e h) lições aprendidas com incidentes e acidentes. Quanto às informações que saem da organização, as mensagens devem comunicar às autoridades sobre os acidentes e doenças, informar sobre a segurança de produtos e substâncias fornecidas no local de trabalho e informar sobre os planos de emergência. Para finalizar, a proposta deste Capítulo foi o de demonstrar as etapas que compõem o gerenciamento de riscos e os fatores internos às organizações que se constituem bases para o processo de gestão. Entretanto, cabe aqui incluir a proposta inicial para a realização deste trabalho – o processo da comunicação de risco. Por ser a comunicação de risco uma das etapas do gerenciamento de risco, quando praticada de forma consistente nas organizações busca melhorar o entendimento que as pessoas têm dos riscos e do processo de gestão de riscos e garantir que as diversas visões das partes envolvidas sejam levadas em consideração. No entanto, para que haja o sucesso da comunicação de riscos é necessário que as organizações compreendam as diversidades culturais existentes no ambiente interno e externo, além de respeitar as diversidades culturais individuais, ou seja, as percepções. 35 Para o National Research Council, a comunicação de riscos deve ser incorporada à cultura das organizações e ser parte integral do processo da análise de riscos, na qual os gestores de risco e as partes interessadas compartilham das mesmas visões e possam chegar a um senso comum. De acordo com o Comitê Americano, organizações que se engajam e incorporam o processo de comunicação de risco procuram atingir quatro objetivos: - Preencher os quesitos sobre informação - Desejo de superar oposições em decisões - Desejo de dividir responsabilidades entre a organização e o público - Desejo de desenvolver alternativas efetivas para direcionar a política institucional (NRC, 1989, p.17) É a comunicação de riscos, alinhada com a gestão e a cultura organizacional que permite ainda o envolvimento de todos os seus colaboradores, sejam internos ou externos à organização, com vistas a estabelecer uma relação de confiança e controle das situações de risco. Em outras palavras, pode-se assim dizer que a gestão de riscos é o que a organização faz, enquanto a comunicação de riscos é o que a organização diz (Chess,1997). 36 3 A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO DE RISCO 3.1 Comunicação de risco: conceituação Até 1986, poucos eram os trabalhos acadêmicos publicados sobre o tema comunicação de risco e o conceito envolvia duas disciplinas distintas: a da própria comunicação e de estudos sobre riscos. No entanto, o interesse em comunicação de risco enquanto uma nova disciplina emergiu de conflitos de interesses entre os especialistas e o público acerca de um determinado risco (KRIMSKY;PLOUGH 1988). Atualmente o conceito de comunicação de risco vem sendo utilizado como instrumento de iniciativas dos sistemas de gestão para comunicar o público sobre os riscos decorrentes das organizações e em situações de crise, embora comunicar riscos ainda seja um tema em progresso, pois na medida em que a resposta do público seja contrária à dos gestores, os objetivos das organizações podem se tornar ameaçados. De acordo com o National Research Council (1989), a comunicação de risco deve ser entendida como um componente do gerenciamento de riscos, que é a seleção de opções em controle dos riscos. É o processo que fornece a informação no qual o governo, indústrias e tomadores de decisões baseiam suas escolhas. Para a proposta deste trabalho, a comunicação de risco deve ser entendida como: O ato de disponibilizar ou transmitir informações entre as partes interessadas sobre: a) níveis de risco que afetem a saúde ou o meio ambiente; b) o significado ou entendimento sobre riscos ambientais ou em saúde; c) decisões, ações ou políticas que objetivem o gerenciamento e o controle dos riscos em saúde e meio ambiente. As partes interessadas incluem agências governamentais, corporações e grupos industriais, sindicatos, a mídia, pesquisadores, público e indivíduos (LEISS, 1992, p. 90). 37 É por meio da comunicação de risco, elemento essencial da gestão de riscos, que as organizações compartilham opiniões e chegam ao processo de tomada de decisões. Este processo de comunicação deve ser contínuo e deve ocorrer em mãodupla8 permitindo que haja um diálogo interativo entre os stakeholders9. De Vito (1988) salienta que a comunicação neste contexto refere-se ao ato entre uma ou mais pessoas (stakeholders) em enviar e receber mensagens (riscos) que podem ser distorcidas (percepção) em um determinado contexto e que possua algum efeito, além de oferecer oportunidade de feedback (comunicação de riscos). A comunicação de risco vem sendo utilizada, portanto, para participar indivíduos e grupos dos riscos ambientais, riscos à saúde e riscos ocupacionais permitindo que as pessoas contribuam e formem suas opiniões e possam se prevenir frente às ameaças relacionadas à saúde, tais como a instalação de uma nova planta industrial ao liberar poluentes no ambiente, ou ainda, os riscos decorrentes dos processos de produção e que possam afetar a integridade física dos trabalhadores. 8 Mão-dupla significa envolver o público permitindo que haja a troca de informações, diferentemente da mão-única na qual consiste em fazer uso da comunicação por meio de relatórios anuais, newsletters ou reuniões. 9 O termo stakeholders ou partes interessadas são indivíduos ou grupos preocupados com, ou afetado pelo desempenho da Segurança e Saúde Ocupacional de uma organização (BSI OSHAS 18001:1999). 38 3.2 Contexto da comunicação de risco O processo da comunicação de risco pode ser contextualizado sob a ótica organizacional ao informar e prevenir a população sobre os riscos tecnológicos, e sob a ótica em saúde pública, ao informar e prevenir a população sobre os riscos que sejam de origem natural, tais como, enchentes, terremotos, bioterrorismo e doenças migratórias. No contexto público, a comunicação de risco, ou comunicação em saúde, é realizada por meio de campanhas governamentais locais, regionais, nacionais e internacionais, ajudando a população a melhor compreender e a se prevenir diante de situações de vulnerabilidade frente às novas doenças que surgem como nos casos de epidemias ou pandemias10. No momento, um tema que tem sido amplamente discutido é a questão da gripe aviária e da febre aftosa. Segundo a Organização Mundial da Saúde (2002), a evolução da comunicação de risco deu-se nos campos sanitário e ambiental e está voltada para a relação com a saúde pública. As raízes culturais, relação do ambiente com a saúde, o vínculo da preocupação pelo meio ambiente com a modernidade, a qualidade de vida, a prosperidade econômica, a geração de emprego, a solidariedade para com as futuras gerações e o respeito com relação a todas as formas de vida, é o fundamental a ser considerado no processo de comunicação de risco. No contexto organizacional, a comunicação de risco exerce um papel similar na medida em que o público interno (trabalhadores, gestores) e externo (comunidade e partes interessadas), devem participar deste processo interativo de troca de informações sobre as possíveis ameaças decorrentes dos processos industriais e que de alguma forma afetem o meio ambiente e a saúde da população. A comunicação de risco no contexto organizacional, permite ainda aos gestores, técnicos e especialistas envolvidos na análise de riscos, validar o processo de tomada de decisões junto às partes interessadas com vistas ao estabelecimento de um processo democrático. 10 Na definição de Ferreira (1999), epidemia é “a doença que se propaga por um país. Que surge rapidamente num lugar e acomete, a um tempo, grande número de pessoas” (p.778). Pandemia: “Doença epidêmica amplamente difundida” (p.1484) 39 Todavia, não só as partes interessadas participam do processo decisório, mas o “modus operandi” e as mudanças nos níveis organizacionais destes grupos (Gutteling;Wiegman ,1996). A Figura 2 apresentada na página 40, mostra que, inicialmente, no contexto organizacional, a comunicação de risco deve ser uma prática diária de troca de informações entre as partes interessadas com vistas ao reconhecimento dos riscos e de medidas preventivas. Além disso, em situações de crise e emergência, as organizações necessitam agir com transparência e informar quais medidas estão sendo tomadas para que os órgãos responsáveis possam comunicar à população sobre um possível acidente industrial. Num segundo momento, as organizações devem implementar centros de comunicação com a população residente próxima às instalações e com a mídia, de maneira a solucionar dúvidas em situações de crise e emergência. A última etapa do processo da comunicação de risco no contexto organizacional consiste em avaliar os impactos e danos causados, bem como comunicar às diversas partes interessadas os resultados das avaliações. 40 Fonte: United Nations Environment Programme (UNEP, 2002) FIGURA 2 – Contexto da Comunicação de Risco 41 3.3 Objetivos da comunicação de risco O objetivo da comunicação de risco é o de informar e conscientizar o público sobre os riscos à saúde, riscos ambientais e ocupacionais e ajudar na condução de discussões sobre riscos de maneira justa e precisa. No entanto, este objetivo não deve estar restrito à informação, mas estabelecer uma relação de parceria e confiança entre os envolvidos e posteriormente delinear o que será comunicado, com vistas a um diálogo produtivo e transparente. A comunicação de risco deve atender ainda a outros objetivos que estão relacionados ao conceito de probabilidade e aos efeitos randômicos e aleatórios, explicar as diferenças entre risco e perigo11, lidar com agentes de estigma12 do risco e às altas conseqüências tidas como temíveis (como por exemplo, reatores nucleares ou câncer), lidar com os efeitos de longo prazo, oferecer melhor entendimento dos efeitos que possam apresentar similaridade com outros fatores do estilo de vida, lidar com a diversidade das partes interessadas na fase da gestão e lidar com as diferenças inter-culturais entre as sociedades pluralistas e entre as diferentes nações e culturas (Renn, 2006). (LUNDGREN;MCMAKIN, 2004), relatam que o objetivo da comunicação de risco difere da comunicação técnica em dois aspectos. Na comunicação de risco, o público deve ser motivado a reagir em situações de perigo e ser informado e persuadido na construção de um consenso. Na comunicação técnica, a informação é disseminada sem que haja um diálogo de mão-dupla. Nesse sentido, a comunicação de risco deve promover consistência e transparência ao implementar decisões voltadas à gestão de riscos, mas especialmente reforçar a confiança pública na tomada de decisões das organizações. 11 Perigo: fonte com potencial de causar danos, ou situação com potencial de causar perdas (Australian Standards-New Zealand Standards 4360:2004). 12 Estigma é a palavra usada para descrever situações nas quais as pessoas consideram inaceitáveis, catastróficas e que gerem pânico, como por exemplo, o estigma associado ao câncer ou o estigma de viver em grandes metrópoles associado à violência, ao crime, etc. 42 Sob tal ótica, a WHO-FAO (World Health Organization - Food and Agriculture Organization), aponta os seguintes objetivos: -promover o entendimento de questões específicas durante o processo de análise de riscos entre todos os participantes; -oferecer entendimento sobre as decisões propostas e implementadas na gestão de riscos; -melhorar a eficácia e eficiência do processo de análise de riscos; -contribuir para o desenvolvimento e envio de informações e programas de educação; -promover o envolvimento das partes interessadas no processo da comunicação de risco; -promover a troca de informações, conhecimentos, valores, atitudes, práticas e percepções quanto aos riscos (WHO-FAO, 1998, p.85). Cabe ressaltar que os objetivos da comunicação de risco devem atender ao aprimoramento do conhecimento público por meio da educação, à mudança de comportamento individual e social, ações preventivas, resolução de problemas, conflitos e as metas organizacionais. 43 3.4 A evolução da comunicação de risco Em um primeiro momento, a comunicação de risco representava para os especialistas, informar o público leigo sobre estimativas de risco numa linguagem científica. Confrontados pela opinião pública pela ausência de compreensão, esta fase, ou “fase da arrogância”, ou ainda, fase da “comunicação persuasiva”, (LEISS, 1996), o processo da comunicação de risco mostrou-se pouco efetivo por não atender aos anseios e preocupações sociais. Posteriormente, o foco da comunicação de risco permitia às organizações o estabelecimento de uma comunicação efetiva, incluindo elementos tais como, a credibilidade da fonte, clareza nas mensagens, uso efetivo de canais de comunicação e a percepção pública do risco. A partir dos anos 90, a comunicação de risco foi construída a partir da premissa de que deve ser um ato de comprometimento por parte das organizações com as suas partes interessadas. O que Leiss (1996) chamou de “fases da comunicação de risco”, Fischhoff, define como “estágios da evolução” em comunicação de risco e considera: 1. Tudo que temos a fazer é estimar e calcular13 os números corretamente; 2. Tudo que temos a fazer é informar os números; 3. Tudo que temos a fazer é explicar o que pretendemos dizer com os números; 4. Tudo que temos a fazer é mostrar que outros riscos foram aceitos no passado; 5. Tudo que temos a fazer é mostrar que é um bom negócio; 6. Tudo que temos a fazer é tratá-los bem. 7. Tudo que temos a fazer é torná-los parceiros (Fischhoff, 1995, p.9) 13 Os termos estimar e calcular, referem-se à palavra de origem inglesa “avaliar”. 44 Covello;Sandman (1987) por exemplo, destacam quatro etapas na evolução da comunicação de risco: Etapa 1 – Ignorar o público Etapa 2 – Explicar melhor a informação sobre o risco Etapa 3 – Dialogar com a comunidade Etapa 4 – Incluir o público como agente colaborador Embora estas fases apresentem um quadro cronológico na evolução ou nas fases da comunicação de riscos, parte das organizações não demonstram habilidade em informar riscos. Em muitas situações os gestores se prevalecem de alguns mitos para justificar a não adoção da comunicação de risco, como por exemplo, a ausência de tempo e de recursos, a probabilidade de que uma determinada mensagem gere pânico entre o público, a subestimação de que o público não compreenda as informações técnicas, e ainda, se mostram preocupados com situações e contextos que possam fugir da governabilidade deles. 45 3.5 A percepção como apoio ao processo da comunicação de risco De forma a atender o interesse público quanto aos possíveis riscos advindos da introdução de novas tecnologias, o desenvolvimento da percepção de risco foi a maneira encontrada para melhor compreender o julgamento intuitivo das pessoas14 quanto às atividades que apresentem perigo ou atividades que sejam decorrentes dos processos industriais. Pessoas que estejam fora do contexto organizacional, merecem atenção por parte dos especialistas a terem acesso às informações sobre riscos dos quais possam afetar a saúde, a segurança e o meio ambiente. Desse modo, para que a comunicação de risco seja efetiva, se faz necessário compreender os anseios e preocupações da comunidade como forma de minimizar a reação pública. Pode-se assim dizer, que a percepção de riscos surge de maneira a preencher a lacuna existente entre o que é de desconhecimento público e entre o que é de conhecimento técnico-científico, de forma a subsidiar as organizações a informarem seus riscos. A percepção de riscos é parte fundamental de qualquer programa de comunicação, pois é ela que, num primeiro momento auxilia os gestores a compartilharem de diferentes opiniões durante o processo de gestão, para que posteriormente, possam compreender e minimizar as controvérsias do público quanto aos riscos industriais e conseqüentemente na aceitabilidade ou não de novas tecnologias. Além disso, organizações que engajam o público em discussões técnicas tendem a aumentar sua credibilidade e confiança. As contribuições mais significativas para a compreensão da percepção de risco emergiram nos campos da geografia, sociologia, ciência política, antropologia e psicologia (Slovic, 2002). 14 O julgamento intuitivo das pessoas é apontado na literatura como “risco percebido”, o qual emergiu a partir das diferenças obtidas durante a análise de riscos e como informar a população sobre estas avaliações técnicas. 46 3.6 O auxílio das pesquisas na compreensão da percepção do risco As primeiras pesquisas voltadas à compreensão da percepção do risco tiveram início nos anos 60. A partir de 1970, o conceito de risco percebido tornou-se proeminente, a partir da observação de que as pessoas respondiam aos riscos de maneira irracional (pelo menos do ponto de vista dos especialistas). Segundo Slovic esta falha na percepção de risco deriva de limitações cognitivas dos seres humanos em interpretar (Slovic et al, 1980). Estas limitações cognitivas foram responsáveis pela oposição pública quanto à implementação de novas tecnologias, em particular energia nuclear, que, de acordo com a avaliação científica deveriam ser vistas como seguras, ou pelo menos aceitáveis se comparados com outros riscos e atividades adotadas pelas pessoas. A maior contribuição das pesquisas em percepção de risco foi o paradigma psicométrico, baseado em questionários aplicados às pessoas para compreender como os riscos eram julgados. Segundo Starr (1969) apud Glickman;Gough (1991), as características utilizadas no paradigma psicométrico foram introduzidas sob a perspectiva da engenharia e da gestão de riscos e não da psicologia. Entretanto, os resultados obtidos nestas pesquisas foram construídas em dados quantitativos que não apresentavam correlação e que, portanto, não foram suficientes para o estabelecimento de causalidade. Outra contribuição mais recente nas pesquisas sobre percepção de risco foi a utilização dos modelos mentais15 (Morgan et al, 2002). Estes modelos estão voltados a compreender e explicar como as pessoas racionalizam o risco e integram novas informações aos conhecimentos e crenças já existentes. 15 Na definição de Morgan et al (2002, p.21), modelos mentais são “as crenças fragmentadas ou as inferências que pessoas e indivíduos fazem acerca de um risco, tais como a magnitude do risco, como pode ser controlado e por quem será controlado”. 47 Douglas;Wildavsky (1982), por exemplo, a partir de uma abordagem sociológica investigam a percepção do risco no contexto da teoria cultural. A teoria cultural descreve a influência de grupos sociais nos quais as pessoas se inserem e como compartilham as diferentes percepções. No contexto organizacional, a cultura é evidenciada na cultura de segurança 16 e sugere que as pessoas desenvolvem melhor a percepção de risco no contexto industrial ao compartilharem das mesmas atividades em grupo. No entanto, novas pesquisas em percepção de risco devem ser voltadas a compreender como as variáveis cognitivas dos trabalhadores são influenciadas pela cultura de segurança (Weyman et al, 1996). 16 Cultura de segurança refere-se aos aspectos da cultura organizacional que irão impactar sobre as atitudes e comportamentos que permitem construir as crenças sobre os perigos, riscos e segurança (Guldenmund, 2000, p.251). 48 3.7 Benefícios de implementação do processo da comunicação de risco Os benefícios de se praticar a comunicação de riscos incluem a melhoria no processo de tomada de decisões das organizações e reverter a percepção pública negativa em positiva. Em determinadas circunstâncias, a ansiedade do público nas questões que envolvam riscos ao meio ambiente, ou riscos à saúde podem ser maximizadas ou minimizadas. A comunicação de risco deve ser parte da estratégia de comunicação das organizações e considerar o ponto de vista dos stakeholders ajuda a melhorar a qualidade na gestão de riscos principalmente em crise. Além disso, o processo de comunicação de risco tem auxiliado os acionistas a alcançar maior eficácia nos objetivos da comunicação subsidiando-os nas decisões estratégicas do negócio, na qual permite rever estratégias e engajá-los no exercício do diálogo mútuo, minimizando conflitos com as diversas partes interessadas (Covello et al, 2001). Para as organizações, a boa comunicação é essencial para o desenvolvimento de uma cultura em que as dimensões positivas e negativas dos riscos sejam reconhecidas e avaliadas. A comunicação dos riscos ajuda a organização a estabelecer sua atitude em relação a eles (Australian Standards-New Zealand Standards 4360-2004). Krimsky;Plough (1988), reconhecem a importância da comunicação de riscos nas organizações ao colocar que este processo de comunicação não deve se restringir simplesmente em mensagens sobre riscos, mas acima de tudo em uma afirmação sobre segurança. Comunicar os perigos, riscos, políticas, estratégias, programas e iniciativas, requerem maturidade organizacional17, caracterizando-se como um desafio permanente nas empresas. 17 Segundo Barreiros (2002), maturidade organizacional significa o estágio no qual a organização dispõe de estratégias eficazes para responder aos seus desafios no momento oportuno. 49 3.8 O apoio da alta direção quanto à prática da comunicação de risco A comunicação de risco enquanto um processo interativo de troca de informações com as diferentes partes interessadas deve ser promovida com o apoio da alta direção. Este apoio consiste na motivação da alta direção em demonstrar aos gestores envolvidos na gestão de riscos a importância de contribuírem com idéias para que tenham melhor compreensão de que o processo da comunicação de risco deve ser um comprometimento interno de cooperação e de ativa participação. Esta participação ativa entre direção e gestores permite ainda melhorar suas atitudes com situações externas à organização. Além disso, o diálogo interativo entre a alta administração e os gestores de risco, permite melhorar as diferentes percepções obtidas durante a análise de risco e minimizar as convergências de opinião entre os atores internos a fim de que obtenham um único consenso acerca do nível de risco. A diretoria deve considerar a comunicação de risco como uma necessidade e não como um gasto desnecessário. Infelizmente, por parte das organizações, a ausência de recursos no processo de gestão é normalmente justificada pelo alto investimento financeiro e tempo em gerar dados sobre riscos à saúde e ambiental. Desta forma, quanto menos recursos existirem, menores serão as chances de implementar a comunicação de risco e de demonstrar sua importância aos colaboradores internos e outras partes interessadas. Os recursos também estão voltados ao treinamento de gestores e funcionários. A ênfase do treinamento está voltada para reforçar que a comunicação de risco deve ser construída com base na via-dupla de informações e auxiliar na compreensão da percepção pública do risco e o quanto a organização pode afetar esta percepção. Organizações que incorporam a comunicação de risco como uma prática diária e como parte estratégica de seus negócios, desenvolvem planos de comunicação, a fim de evitar que situações inesperadas causem impactos na gestão de riscos e comprometam a credibilidade institucional. 50 Assim, todos os documentos organizacionais que tratem a questão ambiental e os riscos tecnológicos devem ser incorporados aos assuntos relacionados à comunicação. Ao reforçar a importância da comunicação de riscos, compete à alta direção criar um clima de sinergia e harmonia entre os gestores de todos os níveis hierárquicos de uma organização. Organizações que compartilham informações com seus gestores tendem a construir um clima de credibilidade e de confiança mútua. Enquanto parte das organizações monopolizam certas informações por considerarem confidenciais, ou que fogem do escopo dos gestores, outras agem proativamente em revelar informações passadas da instituição por acreditarem que os gestores devem ser os primeiros a serem notificados. Documentos que tenham relevância, como por exemplo, os que foram de consentimento e aprovação da população, devem ser encaminhados à alta direção como forma de embasar os esforços envidados nas ações de comunicação de risco. Cabe aos gestores manter a troca de informações com outras organizações na busca de melhor compreensão entre as controvérsias internas, a fim de evitar problemas futuros. As diferentes fontes de informação contribuem para a construção de novas idéias. Em muitas situações, os próprios gestores relutam em praticar a comunicação de risco por considerarem uma abstração. Neste caso, o apelo da diretoria é colocar a situação real do problema. 51 3.9 A identificação das partes interessadas no processo da comunicação de risco As grandes organizações, pressionadas pela legislação vigente, requerem assumir compromissos de longo prazo com todas as partes interessadas, demonstrando a intenção de continuidade das atividades da organização (FPNQ, 2003). Desta maneira, comunicar riscos às partes interessadas envolve participar os atores internos e externos permitindo às organizações compartilharem perspectivas, opiniões, posicionamentos, etc. Por outro lado, nem todas as organizações realizam a etapa de comunicar às partes interessadas, por razões comerciais, de segurança ou de sigilo de informações, o que não as exclui de documentar a decisão consciente de não incluir as partes interessadas (Australian Standards-New Zealand Standards 4360-2004). A identificação das partes interessadas deve ocorrer na fase inicial do planejamento da gestão de riscos contribuindo para o engajamento, aceitação das propostas, e consequentemente no resultado de soluções construtivas e de reflexão. Os stakeholders (partes interessadas ou envolvidas), caracterizam-se em diretoria e acionistas majoritários, executivos, gerentes de negócios, funcionários, sindicatos, entidades representativas, órgãos reguladores, meio ambiente, comunidade, fornecedores, prestadores de serviços, instituições financeiras e a mídia. De acordo com Barreiros (2002, p.9), as partes interessadas podem ser representadas por diferentes grupos que: a) têm poderes para influenciar o processo de decisão nas organizações (trabalhadores, acionistas, sindicatos, Ministério da Previdência e Assistência Social, Ministério do Trabalho e Ministério Público), com relação ao desempenho da saúde e segurança no trabalho; e b) são afetados diretamente pelo desempenho da saúde e segurança no trabalho e com poderes ou não de exercer alguma influência sobre o processo de decisão das organizações a fim de modificar esse desempenho (trabalhadores, comunidade e Ministério da Previdência e Assistência Social). 52 Outra maneira de auxiliar as organizações a identificarem as partes interessadas e envolvidas, foi sugerida por (Wiedemann et al. 1999), ao colocarem que algumas perguntas relevantes podem levar a respostas conclusivas: - Qual o histórico que se tem sobre o risco? - Quais são as peculiaridades das partes interessadas? - Quem ou quais pessoas quiseram se envolver em situações similares anteriormente? - Quem poderá ser afetado pela caracterização do risco? - Quem poderá ser afetado e não sabe que será afetado? - Quem poderá se sentir lesado se não for incluído no processo? - As partes envolvidas estão interessadas em soluções? (p. 32) 53 3.10 Modelos de comunicação de risco Os modelos convencionais de comunicação requerem um emissor, mensagem e receptor e são utilizados como um complemento no processo de comunicação. O mesmo ocorre na comunicação de risco, onde o emissor passa a ser as organizações, a mensagem, os riscos, e o receptor, o público em geral e as partes interessadas. Desse modo, os modelos de comunicação, não podem ser tidos como correto ou verdadeiro, Berlo, (1999), mas buscar atender aos objetivos específicos de cada organização. Leiss;Krewski (1992) apud Leiss (1992), sugerem três modelos de comunicação de risco que auxiliam as organizações no processo da gestão de risco. O primeiro, chamado de modelo de fluxo de informações ou modelo institucional. O segundo, modelo de transmissão de mensagens, e o terceiro, modelo do processo de comunicação. O modelo do fluxo de informações ou modelo institucional, envolve a troca de informações técnicas entre as organizações, agências reguladoras e pesquisadores. É um modelo simplificado de mão-única18, no qual é utilizado para auxiliar gestores e especialistas em como informar riscos tecnológicos, ou seja, as formas pelas quais a informação é transmitida daqueles que inicialmente são responsáveis pelo risco ao público externo. A mídia recebe as informações da indústria, dos pesquisadores e das agências reguladoras e retransmite a mensagem às partes interessadas e ao público em geral. Este modelo está envolto num cenário legal no qual as obrigações, responsabilidades, culpabilidade e confiabilidade podem ser reconhecidas entre as instituições e atores individuais, com base nas informações de risco que transmitem. 18 Nota da autora: Mão-única é a forma pela qual se estabelece a comunicação sem que haja a participação pública. 54 A Figura 3 abaixo apresenta um modelo de comunicação de mão-única. As letras A, B e C são consideradas fontes primárias de informação que incluem a indústria, agências reguladoras ou pesquisadores independentes. As letras B e C interagem com a troca de informações entre indústria e agências reguladoras e entre agências reguladoras e pesquisadores. A letra D (no canto superior esquerdo), representa a mídia que adquire informações sobre riscos tanto das indústrias, como dos pesquisadores e agências reguladoras. Posteriormente a mensagem é retransmitida às partes interessadas e ao público em geral conforme sugere as linhas pontilhadas (letra D no canto superior direito da figura). Fonte: Leiss;Krewski (1992) apud Leiss (1992) FIGURA 3: Modelo do fluxo de informações em comunicação de risco 55 O segundo modelo proposto por Leiss;Krewski (ibid), é baseado na Teoria Matemática da Comunicação adaptado de Claude Shannon e Warren Weaver (1949). Na Figura 4 abaixo, a mensagem é simplesmente um sinal eletrônico e o objetivo do sistema é reproduzir o sinal da fonte sem que haja distorções até o final do processo. Para os autores, os quatro elementos desta Teoria, a fonte, o canal, a mensagem e o receptor apresentam falhas de comunicação. Em muitas situações, a fonte e o canal não são compreendidos de maneira adequada, gerando uma situação estática e não dinâmica. O receptor pode não compreender o significado da mensagem e a própria mensagem pode ser ambígua e incompleta. Fonte: Leiss;Krewski (1992) apud Leiss (1992) FIGURA 4: Modelo de transmissão de mensagens 56 O terceiro modelo, ou seja, do processo de comunicação, procura incorporar as melhores características entre os modelos anteriores. Envolve a interação entre os dois domínios conhecidos como risco técnico e risco percebido, promovendo a comunicação de mão-dupla19. É um refinamento do ponto de vista de que a comunicação de risco é baseada primeiramente na interação entre a esfera técnica e a esfera pública. Em outras palavras, o risco técnico está normalmente no domínio dos especialistas, enquanto o risco percebido está no domínio da esfera pública. A Figura 5 na página 57 é dividida em duas esferas e sugere transparência entre o público leigo e especialistas. O governo ao centro é o que estabelece a ponte entre os especialistas e o público. Os especialistas (do lado esquerdo), compõem o domínio do risco técnico, enquanto o público (do lado direito), representa o domínio do risco percebido. As setas em formato de círculo (ao centro) dos dois domínios, significa que a troca de informações é primeiramente gerada entre cada um dos atores pertencentes em cada domínio. 19 Nota da autora: Mão-dupla é a forma pela qual se estabelece a comunicação permitindo a troca de informações. 57 Fonte: Leiss;Krewski (1992) apud Leiss (1992) FIGURA 5: Modelo do processo da comunicação de risco 58 Embora estes modelos de comunicação auxiliem as organizações no escopo da gestão, não se pode deixar de enfatizar que todo e qualquer processo de comunicação lida com “ruídos”20 e interferências entre os emissores, as mensagens e os receptores, comprometendo dessa forma, os objetivos organizacionais. Estes “ruídos”, ou “linhas cruzadas”, conforme coloca Berlo (1999), normalmente ocorrem quando pessoas de uma organização desempenham papéis tanto de fonte como de receptor. Para concluir, não são os modelos de comunicação que se traduzem em efetiva prática de comunicação. A efetividade destes modelos requer a participação e o interesse de todos os atores envolvidos em apoiar o processo da comunicação de risco ao falarem a mesma linguagem e que os interesses das partes interessadas sejam identificados e considerados. 20 O conceito de ruído foi introduzido pelos autores Claude Shannon e Warren Weaver em 1949 e assim definem: “os fatores que distorcem a qualidade de um sinal”. 59 4 LIMITAÇÕES NO PROCESSO DA COMUNICAÇÃO DE RISCO 4.1 Risco: um problema de comunicação Neste capítulo, ressalta-se a importância de apontar para as dificuldades encontradas na implementação da comunicação de risco, na premissa de que na ausência de um conceito absoluto sobre risco e nas diversas abordagens e diferentes percepções sobre risco, as organizações se deparam com obstáculos internos e externos. O risco sempre esteve presente em nossas vidas. O uso de aparelho celular e de microondas tornaram-se quase que indispensáveis na vida moderna, mas nem por isso deixam de apresentar riscos à saúde da população que deles se utilizam. De maneira similar, a instalação de novas indústrias próximas das comunidades também tornam-se motivo de recusa, pois apresentam a possibilidade de exposição a fatores de riscos que antes não existiam. A similaridade entre estas duas formas de exposição a um determinado risco, talvez esteja no desconhecimento por parte dos especialistas do quanto sejam os limites desta exposição e o quanto ambas podem afetar a saúde humana. Assim sendo, parece relevante, tentar compreender como o público pode formar sua própria opinião e julgamento acerca de um determinado risco, sendo que os responsáveis pelos riscos tecnológicos não conseguem chegar a um consenso quanto à definição do próprio termo, comprometendo, portanto, a efetividade da comunicação de risco. A idéia central de que informar o público sobre riscos constitui-se base para o processo democrático21, aponta para duas análises: a controversa e a complexa. (FISCHHOFF et al., 1990), coloca que a controversa refere-se quanto à definição do termo risco que pode afetar o retorno dos debates políticos, a alocação de recursos e medidas de segurança e a divisão de poder político na sociedade. A complexa refere-se à construção de um senso comum sobre risco entre especialistas, governo e público. 21 Nota da autora: o processo democrático aqui, refere-se às formas de envolver o público em discussões sobre risco e permitir que este público participe e contribua com suas opiniões. 60 O público em geral teme que um determinado risco industrial possa vir a causar danos à saúde ou ao meio ambiente, enquanto, na visão dos especialistas, o risco é atribuído quanto aos seus valores de exposição, probabilidades de causar danos, bem como as conseqüências destes danos. Essas margens de incertezas e de diferentes percepções dificultam o processo da comunicação de riscos na medida em que o uso de informação probabilística aumenta a confusão entre o público (GUTTELING;WIEGMAN, 1996). Os riscos tecnológicos, como a instalação de uma nova planta por exemplo, são mais controversos que os riscos naturais, como as enchentes e catástrofes naturais, por serem impostos. Entretanto, BAUM et al. (1983) apud GUTTELING (1996) coloca que, a tecnologia enquanto resultado da produção humana deve ser vista como uma forma de resolver problemas sociais e não de aumentá-los. 61 4.2 As diferentes abordagens sobre risco entre especialistas e o público Os responsáveis pela gestão dos riscos tecnológicos tendem a contestar a forma pela qual o público percebe e reage a um determinado risco. Isto é decorrente da maneira pela qual baseiam seus dados resultantes de experimentos e análises probabilísticas utilizadas na etapa da análise de riscos. À essa forma de abordar riscos, denomina-se “riscos objetivos”. Os “riscos subjetivos” estão relacionados à maneira pela qual indivíduos e público leigo percebem os riscos. De acordo com Slovic (1992), o julgamento do público quanto aos riscos tende a ser subjetivo, hipotético, emocional e irracional, enquanto o julgamento dos especialistas tende a ser objetivo, analítico e racional. Embora a abordagem técnica atenda às decisões de caráter técnico, mostrase incompleta ao incluir na análise os aspectos e experiências sociais. No Quadro 1 à página 62, observam-se os diferentes apelos existentes entre especialistas e público. A ênfase dos especialistas é normalmente voltada a atender os métodos e evidências científicas, enquanto a ênfase pública é normalmente atribuída aos fatores sociais, como por exemplo, a influência de grupos, a responsabilidade do governo em proteger os cidadãos e à própria percepção individual em lidar com informações sobre riscos. 62 Abordagem do risco na visão dos Abordagem do risco na visão do público especialistas A confiança está nos métodos e evidências A confiança está na cultura política e no científicas processo democrático Apelo de autoridades e conhecimento técnico Apelo folclórico, grupos e tradições As fronteiras de análise são distorcidas e As fronteiras de análises são amplas e reducionistas incluem o uso de analogias a precedentes históricos Os riscos são despersonalizados Os riscos são personalizados A ênfase está nas variações estatísticas e na A ênfase está nos efeitos do risco sobre as probabilidade famílias e a comunidade Apelo à consistência e universalidade O foco é particular: menos interesse sobre a consistência de abordagem Onde houver existência sobre ciência, o A resposta do público sobre as diferenças status quo é mantido científicas consistem na escolha em qual acreditar Impactos que não podem ser medidos são Riscos menos relevantes prévios e desarticulados são relevantes Fonte: Krimsky, S.;Plough, A (1988) QUADRO 1: Diferenças de abordagem sobre risco entre especialistas e público 63 4.3 Comunicar riscos: um desafio aos gestores Comunicar, constitui-se parte do processo de comunicação. No entanto, Berlo (1999) coloca que se faz necessário compreender como as mensagens são produzidas, o que as pessoas procuram comunicar e como as pessoas tratam suas mensagens. Por mensagem em comunicação de risco, entenda-se toda e qualquer informação que esteja relacionada ao risco ou aos impactos de um evento. É portanto, antes de informar que organizações devem entender e compreender os anseios e preocupações do público. Público e especialistas possuem diferentes interpretações acerca de um mesmo fato. São estas diferentes interpretações que dificultam o processo da comunicação de risco e nas questões que envolvam a aceitabilidade do risco, resultando em conflitos sobre o que se deve ser considerado apropriado durante o processo de tomada de decisões das organizações. O sucesso em comunicar risco implica na habilidade dos gestores em criar um clima de confiança entre o público e na habilidade de lidar com conflitos e disputas internas. Em algumas situações os gestores procuram simplificar a linguagem técnica, e em outras, os gestores fazem com que as mensagens tomem dimensões complexas gerando incompreensão do público. Hance et al. (1990) coloca que os jargões e o uso de terminologia técnica devem ser utilizados de maneira a satisfazer o público, e para tanto, é necessário que os gestores expliquem numa linguagem clara e objetiva o significado e conceito destes jargões. Outro desafio imposto aos gestores é a comunicação com a mídia. Em sua maioria, os repórteres desconhecem os termos técnicos utilizados pelos gestores, o que pode ocasionar sérios problemas de interpretação. 64 Desse modo, Hance (ibid) recomenda alguns pontos a serem considerados pelos gestores ao se comunicarem com a mídia: a) Nunca assuma conhecimento total perante a mídia b) Conduza a entrevista c) Evite o uso de jargões d) Simplifique as mensagens e) Antecipe outros fatos que ocorreram no passado f) Ofereça informações por escrito g) Esteja atento quanto à ausência de compreensão h) Faça um check-up das informações disponibilizadas i) Sugira outras fontes de informação Por ser a comunicação de risco um conceito recente, os gestores tendem a transferir a responsabilidade de informar riscos à equipe envolvida na avaliação de riscos ou aos departamentos de comunicação social e relações públicas das instituições (NRC, 1989). Neste caso, o desafio que se impõe aos gestores é que a comunicação de risco seja praticada entre todos os envolvidos na gestão de riscos. 65 4.4 Lidar com as incertezas dos dados científicos A ciência teve um papel fundamental não apenas na introdução da teoria da probabilidade, mas, sobretudo, na discussão em torno das incertezas presentes na avaliação dos especialistas. Na obra de Knight, intitulada “Risco, incerteza e lucro”, publicada em 1921, o autor desconfiava das teorias clássicas baseadas nas leis da probabilidade matemática ou em pressupostos de certeza como guias à tomada de decisões. Knight baseava sua análise na distinção entre risco e incerteza ao colocar: “A incerteza deve ser tomada em um sentido radicalmente distinto da noção familiar de risco, da qual nunca foi apropriadamente separada...Descobrir-se-á que uma incerteza mensurável, ou “risco” propriamente...é tão diferente de uma imensurável que, na verdade, não chega a ser uma incerteza” Knight (1921) apud Bernstein (1997, p.219) Embora a publicação de Knight estivesse voltada ao mercado financeiro, muitas de suas idéias predominam nas organizações, especialmente no que diz respeito às incertezas de números científicos. Os riscos são caracterizados pela incerteza de sua natureza, e, portanto, difíceis de serem quantificados. Nenhum risco tecnológico é idêntico ao anterior, ou a um risco que ainda esteja por acontecer. Assim, ao considerar alguns aspectos relevantes quanto às incertezas de números científicos, a Australian Standards-New Zealand Standards 4360 (2004, p.44), assim coloca: a) Riscos dos quais conhecemos ou podemos assumir a faixa de variação de resultados e sua probabilidade, mas dos quais o valor específico não é conhecido dentro da faixa. b) Riscos dos quais não conhecemos todos os resultados possíveis ou a probabilidade de cada resultado ou ambos. 66 c) Riscos sobre os quais não sabemos o que não sabemos. d) Riscos dos quais as relações ou redes causais são incertas. e) Riscos dos quais há uma variabilidade na natureza e grau de exposição ou na susceptibilidade. As incertezas dos dados científicos emergem principalmente de outros fatores que estão voltados aos modelos científicos designados a extrapolar os resultados de altas dosagens à baixas dosagens, o que gera incerteza e controvérsia. A esse respeito, Covello (1992) apud Leiss (1992), coloca que as estimativas entre alta e baixa dosagem podem afetar a magnitude dos níveis esperados de exposição sejam elas de curta ou longa duração, e principalmente na interação entre uma ou mais substâncias tóxicas, como por exemplo, um trabalhador exposto a um risco ocupacional ao inalar substâncias químicas por vários anos, ou um mesmo trabalhador ao inalar as mesmas substâncias por poucos minutos. Um outro cenário para lidar com as incertezas atribui-se em grande parte na ausência de números estatísticos e na diversidade de métodos em como monitorar estes riscos, culminando em margens de erro e dificultando, portanto, o processo da comunicação de risco. O aparecimento de incertezas científicas, atribui-se também nas variações de estimativas consideradas nas análises técnicas e pela complexidade das informações, comuns no gerenciamento de risco tecnológico. Desta forma, Chess (1989) apud Covello et al (1989) coloca que reconhecer e admitir incertezas faz parte da realidade em situações de comunicação de risco. 67 4.5 O risco de comparar riscos Comparar riscos é um método encontrado para apresentar a magnitude de um determinado risco e auxiliar o público com termos que sejam familiares e de fácil compreensão. Entretanto, o National Research Council coloca que ao comparar riscos existe uma distância entre a teoria e a prática. Na teoria, o uso de comparações representa um atrativo aos gestores como forma de simplificar as mensagens sobre riscos. Na prática, o uso de comparações pode significar um modo sutil de manipular o público a aceitar determinado risco. Ao comparar riscos voluntários (como por exemplo, esquiar), aos riscos involuntários (por exemplo, poluentes), riscos naturais (como por exemplo, enchentes) e riscos tecnológicos (por exemplo, conservantes alimentícios), as mensagens podem ser distorcidas e resultar em atitude negativa por parte do público (NRC, 1989). Para os gestores de risco, o uso de comparações pode auxiliá-los na forma de apresentar informações que não sejam familiares ao público, ou seja, colocar o risco em perspectiva. Neste caso, Covello (1988), sugere que o uso de analogias pode ser um instrumento favorável ao comparar riscos, desde que usadas com cautela. Ao comparar um mesmo risco em diferentes situações ou ainda, realizar diferentes cálculos acerca de um mesmo risco, o público tende a aceitar melhor. Para o autor comparações entre um risco ocupacional, e o risco ambiental, ou riscos que não estejam relacionados como, por exemplo, fumar, ou dirigir um carro, são pobres especialmente porque confundem as pessoas daquilo que é de controle pessoal do que é de controle de outros. Outra dificuldade apontada ao comparar riscos refere-se à ausência de similaridades entre os riscos que possam torná-los significativos ao público. Diferentes riscos devem ser comparados de diferentes maneiras. Por exemplo, ao comparar o risco de mortes em acidentes aéreos, ferroviários ou rodoviários, é necessário que se expresse proporcionalmente o número de quilômetros rodados com o número de vezes viajadas. 68 Além disso, os riscos podem ser representados de maneira qualitativa ou quantitativa e o nível destes riscos é apenas um entre outros fatores que determinam a aceitabilidade do risco. Na análise qualitativa, as pesquisas não são representadas em números, enquanto na análise quantitativa os resultados são expressos em termos estatísticos. 69 4.6 Aceitabilidade do risco Pesquisadores em avaliação de riscos referem-se ao ano de 1969 como o início da ciência sobre o estudo dos riscos, ano em que Chauncey Starr (1969) apud Glickman;Gough (1991), desenvolveu um estudo clássico conhecido como o método das preferências reveladas. Seu estudo concluiu que a aceitabilidade do risco era proporcionalmente relacionada aos benefícios22 das atividades, ou seja, as atividades tecnológicas faziam com que houvesse um equilíbrio existente entre o benefício e o risco. De certa maneira, o estudo de Starr (ibid) é coerente ao correlacionar riscos com benefícios e vice-versa. Sabe-se que o risco de contrair câncer pulmonar é cada vez mais crescente, e, no entanto, os fumantes justificam o ato de fumar como um benefício pessoal por diminuir o estresse ou por ser “charmoso” fumar. O mesmo ocorre quando pessoas com câncer são submetidas à sessões de quimioterapia, mas preferem o risco da quimioterapia por acharem que o benefício é prolongar a vida. A aceitabilidade do risco, assim como os benefícios que os riscos possam trazer são percebidos de maneira diferente entre as pessoas. É mais comum identificar um benefício pessoal como nos dois exemplos citados no parágrafo anterior, a um benefício social. As novas tecnologias introduzidas pelas indústrias que se caracterizam um benefício social, são vistas como organizações de alto risco e trazem poucos benefícios às populações (Slovic, 1993). O Health and Safety Executive- HSE (2001), órgão regulador Britânico, coloca que alguns critérios devem ser levados em consideração durante o processo de tomada de decisões quanto à aceitabilidade do risco. Estes critérios fundamentamse na igualdade, utilidade e tecnologia. O critério da igualdade parte da premissa de que todo indivíduo possui direitos incondicionais aos níveis de proteção. Se a estimativa do risco obtida durante a análise do risco estiver acima dos limites, o risco será inaceitável ainda que haja benefícios. 22 Benefícios no contexto da análise de riscos significam “um conjunto de ações técnicas que quando bem interpretadas e implementadas adequadamente serão aceitas pela sociedade em um dado contexto” (National Research Council, 1989, p.263). 70 O critério da utilidade compara em termos monetários os benefícios relevantes, como por exemplo, o número de vidas salvas apontado nas estatísticas com os anos de vida prolongados. Neste caso, o risco é considerado aceitável23, pois são adequadamente controláveis. O critério da tecnologia reflete a idéia de que o nível satisfatório do risco é obtido entre as medidas de controle tecnológica, gerencial e organizacional. Em outras palavras, quando os resultados forem determinados de acordo com as medidas de controle, o risco será tolerável e aceito pelo público, pois os benefícios serão revertidos em emprego, baixo custo de produção, interesses pessoais ou manutenção da infra-estrutura social, como por exemplo, produção de eletricidade ou melhorias nos sistemas de saneamento básico. Ao passo que o órgão britânico enfatiza os critérios da igualdade, utilidade e tecnologia, Renn reforça que para a aceitabilidade do risco ser alcançada, é necessário minimizar as ambiguidades existentes entre gestores e especialistas, a fim de encontrarem um ponto em comum entre os valores e evidências obtidos durante a análise de riscos (Renn, 2006). Por ser a análise de riscos uma das etapas da gestão de riscos, os altos níveis de detalhes técnicos são fatores determinantes para a aceitabilidade ou não de um determinado risco. As decisões que determinam a aceitabilidade do risco, normalmente envolvem o uso de análises técnicas entre especialistas e a realidade social. Levando-se em consideração a realidade social, Mary Douglas (1986), procura abordar, sob o ponto de vista sociológico, a aceitabilidade do risco. Para ela, os fatores determinantes para uma democracia liberal envolvem liberdade e justiça. Neste sentido, a questão colocada por Douglas é, como balancear a liberdade de escolha de um trabalhador que queira correr o risco em seu local de trabalho por considerar que a compensação seja revertida em termos financeiros, com o critério da justiça. A justiça neste caso consiste na responsabilidade organizacional em prevenir acidentes e informar os trabalhadores sobre os riscos ocupacionais. Dessa forma, liberdade e justiça são vistas como relações ambíguas e contraditórias (Douglas, 1986). 23 Nota da autora: aceitável no contexto dos riscos significa que, os riscos serão considerados aceitáveis se forem insignificantes e adequadamente controlados pelos especialistas. 71 Outro fator relacionado à aceitabilidade do risco está voltado às diferentes classes sociais. As camadas mais pobres da população aceitam determinado risco por serem “compensadas” ou beneficiadas, enquanto as camadas mais ricas, opõem-se a qualquer tipo de exposição (Renn, 1992). A Figura abaixo mostra em um cone invertido os critérios utilizados para que o risco seja considerado aceitável. A primeira faixa do cone significa que o risco será inaceitável ou intolerável ao público, ainda que haja benefícios. A faixa ao meio é considerada aceitável na qual os custos e os benefícios são levados em consideração. A faixa inferior significa que os riscos positivos ou negativos são insignificantes ou desprezíveis e não requerem tratamento e portanto, aceitáveis para o público. A palavra ALARA sugere “tão baixo quanto seja razoavelmente alcançável”. Fonte: Health and Safety Executive – HSE (2001) FIGURA 6 – Níveis de aceitabilidade do risco 72 4.7 Confiança e credibilidade: limitações das fontes de informação Na vida cotidiana, os seres humanos, procuram de alguma forma, estabelecer relações de confiança, assim como na comunicação em geral as informações a serem transmitidas devem possuir o mesmo caráter. Um tema recente que causou polêmica na sociedade foi a chegada dos alimentos transgênicos ou geneticamente modificados, o qual vem despertando nas pessoas questionamentos quanto aos níveis de confiança sobre o assunto. No campo de pesquisas sobre riscos, há uma tendência crescente de que o termo confiança24 assume um papel importante na aceitação e comunicação sobre riscos (Renn;Levine, 1991; Cvetkovich;Lofstedt, 1999). A confiança refere-se aos aspectos sociais (confiança em autoridades, governo, especialistas e organizações) e refere-se também aos aspectos intelectuais (conhecimento técnico) por parte daqueles que comunicam o risco. O desentendimento gerado entre os gestores durante o processo de análise de riscos é um outro fator que diminui a confiança e credibilidade25 pública nas organizações. Em se tratando de estabelecer níveis de confiança nas organizações, o número de stakeholders envolvidos, bem como os fatores internos à organização irão determinar a eficácia ou ineficácia da comunicação de riscos. Estes fatores intrínsecos à maneira de agir das organizações pressupõem que elas adotem uma política transparente, que tenham governança competente, interesses homogêneos dentro da organização, aberta a discussões com o público, senso de responsabilidade nas questões sociais e ambientais, experiência passada positiva e habilidade pró-ativa em disponibilizar informações ao público. 24 Na definição dos autores (Renn;Levine, 1991, p.179) confiança em comunicação de risco refere-se às expectativas de que as mensagens recebidas sejam verdadeiras e confiáveis e que os comunicadores em risco demonstrem competência e honestidade ao oferecerem informações objetivas, precisas e completas. 25 Credibilidade é definida como sendo o grau de confiança em pessoas ou instituições com base na performance (ibid, 1991, p.179) 73 Esta habilidade pró-ativa consiste em envolver participantes e integrá-los como parte do processo de comunicação e consulta e oferecer oportunidade para que as partes interessadas se expressem (National Research Council, 1989). Recentemente, durante a realização do Second Zurich Roundtable on Comprehensive Risk Analysis and Management26 (2006), representantes de países europeus evidenciaram que, confiança e reputação são as palavras-chave em comunicação de risco. No entanto, em se tratando de conceituar o termo reputação, observaram que novos estudos devem ser melhor conduzidos especialmente no contexto de políticas públicas e a forma como lidam com a perda de reputação ao não informarem a população sobre riscos. 26 Tradução da autora: Segunda Mesa-Redonda para Compreensão da Análise e Gestão de Riscos, realizada em Zurique. 74 4.8 O papel da mídia na divulgação dos riscos A mídia desempenha um papel fundamental na comunicação de massa ao formar a opinião pública, mas especialmente em auxiliar na política e na tomada de decisões na maioria das sociedades democráticas. Entretanto, quando se trata de divulgar informações sobre riscos, sejam eles em menor ou maior escala, a mídia exemplifica ou exacerba o conteúdo das notícias e reportagens. Em muitas situações, os jornalistas atribuem histórias negativas e dramáticas sobre os riscos tecnológicos contribuindo negativamente para a formação da opinião pública. Por outro lado, são os jornalistas também que estabelecem vínculos com suas fontes, a fim de apurarem os fatos. Em se tratando de fontes de informação, os jornalistas recorrem aos especialistas ou gestores de organizações, e ao governo como forma de apurar as diferentes versões sobre um evento. Infelizmente, nem sempre as versões são iguais ou até mesmo similares, especialmente em se tratando de informações que requerem dados estatísticos sobre riscos. Os erros em interpretar dados, as disputas entre os diferentes veículos de comunicação, a cobertura prematura de informações científicas e o sensacionalismo demasiado da mídia, culminam em má interpretação por parte do público (Covello et al.,1987). Por outro lado, Krewski (1992) sugere que no exercício do jornalismo não há verdade absoluta, e que por esta razão, a verdade dos jornalistas não é igual à verdade dos cientistas. Além disso, não se deve culpar a mídia pela inconsistência de informações fornecidas, pois, nas regras para o exercício do jornalismo, não estão explícitas que, além do repórter noticiar um acidente industrial, deve também informar aos seus leitores sobre a probabilidade de que o mesmo acidente ocorra novamente, dado que o risco é inerente ao processo industrial (Singer;Endreny, 1993) Em 1989 durante a apresentação do programa norte-americano 60 minutos, o âncora do programa informava em rede nacional que os agricultores estavam utilizando pesticidas carcinogênicos nas maçãs para que elas ficassem com o tamanho e aparência maiores. Como resultado, a notícia gerou histeria na população e fez com que a indústria e o setor agricultor respondessem pelo prejuízo de cem milhões de dólares. 75 A precipitação da mídia neste caso foi resultado da pressão exercida pelos ambientalistas para que os agricultores banissem o uso de pesticidas. No momento em que a notícia estava sendo gerada, o jornal Los Angeles Times publicava outra matéria informando a população sobre a decisão das indústrias em banir o uso de pesticidas (Willis;Okunade,1997). A ausência da apuração de fatos e a precipitação da mídia quanto aos “furos jornalísticos”27 explicam as razões pelas quais parte das organizações não engajam no processo de comunicação de risco com a preocupação de serem expostas erroneamente e perderem o controle sobre as informações voltadas aos riscos, especialmente ao lidarem com situações de crise e emergência. Somam-se aos fatores acima expostos, a mídia é parte de um contexto social e político na qual se insere, e por esta razão, comunicar riscos muitas vezes dificulta sua atuação na medida em que nem sempre a divulgação de informações relacionadas aos riscos irão agradar a todas as partes interessadas. Em outras situações, a mídia pode ser um instrumento de política para favorecer as partes interessadas. Um exemplo desta manipulação foi o caso da companhia de cigarros americana Brown & Williamson, na qual o presidente era amigo do presidente da TV americana, CBS, influenciando negativamente a mídia de cumprir seu papel social. Este caso sobre a companhia americana de cigarros está descrito neste trabalho no item 5.1. Nestas duas formas antagônicas do papel da mídia no contexto social de “favorecer alguns” e “ser contra outros”, Cannell;Otway (1988), enfatizam que mesmo havendo estas disputas entre o social e o político, ambas fazem parte da realidade e merecem a cobertura da mídia. A esse respeito, os autores destacam: “As inadequações sobre a comunicação de risco emergem não por serem intrinsecamente difíceis de informar o público sobre a natureza e as conseqüências de um risco tecnológico. A comunicação de riscos não pode ser vista como uma forma de resolver conflitos, os quais, inevitavelmente, emergem da sociedade quanto à escolha e implementação de tecnologias” (p.170) 27 Nota da autora: os furos jornalísticos normalmente ocorrem quando um jornalista tem acesso em primeira mão a uma determinada informação. 76 Embora a literatura internacional aponte para uma exacerbação da mídia ao informar riscos, se faz importante considerar o fato de que no Brasil, a mídia passou por grandes avanços na cobertura jornalística sobre riscos. Os exemplos foram a criação de editorias voltadas à ciência, saúde e meio ambiente notadamente nos jornais o Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, o caderno de ciência no Jornal do Brasil, as revistas segmentadas em saúde, segurança e meio ambiente e o surgimento de sites na internet que disponibilizam informações em tempo integral. A questão é compreender como a mídia pode absorver todas estas informações sobre riscos, dado que a criação do Sistema Brasileiro de Ciência e Tecnologia ocorreu no governo Fernando Henrique Cardoso, e portanto, ainda recente para demonstrar junto à mídia a importância de novos mecanismos de divulgação quanto aos assuntos relacionados aos riscos tecnológicos. Além disso, durante a realização do Segundo Congresso Brasileiro de Comunicação no Serviço Público em 2002, observou-se que, nos Estados Unidos existem aproximadamente três mil e quinhentos jornalistas especializados, enquanto no Brasil, apenas quinhentos e cinqüenta. Prova de que muito ainda há de ser feito para tornar a comunicação de risco um tema estratégico, tanto do ponto de vista organizacional, quanto do ponto de vista governamental. 4.8.1 Ética da mídia Se por um lado a mídia exerce o papel social em informar, por outro, ela também possui seu código de ética e princípios quanto ao exercício do jornalismo. As normas éticas da profissão, descritas no Código de Ética do Jornalista, em vigor desde 1987, prevê a consciência da tarefa a serviço do público, independência interna e externa e o nível de educação proporcional à responsabilidade da profissão. A mídia é composta por indivíduos, jornalistas, que por sua vez possuem suas percepções e interpretações individuais acerca de um fato. O que é ético para um jornalista pode ser para outro? Neste ponto, um jornalista que trabalhe para um veículo de comunicação, e ao mesmo tempo resida em um local que esteja sendo contaminado por um agente químico, qual ética deve predominar? 77 Se os jornalistas assumem o caráter em off28 das fontes, como lidar com uma situação na qual o jornalista passa a ser o sujeito da ação. Em outras palavras, como assumir o caráter da imparcialidade inerente ao exercício?.Os jornalistas não são simplesmente observadores passivos, mas participantes ativos no processo de construção da realidade (TRAQUINA, 1993). E é nesta construção que Fausto Neto (1999) refere-se aos diferentes efeitos de sentido, ao qual o autor denomina como uma polissemia potencial. Para ele, o jornalista pode procurar, num só texto, construir diversos e diferentes efeitos de sentido no interior de cada texto que se apresenta de modos distintos para leitores diferentes, na medida em que há diferentes aspectos geradores de sentido. Portanto, ainda que a categoria disponha de códigos de ética e manuais fornecidos pelos veículos de comunicação, há que se considerar que os jornalistas não constroem notícias aleatoriamente, mas dependem de um conjunto de fatores sóciopolítico-econômicos que são determinantes para a ética profissional. Willis;Okunade (1997) identificaram em dois manuais sobre ética da mídia, elementos que contribuem para que a ética seja conduzida. Estes elementos incluem: a) o compromisso com a verdade, b) trabalho independente, por meio de free-lancers; c) minimizar questões que envolvam risco; d) valores; e) princípios e f) lealdade. 28 Nota da autora: o jornalista deve atender a ética da profissão na preservação da fonte. Em muitas situações nas quais o jornalista é solicitado a não divulgar um determinado assunto, lhe é solicitado que os dados fornecidos sejam mantidos em off. 78 Embora a literatura não aponte para um manual específico em gestão de riscos tecnológicos, os autores Griswold;Swenson sugerem um modelo baseado na ética das informações ambientais que auxiliam jornalistas a lidarem com informações técnicas originadas do governo e das organizações. Estas informações devem contemplar perguntas como: - A mídia enfatiza desenvolvimento como um processo ou um evento? - A cobertura da mídia apresenta conteúdo ao informar sobre o desenvolvimento de projetos, planos, políticas e problemas, bem como o que vem sendo feito para minimizar o problema? - As discussões em torno dos projetos são relevantes para as pessoas? - Há disponibilidade de informações sobre desenvolvimento de processos em outras regiões e países? - A mídia compara os objetivos iniciais do desenvolvimento de projetos com os objetivos do governo? - A mídia faz referências quanto a outros projetos a serem desenvolvidos a atenderem as necessidades das pessoas? (Griswold;Swenson, pgs. 1-2, 1993) Para finalizar, várias pesquisas internacionais vem sendo conduzidas como forma de auxiliar os jornalistas a informarem riscos e agirem com ética. No entanto, Cohn lembra que toda a ciência é incerta, complexa, inexata, e todo cientista convive com a incerteza da probabilidade. Desta forma, prossegue Cohn “os jornalistas têm o direito de questionar a validade ou não dos resultados científicos até que se convençam destes resultados” (Cohn, s-d, p.25) 79 4.9 Fatores que influenciam a percepção do risco Um dos fatores mais preocupantes apontados na literatura é compreender como a percepção do risco pode influenciar a forma como as pessoas reagem a determinado risco. Alguns riscos são mais aceitáveis que outros, e esta aceitabilidade está relacionada aos valores e julgamentos individuais, que por sua vez variam de acordo com o histórico emocional, social, psicológico e educacional. Segundo Starr (1969) apud Glickman;Gough (1991), as pessoas tendem a aceitar melhor os riscos que sejam voluntários aos riscos involuntários. Os riscos voluntários são aqueles que dependem de nossa escolha e vontade como por exemplo, fumar ou dirigir em alta velocidade, enquanto os riscos involuntários são impostos por outros e portanto, alheios à nossa vontade, como por exemplo, estar exposto a poluentes gerados pelas indústrias causando impactos na saúde humana e no meio ambiente. No Quadro à página 80, Covello et al. (1988), citam alguns fatores que contribuem para aumentar ou diminuir a percepção pública quanto aos riscos. A percepção pode ser minimizada quando as pessoas estão mais familiarizadas com o risco. Pode-se citar por exemplo, o uso de gás doméstico, que embora apresente risco ainda é utilizado em muitas residências. Contrariamente, a percepção pública pode ser maximizada se um determinado risco vier a afetar a vida de crianças, causar estragos irreversíveis, impor riscos e perigos às gerações futuras, ou ainda, quando resultar em catástrofes industriais que sejam decorrentes de atividades humanas. Sendo a mídia importante fonte de informação, a percepção pública é influenciada pelo grau de atribuição de importância dos veículos de comunicação. Em outras palavras, se a mídia der grande destaque a um determinado assunto, o público reage negativamente. 80 Fatores Catastrófico Condições que aumentam a percepção Condições que diminuem a percepção pública pública Grandes fatalidades que estejam agrupadas Fatalidades que estejam dispersas em tempo e espaço Familiaridade Não-familiar Familiar Compreensão Mecanismos que não sejam de Mecanismos entendimento público público Os riscos que sejam de desconhecimento Riscos que sejam de conhecimento científico Incerto que sejam de entendimento científico ou incertos Controlabilidade Incontrolável Controlável Involuntário Voluntário Efeito em crianças Crianças que estejam expostas a risco Crianças que não estejam expostas a risco Efeitos que sejam Efeitos postergados Efeitos imediatos Risco às gerações futuras Que não apresente risco às futuras gerações Identificação As vítimas são identificadas As vítimas aparecem em números estatísticos Temeridade Efeitos que sejam temíveis Efeitos que não sejam temíveis Confiabilidade Desconfiança nas instituições Confiança nas instituições Atenção da mídia Atenção exacerbada da mídia Pouca atenção da mídia Acidentes que tenham ocorrido em grande Ausência de acidentes Pessoal Voluntariedade de exposição manifestados Efeitos em futuras gerações Histórico de acidentes ou pequena escala Equidade Desigualdade de distribuição entre os riscos Igualdade de distribuição entre os riscos e e benefícios benefícios Benefícios que não sejam transparentes Benefícios que sejam transparentes Efeitos irreversíveis Efeitos reversíveis Causado por ações humanas Causado por ações da natureza Benefícios Reversibilidade Origem Fonte: Covello et al. (1988) QUADRO 2 – Fatores que influenciam a percepção do risco 81 Paul Slovic, pesquisador americano aponta outros fatores que influenciam a percepção pública. Um deles, refere-se basicamente às formas pelas quais o público considera como sendo riscos aceitáveis ou não-aceitáveis, ou ainda, temíveis ou não-temíveis. Um outro fator segundo Slovic (2002), está voltado para a equidade social, ou seja, se os riscos são igualmente distribuídos. Esta equidade refere-se especialmente quando ocorre a construção de uma nova planta industrial em locais mais carentes afetando, drásticamente, as classes mais baixas da população, e ainda se há potencial para gerar conseqüências catastróficas e outros atributos. A percepção de risco é influenciada também pelos fatores de gênero. Homens e mulheres diferem em pensamento e possuem diferentes percepções (Renn, 2006) 4.9.1 Diferenças de percepção entre as partes interessadas Nas pesquisas realizadas sobre percepção de risco evidenciou-se que o julgamento que o público faz quanto aos riscos tende a ser contextualizado de maneira subjetiva relacionadas às emoções individuais, de crenças, experiências e valores, aspectos cognitivos, históricos pessoais, sociais, culturais e políticos (DOUGLAS;WILDAVSKY, 1982). Os especialistas e gestores de risco por outro lado, atribuem níveis de risco de maneira objetiva, voltados aos números e probabilística. Referindo-se à esta objetividade por parte dos gestores em perceber os riscos (OTWAY; THOMAS, 1982, p.72) , assim destacam: “Na sua forma inicial, percepção de risco (para o gestor de risco) significava um certo desvio identificado a partir do tratamento adequado das informações probabilísticas. Assim, de forma consistente com o modo dos tecnólogos lidarem com fatos que parecem ser problemas técnicos, foram utilizados métodos quantitativos (...) para tentar revelar os determinantes da percepção de risco”. 82 Segundo Gutteling;Wiegman (1996), alinhar as diferentes percepções para a construção de um senso comum é um dos desafios que as organizações encontram, pois é a percepção de riscos que determina a reação pública favorável ou desfavorável às novas implementações tecnológicas. Em relação às partes interessadas, constituídas por indivíduos ou grupos não homogêneos e com percepções divergentes, se faz necessário primeiramente compreender e considerar os interesses do público levando-se em conta os padrões culturais e sociais (RENN, 1991). As percepções podem variar também entre o público interno às organizações, como por exemplo, engenheiros, especialistas técnicos, membros da equipe de projetos, responsáveis pela tomada de decisão e os trabalhadores. Um exemplo de como os indivíduos diferem em percepção é apontado na figura abaixo. O proprietário sugere ao trabalhador que “a escada deve ser equipada com sapatas de segurança”. O que o proprietário quis dizer é que a escada deveria ser equipada com protetores anti-derrapantes nas bases. No entanto, o trabalhador interpretou de uma maneira completamente diferente. Fonte: Konikow;McElroy (1975) FIGURA 7 – Percepção de um trabalhador 83 Para ajudar as organizações a compreender as diferentes percepções de suas partes interessadas, técnicas de pesquisa, grupos de apoio, workshops e focus group29 vem sendo conduzidos como forma de determinar os interesses específicos de cada segmento. Por parte das organizações ou aqueles que comunicam o risco, Cutlip et al. (1985) destaca sete aspectos a serem considerados ao envolver o público. a) Credibilidade – o público deve confiar na instituição b) Contexto – reconhecer a realidade c) Conteúdo – deve ter significado para o público d) Clareza – objetivo da comunicação é ser clara e objetiva sem jargões e) Continuidade e consistência – comunicação é um processo contínuo f) Meios de comunicação g) Capacidade do público em interpretar e formar opiniões sobre riscos Frente a isso, alinhar as percepções internas dos especialistas envolvidos na gestão de riscos, bem como levar em consideração a opinião do público em relação aos riscos tecnológicos, é fator importante para a política de tomada de decisão das organizações. 29 Focus group ou grupos focais é uma técnica de pesquisa aplicada nas áreas de ciências sociais e marketing e tem por objetivo reunir informações motivando os indivíduos a interagirem em grupo. 84 5 OUTROS FATORES QUE INFLUENCIAM NO PROCESSO DA COMUNICAÇÃO DE RISCO 5.1 Fatores políticos internos à organização Em detrimento da própria complexidade de se estabelecer a comunicação de risco, bem como envolver os stakeholders e alinhar suas diferentes percepções, as organizações se vêem confrontadas com os fatores políticos que em sua grande parte advém do clima interno ou da sua própria política organizacional. Nesse sentido, Wiedemann (1999), observa que as micro-políticas30 existentes nas organizações, atribuem-se em grande parte nas diferenças de interesses entre os stakeholders, rivalidades internas e na ausência de transparência em compartilhar de suas ações. Esta (in) transparência política ficou bem evidenciada no filme (O Informante, 1999), sob o título original The Insider, o qual relata uma história baseada em fatos reais sobre a vida de Jeffrey Wigand (interpretado por Russell Crowe), um doutor em endrocrinologia e bioquímica, contratado em 1989 pela companhia de cigarros Brown & Williamson, subsidiária da British American Tobacco, com sede em Kentucky, para assumir o cargo de chefe do departamento de Pesquisa e Desenvolvimento da empresa. Decorridos três anos de trabalho, o cientista foi promovido a vice-presidente. Em 1993, Wigand foi demitido da B&W, por ter se recusado a cooperar no desenvolvimento da química da amônia para aumentar a eficácia da nicotina nos cigarros fabricados pela companhia, além da manipulação de outras substâncias cancerígenas. Após seu desligamento da empresa, o cientista recebeu um alerta do chefe da companhia, Thomas Sandefur (representado pelo ator inglês Michael Gambon), para que honrasse um rigoroso acordo de sigilo da empresa, evitando assim um pesado processo em suas costas e a perda dos benefícios do seguro médico para sua família. 30 Micro-políticas referem-se aos diferentes interesses e às inconsistências internas às organizações (WIEDEMANN,1999). 85 O jornalista Lowell Bergman (interpretado pelo ator Al Pacino), investigador e produtor do programa americano "60 Minutos", procurou Wigand para pedir consultoria em outro assunto relacionado à indústria do tabaco. Ao descobrir a bomba que o cientista esconde, o jornalista tratou de fazer com que Wigand denunciasse as falcatruas que este conhecia de dentro (eis o porquê do nome original do filme, "The Insider"). Após muita indecisão, pesando os prós e os contras que sua atitude poderia causar, em 1994 o cientista finalmente decidiu declarar o que sabia, colocando em jogo sua vida pessoal e profissional. Ansioso, pálido e sedentário, o cientista Jeffrey Wigand tornou-se a principal testemunha numa ação judicial de US$ 246 bilhões iniciada pelo Estado do Mississipi e mais 49 estados contra a indústria do tabaco. A equipe do "60 Minutos", comandado por Mike Wallace, gravou então a entrevista de conteúdo devastador e organizou uma equipe de advogados para sua defesa. Apesar da proteção jurídica, Wigand acabou sendo processado e virou alvo de uma campanha nacional difamatória. Divorciado da esposa, que não aceitou sua decisão de divulgar os fatos, correu também o risco de ir para a cadeia por desrespeitar uma liminar judicial do Estado de Kentucky que o impedia de depôr no Mississipi. Após ter se arriscado tanto e impossibilitado de prestar seu testemunho ao povo americano, Wigand enfrentou circunstâncias extraordinárias. Bergman tentava vencer a campanha difamatória e forçar a CBS a apresentar a entrevista, arriscando sua reputação e seu emprego. Entretanto, antes que o programa mais revelador dos últimos anos fosse transmitido, o jornalista acabou sendo derrotado por uma decisão corporativa da CBS, que descartou a veiculação da entrevista por motivos políticos e econômicos. O que havia sido feito em nome de uma revelação contra um grande sistema foi abafado por essa mesma força, mostrando o quão difícil é mudar algo dentro dos campos de poder. Da mesma maneira que a política interna influencia negativamente no resultado das organizações, a política externa revela-se outro ponto de descontentamento entre as organizações. Representados pelo governo e pelas agências reguladoras, estas instituições possuem um papel social importante, pois são elas que devem agir em favor do interesse público. Para as organizações, os fatores políticos são vistos como intrusivos na medida em que podem impactar nos resultados das organizações. 86 Além disso, o governo e as organizações tendem a aumentar a raiva do público por não envolvê-los no processo de tomada de decisão quando os impactos são percebidos a serem altos. Estas posições antagônicas entre a política interna e externa expõem as organizações a um emaranhado de conflitos culminando em processos judiciais milionários, atrasos de produção, boicotes, conspirações e reação negativa da mídia. 5.1.1 Ética organizacional quanto à comunicação dos riscos A ética31 organizacional tornou-se um fator de legitimidade social na busca de ações cada vez mais transparentes, refletindo-se positivamente na reputação das organizações e no fortalecimento da imagem pública. A não adoção de um comportamento ético pode destruir a reputação de uma organização e gerar desconfiança pública. Algumas situações que partem das organizações contribuem para essa desconfiança pública e estão voltadas para as informações sobre os riscos. De um lado, a demanda pública por informações voltadas aos riscos, e de outro, o sigilo por parte das organizações. Neste caso, o sigilo decorre dos resultados preliminares obtidos durante a análise de riscos e que não são divulgados, e da própria insegurança das organizações em revelarem dados que possam comprometer os aspectos financeiros e de competitividade com outras empresas. Estas situações adversas fragilizam a ética organizacional e resultam na conseqüente quebra do processo da comunicação de risco. A condução da ética empresarial deve ser uma prática diária e de concretização mesmo em situações geradoras de conflitos (INSTITUTO ETHOS, 2001). 31 Segundo o Instituto Ethos (2001), ética é a base da responsabilidade social e se expressa através dos princípios e valores adotados pela organização. Não há responsabilidade social sem ética nos negócios. 87 Para as organizações, a ética deve ser parte do Código de Ética, documento no qual organizações compartilham de sua missão social, valores, visões e princípios éticos. Atualmente, parte das organizações disponibilizam aos seus funcionários recém-contratados o Código de Ética, seja formal ou informalmente. O Código de Ética deve contemplar a transparência de informações e o comprometimento da alta administração quanto ao cumprimento das ações nele contidas. A ética organizacional refere-se também à inclusão da participação pública quanto às informações pertinentes às incertezas dos dados científicos apurados durante o processo de gestão. Em situações de baixa credibilidade, as organizações optam em não informar ao se verem confrontadas com o desconhecimento dos dados científicos e adotam a confidencialidade como forma de proteger os negócios. Da mesma forma que reconhecer as incertezas constitui-se um aspecto negativo para as organizações, explicar o processo de gestão revela-se um outro fator impeditivo. As informações contidas nas etapas do processo de gestão requerem habilidade dos gestores ao explicar como os riscos estão sendo monitorados e avaliados. Nesse sentido, a comunicação de riscos não deve ser vista como uma maneira de persuadir o público a aceitar um determinado risco, mas uma forma de permitir a troca de informações e a minimização da percepção pública quanto aos riscos. A problemática voltada à ética organizacional inclui ainda a legitimidade de representação. Neste caso, a legitimidade de representação refere-se a quem tem o direito de falar pela organização. Esta representação pode incluir um especialista sobre riscos, um gestor de riscos ou um profissional da área de comunicação. Entretanto, parte das organizações ainda se prevalece de contratações de especialistas como forma de apresentar informações que sejam de interesse da corporação (National Research Council, 1989). 88 Além desses fatores determinantes para a ética organizacional, inclui-se a atitude pró-ativa ou reativa quanto aos requisitos legais. Infelizmente, a realidade Brasileira ainda carece de leis que obriguem as organizações a comunicarem seus riscos. Por este motivo, as organizações agem de maneira facultativa quanto à adoção, ou não, dos requisitos legais e outros documentos disponíveis que sugerem transparência organizacional, os quais serão abordados no Capítulo 6 deste trabalho. 89 5.2 Fatores políticos externos: o papel do governo O papel do governo na promoção da comunicação de riscos é assegurar aos cidadãos o direito à informação, à políticas sociais e de educação sobre os riscos, e à intervenção em situações que exponham a sociedade e os indivíduos aos riscos tecnológicos e ambientais. Entretanto, os países reagem de maneira diferente em lidar com a comunicação de risco por fatores relacionados aos valores culturais e políticos (Wassersug, 1989). Na Figura 8 na página 90, observam-se as principais limitações governamentais, que, em conjunto, impedem as ações em favor da comunicação de riscos. As linhas pontilhadas representadas na figura sugerem um efeito “ping-pong”, que, como conseqüência resultam na ausência de governança. 90 Fonte: Modificado de Canadian Food Inspection Agency (2001) FIGURA 8: Limitações governamentais na comunicação de risco Se confiança e credibilidade constituem os pilares da comunicação de risco, conforme citado anteriormente no item 4.7, estes mesmos pilares formam as bases de um governo democrático. A confiança é um fator de equilíbrio entre o governo e o público e deve ser considerada uma via dupla. Embora manter a confiança deva ser prioritário na elaboração de qualquer estratégia de comunicação de risco, os governos, em particular os dos países em desenvolvimento, enfrentam diversas oposições do público, não apenas porque são percebidos como uma fonte pouco confiável, mas principalmente porque não incentivam o público a participarem ativamente do processo de tomada de decisão (Canadian Food Inspection Agency, 2001). 91 Primeiramente, há que se considerar que em virtude do mau uso do dinheiro público, o Brasil passa por um momento de fragilidade econômica em meio aos escândalos, ao déficit orçamentário e aos ajustes econômicos. Em função disso, os recursos que deveriam ser destinados às ações sociais para a prevenção e formação da consciência do risco, especialmente em camadas da população que residam em zonas industriais, é um dos fatores, e por que não dizer o principal obstáculo que compromete o processo da comunicação de risco. A experiência é um outro aspecto apontado que se refere à ausência de treinamento adequado das autoridades governamentais em comunicar riscos. A insensibilidade do governo em atender aos anseios e preocupações do público e o pressuposto de que o público interpreta e avalia as informações sob a mesma ótica, são fatores de grande importância a serem considerados no processo da comunicação de risco (Covello, 1996). Em outras situações assumem uma postura defensiva de não comunicar para não alarmar a sociedade. A pressão política interna e externa ao governo e a ausência de articulação entre as esferas federal, estadual e municipal, comprometem a continuidade dos programas de comunicação de risco. A inexistência de departamentos e agências reguladoras específicas que tratem a questão dos riscos tecnológicos e como comunicá-los à população, é um outro fator que impede a adoção do processo da comunicação de risco. Essa ausência de entidades específicas voltadas aos riscos industriais faz com que ambos os temas sejam tratados horizontalmente. Como conseqüência, essa horizontalidade contribui para a complexidade no governo em assumir a responsabilidade democrática, normalmente confrontada entre os agentes governamentais e os especialistas em risco. Os diferentes mandatos do estatuto comprometem o processo da comunicação de risco na ausência de continuidade e coordenação de programas e diretrizes entre as autoridades responsáveis, especialmente em casos onde ocorre a troca de escalões e a constante substituição de equipes envolvidas em um projeto. Leiss coloca que estas mudanças de mandatos influenciam a confiança pública especialmente em casos de especialistas e representantes do governo que apresentaram meias-verdades e cometeram erros no passado (Leiss, 1992). 92 O direito dos cidadãos ao acesso às informações relacionadas aos riscos tecnológicos, culminou em uma “revolução democrática”, fazendo com que os órgãos governamentais e de saúde colocassem à disposição das pessoas informações sobre os riscos. Parte dessa postura reativa social é atribuída às mudanças de atitude, individual e coletiva e ao crescente número de informações disponíveis nos meios de comunicação. Para Slovic, o objetivo principal do consentimento informado é habilitar os indivíduos a tomarem decisões em favor de seus interesses (Slovic, 2002). No entanto, para se alcançar o consentimento informado é necessário que se compreenda as barreiras cognitivas, ou seja, das percepções, e as barreiras institucionais (Fischhoff, 1983) apud (Slovic, 2002). Em países burocráticos, a autoridade dividida ou a dispersão de poder levam a diferentes posições quanto à uma única questão. Além disso, essas divergências entre os especialistas de um mesmo órgão fiscalizador e regulador influenciam as indústrias quanto à implementação, ou não, de novas tecnologias. 93 5.3 Fatores tecnológicos Vivemos em um mundo de grandes avanços tecnológicos e querer retroagir aos velhos tempos é como dar um passo para trás, esquecendo que embora grandes acidentes tenham marcado a história da humanidade, outros implementos tecnológicos vieram para somar. Lichtenberg;MacLean, (1991), observam que vivemos numa época mais segura e que o melhor indicador de qualidade de vida refere-se à expectativa de vida que aumentou neste século, além da redução nos índices de mortalidade infantil, o tratamento de água para o consumo e melhoria nos padrões alimentares das populações. A oposição vê a tecnologia moderna como uma ameaça à sociedade e à terra como um todo num ritmo acelerado de expansão. No entanto, para as organizações que investiram tempo e capital para implementarem novas tecnologias, a mentalidade por parte de seus gestores é que comunicar riscos é apenas uma forma de persuadir o público de que o risco gerado por esta nova tecnologia é insignificante e deve ser ignorado (MORGAN, 2002). Talvez esta mentalidade explique o que ocorre por trás dos bastidores das organizações ao manter esta postura reativa em informar. Nenhuma sociedade se sustenta sem que haja tecnologia na produção de remédios, de alimentos, de eletrodomésticos, de produtos químicos e petroquímicos. Além disso, as organizações não agem sozinhas e necessitam de apoio político e financeiro para que as tecnologias tragam resultados sociais. Neste sentido, formase uma aliança tríplice com interesses legítimos que, de alguma forma irão se beneficiar política ou economicamente, mas irão trazer também riscos à sociedade. Referindo-se a estes interesses, o National Research Council ressalta: “Aqueles que são fortemente motivados a comunicarem os riscos são os mesmos que possuem interesses sobre as decisões. Portanto, qualquer que seja a decisão (pessoal ou social), que possa afetar os grupos interessados, as mensagens relacionadas aos riscos irão refletir nos conflitos de interesses. Os comunicadores de risco acreditam que seus interesses criam incentivos para distorcer e descaracterizar informações, levando uma única mensagem a diversos caminhos” (NRC, 1989, p.115). 94 5.4 Fatores sociais Por ser a comunicação de risco um processo que promove a comunicação de mão-dupla ao envolver a troca de opiniões e informações entre organizações e sociedade, faz-se importante colocar que na medida em que a sociedade muda, também mudam seus valores e padrões culturais. Neste sentido, conforme apontado por Fiscchhoff (1995), a comunicação de risco deixou de ser somente informar o público sobre os riscos existentes, forma pela qual as organizações envolviam este público até as décadas de 70 e 80, ao que o autor coloca como uma parceria de inclusão social ou ainda de “era do envolvimento público”. Referindo-se a este envolvimento público, durante o regime militar, o professor Paulo Haddad em trabalho de sua autoria publicado em 1980, afirmava ser necessário “aumentar o grau de participação das comunidades, dos vários grupos sociais, dos diferentes níveis de governo, afim de que pudesse haver maior mobilização de recursos para as soluções alternativas que são melhor conhecidas, em geral, pelos próprios grupos afetados” (HADDAD, 1980, p.14). Cabe mencionar que, embora a sociedade tenha começado a se mobilizar e a demandar informações voltadas aos riscos a partir da década de 80, o processo da comunicação de risco ainda se envolve em questões sociais, como a precariedade na educação e a inclusão social de camadas pobres da população. Dessa forma, se a educação pública apresenta-se como um obstáculo, justifica-se então a dificuldade dos gestores em promover a comunicação e as informações voltadas aos riscos. Por outro lado, o papel da percepção no processo educacional, a compreensão no processo educacional e o processamento de informações, afetam a maneira pela qual as pessoas diferem ao construírem seus argumentos. Estes argumentos segundo Fisher, é que a visão tradicional de comunicação é que os humanos são criaturas racionais, e que portanto, utilizam a comunicação como poder de decisão para basearem seus argumentos. 95 O paradigma do mundo racional de acordo com FISHER (1987), é baseado em cinco condições: a) os humanos são essencialmente racionais e como conseqüência aprendem a caracterizar o mundo utilizando a razão, explorando e descobrindo nas relações, coisas em comum; b) O modelo paradigmático no processo de decisão humana é a argumentação; c) Os argumentos são controlados pelas situações; d) A racionalidade individual é determinada pelo conhecimento sobre determinado assunto e a habilidade em argumentar; e) As palavras são um conjunto de quebra-cabeças que só podem ter significado através da análise apropriada e aplicação da razão na construção argumentativa. Este modelo paradigmático apresentado por Fisher, em especial no que diz respeito à habilidade em argumentar, reforça as diferenças de compreensão existentes entre o público com um nível educacional alto e o público com baixo nível de escolaridade. Constata-se, portanto, que o poder de argumentação e análise apropriada pertencem àqueles de que alguma forma estiveram expostos à educação e à construção lógica do raciocínio. Uma vez que o analfabetismo é uma realidade presente em países em desenvolvimento, os baixos níveis de escolaridade mostram-se um aspecto social que limitam a comunicação de riscos (Lundgren;Mcmakin, 2004). Renn ao criticar os altos índices de analfabetismo predominante em países em desenvolvimento, coloca que a não familiaridade com os termos relacionados aos riscos levam populações e consumidores a diversas interpretações sem que tenham a real compreensão dos riscos e cita como exemplo os avisos de segurança impressos em etiquetas de produtos que ao invés de alertarem as pessoas quanto aos riscos existentes, geram interpretações dúbias e falhas na comunicação (Renn, 2006). 96 Além destes obstáculos oriundos do processo da comunicação de risco, a educação depara-se com problemas centrais voltados ao contexto social, ao aprendizado, à percepção, à comunicação e avaliação. O aprendizado é essencialmente uma mudança no comportamento resultante de experiências Wilson (1990). Para o autor alguns princípios básicos da educação sobre comunicação de risco devem ser levados em consideração: - A fonte de informação deve ter credibilidade e isto significa construir um clima de crenças entre o público e aqueles que comunicam risco. - Os programas de educação devem fazer parte do ambiente público. - A informação deve ser consistente, de modo que o contexto não interfira no conteúdo da mensagem. - A mensagem deve ter significado. Em outras palavras deve ser relevante para atender as necessidades do público. - Ao selecionar os canais de comunicação, utilize aqueles respeitados pelo público. - A mensagem deve levar em consideração os hábitos populares, experiências passadas, nível de escolaridade e conhecimento adquirido, bem como os fatores que levaram à reação pública (Wilson, 1990, p.61). A problemática acerca do tema educação, extende-se ainda na exclusão de camadas pobres da população. Otway (1988), argumenta que a ausência na disseminação de informações a estes grupos sociais, restringe o acesso às informações. Outra restrição apontada na literatura prende-se ao fato de que a educação nas organizações é sempre abordada no sentido de treinamento de trabalhadores quanto aos perigos decorrentes dos processos industriais, como, por exemplo, o uso de equipamentos de proteção individual ou alerta para situações de emergência (Health and Safety Executive, 1999) 97 Paradoxalmente, Baram (1991) apud Kasperson;Stallen (1991), coloca que o direito da população em obter informações relacionadas aos riscos é um processo irreversível. O progresso científico, os sistemas de comunicação e a cobertura agressiva da mídia proporcionam ao público maior informação. Como forma de solucionar os problemas voltados à educação, é novamente Wilson quem sugere a inclusão da educação sobre risco no currículo formal das escolas de forma a preparar as crianças quanto: - envolvimento quanto à identificação da existência de risco ou perigo e mitigação - compreensão dos impactos no ambiente social e ambiental - habilidade em lidar pessoalmente com riscos e perigos - atitude positiva e consciência preventiva, além do envolvimento da comunidade - alertar para os direitos e responsabilidades enquanto cidadãos - alertar para as estruturas sociais que lidam com riscos e perigos (Wilson, 1990, p. 64) Outra sugestão quanto a um modelo educacional efetivo foi elaborado por Casey (1998) ao identificar que, assuntos relacionados à comunicação ambiental devem ser inseridos nos cursos de ciências sociais, estudos ambientais, comunicação ambiental e em direito. Lundgren;Mcmakin (1998), ao se referirem à inabilidade durante o processo de aprendizado, consideram que a melhor forma de inclusão de diferentes camadas sociais está na identificação destes grupos. Pessoas que não chegaram a concluir o ensino fundamental, bem como outras que obtém informações somente por meio da televisão, necessitam receber as mensagens diferentemente de outros que tenham o nível superior completo e que fazem uso dos diversos meios de comunicação. 98 As autoras sugerem ainda a divisão destes grupos sociais em três níveis. O primeiro nível, ou o Nível Básico, refere-se ao público com menor capacidade de compreensão, de leitura e de níveis de hostilidade32. O segundo nível, ou Nível Médio deve incluir informações que estejam relacionadas ao poder aquisitivo, às informações voltadas quanto à idade, sexo e ocupação. O terceiro nível, ou Nível de Compreensão, inclui o primeiro e o segundo níveis e informações voltadas aos fatores psicológicos, tais como a motivação e os modelos mentais de risco. Um aspecto importante é que, consideradas as diferentes percepções e os diferentes níveis de escolaridade entre os grupos, a interpretação acerca de uma única mensagem sobre risco pode ganhar maiores dimensões ou efeitos indiretos, ou seja, o sistema social no qual as pessoas estão inseridas tende a amplificar ou atenuar o impacto de um risco inicial. 5.4.1 Amplificação social do risco Ainda que a comunicação de risco não esteja inserida no contexto da comunicação de massa, recorre-se a alguns fundamentos da teoria da comunicação social. Shannon;Weaver (1949), por exemplo, denominaram como fidelidade da comunicação eletrônica a maneira pela qual as mensagens podem aumentar ou reduzir a fidelidade do processo de comunicação. Berlo (1999), ao analisar a comunicação, interessou-se em determinar o que aumenta ou reduz a fidelidade do processo. Para ele, ruído e fidelidade são as duas faces da mesma moeda, na medida em que a eliminação do ruído aumenta a fidelidade e a produção de ruído reduz a fidelidade. 32 Nota da autora: hostilidade no contexto da comunicação de risco refere-se às reações do público quanto às mensagens sobre risco. Estas reações podem desencadear o medo, frustração ou raiva. 99 De Fleur (1966) apud Renn (1991), ainda no contexto da teoria da comunicação, sugere que, amplificação denota o processo de intensificação e atenuação de sinais durante a transmissão de mensagens, na qual envolve uma fonte, mensagem e finalmente receptor. Os sinais das mensagens são decodificados pelo emissor para que a informação seja compreendida. Os receptores interpretam, assimilam e avaliam as mensagens, positiva ou negativamente, de acordo com suas percepções, valores e convicções. Para melhor compreender estas percepções, Kasperson;Kasperson (2005) compara os sinais das mensagens como um aparelho de som e propõe um novo conceito, o qual o autor denomina “amplificação social do risco”. Para Kasperson (ibid), a amplificação33 social do risco é uma forma de suprir as lacunas entre a percepção de risco e o contexto social contribuindo para o processo da comunicação de risco. Neste contexto social, os fatores psicológicos e institucionais influenciam na percepção que as pessoas têm dos riscos modificando seu comportamento. Sendo a mídia parte do sistema social, as informações que são levadas ao público também podem ser amplificadas ou atenuadas. Entretanto, as preocupações do público no que diz respeito aos riscos não espelham necessariamente a cobertura da mídia, pois a relação entre a mídia e a formação da opinião pública sobre risco não é unidirecional, mas complexa (Kasperson;Kasperson,2005) As diferenças existentes entre pessoas que intensificam ou amplificam o risco, e entre pessoas que atenuam ou minimizam o risco estão relacionadas à percepção individual do risco (para os que amplificam) e satisfação com a resposta organizacional quanto ao risco (para os que atenuam). 33O termo amplificação conota intensificação e atenuação conota diminuição dos sinais (KASPERSON;KASPERSON, 2005). 100 O sistema de informação pode amplificar os riscos de duas maneiras: intensificando ou diminuindo os sinais que fazem parte das informações que pessoas e grupos recebem sobre riscos; intensificando a magnitude dos sinais com relação aos atributos do risco e sua importância. O sistema social reage de maneira a amplificar o impacto de um risco inicial e para as organizações, a extensão dos impactos resultantes destas distorções desencadeiam efeitos em série34, como por exemplo, perda nos negócios, mudanças organizacionais e descrédito por parte do público. Um exemplo desses efeitos em série foi o caso do acidente nuclear em Three Mile Island na Pensilvânia em 1979, que apesar de não ter havido óbitos (Sánchez, 2006), teve um extenso efeito. A planta ficou completamente destruída o que resultou no aumento de investimentos para regular e construir outra planta. Além disso, reduziu as operações de reatores nucleares pelo mundo, em decorrência da oposição pública. Slovic (2002) ao mencionar a oposição pública quanto aos riscos tecnológicos chega a dizer que as pessoas criam um “estigma do risco tecnológico 35”, e para o autor estigma e percepção não podem ser dissociados, mas avaliados e estudados num mesmo contexto. O estigma do risco tecnológico foi evidenciado em 1982, quando a multinacional Johnson & Johnson foi vítima de sabotagem durante o processo de fabricação do analgésico Tylenol. A reação pública foi imediata e a companhia assumiu um prejuízo de aproximadamente dois bilhões de dólares para reverter a situação. A amplificação ou atenuação de sinais pode variar de acordo com a existência de discrepâncias em escalas nacionais, regionais e locais. Nesse sentido, alguns riscos podem ser objeto de discussão em uma determinada região, enquanto em outras regiões, os riscos estão escondidos e não sujeitos aos efeitos da amplificação. 34 A expressão em inglês empregada por Kasperson;Kasperson (2005) é ripple effects. 35 A palavra estigma na definição de Ferreira (1999) significa “aquilo que marca, que assinala” (p. 835). Foi introduzida pelos gregos para caracterizar infâmia ou desgraça. 101 Na Figura 9 à página 102, a informação sobre riscos e outros eventos é gerada. Posteriormente, os diversos atores sociais, ou fontes primárias de informação, interpretam as informações levando-as ao conhecimento de outros atores sociais. A interação entre as fontes primárias e os atores sociais representados no círculo, constituem os impactos primários os quais contribuem para a amplificação ou atenuação de informações sobre riscos. Os resultados desses impactos primários levam aos impactos secundários os quais normalmente afetam as organizações e geram reação pública, como por exemplo, apatia social, impacto negativo nas atividades econômicas e pressão política e social. 102 Fonte: Slovic, P. (2002) FIGURA 9 - Panorama detalhado da amplificação social do risco 103 5.5 Fatores econômicos Os fatores econômicos no escopo organizacional estão normalmente associados aos lucros, rentabilidade e aumento de oportunidades. Por outro lado, a falta de investimento e a precariedade, ou a complexidade das análises técnicas durante as etapas do processo de gestão, resultam na queda dos lucros, na baixa rentabilidade e diminuição de oportunidades. Ou seja, as estratégias utilizadas pelas organizações quanto às opções para o tratamento dos riscos, exigem delas uma série de fatores que devem ser levados em consideração. Para as organizações um dos primeiros fatores refere-se à análise da relação custo-benefício de suas atividades industriais. Os custos podem incluir aqueles associados às opções de tratamento, ao aumento do risco e redução das oportunidades e perda da produtividade. Aos benefícios podem ser considerados a redução dos riscos, o aumento das oportunidades e melhorias no sistema de produção. Dessa forma, para que as organizações possam continuar suas operações de maneira sustentável, a Australian Standards-New Zealand Standards 4360 (2004), sugere a Gestão da Continuidade dos Negócios (GCN) que tem por objetivo auxiliar as organizações quanto às formas adequadas de lidar com os riscos e manter uma boa governança corporativa e gerenciar sua reputação tanto do ponto de vista econômico, industrial e de segurança patrimonial. A continuidade nos processos de gestão de riscos e as análises periódicas dos riscos, bem como a prática da comunicação dos riscos resulta em mudanças favoráveis tanto do ponto de vista interno dos negócios, como do ponto de vista externo ao melhorar a confiança e a credibilidade pública. Inversamente proporcional, a ausência de um programa contínuo de gestão e de planejamento de riscos pode levar a impactos financeiros desastrosos como, por exemplo, a interrupção das operações, fracasso do projeto, alta rotatividade de pessoal, falta de apoio por parte do público e de acionistas. 104 6 A PRESENÇA DA COMUNICAÇÃO DE RISCO NA LEGISLAÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL E OUTROS DOCUMENTOS Este Capítulo propõe-se a sinalizar alguns princípios e documentos que sugerem às organizações como conduzir sua gestão de modo transparente junto às diferentes partes interessadas. As organizações se vêem cada vez mais obrigadas a dialogarem com suas partes interessadas e promoverem transparência na condução de seus negócios e na maneira como identificam, controlam, monitoram e comunicam seus riscos às partes interessadas. Entretanto, aqui no Brasil, a inexistência de uma legislação que trate específicamente sobre gerenciamento de riscos e a comunicação de risco faz com que ambos os temas encontrem-se dispersos em Normas, Diretrizes, Manuais, Programas Voluntários e de políticas e iniciativas organizacionais. Em sua maior parte, as Leis previstas na Constituição Federal e Estadual referem-se à política ambiental e não a uma política de gestão de riscos tecnológicos, conforme apontadas no item 6.4. Esta fragmentação, ou ausência de outras Leis que obriguem as organizações a comunicarem seus riscos industriais, exclui a população da participação no processo de tomada de decisão das organizações, e, sobretudo, exclui também o direito ao acesso às informações quando as evidências científicas forem incertas. O exemplo são as diferentes abordagens do gerenciamento e da comunicação de risco em diferentes contextos e em diferentes Leis, as quais não deixam claro, a inclusão e participação social, mas focam no sentido da prevenção interna de acidentes. A introdução dos termos análise de riscos, avaliação de risco e gerenciamento de risco, se fazem presentes na Lei nº 9.976, de 3 de Julho de 2000, a qual dispõe sobre a produção do cloro. 105 Em seu art. 2º, incisos II e III, cita: “II – análise de riscos com base em regulamentos e normas legais vigentes” “III – plano interno de proteção à comunidade interna e externa em situações de emergência” a – “avaliação de risco para a saúde dos trabalhadores” c – “monitoramento da exposição e gerenciamento do risco” Entretanto, não é citado explicitamente no inciso IX o termo comunicação de risco, mas sugere a discussão dos riscos, da seguinte forma: IX – “discussão dos riscos para a saúde e para o meio ambiente em decorrência do uso do mercúrio e do amianto, no âmbito das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAS), da qual será dado conhecimento aos empregados e demais trabalhadores envolvidos”. Por outro lado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), ao aprovar o regulamento técnico que estabelece as diretrizes básicas para a avaliação de risco e segurança dos alimentos, introduz os conceitos de risco, caracterização do risco, gerenciamento de risco e comunicação de risco. A resolução nº 17, de 30 de Abril de 1999, considera ainda o consenso científico, a influência da mídia e as inovações tecnológicas como parte do aperfeiçoamento das ações de controle sanitário na área de alimentos. A Lei n° 9.966, de 28 de Abril de 2000, que dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional, em seu Capítulo II, Art. 6º, assim coloca: “as entidades exploradoras de portos organizados e instalações portuárias e os proprietários ou operadores de plataforma deverão elaborar manual de procedimento interno para o gerenciamento dos riscos de poluição, bem como para a gestão dos diversos resíduos gerados ou provenientes das atividades de movimentação e armazenamento de óleo e substâncias nocivas ou perigosas, o qual deverá ser aprovado pelo órgão ambiental competente, em conformidade com a legislação, normas e diretrizes técnicas vigentes. 106 O Capítulo IV – Do Meio Ambiente, dos Recursos Naturais e do Saneamento, em sua Seção I, artigo 193, sugere o uso e promoção da informação à população, mas não deixa claro de que forma a comunicação deve ocorrer. V – “informar a população sobre os níveis de poluição, a qualidade do meio ambiente, as situações de risco de acidentes, a presença de substâncias potencialmente nocivas à saúde, na água potável e nos alimentos, bem como os resultados das monitoragens e auditorias a que se refere o inciso IV deste artigo; VI – “incentivar a pesquisa, o desenvolvimento e a capacitação tecnológica para a resolução dos problemas ambientais e promover a informação sobre essas questões (Constituição do Estado de São Paulo, 1989). 6.1 Marcos Legais no Brasil e em outros países 6.1.1 As Normas Regulamentadoras NR-1 e NR-9 No Brasil, ainda de uma maneira tímida, a prática da comunicação de risco começou a apontar no início na década de 70, porém, o foco era o da prevenção de acidentes quando o Capítulo V da Consolidação das Leis do Trabalho, estabeleceu bases legais para a estruturação, normatização e fiscalização das condições de segurança e saúde no trabalho criando as Normas Regulamentadoras. Por meio destas Normas, o Estado passou a exigir das empresas a obrigatoriedade da prevenção de acidentes, fiscalizando-as junto às empresas, como também de estudar e pesquisar as causas de acidentes e doenças, visando a eliminá-las. Ao todo, são trinta e duas Normas relacionadas às diversas categorias, como por exemplo, a Construção Civil, Ergonomia, Resíduos Industriais, Trabalhos Subterrâneos, entre outras. Muito embora parte destas Normas obriguem o empregador informar e comunicar (grifo nosso) os trabalhadores sobre os riscos a que estão expostos, iremos nos restringir às Normas NR-1 e NR-9, por estarem relacionadas à comunicação de riscos industriais e ambientais. 107 Norma Regulamentadora 1 – Disposições gerais em Segurança e Saúde no Trabalho. No item 1.7 cabe ao empregador: b)elaborar ordens de serviço sobre segurança e saúde e medicina do trabalho, dando ciência aos empregados, com os seguintes objetivos: II – Divulgar as obrigações e proibições que os empregados devam conhecer e cumprir; e c) Informar aos trabalhadores os riscos (grifo nosso) profissionais que possam originar-se nos locais de trabalho. Norma Regulamentadora 9 – Programa de Prevenção de Acidentes de Riscos Ambientais – PPRA. Esta Norma tem por objetivo a preservação da saúde e integridade dos trabalhadores, através da antecipação, reconhecimento, avaliação e conseqüente controle da ocorrência de riscos ambientais existentes ou que venham a existir no ambiente de trabalho, tendo em consideração a proteção ao meio ambiente e dos recursos naturais. No âmbito da comunicação (grifo nosso) , o item 9.5 da referida Norma, assim descreve: 9.5 – Da Informação 9.5.1 – “Os trabalhadores interessados terão o direito de apresentar propostas e receber informações e orientações a fim de assegurar a proteção aos riscos ambientais identificados na execução do PPRA. 9.5.2 – Os empregadores deverão informar os trabalhadores de maneira apropriada e suficiente sobre os riscos ambientais que possam originar-se nos locais de trabalho e sobre os meios disponíveis para prevenir ou limitar tais riscos e para proteger-se dos mesmos”. 9.6.2 – O conhecimento e a percepção que os trabalhadores têm do processo de trabalho deverão ser considerados para planejamento e execução do PPRA. Entretanto, a obrigatoriedade destas normas ainda não se restringe ao processo de comunicação (grifo nosso), mas no caráter da prevenção e do cumprimento das mesmas. Em outubro de 2005, o jornal O Estado de S. Paulo, divulgou matéria em seu caderno de ciência e meio ambiente sob o título “Empresas e Governo ainda não se sentem no dever de informar”,constatando a ausência na legislação brasileira sobre uma lei específica. 108 Reproduzimos um parágrafo da matéria: “Relativamente tranqüilas perante uma legislação ambiental omissa quanto ao dever de informar sobre poluentes, a maioria das empresas que manipulam produtos perigosos ainda sofre de falta de transparência, seja em caso de acidentes, seja em relação a seus passivos ambientais, como são chamados os problemas de contaminação ou impacto ambiental, herdados de épocas em que a legislação ambiental era menos rigorosa. As exceções são as empresas que adotaram sistemas de gestão ambiental e eco-eficiência na produção, mas, mesmo elas enfatizam apenas a divulgação de problemas considerados resolvidos” (JOHN, 2005). 6.1.2 Convenção 174 da OIT A Convenção OIT 174, recomendação 181, da Organização Internacional do Trabalho, denominada “Prevenção de Acidentes Industriais Maiores”36, adotada em 22 de Junho de 1993, tem como objetivo a prevenção de acidentes maiores que envolvam substâncias perigosas e a limitação das conseqüências desses acidentes. A Convenção enfatiza também a importância da comunicação com as partes interessadas, em seu artigo primeiro, item 4, ao colocar: “Todo Estado-membro que ratificar a presente Convenção poderá, após consulta com as organizações mais representativas de empregadores e de trabalhadores interessadas, e com outras partes também interessadas que possam ser afetadas, excluir de seu campo de aplicação instalações ou setores de atividade econômica nas quais se disponha de proteção equivalente” (OIT, 2002, p.10) 36 A expressão “acidente maior” é utilizada para descrever todo evento que inclua emissão, incêndio ou explosão de grande magnitude e que implique em grave perigo para os trabalhadores, a população ou meio ambiente (OIT, 2002). 109 Um outro aspecto importante no escopo da comunicação de risco está relacionado aos planos de emergência. Cabe ao empregador disponibilizar informações às autoridades competentes sobre os riscos, para que as mesmas possam estabelecer planos de emergência fora do local e agir em prol da comunidade. Neste sentido a Convenção 174, em seu artigo 16, coloca: “Independentemente de solicitação, devem ser divulgadas, entre a população passível de ser afetada por acidente maior, informações sobre medidas de segurança e comportamento apropriado a ser adotado em caso de acidente maior e sejam tais informações atualizadas e retransmitidas em intervalos apropriados” (OIT, 2002, p.15) 110 6.2 O acesso público às informações 6.2.1 Convenção Aarhus na Comunidade Européia A Convenção Aarhus, firmada em 25 de Junho de 1998 e colocada em vigor em 30 de Outubro de 2001, na cidade Dinamarquesa de Aarhus, estabelece o acesso à informação, a participação pública na tomada de decisões (grifo nosso) e o acesso à justiça nos assuntos relacionados ao meio ambiente. O acesso às informações ambientais inclui políticas e medidas adotadas em saúde e segurança e que possam afetar o meio ambiente. Desta maneira, a Convenção obriga as autoridades públicas a disseminar ativamente todas as informações que sejam de interesse público. Faz parte do escopo da Convenção, aceitar novas propostas, projetos e planos sugeridos pelos cidadãos para que tenham o direito de participar do processo de tomada de decisões junto às organizações. 6.2.2 Freedom of Information Act – FOIA e o Right to Know nos Estados Unidos O Freedom of Information Act, ou Liberdade de Informação, ganhou força de Lei em 1966. Foi a primeira Lei criada com o objetivo de oferecer a qualquer indivíduo o direito de acesso às informações por parte das organizações. Compete às agências reguladoras federais disponibilizarem informações, além de oferecer assistência judicial aos cidadãos. Estas informações incluem desde as que estejam no escopo das indústrias, às informações de segurança nacional. Para facilitar o acesso público, o FOIA recomenda que as agências publiquem oficialmente as políticas e descrições dos sistemas dos bancos de dados e permitam a avaliação e o julgamento público. Entretanto, por razões financeiras, as agências consideram a aplicação do FOIA como uma prática desnecessária por envolver altos custos na duplicação de dados, de solicitações vagas e não fundamentadas e pela perda de informação em sistemas volumosos e desorganizados. 111 Além disso, a efetividade do FOIA deparava-se com outras limitações justificadas pelas agências reguladoras que envolviam assuntos relacionados à defesa nacional ou política estrangeira; assuntos que deveriam ficar restritos aos funcionários das agências; limitação de informações disponíveis que encontravamse contempladas em outras leis federais; informações que se constituíam sigilo organizacional e comercial; documentos internos que não poderiam ser disponibilizados à outras partes interessadas; invasão de privacidade de indivíduos; documentos que dependessem de análise judicial e a disponibilização de informações de documentos que envolvessem dados geológicos e geofísicos. Ao considerar estas exceções uma prática complexa, em 1974 o Congresso Americano criou outra lei restringindo exceções. Embora esta ação proativa do governo em acabar com as exceções tenha trazido benefícios sociais, inúmeros processos judiciais continuam sendo movidos por cidadãos. Foi então que na década de 80, durante a administração do Presidente Ronald Reagan que os programas federais passaram a dar atenção e ênfase nas questões associadas à saúde, segurança e meio ambiente, os quais salientaram a importância do acesso público às informações relativas aos riscos químicos. Nesse contexto, surge a obrigatoriedade do processo da comunicação de riscos por meio to “the right to know”, ou direito-de-saber, o qual obriga o poder público e empresas privadas a notificar a população residente nas vizinhanças de uma instalação industrial química que possa vir a liberar poluentes químicos. Como resultado, a Lei sobre o direito-de-saber, criada em 1986, permitiu que cidadãos passassem a ter acesso às informações voltadas aos riscos industriais (CHESS, 1997). Além desta forma de comunicar riscos, o “worker right to know, com os mesmos princípios do direito-de-saber, tem por objetivo informar os trabalhadores sobre os riscos decorrentes dos processos de produção. A lei sobre o direito de saber vêm sendo adotada em pelo menos 25 estados americanos e no Canadá. Em 1998, representantes de 36 países europeus adotaram voluntariamente programas de participação na tomada de decisões fazendo com que as empresas e agências reguladoras passassem a agir de maneira pró-ativa em comunicação de riscos. 112 Alguns exemplos incluem as recomendações do envolvimento do público sob a criação do direito de saber, RCRA in SARA Title III e CERCLA37 sobre relações com a comunidade. 6.2.3 Legislação Brasileira e as Audiências Públicas A Constituição da República Federativa do Brasil (1989), por meio da Lei nº 10.650, de 16 de Abril de 2003, assegura aos cidadãos o acesso público aos dados e informações existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama). Na mesma Constituição, em seu Artigo 2º estabelece que “os órgãos e entidades da Administração Pública, direta, indireta e fundacional, integrantes do Sisnama, ficam obrigados a permitir o acesso público aos documentos, expedientes e processos administrativos que tratem de matéria ambiental e a fornecer todas as informações ambientais que estejam sob sua guarda, em meio escrito, visual, sonoro ou eletrônico”. Ainda em seu Artigo 2º, § 1º, diz: “qualquer indivíduo, independentemente da comprovação de interesse específico, terá acesso às informações de que trata esta Lei, mediante requerimento escrito, no qual assumirá a obrigação de não utilizar as informações colhidas para fins comerciais, sob as penas da Lei Civil, Penal, de Direito Autoral e de propriedade industrial, assim como citar as fontes, caso, por qualquer meio, venha a divulgar os aludidos dados”. E continua em seu Artigo 5º, inciso XXXIII, “(...) todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo é imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.” A Lei nº 8.159/91, que trata da Política Nacional de Arquivos Públicos, em seu artigo 22, assegura o direito de acesso pleno aos documentos públicos. 37 Comprehensive Environmental Response, Compensation, and Liability Act – CERCLA e Superfund Amendment and Reauthorization Act - SARA 113 A Lei Federal nº 7.347, de 24 de Julho de 1985, conhecida como Lei dos Interesses Difusos, prevê aos cidadãos e às associações civis, o acesso à Justiça como forma de atender aos direitos individuais e coletivos. De forma a atender aos direitos dos cidadãos e ampliar o debate quanto aos aspectos ambientais, o Conselho Nacional do Meio Ambiente, criou em 1986, as audiências públicas. As Aplas (audiências públicas para licenciamento ambiental), têm por objetivo informar a população sobre os impactos ambientais causados por atividades que exponham a sociedade a riscos. No escopo da comunicação de risco, as audiências públicas e as consultas públicas38 podem ser consideradas mecanismos de participação social com o objetivo de estabelecer um diálogo transparente entre governo e sociedade e motivar o público interessado a contribuir com opiniões e experiências sobre um determinado projeto ambiental que venha a ser implementado. Outros mecanismos de participação aqui no Brasil, incluem os conselhos consultivos comunitários, os conselhos ambientais e os relatórios sobre impacto ambiental, também conhecidos como RIMAS. Embora estes mecanismos objetivem a inclusão dos diversos atores sociais, se faz necessário compreender a efetividade destes fóruns na prática. 38 Sánchez (2006), faz uma distinção entre os conceitos de audiência e consulta pública. Para ele, audiências públicas são eventos formais, convocados e conduzidos por um ente governamental, cuja dinâmica segue regras previamente estabelecidas, e que tem como finalidade realizar um debate público, aberto a todos os cidadãos, sobre um projeto e seus impactos. A consulta pública envolve informação bidirecional, ou seja, com participação e intermediação de um agente governamental, e envolve negociação entre as partes envolvidas e com o público interessado. 114 Uma primeira observação foi realizada por Leis ao colocar que a realização destes fóruns públicos apresentam uma tendência técnico-científica ao não incorporarem outros argumentos e interesses legítimos também presentes em torno das questões ambientais – como os ético-filosóficos, religiosos, econômicos e sociais. Para corrigir essa deficiência, o autor propõe a criação de espaços comunicativos democráticos, integrados por organizações não-governamentais, movimentos sociais e culturais, sindicatos e representantes de associações empresariais, além de políticos e técnicos do governo Leis (1997:223) apud Alonso;Costa (2004). Em um estudo conduzido pelas pesquisadoras Alonso;Costa (2004), sobre as audiências públicas para o licenciamento ambiental (Aplas) do Rodoanel, foi evidenciada a necessidade de ampliar a discussão com a inclusão de atores relevantes no processo de tomada de decisão. Para as autoras, estes grupos sociais não possuem os recursos econômicos, sociais e cognitivos que os capacitariam a participar ativamente e influenciar nas decisões sobre questões ambientais. A esses recursos cognitivos, Sánchez complementa que, ainda que haja o interesse público em participar das audiências públicas, parte da população tem grande dificuldade em interpretar e decodificar as informações técnicas constantes dos relatórios sobre impacto ambiental. Além disso, o autor coloca outras deficiências das audiências públicas que se referem: a)às dinâmicas que favorecem um clima de confronto; b)representam um jogo de soma nula, pois, devido à confrontação, raramente se consegue convergir para algum ponto em comum; c)dão margem a manipulação por aqueles que têm mais poder econômico ou maior capacidade de mobilização; d)ocorrem muito tarde no processo de avaliação dos impactos ambientais, quando muitas decisões importantes sobre o projeto já foram tomadas; e)a maior parte do público dispõe de pouquíssima informação sobre o projeto e seus impactos; os processos de informação pública que deveriam preceder a audiência são deficientes; 115 f)os tomadores de decisão raramente estão presentes (somente seus assessores); g)há um déficit comunicativo implícito, uma vez que os técnicos se colocam em um degrau superior aos dos cidadãos; h)uso freqüente de argumentos de cunho técnico-científico em um contexto político no qual a verdade não pode ser verificada; i)uso freqüente de argumentos jurídicos e ameaças de ações em Justiça, tentando invalidar ou tornar ilegítimas decisões tomadas anteriormente ou a serem tomadas (Sánchez, 2006, p.416) 116 6.3 Documentos que sugerem transparência na gestão organizacional 6.3.1 Agenda 21: O Princípio 10 A Agenda 21, tem por objetivo promover novos padrões de desenvolvimento sustentável conciliando métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. A adesão de 179 países reunidos na ECO-92, no Rio de Janeiro em 1992, permitiu aos envolvidos debates em torno dos recursos naturais, a alteração de padrões de consumo e a adoção de tecnologias mais brandas e limpas. A Agenda 21 fundamenta-se em temas relacionados à educação e desenvolvimento individual; cooperação e parceria; equidade e fortalecimento dos grupos socialmente vulneráveis; planejamento; desenvolvimento de capacidade institucional e informação. Esta informação significa tornar disponíveis bases de dados e subsidiar a tomada de decisões, o cálculo e o monitoramento dos impactos das atividades humanas no meio ambiente, caracterizando-se, portanto, como uma prática da comunicação de riscos. Como resultado da ECO-92, os países reunidos objetivaram incluir na Agenda, a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio ambiente e Desenvolvimento, que inclui vinte e sete Princípios alinhados aos acordos internacionais. Destes vinte e sete Princípios, o Princípio 10 destaca: “O melhor modo de tratar as questões ambientais é com a participação de todos os cidadãos interessados, em vários níveis. No plano nacional, toda pessoa deverá ter acesso adequado à informação sobre o meio ambiente de que dispõem as autoridades públicas, incluída a informação sobre os materiais e as atividades que oferecem perigo em suas comunidades, assim como a fomentar a sensibilização e a participação do público, colocando a informação à disposição de todos. Deverá ser proporcionado acesso efetivo aos procedimentos judiciais e administrativos, entre os quais o ressarcimento de danos e os recursos pertinentes” (Princípio 10, 2000, p.53) 117 6.3.2 O Princípio da Precaução e a comunicação de risco O Princípio da Precaução39, originário da política ambiental européia da década de 70, constitui-se como uma estratégia de auxílio às organizações de maneira a auxiliá-las quanto às incertezas no processo de gestão de riscos e nos métodos utilizados para minimizar os riscos com vistas à proteção da saúde humana e ambiental. Além disso, os objetivos do Princípio da Precaução devem atender as incertezas que não podem ser reduzidas em curto prazo e quando os perigos potenciais forem sérios ou irreversíveis. Suas bases concentram-se no princípio do desenvolvimento sustentável40, as quais foram incluídas durante a realização da ECO-92, no Rio de Janeiro. A adoção dos países quanto à definição do Princípio da Precaução foi realizada de diferentes modos. A definição adotada pelo Brasil, assim coloca: “De forma a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente adotado pelos Estados de acordo com suas capacidades. Onde houver sérias ameaças ou ainda, ameaças irreversíveis, a ausência de certeza científica não deverá ser usada como uma justificativa para protelar medidas efetivas para a prevenção da degradação ambiental” (UNESCO, 2005, p.12) Para as organizações que se engajam no Princípio da Precaução, alguns obstáculos a seguir, podem desfavorecer essa adoção (UNESCO,2005). Transparência O pressuposto de que as informações científicas devem estar disponibilizadas ao público, depara-se com um problema de ordem de transparência. Por questões competitivas, as organizações mantém em sigilo parte de seus dados científicos. 39 Precaução significa agir em tempo, com o objetivo de proteger a saúde humana e ambiental contra possíveis ameaças (UNESCO, 2005,p.8) 40 Entenda-se por desenvolvimento sustentável aquilo que vai de encontro a atender as necessidades atuais da sociedade, sem que comprometa o futuro dos que estão por vir. 118 Estratégias para o desenvolvimento de produtos Introduzir novas tecnologias requer das organizações investimento financeiro e de tempo. Requer também comunicar estas novas tecnologias ao público como forma de participá-los e consultá-los. Entretanto, estas consultas são normalmente evitadas por parte das organizações na medida em que possam afetar os seus negócios. O Princípio da Precaução age aqui como se fosse uma oposição à estas ações visto como anti-industrialista e anti-tecnológico (UNESCO, 2005). Implicações sociais e culturais Ainda que os Estados e organizações adotem o Princípio da Precaução como forma de auxiliar a gestão de incertezas dos riscos, é necessário que se leve em conta que as culturas, regulamentos e a administração pública variam de sociedade para sociedade. Reconhecimento de contextos culturais diferentes As incertezas científicas variam de cultura para cultura dificultando a adoção do Princípio da Precaução entre os diferentes países. Diferenças nos níveis de aceitabilidade do risco Os países escolhem as formas pelas quais lidam com os níveis de aceitabilidade do risco, bem como os métodos a serem utilizados para o controle destes riscos, o contexto sócio-econômico no qual se inserem e de prioridades nacionais. 6.3.3 Norma CETESB Em situações de emergência, a CETESB recomenda a implantação de um (PAE) Plano de Ação de Emergência ao seu PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos), de forma a auxiliar nos resultados obtidos no estudo de análise e avaliação de riscos. 119 O Plano de Ação de Emergência, elaborado e considerado como parte do processo de gerenciamento de riscos, deve contemplar: - introdução; - estrutura do plano; - descrição das instalações envolvidas; - cenários acidentais considerados; - área de abrangência e limitações do plano; - estrutura organizacional, contemplando as atribuições e responsabilidades dos envolvidos; - fluxograma de acionamento; - ações de resposta às situações emergenciais compatíveis com os cenários acidentais considerados, de acordo com os impactos esperados e avaliados no estudo de análise de riscos, considerando procedimentos de avaliação, controle emergencial (combate a incêndios, isolamento, evacuação, controle de vazamentos, etc) e ações de recuperação; - recursos humanos e materiais; - divulgação, implantação, integração com outras instituições e manutenção do plano; (grifo nosso) - tipos e cronogramas de exercícios teóricos e práticos, de acordo com os diferentes cenários acidentais estimados; - documentos anexos: plantas de localização da instalação e layout, incluindo a vizinhança sob risco, listas de acionamento (internas e externas), listas de equipamentos, sistemas de comunicação e alternativos de energia elétrica, relatórios, etc. (CETESB, 2003, p.38). 6.3.4 Diretiva de Seveso Em 1976, a cidade de Seveso, próximo à Milão, Itália, foi palco de um grande acidente químico, o qual despertou a atenção de autoridades quanto aos perigos inerentes aos processos industriais e tecnológicos. 120 Além do acidente de Seveso, cita-se como exemplo outras indústrias químicas situadas em Bhopal, Índia e o de Vila Socó, Brasil que resultaram em ações governamentais internacionais com o objetivo de prevenir os acidentes maiores. Em junho de 1982 a Comunidade Européia da Diretiva 82-501-ECC cria a Diretiva Seveso a qual estabelecia uma lista de substâncias químicas e de produtos que possuíam controle direto das autoridades. Para os fabricantes dos produtos químicos, a Diretiva impôs mudanças quanto aos procedimentos a serem adotados, destacando-se a previsão de planos de emergência e a comunicação imediata no caso de ocorrência de um acidente maior. Mas foi a partir de fevereiro de 1999, com a chegada da Diretiva Seveso II, que o público passa a ter mais direitos no que diz respeito ao acesso à informação. A Diretiva Seveso II estabelece que empresas e autoridades têm obrigações de disponibilizar informações à população. 121 6.4 Legislação ambiental na Constituição Federal e Estadual Lei 6.938-1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente Lei 7.661-1988. Institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, e dá outras providências. Lei 9.605-1998. Lei dos Crimes Ambientais. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Decreto 99.274-1990. Regulamenta a Lei 6.902-1981, e a Lei 6.938-1982, que dispõem, respectivamente sobre a criação de estações ecológicas e áreas de proteção ambiental e sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e dá outras providências. Decreto 3.179-1999. Dispõe sobre a especificação das sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Resolução Conama nº 01, de 23-01-86. Dispõe sobre critérios e diretrizes para o Relatório de Impacto Ambiental (Rima). Resolução Conama nº 237, de 19-12-97. Regulamenta os aspectos de licenciamento ambiental estabelecidos na Política Nacional do Meio Ambiente. Constituição Federal 1988. art. 225 – “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendêlo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Constituição Estadual – art. 193 – “O Estado, mediante Lei, criará um sistema de administração de qualidade ambiental, proteção, controle e desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado dos recursos naturais para organizar e integrar as ações de órgãos e entidades da administração pública, direta e indireta”. 122 Lei Estadual nº 9.509, de 20-03-97. “art. 2º - A política Estadual do Meio Ambiente tem por objetivo garantir a todos da presente e das futuras gerações, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, visando assegurar, no Estado, condições ao desenvolvimento sustentável, com justiça social, aos interesses da seguridade social e à proteção da dignidade da vida humana”. 123 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES O objetivo principal desta dissertação foi a de evidenciar a importância do processo da comunicação de risco para as organizações. Para tanto, por ser este trabalho de natureza analítica exploratória, foi realizada revisão bibliográfica a fim de se obter elementos que pudessem fornecer respostas para os seguintes objetivos específicos: a) apontar para as dificuldades enfrentadas pelas organizações para incorporar o processo de comunicação de riscos na tomada de decisão relativos ao gerenciamento de riscos de suas atividades; b) analisar, com base na revisão da literatura, os benefícios que as organizações encontram ao engajarem no processo da comunicação de risco. Embora este trabalho tenha se restringido a abordar o conceito de risco percebido (para compreender o julgamento público) e o conceito de risco científico (para compreender o julgamento de especialistas e gestores), a discussão acerca do conceito de risco deve ser ampliada no sentido de fornecer subsídios a outras disciplinas e melhorar o nível de discussão entre o meio acadêmico e a sociedade, pois poucos trabalhos foram encontrados que pudessem demonstrar ações efetivas entre gerenciar riscos, comunicar riscos e envolver o público nas questões relacionadas aos riscos tecnológicos. O modelo de gestão de risco utilizado neste trabalho reforça a importância do processo da comunicação de risco e oferece uma grande oportunidade e auxílio aos gestores na compreensão de todo o processo de gestão. Contudo, as formas de implementação e de adoção quanto a um único modelo, ainda é fragilizada e incipiente na realidade Brasileira. Em sua maior parte, os modelos de gestão foram propostos por países europeus. Identificam-se iniciativas de países como Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália, os quais diferem em cultura organizacional e social. Portanto, deve-se levar em consideração que o melhor modelo de gestão deve se ajustar à cultura organizacional e a realidade de cada país. 124 A Cultura organizacional apesar de ser um tema discutido cada vez mais com freqüência em universidades e empresas é um item que merece um grande cuidado. Cultura organizacional e cultura social são dois pontos que não se mudam do dia para a noite. É a construção social, por meio de empenho dos grupos sociais e responsabilidades governamentais, que cidadãos incorporam a cultura, e agem conseqüentemente em favor da sua própria cultura. A mudança cultural permite rever valores, crenças e missão e é neste aspecto que a política organizacional também muda. Uma primeira contextualização da comunicação de risco delineia-se em suas bases conceituais, bem como da aplicabilidade de outros fatores que irão auxiliá-la no escopo das organizações. Estas bases conceituais e de aplicabilidade têm especial importância por ser aquela onde se demonstra a relevância do tema nos processos de gestão de riscos. Na literatura nacional poucos trabalhos foram encontrados que dessem ênfase à percepção de riscos e à importância da comunicação de risco no contexto organizacional e observou-se uma grande lacuna de pesquisas voltadas à gestão de riscos em micro e pequenas empresas. A interdisciplinaridade do tema comunicação de risco é o que lhe confere a propriedade de inserção em outras disciplinas. Na engenharia, representada aqui por gestores e especialistas em gestão de riscos. Na psicologia ao abordar os aspectos intuitivos e cognitivos voltados para a compreensão da percepção do risco. Na comunicação social por meio dos cursos de jornalismo ambiental e jornalismo científico, e por último, nos cursos de Direito ao auxiliar num arcabouço jurídico em leis e regulamentos voltados à saúde, segurança e meio ambiente. Na pedagogia, a comunicação de risco também poderá dar importante contribuição na medida em que forme cidadãos preparados e conscientes do seu papel na sociedade, especialmente frente aos novos riscos tecnológicos. Embora a literatura faça menção da comunicação de risco como um processo, derivada das palavras em inglês risk communication process, e dada sua importância nos modelos de gestão e nas etapas que compreendem o gerenciamento de riscos, não se descarta a possibilidade de potencializar o seu uso como sendo gestão da comunicação de risco. 125 Foi possível evidenciar por meio da revisão bibliográfica o estado da arte em comunicação de risco. Entretanto, alguns aspectos mais discutidos no Capítulo 4, devem ser melhor aprofundados. Primeiramente, faz-se uma constatação de que as limitações, ou seja, os aspectos negativos se sobrepõem aos aspectos positivos. Isto significa que, na prática, uma série de fatores de caráter social, ético, organizacional, educacional, cultural e governamental impedem a comunicação de risco de ser implementada de maneira efetiva e obrigatória nas organizações. Além disso, grande parte dos trabalhos científicos estão voltados a compreender a comunicação ambiental e a comunicação em saúde, mas não na comunicação do ponto de vista da própria gestão dos riscos tecnológicos. Uma das conclusões que tiramos desta dissertação sobre a contribuição da comunicação de risco é que o tema, embora venha sendo paulatinamente discutido e incorporado nas grandes organizações, pode auxiliá-las na construção da confiança e credibilidade, a partir do momento em que incorporem a comunicação de risco como uma atividade com começo, meio e fim. Isto significa compreender as preocupações de quem está do lado de fora das organizações e significa também repensar a sua cultura organizacional. Uma vez que divulgar informações sobre riscos, envolve uma série de julgamentos científicos, a comunicação de risco oferece a oportunidade de “traduzir” aquilo que seja de desconhecimento público. E neste processo ela não terá somente uma participação passiva, mas também ativa, na medida em que sua função é estabelecer o diálogo de mão-dupla em informar e receber a opinião das partes interessadas. As restrições impostas por fatores tais como a análise de dados científicos, as diferentes percepções entre o público e os especialistas, a amplificação social do risco e o papel da mídia na divulgação dos riscos, não descartam a importância do processo da comunicação de risco, mas convidam a uma reflexão organizacional – tendo em vista principalmente as dificuldades internas às organizações. Uma outra observação decorrente de dificuldades internas às organizações relaciona-se à aceitabilidade do risco. A discussão em torno da aceitabilidade do risco é no mínimo uma discussão filosófica e utópica, até porque, a decisão sobre os níveis de risco fica restrita àqueles que estão envolvidos no seu gerenciamento e não confere à população o direito de debate sobre o assunto. 126 De um lado, os gestores e especialistas baseiam suas análises em técnicas de avaliação de modo objetivo, e de outro, o público recebe as informações científicas através dos principais veículos de comunicação. E como fica o papel da mídia neste aspecto? As informações devem ser transmitidas de maneira objetiva para atender aos especialistas, ou de maneira subjetiva para atender ao público?. Não se pretende aqui encontrar nos gestores a culpa pela objetividade das informações e tampouco justificar a culpa na mídia. Interessa-nos, sobretudo, compreender o sujeito central da comunicação de risco: o público. Além disso, existem fatores diversos, e isso não podemos negar, que despertam ou anulam o interesse da mídia por determinados assuntos. Em primeiro lugar, é clara a preferência da mídia pelos temas que envolvem catástrofes, acidentes e riscos industriais, especialmente quando envolve camadas pobres da população. A mídia se insere num contexto econômico, social e político, conforme abordamos no item 4.8, e por muitas vezes é pressionada a atender a esses diversos contextos. Aqui, encontro um espaço para contrapor à esta crítica veemente da atuação da mídia, pois me insiro neste momento como profissional da mídia. Guardadas as devidas proporções e situações, ainda que a liberdade de imprensa tenha sido conquistada a duras penas, muitas organizações e instituições governamentais ainda vêem os jornalistas como seres intrusivos e insensíveis. Quando da minha primeira entrevista jornalística me deparei com tamanha insensibilidade por parte de um funcionário ao responder que o número de óbitos era muito maior do que se imaginava, mas a empresa pertencia a um deputado federal e por esta razão não poderia fornecer as informações que me eram tão valiosas no momento. À esse paternalismo ou coronelismo, a culpa é de qual contexto? Ao jornalista são impostas condições não éticas de trabalho como, por exemplo, escalas de plantões absurdas, acúmulo de funções e a necessidade sempre imediata de produção, não conferindo a possibilidade de ampliar seus conhecimentos e aprimorar outros campos do jornalismo. O comprometimento com a informação de qualidade requer do profissional jornalista a formação adequada liberta de manipulações de um ou outro interesse. 127 Considerando-se o alto índice de analfabetismo nos países em desenvolvimento, um desafio que se impõe aos sistemas educacionais é a inserção, tanto do gerenciamento de riscos, quanto da comunicação de risco, numa perspectiva multidisciplinar. Somente assim, as futuras gerações poderão alcançar uma cultura científica e tecnológica, e estarão mais preparadas a participarem do processo de tomada de decisão. Além disso, é necessário que as organizações tenham a compreensão de que o processo de educação não deve se limitar somente no sentido de treinamento de trabalhadores quanto aos perigos decorrentes dos processos industriais, como, por exemplo, o uso de equipamentos de proteção individual ou alerta para situações de emergência, mas reforçar que a educação no processo da comunicação de riscos envolve a troca de informações e outros aspectos relacionados à própria deficiência do sistema educacional Brasileiro. A despeito de todas as limitações que movem a comunicação de risco nas organizações, ela pode dar importante contribuição aos processos de gestão e conseqüentemente aos gestores e especialistas. Para tanto, é necessário que as organizações tenham real consciência sobre a importância de informar a sociedade sobre seus riscos, mas, sobretudo, priorizar recursos aos gestores na adoção de políticas organizacionais em comunicação de risco. As Leis Ambientais Brasileiras presentes na Constituição Federal e Estadual foram uma grande conquista social, na qual as organizações tiveram de atender às preocupações da sociedade em promover a prevenção e o controle dos diversos agentes que afetam o meio ambiente. Mesmo em países de primeiro mundo e tidos como países democráticos, a adoção do right-to-know e do Freedom of Information Act foram implementados de forma mandatória e não compulsória ou voluntária. Isto significa que, o movimento da sociedade por informações mais transparentes exigiu que o governo tomasse medidas legais para fazer jus à democracia. Entretanto, se de um lado houve o benefício ambiental revertido em benefício social, a discussão em torno dos riscos tecnológicos deve ser estudado separadamente, ainda que ambos façam parte do contexto organizacional. 128 Para isso, o governo necessita avançar com novas medidas e mecanismos legais que auxiliem as organizações a informarem seus riscos, como, por exemplo, uma política nacional de gerenciamento e comunicação dos riscos tecnológicos, ou ainda, uma Norma Regulamentadora em gerenciamento e comunicação dos riscos industriais. Para concluir, ainda que as audiências públicas tenham se tornado um fator de legitimidade social ao informar a população sobre os riscos ambientais, a discussão acerca dos riscos tecnológicos deve ser ampliada, a fim de contribuir na formação da consciência popular. As sugestões de estudos posteriores são bastante amplas ao envolver diferentes disciplinas que possam contribuir para um melhor entendimento da comunicação de risco, bem como chamar a atenção para os fatores políticos, sociais, econômicos, educacionais e governamentais que influenciam na adoção do tema. • Novos estudos devem ser conduzidos especialmente quanto à preparação dos jornalistas de revistas segmentadas em saúde, segurança e meio ambiente e a forma como lidam e entendem o processo da comunicação de risco. • Estudo voltado à gestão governamental sobre a visão do governo quanto à importância de um modelo de comunicação de riscos para as organizações. 129 • Estudos de caso a serem conduzidos em diversos segmentos industriais com o objetivo de evidenciar a prática da comunicação de risco e apontar para as dificuldades reais que os gestores enfrentam quanto à sua implementação. • Estudo detalhado na área da psicologia com o objetivo de demonstrar a importância de novos estudos na área da percepção de risco voltada às organizações Brasileiras. • Aplicação da comunicação de risco sob a ótica da cultura organizacional. • Desenvolvimento de modelos de comunicação de risco que auxiliem organizações na sua comunicação interna e externa. • Estudos a serem realizados em micro e pequenas empresas devem ser priorizados, com o objetivo de auxiliar na preparação e capacitação de gestores quanto à implementação da gestão de riscos e da comunicação de risco. • Outros estudos poderão apresentar a comunicação de risco como gestão da comunicação de risco. • A viabilização de uma política educacional que contemple o tema comunicação de risco nos cursos de engenharia de segurança do trabalho, técnico de segurança do trabalho, administração de empresas, gestão de negócios, jornalismo científico, jornalismo ambiental e jornalismo investigativo. 130 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALONSO,A; COSTA, V. 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