Introdução O texto que segue é um capítulo dum livro em

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Introdução
O texto que segue é um capítulo dum livro em preparação sobre Globalização e Trabalho.
Ele traça um histórico da globalização em sua modalidade imperialista, entre o começo da
Primeira Guerra Mundial e o fim da Segunda.. A tese desta parte do volume é que a globalização
apresenta, ao longo do tempo diferentes modalidades: mercantilista, liberal, imperialista, dirigista,
neo-liberal. Como indica o título, trata-se do período em que a globalização imperialista entra em
crise.
A CRISE DO IMPERIALISMO
Paul Singer
1. 1914-1945: crises sucessivas
Este período da história contrasta com o anterior e o posterior pela rápida sucessão
de crises. A primeira e a última foram bélicas, guerras mundiais que envolveram todas as
potências e a maioria dos outros países, paralisaram a economia mundial e grande parte das
economias nacionais envolvidas nos conflitos e acarretaram morticínios espantosos e enorme
destruição material. Entre estas duas crises bélicas, registraram-se um período de hostilidades
pós-bélicas, marcado por diversas hiperinflações, e outro dominado pela maior crise conjuntural
da história do capitalismo, da qual a economia mundial estava apenas começando a saír a duras
penas quando teve início a 2a.Guerra Mundial.
Este conjunto de crises causalmente interligadas marca a crise da modalidade
imperialista da globalização. Como veremos, as guerras mundiais foram o prosseguimento por
outros métodos das políticas que constituem o imperialismo. E no entre-guerras, prosseguiram
por outros métodos as políticas bélicas. A crise da modalidade paralisou a globalização e fê-la
retroceder a partir de 1930. Este é o aspecto que mais interessa do ponto de vista deste estudo.
Seria possível buscar precedentes históricos, sendo provável que o mais próximo
no tempo tenha sido o conjunto de guerras desencadeadas pela Revolução Francesa e que
atingiram o auge por ocasião do Bloqueio Continental, quando pela primeira vez o impedimento
do comércio internacional foi utilizado como arma de guerra. Mas, entre 1789 e 1914, o mundo
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tinha mudado muito, sobretudo por causa do enorme avanço da globalização. No período da crise
do imperialismo, os países da Europa e da América do Norte e em menor grau do resto do mundo
já estavam amplamente inseridos na divisão internacional do trabalho, de modo que a paralisia e a
retrocesso na globalização teve conseqüências econômicas muitos mais amplas do que 125 anos
antes.
Retrospectivamente, pode-se dar razão aos pensadores marxistas, como Lenin, que
durante a 1a.Guerra Mundial levantaram a hipótese que aquela era a crise final do capitalismo.
Pode-se convir que tiveram razão que aquele tipo de capitalismo - a ‘fase superior do capitalismo’
- estava condenada. Mas, faltou-lhes imaginação ao subavaliar a capacidade de inovação
institucional e de regeneração econômica do capitalismo enquanto modo de produção. Esta
inovação institucional teve por base o sufrágio universal e o estado de bem-estar social,
conquistas dos movimentos feminista e operário. Depois da vitória sobre o nazi-fascismo, o
capitalismo mudou completamente de rumo, o que aliás as economias centralmente planejadas
não conseguiram fazer. Neste capítulo serão examinados os eventos históricos que prepararam
esta mudança de rumo, da qual acabou resultando a atual modalidade de globalização.
2. A Grande Guerra (1914-18)
Antes de começar a 2a.Guerra Mundial, a 1a. era conhecida somente por a Grande
Guerra, pois ninguém imaginaria que poderia haver outra semelhante. A designação ‘Grande
Guerra’ reflete a profunda impressão que ela deixou na consciência social, pela sua extensão, pela
eficiência dos instrumentos de destruição empregados e pelo envolvimento inusitado da
população civil, inclusive da que não se encontrava nas imediações dos teatros de guerra. Sem
falar da vasta destruição de vidas e de riquezas e da desmoralização da ideologia de supremacia
nacional e racial até então hegemônica. Para os contemporâneos, a Grande Guerra foi um divisor
de águas entre a belle epoque de antes e os tempos sombrios depois.
A 1a.Guerra Mundial começou em agosto de 1914, tendo como detonador o
assassinato do herdeiro do trono austro-húngar e sua mulher em visita oficial a Saravejo, capital
da Bósnia, em 28 de junho. A Bósnia-Herzegovina tinha sido conquistada pelo Império AustroHúngaro em 1878 e anexada formalmente ao mesmo em 1908, contra a resistência da população
eslava, externamente representada pela Sérvia. O atentado, que custou a vida do Arquiduque
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Francisco Ferdinando e consorte, teve participação direta e secreta da Sérvia. “Antes mesmo do
anúncio da projetada visita do arquiduque, a última destas sociedades [o movimento pela ‘Grande
Sérvia’] já tinha decidido seu assassinato. Sua presença em Saravejo proporcionou a ocasião
almejada e planos foram feitos sob a direção do Coronel Dimitriyevich, um membro da sociedade
e chefe da divisão de inteligência [espionagem] do estado-maior sérvio. Três jovens voluntários
bósnios foram equipados com as pistolas, munição e bombas necessárias para realizar o plano,
em Belgrado [capital da Sérvia] e reenviados clandestinamente de volta à Bósnia.” (Benns, 1945,
p.23/4)
O assassinato levou a intensa movimentação diplomática durante um mês e
finalmente à declaração de guerra da Áustria-Hungria à Sérvia. Seria apenas mais uma das várias
guerras regionais que estavam sacudindo os Balcãs desde 1912, não fosse o apoio da Rússia à
Sérvia e o da Alemanha à Áustria-Hungria. Já há vários anos, a Europa estava dividida entre duas
alianças antagônicas, a tríplice entre Alemanha, Áustria-Hungria e Itália e a entente cordiale entre
a França, a Rússia e a Grã Bretanha. As outras potências poderiam ter ficado de fora do conflito
ou ter obrigado o Império Austro-Húngaro e a Sérvia a chegar a algum acordo que indenizasse os
austríacos sem guerra. Mas nem a Alemanha, nem a Rússia estavam dispostas. O mecanismo das
alianças militares e políticas e a vontade na cúpula das principais potências de travar o embate
decisivo transformaram um entre muitos conflitos regionais no estopim que detonou a Grande
Guerra.
As contradições entre as potências eram muitas. A principal era a disputa pela
hegemonia sobre a economia mundial entre a Grã Bretanha, os Estados Unidos e a Alemanha. O
crescimento econômico dos dois últimos países sobrepujava nitidamente o do primeiro durante as
3 décadas precedentes e seria apenas uma questão de tempo para que o domínio britânico fosse
substituído pelo ‘americano’, pelo alemão ou por alguma combinação entre eles. A economia dos
EUA repousava sobre o maior mercado interno do mundo e que estava em rápida expansão; as
firmas gerenciais deste país estavam muito mais adiantadas no processo de transnacionalização
do que as de qualquer outro. A economia alemã tinha por base o maior mercado interno da
Europa,
mas com muito poucas possessões coloniais, em comparação com potências mais
antigas e menos dinâmicas. A Alemanha estava explicitamente insatisfeita com o status quo e
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exigia algum tipo de redistribuição de colônias e países dependentes que lhe ampliasse a área
econômica.
Depois de longa corrida armamentista e inúmeros choques e crises, resolvidos in
extremis por meios diplomáticos, os governos dos membros das duas alianças em confronto
acabaram se convencendo que a eclosão da Grande Guerra tornara-se inevitável e que era melhor
travá-la de uma vez antes que as condições lhes fossem menos favoráveis. Outro fator que explica
o seu desencadeamento é que os dois lados previam que a guerra seria curta e cada um esperava
alcançar a vitória com perdas limitadas.
Em agosto de 1914, Alemanha e Áustria-Hungria entraram em guerra contra a
Rússia, França e Grã Bretanha. Abriram-se três frentes: ocidental, na França; oriental, na Rússia;
e sul, nos Balcãs. Em 1914 ainda, o Japão entrou na Guerra ao lado da entente e a Turquia ao lado
da tríplice aliança. A Itália, que integrava a última ficou neutra, mas em 1915 mudou de lado e
entrou na guerra ao lado da entente, abrindo uma quarta frente, contra a Áustria, no norte italiano.
Este alinhamento ainda sofreria duas mudanças importantes: a entrada na guerra dos EUA, ao
lado da entente, em abril de 1917 e a saída da guerra da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (em que se transformara o Império Tzarista, após a Revolução de Outubro) um ano
depois.
Não é o caso de resumir aqui as peripécias militares que foram a essência da
Grande Guerra. A frente mais importante era a ocidental, onde os alemães se confrontaram com
franceses e ingleses e a partir de 1918 também com americanos. A guerra foi de trincheiras, com
pouca mobilidade espacial, mas com imensas batalhas que duravam dias e semanas, durante os
quais os bombardeios e os combates faziam centenas de milhares de baixas dos dois lados. Nas
outras frentes, o panorama não foi muito diferente. Os países menos desenvolvidos - a Rússia, a
Turquia, os países balcânicos - sofreram duras derrotas e grandes perdas humanas e materiais. Em
1917, a Rússia estava exaurida e as tropas no final se recusaram a continuar lutando, o que
garantiu a vitória dos bolcheviques, os únicos que pregavam a paz incondicional. Ela foi assinada
em Brest-Litovsk, em março de 1918, e impõs à URSS severas perdas territoriais, o que
demonstrava que naquela altura, após quase 4 anos de sangreira, a Alemanha e seus aliados
continuavam perseguindo os mesmos objetivos. (Veremos que o mesmo ocorria com o outro
lado)
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A entrada dos EUA na guerra foi causada principalmente pela campanha dos
submarinos alemães contra todos os navios, inimigos ou neutros, que se dirigiam à Inglaterra ou
França. Como a primeira dependia notoriamente da importação de alimentos para a sobrevivência
de sua população, o estado maior alemão decidiu submeter a nação inimiga pela fome. Os ataques
submarinos a navios dos EUA inevitavelmente provocariam a sua entrada na guerra, mas os
alemães confiavam que a intervenção militar efetiva dos americanos levaria tanto tempo, que
antes disso a penúria na retaguarda inimiga lhes garantiria a vitória. A campanha fracassou e a
marinha britânica estabeleceu completo domínio sobre os oceanos, o que acabou estrangulando o
abastecimento alimentar dos impérios da Europa central. No fim da guerra, a população alemã e
austro-húngara estava sendo duramente castigada pela falta de comida.
Na primeira metade de 1918, a Alemanha, já à beira da exaustão, resolveu reunir
todas suas forças para lançar uma ofensiva final na frente ocidental, onde franceses e ingleses
tinham conseguido resistir até então. A ofensiva surtiu efeito e as forças alemãs estavam a ponto
de romper as linhas aliadas quando grande quantidade de tropas dos EUA, que vinham sendo
treinadas, foram lançadas à batalha e garantiram a vitória para os aliados. Com todos os
protagonistas, exceto os EUA, beirando a exaustão, a Grande Guerra acabou em novembro de
1918 não pela rendição dos governos dos impérios centro-europeus mas pela sua derrubada. Da
mesma forma que na Rússia, foi a revolução que no final fez cessar as hostilidades.
As perdas humanas, causadas pela Grande Guerra, foram espantosas, em termos
absolutos e proporcionais. “Os franceses perderam mais de 20% de seus homens em idade militar
e se incluírmos os prisioneiros de guerra, os feridos e os permanentemente estropiados e
desfigurados - os gueules cassés [caras quebradas] que se tornaram parte tão vívida da imagem
posterior da guerra - não muito mais de um terço dos soldados franceses saiu da guerra incólume.
As possibilidades do primeiro milhão de soldados britânicos sobreviver à guerra incólume eram
de mais ou menos 50%. Os britânicos perderam uma geração - meio milhão de homens com
menos de trinta anos - notadamente entre suas classes altas, cujos rapazes, destinados como
gentlemen a ser os oficiais que davam o exemplo, marchavam para a batalha à frente de seus
homens e em conseqüência eram ceifados primeiro. Um quarto dos alunos de Oxford e
Cambridge, com menos de 25 anos que serviam no exército britânico em 1914, foi morto. Os
alemães, embora contassem ainda mais mortos que os franceses, perderam apenas uma pequena
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proporção de seus contingentes em idade militar, muito mais numerosos que os franceses: 13%
deles.” (Hobsbawm, 1995, p.33/4)
A partir da constatação destas perdas inéditas e que deixaram um trauma antiguerra que perdurou até a 2a.Guerra Mundial, Hobsbawm se indaga porque os governos que
conduziram a Grande Guerra a prolongaram a este ponto, quando os objetivos almejados,
quaisquer que fossem, certamente não valeriam este sacrifício em vidas humanas. “Por que,
então, a 1a.Guerra Mundial foi travada pelas principais potências dos dois lados como um tudo ou
nada, ou seja, como uma guerra que só podia ser vencida por inteiro ou perdida por inteiro? O
motivo era que essa guerra, ao contrário das anteriores, tipicamente travadas em torno de
objetivos específicos e limitados, travava-se por metas ilimitadas. Na Era dos Impérios, a política
e a economia se haviam fundido. A rivalidade política internacional se modelava no crescimento
e competição econômicos, mas o traço característico disso era precisamente não ter limites.”
(Hobsbawm, 1995, p.37)
A tese de Hobsbawm é que a Grande Guerra foi mais destrutiva e mortífera do que
as anteriores porque seu caráter era diferente. Tratava-se pela primeira vez de uma guerra global,
com objetivos geograficamente mundiais e não por outro motivo foi e é considerada a primeira
das guerras ‘mundiais’. Na realidade, embora Hobsbawm tenha razão, os objetivos e motivações
do conflito constituíam uma mistura de metas tradicionais territoriais-dinásticas com alvos
modernos de alargamento da ‘área econômica’ como base da disputa pelas empresas
multinacionais dos mercados mundiais.
O imperialismo redivivo tinha produzido esta amálgama. Alemanha e Grã
Bretanha não tinham fronteiras comuns e portanto tão pouco travavam disputas fronteiriças, como
havia entre França e Alemanha e entre Itália e Austria. Alemães visavam tomar o lugar da
Inglaterra como ‘oficina do mundo’ e para tanto precisavam de mais área econômica - em
qualquer lugar do mundo - para aumentar o fôlego de seus capitais monopólicos em competição
com seus iguais de outras nacionalidades. E já devia estar claro que os principais rivais dos
alemães não eram os ingleses mas os americanos. Este foi um dos sentidos da Grande Guerra.
Mas, as grandes potências precisavam de aliados para disputar área geográfica e
estes aliados não tinham avançado na revolução gerencial a ponto de ter objetivos próprios neste
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campo. Uma parte dos aliados eram impérios multiétnicos, cujo expansionismo tinha propósitos
tradicionais de dominação e rivalidade. A outra parte era constituída por nacionalidades
emergentes, dispostas a se auto-afirmar. É interessante observar que estes aliados estavam muito
mais inclinados a aceitar o término da guerra do que as grandes potências.
Em meados de 1917, claros sinais de fadiga de guerra eram visíveis em todos os
beligerantes, mas envolviam mais o Império Austro-Húngaro - o próprio Imperador Carlos em
março-maio tentou contatos secretos com a França para uma paz em separado - a França (em
maio dez divisões se amotinaram) e a Itália, onde em agosto revoltas estouraram em Turim e as
tropas enviadas para reprimí-las se amotinaram. (Benns, 1945, p.73) O sentimento contra a
guerra foi sobremodo intenso na Rússia e foi decisivo para a conquista do poder pelos
bolcheviques.
Mas, nas grandes potências a fadiga de guerra não alcançou a cúpula do Estado o
que confirma de certo modo a tese de Hobsbawm. Num mundo incomparavelmente mais
integrado do que em qualquer momento anterior, algo como hegemonia global, garantida pela
força das armas, aparecia como objetivo supremo de guerra para alemães, americanos, ingleses e
franceses. E para tentar alcançá-la ou ao menos evitar que o rival a alcance, estas potências
levaram o conflito até o limite da exaustão ao menos das potências européias, já que os Estados
Unidos se envolveram comparativamente menos.
3.O mundo após a Grande Guerra
A Grande Guerra teve conseqüências importantes, políticas e econômicas. Quanto
às primeiras, é preciso começar por assinalar que em todos os países que perderam a guerra, não
só os governos mas também os regimes caíram. A 1a.Guerra terminou num espoucar de
revoluções como jamais se viu antes. A primeira cronologicamente acabou sendo a mais
importante: a Revolução de Outubro. Promovida por forças de extrema esquerda, que tinham se
oposto à guerra desde o início, a Revolução proclamou o socialismo como seu objetivo supremo,
aboliu o império dos Romanoffs e em seu lugar criou uma entidade federal sui-generis, a União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)
O governo da URSS foi monopolizado pelo Partido Comunista, que em breve se
tornou a única força política legal. Em seguida, toda atividade economica urbana foi estatizada. A
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agricultura foi mantida em mãos dos camponeses por algum tempo, porém no começo dos anos
30 uma campanha contra o campesinato que estava se enriquecendo reorganizou-a em fazendas
coletivas. Durante os 50 anos seguintes, a economia soviética foi efetivamente isolada da
economia mundial capitalista, embora o intercâmbio comercial com outros países nunca cessasse.
Stalin, transformando a necessidade em virtude, proclamou ao mundo que estava
‘construíndo o socialismo num país só.’ E pedia aos céticos que atentassem para o fato de que
este era o maior país do mundo, contendo quase todos os climas e recursos naturais além de
extensa variedade étnica-cultural. Não resta dúvida, no entanto, que o isolamento soviético foi em
grande medida imposto pelos grandes países capitalistas, temerosos que o bacilo revolucionário
infectasse os insatisfeitos e desprivilegiados de suas próprias sociedades.
À Revolução de Outubro outras revoluções se seguiram a partir de novembro de
1918, na Alemanha, na Áustria, na Hungria e na Turquia. Na Alemanha proclamou-se a república
sob a presidência de um social-democrata ‘majoritário’ que tinha apoiado o esforço de guerra.
Tentativas de fundar repúblicas soviéticas tiveram lugar na Baviera e na Hungria, em 1919, mas
foram rapidamente liquidadas. Nos territórios que tinham formado os impérios russo, austrohúngaro e turco, uma multidão de agrupamentos étnicos, religiosos, linguísticos procuravam
refazer o mapa, cada qual tentando assegurar-se independência nacional e domínio sobre o maior
espaço possível.
Como diferentes grupos étnicos habitavam frequentemente os mesmos territórios,
os conflitos se multiplicavam. No final de contas, o antigo Império Austro-Húngaro deu lugar a
vários países diferentes - Áustria, Hungria, Tchecoslováquia; do antigo Império Tzarista
separaram-se como nações independentes a Finlândia, a Lituânia, a Letônia e a Estônia; a
Polônia, antes repartida entre russos, alemães e austríacos, foi restaurada; e a Turquia fez sua
revolução nacionalista, conseguiu não ser tratada como nação derrotada, mas foi reduzida à área
ocupada por turcos étnicos. Suas antigas províncias árabes - Egito, Palestina, Líbano, Síria, Iraque
e Arábia - foram transformados em protetorados britânicos e franceses. Finalmente, nos Balcãs
surgiram várias nações artificialmente compostas à base de supressão de antagonismos étnicos
insolúveis.
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A Grande Guerra foi, entre outras coisas, uma guerra ‘nacionalista’, cada
beligerante procurando unir a população num sonho de grandeza nacional. Acabada a guerra, o
nacionalismo - muito mais do que o comunismo - se espalhou pela Europa e pela Ásia (abstraíndo
por enquanto os outros continentes) com grande intensidade. Grandes nações, como a Índia e a
China, submetidos ao jugo colonial ocidental ampliaram movimentos nacionais de libertação que
tinham começado antes da guerra. O exemplo foi rapidamente acompanhado por outros países
colonizados. Nomes como Atatürk, Sun Yat Sen, Gandhi e Lawrence da Arábia surgem como
iniciadores de lutas que seriam coroadas de êxito apenas ao fim da 2a. Guerra Mundial.
Não obstante estes resultados não almejados e nem esperados da Grande Guerra, a
Europa e a América do Norte continuaram sendo o centro do processo de globalização por várias
décadas ainda. A globalização econômica no pós-guerra foi muito condicionada pelo modo com
que os vencedores decidiram realizar seus objetivos de guerra. A França considerou a vitória
sobre a Alemanha como a revanche da derrota sofrida em 1870: reclamou e obteve de volta as
províncias perdidas da Alsácia e Lorena e exigiu reparações de guerra; a Grã Bretanha ‘herdou’ as
colônias alemãs na África e se associou à exigência de reparações, o que também foi feito pelos
aliados menores.
A questão das reparações de guerra foi objeto de disussões apaixonadas e
intermináveis, pois era óbvio que não havia outro método de calcular o seu valor a não ser o
político. Franceses, britânicos e belgas estavam dispostos a extraír do inimigo vencido tudo o que
fosse economicamente viável arrancar dele. Keynes, que fazia parte da delegação britânica na
Conferência de Versalhes, desligou-se e voltou a Londres para escrever celebre panfleto em que
mostrava que a imposição de pagamento excessivo a título de reparações de guerra à Alemanha
impediria a reconstrução de sua economia e por conseqüência a da Europa inteira.
Franceses e ingleses estavam dispostos a usar a arma das reparações para impedir
que a Alemanha recuperasse a posição hegemônica que desfrutara antes da guerra. Além deste
objetivo de guerra inconfessado, os aliados europeus tinham uma ótima razão para insistir no
pagamento de reparações imensas pela Alemanha. É que a Grã Bretanha e a França tinham se
endividado pesadamente nos EUA para fazer a guerra e estavam sendo pressionados a servir
integralmente estas dívidas. Como suas economias exauridas não podiam proporcionar os
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excedentes exigidos pelos ‘americanos’, nada mais natural que franceses e britânicos repassassem
as pressões sobre o inimigo vencido.
Esta situação conflituosa foi sumamente agravada por uma reviravolta política
ocorrida em 1920 nos Estados Unidos. Durante a guerra, o país foi presidido pelo Democrata
Woodrow Wilson, que se preocupava em construír uma paz duradoura. Ele usou a ascendência
que os EUA conquistaram sobre as potências européias para moderar os apetites dos vencedores e
propôs a formação de uma Liga das Nações, aberta a todos os países e cujos integrantes se
comprometeriam “a respeitar e preservar contra agressão externa a integridade territorial e
independência política de todos os membros - o famoso Artigo Dez - a submeter todas disputas a
arbitragem e a empregar sanções militares e econômicas contra nações que recorrerem a guerra
desconsiderando a Liga.” (Nevins e Commager, 1942, p.453). Além da Liga, Woodrow Wilson
também conseguiu aprovar a criação da Corte Internacional de Justiça e da Organização
Internacional do Trabalho.
Mas, enquanto Wilson ditava os termos da paz na Conferência de Versalhes, a
opinião pública ‘americana’ tornava-se mais nacionalista, em parte por causa da fadiga da guerra
e da revolta diante das perdas humanas sofridas numa guerra em que os EUA não tinham
objetivos territoriais ou outros, que poderiam ser entendidos como estritamente nacionais. Os
Republicanos utilizaram este estado de espírito para denunciar Wilson como tendo envolvido o
país num conflito ‘europeu’ e como criador de instituições que tornariam este envolvimento
permanente. Cavalgando a onda do isolacionismo, os Republicanos venceram com ampla maioria
as eleições de 1920 e recusaram a participação dos EUA na Liga das Nações. A exigência de que
os europeus pagassem pontualmente as dívidas de guerra decorria naturalmente do ressentimento
isolacionista contra o Velho Mundo.
O resultado da retirada ‘americana’ foi o agravamento de todos os conflitos pósbélicos, que não eram poucos. Na Alemanha, a recuperação da economia, que apesar de tudo
estava em marcha, era prejudicada pela exigência do pagamento de reparações, o que obrigava o
governo a produzir um grande superavit fiscal a ser transferido às potências vencedoras. Como
seria de se esperar, surgiu forte crise fiscal - que já seria dificil de evitar por causa da substancial
dívida pública interna, acumulada durante a guerra - e um intenso conflito distributivo entre as
classes sociais. Este conflito dilacerava a República de Weimar, cujo equilíbrio político entre
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direita e esquerda era bastante precário. Tudo isso prolongou a inflação, que começou durante a
guerra, até que ela atingiu dimensões incríveis, adquirindo a forma até então inaudita de
hiperinflação.
Conflito distributivo e inflação formavam um círculo vicioso: quanto mais o
governo aumentava impostos, tanto mais os capitalistas aumentavam preços e os trabalhadores
lutavam por reajustes de seus salários. A inflação causava a desvalorização do marco, anulando
qualquer ganho fiscal eventualmente alcançado. Em 1923, o atraso no pagamento das reparações
foi respondido pela ocupação do Sarre pela França, que se dispunha a coletar diretamente as
reparações daquela província alemã. Os sarrenses proclamaram uma greve geral patriótica contra
o ocupante, que o governo alemão apoiou enviando dinheiro aos resistentes. O que parece ter sido
a gota dágua para fazer a inflação na Alemanha explodir.
O choque entre alemães e franceses foi um entre diversos conflitos pós-bélicos,
que continuavam sacudindo a Europa. A Polônia interveiu na Guerra Civil russa e acabou sendo
invadida pelos soviéticos e ao mesmo tempo a Polônia, a Lituania e a Ucrânia se envolveram em
várias guerras por território. Nos Balcãs, tropas gregas financiadas pela Grã Bretanha
empreenderam uma ofensiva contra os nacionalistas turcos, tendo igualmente por objeto o traçado
de novas fronteiras. E assim por diante. Não resta dúvida que a Grande Guerra não tinha
resolvido problema algum e que às potências vitoriosas faltava vontade política para estabelecer
um modus vivendi aceitável para a maioria das velhas e novas nações do Velho Continente.
A rivalidade entre França, Grã Bretanha e Alemanha continuava, apesar das duas
primeiras terem vencido a guerra e a retirada dos ‘americanos’da Liga das Nações aguçava as
contradições. Os pequenos beligerantes procuravam apoio e proteção de grandes potências e estas
aproveitavam os conflitos para preservar ou alargar a área econômica sob seu domínio. A crise do
imperialismo, que se materializara sob forma de Guerra Mundial, continuava portanto sob nova
forma, prolongando a ruptura da economia mundial, que a guerra tinha provocado
Em outras palavras, a reconversão das principais economias nacionais à paz estava
parcialmente bloqueada pela incapacidade da Alemanha de pagar as reparações e da Grã Bretanha
e França de pagar suas dívidas de guerra e pela incapacidade de diversos governos de equacionar
o serviço da dívida pública interna, estabilizar os preços, financiar a recuperação da infra-
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estrutura de transportes e energia danificada pelas operações bélicas e restabelecer em conjunto
um sistema internacional de pagamentos, que na época ninguém imaginava que pudesse ser
diferente do padrão-ouro.
4.A precária volta à normalidade
A Grã Bretanha estava resolvida a defender a primazia de Londres como principal
praça financeira do mundo, mesmo sendo inevitável que os EUA substituíssem o Reino Unido no
papel de banqueiro do mundo. Para restabelecer a confiança na libra como principal ativo de
reserva, os governos ingleses praticavam políticas deflacionistas visando a restabelecer o câmbio
vigorante antes da guerra. A meta exigia reduzir o índice geral de preços na mesma proporção em
que ele tinha subido durante a guerra. Em tese, se todos os preços fossem flexíveis, a deflação
poderia ser rápida e em nada afetaria o nível de atividade. Para que os preços caíssem era preciso
que os salários fizessem o mesmo, mas os sindicatos resistiam o quanto podiam a qualquer
redução nominal das folhas de pagamento.
A economia neo-clássica não incorpora em suas hipóteses um comportamento tão
‘irracional’ dos trabalhadores sindicalizados e por isso ela pressupõe que os preços e salários
flutuem com a mesma facilidade para cima e para baixo. Foi preciso que Keynes (na Teoria geral
do emprego, 1936) explicasse que é racional para o trabalhador recusar a redução do seu salário
se ele não tem qualquer garantia que os salários dos demais também serão reduzidos, pois os
salários são fixados por critérios relativos e cada agrupamento de trabalhadores se empenha em
subir ou ao menos não caír na hierarquia salarial. A resistência dos trabalhadores ingleses foi
extremamente vigorosa, de modo que a volta ao câmbio de 1913 levou mais de meia dúzia de
anos, sendo alcançada apenas em 1925. Durante estes anos, o esforço do governo em elevar o
valor externo da libra redundou em prejuízo da indústria britânica, ao elevar-lhe os preços em
dólares e outras moedas estrangeiras, o que a tornava aínda menos competitiva no mercado
mundial.
Enquanto a Grâ Bretanha se debatia em dificuldades em grande medida autoinfligidas, a Alemanha estava começando a saír do atoleiro. Em novembro de 1923, o governo
conseguiu debelar finalmente a hiperinflação. Como a dívida pública tinha sido inteiramente
desvalorizada pela desvalorização do marco, a situação fiscal estava comparativamente melhor.
Em 1924, os EUA propuseram o Plano Dawes como solução para o problema das reparações.
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Estas deveriam ser pagas em prestações anuais crescentes, começando com um bilhão de marcosouro no primeiro ano e alcançando 2,5 bilhões no quinto. O total a ser pago ficou em aberto. Para
viabilizar a aplicação do Plano foi decidido fazer um empréstimo de 800 milhões de marcos à
Alemanha, a ser subscrito por banqueiros ‘americanos’, britânicos e franceses. Além disso, a área
ocupada por franceses e belgas no Ruhr foi evacuada. O importante é que a subscrição do
empréstimo foi um imenso sucesso. Os títulos lançados em Nova Iorque suscitaram demandas em
valor 11 vezes maior que o oferecido. Seguiu-se uma onda de empréstimos ‘americanos’ à
Alemanha e depois a outros países europeus. (Kindleberger, 1984, p.302/3)
A avidez especulativa dos aplicadores ‘americanos’ desfez o nó político-financeiro
que estrangulava a economia mundial. O dinheiro ‘americano’ passou a fluír sob a forma de
empréstimos à Alemanha, esta passou as reparações de acordo com o Plano Dawes aos aliados,
que devolviam o dinheiro aos EUA sob a forma de amortização de suas dívidas de guerra. A
economia alemã acelerou sua recuperação e em sua função de ‘locomotiva’ da economia européia
estimulou o crescimento da mesma.
O grande impasse, que freiou a globalização durante uma década, parecia
superado. Durante este período, a economia que continuou crescendo, durante a Grande Guerra e
na década do após-guerra, foi a ‘americana’. A tabela a seguir mostra como a indústria dos
Estados Unidos, que já vinha crescendo antes, assume a hegemonia no mercado mundial no fim
do período.
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TABELA 1
EXPORTAÇÕES INDUSTRIAIS
Participação porcentual
Crescimento
anual
médio (%)
1899
1913
1929
99/13
100,0
100,0
100,0
4,15
Reino Unido
36,1
30,2
20,4
2,83
Alemanha
21,3
26,6
20,7
5,81
11,5
13,0
23,2
5,08
13,7
12,1
11,6
3,23
1,7
2,4
3,7
6,79
15,8
15,8
20,4
4,15
13/29
Mundo
2,00
-
0,53
0,42
Estados Unidos
5,76
França
1,75
Japão
4,92
Resto do mundo
3,67
FONTES: Maizels, 1965, dados originais Tab.A6 p.435
Como se vê, em 1899 o Reino Unido era ainda o maior exportador industrial do
mundo; suas vendas superavam as da Alemanha e França somadas. Os Estados Unidos ocupavam
um modesto quarto lugar. Em 1913, as posições destes países tinham mudado em função do
avanço alemão e do recuo inglês, além de um pequeno avanço ‘americano’ em detrimento da
França. Em 1929, a situação estava completamente mudada. Os Estados Unidos tinham se
tornado o maior exportador, com participação relativa um pouco maior que a alemã e britânica.
14
Neste momento, EUA, Alemanha e Grã Bretanha eram as três grandes potências industriais,
dividindo entre elas quase dois terços do mercado mundial de manufaturados, em fatias
semelhantes.
As duas últimas colunas da tabela mostram os efeitos da Grande Guerra e do
prosseguimento das políticas imperialistas no pós-guerra. Em 99/13, o mercado mundial de
manufaturados crescia 4,15% ao ano; em 13/29, a taxa cai a menos da metade (2%). A
globalização desacelera visivelmente. A queda das exportações industriais ocorre na Europa: a
taxa é negativa na Grâ Bretanha, é quase zero na Alemanha e na França é inferior à do mercado
mundial (1,75%). Onde as exportações industriais mais crescem é fora da Europa: 5,76% ao ano
nos EUA, 4,92% no Japão e 3,67% no Resto do Mundo (de que participam também países
europeus). Resta assinalar que a participação do Japão no mercado mundial de manufaturados,
neste período é ainda modesta, mas cresce velozmente. Ela prefigura a ascensão dos retardatários,
que se mostrará explosiva no último terço do século.
A crise do imperialismo também paralisa a inversão estrangeira de capital, que
antes da Grande Guerra vinha crescendo com muito vigor. Entre 1874 e 1913, o estoque de
inversões no exterior da Grã Bretanha passou de 5 a 18,3 bilhões de dólares, o da França de 1 a
8,7 bilhões; a Alemanha e demais países europeus começaram a inverter no exterior mais tarde, o
que ampliou a exportação de capitais. O estoque de inversões no exterior de todos os países
europeus dobrou entre 1900 e 1913, passando de 22 para 44 bilhões de dólares. Neste período, os
Estados Unidos eram importadores líquidos de capital. (Barrat Brown, 1974, p.171).
A 1a.Guerra Mundial alterou tudo isso. Os países beligerantes não só pararam de
inverter no exterior como tiveram de liquidar grande parte de seus ativos em outros países.
Alemanha perdeu todas suas inversões externas, a França mais da metade e a Inglaterra 15%. A
exportação de capital pelos Estados Unidos cresceu fortemente mas apenas compensou a retração
dos capitais europeus. “...por volta de 1929, a dívida internacional total era da mesma ordem de
grandeza que em 1913. Em função disso, a principal mudança havida foi a emergência dos EUA
como o principal prestamista e a transformação da Europa continental de grande credor em
grande devedor.” (Dunning, 1972, p.60)
15
A volta à normalidade, alcançada a duras penas em meados da década dos 20, foi
muito precária. Em 1929, a economia mundial mergulhou em sua pior crise e a globalização pela
primeira vez retrocedeu.
5. A grande crise
A crise de 1929 teve origem, como já ocorreu tantas vezes antes, num surto
especulativo centrado na Bolsa de Valores de Nova Iorque. A cotação das ações começou a subir
no ano anterior e o prosseguimento da alta passou a atraír capitais em volume cada vez maior à
Bolsa. Já em 1928, a economia alemã e a brasileira, entre outras, entraram em recessão por causa
da retirada de capitais em direção a Wall Street. “... a depressão foi introduzida pela rápida alta no
mercado acionário de Nova Iorque no segundo trimestre de 1928, que interrompeu o fluxo de
empréstimos de longo prazo dos EUA à Europa, particularmente à Alemanha, e à periferia
mundial, representada principalmente pela Argentina, Austrália, Chile e América Latina em
geral.” (Kindleberger, 1984, p.365). O refluxo dos capitais da Europa, América Latina etc.
derrubou os preços das commodities e deprimiu a atividade econômica bem antes que a queda da
Bolsa de Nova Iorque, em outubro de 1929, tivesse o mesmo efeito sobre a economia
‘americana’.
Quando a economia ‘americana’ mergulhou na depressão, a crise nos demais
países se agravou. Na Europa, o dínamo da economia era a Alemanha, ainda traumatizada pela
devastadora hiperinflação que a havia acometido meia dúzia de anos antes. O governo alemão
respondeu à saída de capitais e à queda dos preços com restrição de gastos, como se a ameaça
iminente fosse um novo surto inflacionário e não uma deflação, que trazia atrás de si redução da
demanda, desemprego em massa, falências de empresas e, em 1931, colapso do sistema
financeiro. Por toda parte, os governos reagiam de modo semelhante, tratando de reconquistar a
confiança dos investidores.
A preocupação dos governos tinha lógica. Se fosse possível convencer os
investidores a colocar mais dinheiro na produção, a queda da demanda poderia ser revertida,
dando início à recuperação da atividade. Mas, a retração dos investimentos não tinha por causa a
desconfiança dos capitalistas em relação aos governos, mas a persistência da superprodução e da
16
queda dos preços. Durante quatro anos os preços tendiam a diminuír, o que levava a camada mais
rica dos consumidores - que dispunham de renda para gastos discricionários - a adiar este tipo de
dispêndio, pois obviamente é melhor comprar mais barato amanhã do que mais caro hoje. Quanto
mais os governos cortavam o gasto público, para dar prova de boa fé ortodoxa, tanto mais os
consumidores reduziam compras adiáveis. Consequentemente, caía a produção, o emprego e o
nível de preços, constituíndo um círculo vicioso aparentemente interminável. As empresas, tendo
de suportar elevada ociosidade de sua capacidade instalada, não viam razão alguma para ampliála.
Um fator que tornou a crise mais ampla, atingindo praticamente todos os países,
era a globalização alcançada anteriormente. Em 1930, a economia mundial estava
consideravelmente integrada pelo comércio e pelos fluxos internacionais de capitais. O que fazia
com que a queda da atividade nas economias centrais do sistema - em especial na ‘americana’ repercutisse fortemente nas demais, deslanchando um processo perverso de realimentação da
crise. A primeira medida menos ortodoxa adotada para minorar os efeitos da crise foi o aumento
das barreiras tarifárias, para tentar via substituição de importações por produção nacional reduzir
o desemprego.
O bom exemplo foi dado pelos Estados Unidos, que em junho de 1930 adotaram a
notória tarifa Smoot-Hawley, que elevou mais de 800 alíquotas de importações agrícolas e
industriais. É de se notar que desde 1927, sob os auspícios da Liga das Nações, estavam se
realizando conversações visando a redução generalizada de tarifas. O aumento das barreiras
protecionistas pelos EUA pôs um ponto final neste esforço e suscitou respostas no mesmo sentido
das outras nações. Quase imediatamente após a promulgação da lei Smoot-Hawley, o Canadá,
Cuba, México, França, Itália e Espanha elevaram suas tarifas, o mesmo sendo feito no ano
seguinte pela Índia, Peru, Argentina, Brasil, China e Lituania. A lei da reciprocidade no
interrelacionamento econômico mostrou mais uma vez sua validade. Cada país tratou de elevar o
seu nível de atividade e de emprego substituindo importações, obviamente às custas das
exportações de outros países. (Ellsworth, 1950, p.500/501)
17
O efeito desastroso da política isolacionista dos EUA não pode ser descrito melhor
do que pela citação a seguir de Ellsworth (1950, p.501/2). “Entre 1929 e 1932, as importações dos
EUA se contraíram 77%, enquanto a soma total de dólares disponível para os demais países caiu
em cerca de 5 bilhões. Está claro que isso implicava uma redução equivalente de nossas
exportações de bens e serviços, pois os meios para estes serem adquiridos são os dólares que nós
disponibilizamos aos compradores estrangeiros. E as exportações dos EUA de fato caíram 70%.
Mas, não foi apenas o nosso comércio que caiu. O comércio do mundo inteiro, que é várias vezes
maior do que as importações ‘americanas’, entre 1929 e 1932, declinou em proporção
semelhante, ou seja, 61%. Além do mais, o nível de produção, emprego e renda caiu na maioria
dos países, se não tanto como aqui, a níveis realmente muito baixos.”
Como vimos acima, a crise que irrompeu em 1929 nos EUA já encontrou os países
europeus e latino-americanos em recessão pela saída, no ano anterior, dos capitais ‘americanos’.
Mas, mesmo assim o seu efeito foi devastador sobre eles, pelo duplo efeito de retração das
importações dos EUA e pela saída ainda mais intensa dos capitais vindos deste país. A queda das
importações foi causada tanto pela redução da demanda efetiva, que fez caír as vendas internas e
externas nos EUA, como pelo aumento das tarifas. Na ausência de medidas defensivas (que só
viriam a ser adotadas mais tarde), os outros países foram obrigados a: a) cortar o seu gasto
externo com importações e inversões em outros países; e/ou b) sofrer déficits no Balanço de
Pagamentos, pagos com ouro ou moedas conversíveis mantidos em reservas cambiais.
Convém notar que a diminuição de importações enfrenta obstáculos, ao menos no
curto prazo, porque muitas delas são de bens indispensáveis ao consumo da população ou à
produção. Apenas uma parte das importações pode ser prontamente substituída por produção
nacional. Por isso, a maioria dos outros países perdeu reservas cambiais, o que - pelas regras do
padrão-ouro recém restaurado - exigia uma contração correspondente da oferta de moeda, ou seja,
uma política monetária deflacionária. Foi precisamente o que fez a Alemanha, a Argentina, o
Brasil etc.. Entre 1929 e 1933, houve deflação em numerosos países, induzida pela deflação
‘americana’, que chegou a 40% nestes quatro anos.
18
Convém notar que países exportadores de produtos primários, como o Brasil e
quase todos os outros da América Latina, a queda da demanda externa foi particularmente
destrutiva porque ela é, em geral, inelástica aos preços. O café por exemplo é um alimento cujo
consumo dificilmente aumenta se o seu preço baixa. O que significa que a diminuição do volume
exportado de café acarreta uma queda proporcionalmente muito maior do seu preço, o que faz
com que a receita de exportação sofra uma redução mais acentuada. E os países nãoindustrializados eram ainda muito dependentes de empréstimos externos. Como os credores
estavam repatriando seus capitais, para compensar perdas financeiras nas metrópoles, a pressão
sobre estes países para cortar o crédito (única maneira de reduzir a oferta de moeda) era
redobrada.
É dificil avaliar o efeito de cada um destes movimentos separadamente. O
importante é que todos eles eram ‘pró-cíclicos’, isto é, reforçavam a tendência geral do ciclo de
conjuntura, que mergulhava em sua fase depressiva. A queda das exportações aos EUA
rapidamente se generalizou, pois induziu as outras nações a cortar as importações substituíveis de
todos os países. A difusão do protecionismo, originado pelos EUA, reforçou o declínio do
comércio internacional. As perdas de reservas justificavam políticas de restrição do crédito, que
diminuíam ainda mais as inversões e o consumo de bens duráveis. A queda da demanda gerava
superprodução, que fazia parte das empresas falir e as demais reduzirem produção e emprego. Os
desempregados eram forçados a cortar drasticamente o consumo familiar, o que agravava a
superprodução e multiplicava as falências e demissões.
A política fiscal se alinhava à orientação pró-cíclica das outras políticas: a queda
na atividade reduzia a receita fiscal e o equilíbrio orçamentário - meta indiscutível da ortodoxia exigia que, em conseqüência, o dispêndio público caísse na mesma medida. E isso numa
conjuntura em que o desemprego e as falências demandavam um aumento dos gastos sociais. Um
episódio revelador ocorreu na Inglaterra: “Mais significativo pelo seu impacto sobre a libra foi o
Relatório May, publicado em 31 de julho [de 1931] pedindo um corte nos benefícios aos
desempregados. As recomendações do comitê encabeçado por Sir George May eram
19
deflacionárias, sem contemplação, desejando a eliminação do déficit orçamentário esperado ... de
120 milhões de libras.” (Kindleberger, 1984, p.378).
A exigência do comitê foi encampada pelos banqueiros de Nova Iorque e Paris,
chamados a socorrer o Banco da Inglaterra, que procurava defender a conversibilidade da libra,
pedra de toque do padrão ouro internacional. Os empréstimos ao Banco da Inglaterra só seriam
aprovados se os benefícios aos desempregados fossem diminuídos. O governo britânico tentou
efetuar o corte, apesar de ser do Partido Trabalhista; o partido se cindiu e o governo caiu. Ramsay
MacDonald formou um novo governo, desta vez de coligação entre sua dissidência do Partido
Trabalhista e o Partido Conservador. Os banqueiros, em 28/8/31, concederam os empréstimos. O
governo, em seguida, apresentou uma proposta orçamentária ‘equilibrada’. O que não impediu
que, menos de um mês depois, o Banco da Inglaterra, com os cofres vazios, desistisse de defender
o valor da libra, detonando o padrão ouro de uma vez para sempre.
A rigor, o aumento do protecionismo não agravou a crise, apenas redistribuiu seus
efeitos, em prejuízo dos países mais abertos e mais dependentes do comércio internacional. Mas,
a crise tornou-se mundial, como nenhuma outra, e de intensidade e duração inéditas porque a
globalização aproximou as nações entre si e as homogenizou, do ponto de vista políticoideológico. Com a notável exceção da URSS, todos os governos eram partidários da ortodoxia
liberal, cujos dogmas sequer eram contestados pelos partidos de inspiração marxista. Estes
compartilhavam da idéia que a estabilidade do valor da moeda em ouro e o equilíbrio
orçamentário eram apanágio de qualquer governo ‘sério’ e que as conseqüências econômicas e
sociais desastrosas das políticas necessárias para atingir estas metas provavam mais uma vez que
o capitalismo não tinha mesmo conserto.
A fidelidade ao laissez-faire impunha políticas que, além de agredir os interesses
de todos os trabalhadores, empregados e desempregados, assalariados e por conta própria,
agravavam a crise. Os cortes no crédito apressavam e ampliavam a ruína de todos pequenos
empreendedores e de empresas médias e grandes também. Os cortes nos gastos sociais reduziam
os desempregados à miséria e ao desespero. Com o passar do tempo, começou a ficar cada vez
20
mais claro que a superação da crise exigia o abandono da ortodoxia liberal e de suas políticas prócíclicas. Não havia ainda uma teoria coerente, capaz de apontar as políticas econômicas anti-crise
mais prometedoras, mas a situação tornara-se tão desesperadora que passou a justificar qualquer
política que aliviasse o sofrimento dos pobres e diminuísse o excesso de oferta de produtos e de
força de trabalho em relação à demanda solvável.
Em termos mais teóricos, a conclusão que passou a se impor cada vez, foi a
seguinte: “Sob condições de laissez-faire e com um sistema de comércio aberto, uma depressão
em qualquer um dos grandes países fatalmente se difunde deste modo. Pois um sistema de
comércio aberto ou multilateral garante que qualquer mudança no nível de atividade em algum
ponto será transmitida ao perímetro do sistema. E o laissez-faire garante que nada será feito para
contrariá-la. Somente rompendo com a tradição de laissez-faire ou abandonando os princípios do
comércio multilateral, a depressão poderia ser parcialmente isolada e um nível relativamente
elevado de atividade e de comércio poderia ser mantido fora do centro infectado.” (Ellsworth,
1950, p.503)
6. A lenta e precária saída da crise via capitalismo dirigido
E foi aproximadamente isso que acabou sendo feito. O primeiro governo a
implementar políticas conscientemente anti-cíclicas, tendo por propósito elevar o nível de
produção e combater o desemprego, foi o sueco, eleito em 1932. Em janeiro do ano seguinte,
Franklin Delano Roosevelt assumiu a presidência dos
EUA
e
Adolf
Hitler
tornou-se
chanceler da Alemanha. Estes três governos, e mais o brasileiro de Getúlio Vargas, oriundo da
Revolução de Outubro de 1930, foram os primeiros a romper com o ideário liberal, provocando
déficits orçamentários, desvalorizando a moeda etc. para quebrar o ímpeto da crise e fazer a
economia crescer.
O que todas estas políticas tinham em comum era usar o gasto público para
alavancar o crescimento da demanda efetiva. A natureza do gasto tinha relação com as
prioridades políticas dos governos e a situação de cada país. Na Suécia estava no poder uma
coligação de social-democratas, representantes do operariado urbano, e agrários, representantes
21
do campesinato. O governo Democrata de Roosevelt representava mutatis mutandis os mesmos
interesses. Nestes países o gasto público dirigiu-se à assistência social, a obras públicas e ao
subsídio da agricultura. Na Alemanha, os nazistas também implementaram obras públicas mas
sua prioridade maior era o rearmamento do país. No Brasil, o governo começou a comprar a
produção agrícola que tinha perdido mercado, a começar pelo café. Quando os estoques ficaram
altos demais, os produtos eram destruídos, o que foi feito também por outros governos.
O primeiro instrumento de política anti-cíclica foi a fiscal, porque a monetária
estava paralisada pela própria crise. Ao cabo de três ou quatro anos de crise em contínuo
agravamento, a demanda ‘solvável’ por crédito tinha encolhido. Os negócios que sobreviviam não
precisavam de crédito porque o seu movimento era muito menor do que antes e podia ser
facilmente financiado por recursos próprios e ninguém pensava em ampliar a capacidade de
produção. Só precisava de crédito quem estivesse em sério perigo de falir e a estes desesperados
banqueiro algum emprestaria. No auge da crise havia excesso de oferta de tudo, inclusive de
crédito, e os juros eram muito baixos. Keynes generalizou esta situação, teorizando sobre a
‘armadilha da liquidez’. Depois que a economia retomou o crescimento, os governos que haviam
rompido com os princípios do laissez-faire fizeram aprovar leis que asseguravam abundante
oferta de crédito a juros baixos.
Com o passar do tempo, o êxito dos primeiros governos que intervieram
decididamente na vida econômica para reverter a depressão contaminou os demais governos, que
passaram a fazer a mesma coisa. Mudou a ortodoxia, que de liberal passou a ser intervencionista.
Esta mudança deu-se durante a meia dúzia da anos que separam o fundo da crise (1933) do início
da 2a.Guerra Mundial (1939). Para que esta mudança pudesse ocorrer, foi fundamental a
experiência traumática da Grande Crise, mas a Revolução Keynesiana na ciência econômica
também foi importante. Uma coisa era o pragmatismo de um Roosevelt ou de um Getúlio, que
agiam por tentativa e erro - como sempre, o único método de realizar descobertas revolucionárias
- e outra a necessidade de consolidar, num corpo sistemático de instrumentos de política
econômica, procedimentos empíricos que se mostraram eficazes para alcançar determinados
resultados. Em outras palavras, uma vez identificados os erros e as tentativas ‘acertadas’, torna-se
22
necessário generalizar o apreendido, destacar a cadeia causal de circunstâncias fortuitas para
poder praticar políticas previsíveis e mutuamente consistentes.
Keynes não só demonstrou que o mercado deixado a si mesmo tende a alcançar um
equilíbrio de emprego menos que pleno, como pregou com eloqüência a necessidade do estado
assumir definitivamente a liderança da vida econômica em cada nação para garantir a plena
utilização de seus recursos, inclusive e sobretudo a mão-de-obra. A teoria da demanda efetiva de
Keynes era exatamente o que faltava para complementar a ‘mão invisível’ do mercado com a
‘mão visível’ da sociedade politicamente organizada em estados nacionais. Começou a surgir um
consenso, que só atinge a plenitude após a 2a.Guerra Mundial, de que é normal que governos
gastem mais do que arrecadam, que bancos atendam todos os pedidos ‘legítimos’ de crédito
comercial, protegidos por um prestamista de última instância, que todos trabalhadores tenham
vários seguros sociais, inclusive contra o desemprego, e que o Estado preste diretamente serviços
públicos.
Em suma, a delimitação entre Estado e mercado ou entre o reino do bem-estar
coletivo e o da utilidade individual foi inteiramente refeita. No liberalismo, as únicas tarefas do
Estado no campo econômico eram administrar a oferta de moeda, de modo a estabilizar o seu
valor em ouro, e garantir juridicamente o cumprimento dos contratos. No capitalismo dirigido1, o
Estado é responsável pela manutenção do pleno emprêgo e adicionalmente pela estabilidade de
preços, pelo equilíbrio do Balanço de Pagamentos e por um vasto setor público, no qual se
desenvolve um sistema de seguridade conhecido como estado de bem-estar social. No capitalismo
liberal, o capitalista é dono de sua empresa e faz com ela quase tudo o que quiser. No capitalismo
dirigido, o capitalista tem parceiros (stakeholders) cujos direitos limitam em algum grau sua
liberdade de ação: os sindicatos com os quais mantém contratos coletivos, as autoridades
governamentais que lhe impõem normas ecológicas de conduta, consumidores que devem ser
1
Em trabalho anterior (Singer, 1984) usei, para designar o novo tipo de economia concebido nos anos 30, a
denominação ‘capitalismo planejado’, que hoje me parece inadequada. O capitalismo ‘keynesiano’ mantém a
economia regulada pelos mercados, cujo funcionamento no entanto é dirigido mediante a política monetária e fiscal.
A política econômica dirigista pode ser planejada, com fixação de metas de desempenho macro-econômico, mas
este aspecto não era essencial e de fato esteve ausente na maioria dos casos.
23
informados e protegidos e sobretudo órgãos reguladores que controlam suas operações cambiais e
financeiras, a localização de suas plantas etc., etc..
No contexto dos anos 30, de crise exacerbada e ruptura da solidariedade
econômica internacional, a instauração do capitalismo dirigido levou cada governo a fechar o
mercado interno para evitar que a demanda adicional, criada pelo expansionismo fiscal, pudesse
se evaporar mediante expansão de compras em outros países. Além disso, cada país procurava
evitar que o Balanço de Pagamentos se desequilibrasse. O que antes era feito mediante a
manipulação da oferta de moeda e de crédito passou a ser logrado mediante controles diretos
sobre as transações comerciais e financeiras com o resto do mundo. Os objetivos do capitalismo
dirigido, neste período, eram em síntese forçar o crescimento da demanda efetiva, direcioná-la
exclusivamente ao mercado interno e ao mesmo tempo conquistar a maior área possível para a
economia nacional nos mercados externos.
Uma das medidas adotadas para atingir estes objetivos foi a depreciação da moeda,
o que tornava as exportações mais baratas em moeda estrangeira e as importações mais caras em
moeda nacional. A depreciação, tudo o mais constante, deve aumentar o volume exportado e
diminuir o importado. O tudo o mais constante se refere aos outros países. Se um país deprecia a
moeda, os efeitos esperados só se dão se os demais países, com que comercia, mantiverem
constante o valor de suas moedas. Mas não havia qualquer razão para que os outros governos
fizessem isso.
“...foi generalizada a depreciação, com o abandono do padrão-ouro, em relação ao
dólar, entre 1929 e 1932. Era a resposta de 11 dos 18 países arrolados à queda da demanda
americana por seus produtos. Em 1933, foi o dólar que se desligou do ouro e se depreciou, no que
foi acompanhado pelos demais países, exceto Dinamarca, Argentina e México. Entre 1932 e
1934, os EE.UU. lograram depreciar sua moeda em relação aos outros 15 países, particularmente
em relação à França, Suiça, Bélgica, Holanda e Itália. Mas, entre 1934 e 1936, todos estes cinco
depreciaram suas moedas em relação ao dólar, no que tiveram a companhia de mais a
Tchecoslováquia e o Brasil. E entre 1936 e 1939, houve outras numerosas depreciações em
24
relação ao dólar, embora em geral pequenas, exceto a França, que depreciou sua moeda em 43,7%
e o México que o fez em 27,6%. Os países que mais depreciaram suas moedas foram os três
latino-americanos (Argentina, México e Brasil) e o Japão.” (Singer, 1984, p.7 a 9)
As depreciações se davam em ondas, que se anulavam reciprocamente. Estas ondas
devem ter anarquizado consideravelmente o sistema internacional de pagamentos, pois cada vez
que uma moeda era depreciada havia uma transferência de valor dos credores aos devedores. Mas,
esta transferência só emergia mediante a conversão do valor das dívidas nas moedas não
depreciadas. Tão logo algumas destas também eram depreciadas, o efeito anarquizante se repetia:
os devedores de somas denominadas nas moedas recém depreciadas ganhavam em detrimento dos
credores, mas a transferência de valor de credores a devedores decorrente de depreciações
anteriores de outras moedas era anulada. Como as depreciações se davam em ondas, os efeitos
redistribuidores de cada uma eram diluídos pelas seguintes. Em suma, cada onda depreciadora
anulava em parte os efeitos financeiros e comerciais das anteriores e produzia efeitos que
duravam até a onda seguinte. O resultado global era uma oscilação contínua do valor de débitos e
créditos, aumentando os riscos das transações internacionais.
À medida que as depreciações perdiam eficácia, alguns governos passaram a
instaurar regimes de controles cambiais. O governo ou o banco central tornavam-se os únicos
compradores e vendedores de divisas estrangeiras. Isso facilitava não só eventuais depreciações
como a adoção de taxas múltiplas de câmbio. O governo por exemplo poderia estimular a
importação de bens considerados indispensáveis e desestimular a de bens supérfluos ou já
fabricados em território nacional. Poderia vender aos importadores dos primeiros dólares mais
baratos do que aos importadores dos últimos. E para maximizar a exportação, o governo poderia
comprar as divisas por taxas mais elevadas dos setores com custos mais altos que os preços
(formados pela competição nos mercados internacionais) e por taxas menores dos setores com
custos mais baixos que os preços ‘internacionais’.
Além disso, o controle cambial possibilitava a instauração do racionamento de
divisas. Antes de haver controle, cada agente econômico adquiria no mercado a moeda
25
conversível que desejasse, sem dar satisfações a quem quer que seja sobre o que iria fazer com
ela. Mas, quando o governo ou o banco central se tornou o monopolista do câmbio, ele passou a
elaborar um orçamento cambial, destinando determinadas quantias para importações de distintas
categorias de mercadorias e outras para remessas financeiras, remessas de capitais, remessas de
interesse pessoal etc.. Cada agente tinha que se candidatar à aquisição de divisas conforme a
destinação que pretendia para elas. A autoridade cambial visava não só equilibrar o Balanço de
Pagamentos, evitando que a saída de divisas superasse sua entrada, mas submeter a utilização das
divisas a prioridades ‘nacionais’, que cabia a ela determinar.
Como a maioria dos países passou a controlar o câmbio, o seu efeito sobre a
globalização não podia ser grande. Cada país só importava o indispensável e restringia a pequena
exportação de capital que eventualmente poderia ter lugar, de modo que as exportações de todos
os países não tinham mercados para crescer e as transações financeiras internacionais estavam
reduzidas ao mínimo. A globalização estava estrangulada pelas políticas de defesa do Balanço de
Pagamentos, que inclusive ocasionava escassez de meio circulante internacional. A maior parte
do ouro estava depositada nos EUA e os outros países que dispunham de algum tratavam de
impedir o seu gasto. E as ondas de depreciação tinham tornado as moedas nacionais
‘inconversíveis’, ou seja, não se podia confiar que seu valor relativo permanecesse constante. A
inexistência de um sistema internacional de pagamentos, como o padrão-ouro, dificultava as
trocas entre os países. Aconteceu o que tinha de acontecer: cada vez mais países passaram a
recorrer ao escambo.
Países que mantinham intenso intercâmbio comercial passaram a cotar mercadorias
em ‘moedas-convênio’. Estas moedas eram criadas por convênios bilaterais, em que cada parceiro
oferecia ao outro uma lista de mercadorias com preços digamos em dólares, libras ou marcos.
Importadores de cada país faziam pedidos de mercadorias das listas em valor global igual ao dos
pedidos do parceiro, de modo que - por construção do convênio - o intercâmbio não deixaria
saldo. Era um sistema engenhoso de troca direta ou escambo, em que o dinheiro só entrava como
moeda de conta. À medida que convênios desta natureza se multiplicavam, o multilateralismo do
padrão-ouro foi sendo substituído pelo bilateralismo das moedas-convênio.
26
No multilateralismo não há necessidade de equilíbrio no intercâmbio entre cada
par de países. O país A pode comprar muito de B sem nada vender a ele; em compensação vende
a C e a D e com o dinheiro ganho destes países paga a B. O equilíbrio desejável no
multilateralismo é procurado entre vendas e compras de cada país com o conjunto de todos os
outros países. Ele se torna possível pela existência de uma moeda internacional - que tinha sido o
ouro - graças à qual todos os preços podiam ser denominados na mesma unidade, tornando-se
comparáveis, e os saldos entre os pares de países podiam ser facilmente compensados. O
multilateralismo contribuía para a unificação dos mercados nacionais em um mercado global, no
qual havia mais concorrência do que nos mercados nacionais isolados. A concorrência estimulava
o aumento da produtividade e, de forma mais geral, o desenvolvimento das forças produtivas.
No bilateralismo, as vantagens da globalização se limitam aos dois países
envolvidos. O mercado global é segmentado em muitos mercados bilaterais, entre os quais não há
comunicação. Além disso, o desequilíbrio entre países grandes e pequenos, avançados e atrasados
etc., que sempre marcou a economia internacional, é agravado pelo bilateralismo porque em geral
ele é praticado pela grande potência com cada país dela dependente. O país dependente passa a
vender sobretudo à potência com que tem convênio e conseqüentemente também passa a
sobretudo comprar dele. A satelização dos pequenos pelos grandes se intensifica.
7. O imperialismo dirigido: expansionismo militar x retomada do multilateralismo
O capitalismo dirigido tornou-se rapidamente um instrumento do imperialismo,
que continuava sendo a política das grandes potências. Cada uma a seu modo tratou de garantir o
máximo de ‘área econômica’ para sua indústria nos mercados externos e ao mesmo tempo
utilizou os novos procedimentos de política comercial e cambial para subordinar politicamente os
países de sua área de influência.
A Grã Bretanha, campeã do livre câmbio desde o século passado, finalmente
aderiu ao protecionismo mediante o Import Duties Act, aprovado em 1932. A política adotada foi
a de preferência imperial: a tarifa inicial de 10% (posteriormente elevada) não gravava as
27
importações provenientes de outras partes do império. Obviamente a Grã Bretanha esperava que
estas últimas adotassem medidas que dessem preferência aos produtos britânicos, em sua maioria
manufaturados. Mas, os Domínios (Canadá, Austrália, África do Sul) estavam interessados em
promover a sua própria industrialização e por isso não queriam reduzir a proteção contra a
competição britânica. “Embora tenham baixado algumas tarifas sobre importações do Reino
Unido e abolido algumas proibições e sobretaxas, o principal método pelo qual os domínios e a
Índia deram preferência ao Reino Unido (e em alguma medida uns aos outros) foi aumentar as
tarifas sobre bens estrangeiros.” (Ellsworth, 1950, p.528) Obviamente a autoridade imperial
britânica já estava enfraquecida e não tinha como se impor aos interesses industrializadores em
sua própria periferia. Mesmo assim, o império britânico se tornou um bloco econômico
relativamente fechado para os de fora.
A Alemanha sob domínio nazista partiu para a prática de políticas imperialistas
agressivas, em grande medida visando fortalecer-se como potência militar. Não tendo mais
colônias, a Alemanha hitlerista se dispôs a partir para o expansionismo territorial na Europa
mesmo. Em 1938, anexou a Áustria, pouco depois fez o mesmo com a região dos Sudetos,
pertencente à Checoslováquia, a qual anexou informalmente em seguida. E atacou a Polônia em
1/9/1939, o que desencadeou finalmente a 2a.Guerra Mundial. A construção da máquina de
guerra necessária a este expansionismo era o objetivo primordial de sua política comercial e
cambial.
Ao contrário dos outros países, os alemães deixaram o marco supervalorizado, o
que lhes garantiu termos de troca favoráveis: exportações caras e importações baratas. No
ambiente de escassez generalizada de mercados, os alemães ofereciam aos seus parceiros
comerciais - em sua maioria países agrários, exportadores de matérias primas - acordos de
compensação cambial em que os pagamentos eram feitos em moeda nacional. Fechados estes
acordos, os alemães tratavam de importar tudo o que lhes interessava do ponto de vista militar.
Como os produtos alemães de exportação estavam relativamente caros, os países fornecedores
acumulavam saldos credores ‘bloqueados’, que poderiam receber apenas fazendo compras na
Alemanha. Em vez de se garantir mercados cativos, como os britânicos, os alemães se
28
aproveitavam do fato de serem a maior economia da Europa para arregimentar fornecedores
cativos, os quais no final tinham que acabar se tornando também compradores de seus produtos
ou então financiadores sem juros de sua acumulação de capital2.
Esta política acabou ligando economica e politicamente à Alemanha os países
balcânicos, a Hungria e a Turquia. Na América Latina, a Alemanha entrou em competição com os
EUA, que era a potência dominante na área. Manejando com desenvoltura a centralização
cambial, a Alemanha oferecia descontos tentadores para fechar acordos de escambo com países
sufocados pela falta de escoadouros para sua produção primária. Assim, a Alemanha trocou
carvão no valor de 9 milhões de marcos por café brasileiro; em outro escambo, a Alemanha
trocou fertilizante por algodão egípcio. (Ellsworth, 1950, p.632). Levando o dirigismo econômico
às últimas conseqüências, a Alemanha oferecia não só descontos por seus produtos mas prêmios
pelos produtos que desejava importar. Dispunha-se a pagar preços de um a dois terços majorados
por matérias primas, desde que, é claro, estes créditos em marcos especiais fossem gastos com
produtos alemães.
Os Estados Unidos desenvolveram políticas opostas. Sendo a potência maior, com
produtividade do trabalho bem mais alta do que a dos outros países, os EUA gozavam de
superioridade competitiva na maioria dos mercados. Interessava-lhes portanto a restauração dum
comércio internacional multilateral. Além disso, o capitalismo dirigido do New Deal
rooseveltiano nunca deixou de ser internacionalista em certa medida. Cordell Hull, o Secretário
de Estado, era “um ardente livre-cambista, [que] via a multiplicação de barreiras ao comércio
com consternação. Estava convicto que a recuperação nacional exigia a recuperação do comércio
mundial.” (Ellsworth, 1950, p.546)
Em 1934, os EUA aprovaram o Trade Agreements Act, pelo qual o Presidente
estava autorizado a negociar acordos de redução de tarifas de até 50% com outros países. Esta
política era estritamente bilateral, à medida que cada acordo de redução recíproca de tarifas ligava
2
Os países que acumulavam saldos credores bloqueados na Alemanha não recebiam juros sobre os mesmos. Pelo
tempo em que estes saldos permaneciam sem utilização eles constituiam inversões externas não-remuneradas na
Alemanha.
29
os EUA a um outro país. Mas, os Estados Unidos já eram o maior mercado do mundo, de modo
que este tipo de acordo era muito atraente aos outros países, pois ganhavam acesso a um mercado
muito mais amplo do que o que abriam aos produtos ‘americanos’. Até o início da 2a.Guerra
Mundial, 21 acordos desta espécie tinham sido celebrados.
É concebível que os numerosos parceiros comerciais dos EUA, que liberalizaram
seu intercâmbio comercial com eles, tenham sido encorajados a celebrar acordos análogos entre
si. É o que sugere Kindleberger (1970, p.118): “O segundo grande movimento moderno para a
redução das barreiras ao comércio, iniciado pelos Estados Unidos com o Reciprocal Trade
Agreements Act de 1934 e culminando com o Trade Expansion Act de 1962 foi marcadamente
recíproco3. (...) A redução recíproca de tarifas e quotas desfez a erecção recíproca de barreiras
comerciais durante a Depressão e a guerra.”
A lei de 1934 marca uma reviravolta não só da tendência mundial de fechamento
ao comércio, nos anos 30, mas também da tradição histórica dos próprios EUA, que foi
consistentemente protecionista durante os 70 anos que se seguiram à Guerra Civil. O
protecionismo era promovido por grupos de interesses especiais, que logravam influenciar o
Legislativo. Mas, em 1934, o problema que se sobrepunha a todos os outros era o enorme
desemprego e havia a esperança de que a recuperação do comércio mundial reforçaria a demanda
externa por produtos ‘americanos’. “Parece assim que nossa conjectura de que o desemprego
elevado deveria tornar menos importantes os conflitos entre os grupos de interesse especial é
coerente com os indícios de que a influência política dos protecionistas não constituía uma força
importante na elaboração da Lei de Acordos Comerciais Recíprocos. As conseqüências da
promoção do comércio sobre a redistribuição da renda não foi uma consideração primordial. O
que estava em jogo eram os efeitos previstos sobre a produção total e o emprego.” (Cuddington e
McKinnon, 1979, p.28)
3
Em contraste com o primeiro movimento, promovido pela Grã Bretanha em meados do século XIX, que foi
unilateral, no sentido que a abertura do mercado britânico às importações não foi condicionada à abertura dos outros
mercados nacionais.
30
Há muitos elementos que devem ter contribuído para a reviravolta ‘americana’ a
favor do multilateralismo. O primeiro talvez tenha sido a volta dos Democratas ao poder, com
Roosevelt, em 1933. Ao contrário dos Republicanos, a tradição dos Democratas, como
representantes dos interesses agrários, era livre cambista. Cordell Hull não era uma exceção mas a
regra. Além disso, a experiência de após a Grande Guerra reafirmava a superioridade competitiva
da indústria e da agricultura dos EUA nos mercados mundiais. O lapso protecionista anterior, da
Lei Smoot-Howley (vide Secção 5) se explica pelo fato do governo então ser Republicano e pelos
temores provocados pelo início da Grande Crise. Quatro anos depois, o isolacionismo começa a
ser rompido e os EUA do New Deal se aprestam finalmente a assumir o papel de liderança a que
vinham se furtando.
Nos anos que precedem a 2a.Guerra Mundial, dois modelos imperialistas se
confrontavam. O modelo nacionalista do expansionismo nazista, que apostava no poder militar
para a conquista da hegemonia política e econômica e para tanto levava o bilateralismo às últimas
conseqüências. E o modelo internacionalista do dirigismo democrático ‘americano’, que apostava
nos princípios do multilateralismo e da liberdade de comércio, mas nos quadros de um
capitalismo firmemente dirigido por um Estado comprometido com o desenvolvimento e a plena
utilização dos recursos. O confronto entre os dois modelos será resolvido nos campos de batalha
da 2a.Guerra Mundial.
8. Substituição de importações: globalização nacional e desglobalização mundial
A substituição de importações é o caminho natural e inevitável para a
industrialização de economias retardatárias. Na divisão internacional de trabalho entre países
industrializados e agrários, os últimos importam manufaturas e exportam produtos primários. A
industrialização dos países agrários nega esta especialização e trata portanto de substituír
paulatinamente manufaturas importadas por produção nacional. Uma estratégia alternativa seria
industrializar os produtos exportados, transformando-os de primários em processados. Esta
última, no entanto, oferece perspectivas muito restritas à medida que a pauta de exportação de
economias agrárias ou extrativas tende a ser muito pouco diversificada.
31
A substituição de importações ocorre praticamente em todos os países, mesmo
quando não é promovida deliberadamente pelo Estado. Mas, ela tem um escopo limitado pelo
tamanho do mercado interno, que em geral é proporcional ao tamanho da população. Países de
população escassa esgotam com certa rapidez os ramos industriais que podem ser implantados
neles com um mínimo de eficiência, pois a maioria deles requer escalas de produção mais amplas
do que o seu mercado comporta. Nestes países, a etapa de industrialização por substituição de
importações chega logo ao fim e é seguida - se o desenvolvimento prossegue - por outra etapa, na
qual a industrialização se volta para fora, ou seja, em que o crescimento industrial se dá pela
conquista de mercados externos. Países de grande população permanecem na industrialização por
substituição de importações por muito mais tempo e acabam formando parques industriais mais
diversificados, compostos possivelmente por todos os ramos de produção industrial.
*****
Nos anos 30, a dramática contração do comércio mundial resultou em substituição
generalizada de importações. Como vimos, a queda do comércio foi menos causa do que
conseqüência da substituição de importações. Esta surgiu como uma reação quase instintiva face
à Grande Crise. Mesmo os maiores exportadores de manufaturas, como os EUA , a Alemanha e a
Grã Bretanha fecharam mais os seus mercados internos na vã tentativa de conter o crescimento do
desemprego. O efeito líquido da substituição de importações sobre o emprego, em países
industrializados, é muito dificil de aquilatar, pois resulta da diferença entre o aumento do
emprego gerado pelo acréscimo da produção nacional que substitui as importações e a diminuição
do emprego ocasionado pela queda das exportações.
Convém notar que, nos países industrializados, boa parte da substituição de
importações foi de produtos importados ‘naturais’ por outros ‘artificiais’. Foi uma oportunidade
de ouro para a indústria química, liderada pela Alemanha, que desenvolveu diversos produtos
sintéticos, da gasolina e da borracha aos plásticos. Na Alemanha nazista, a procura da autarquia
foi deliberada e a introdução de cada Ersatz [substituto] era festejada como um triunfo da nação e
do regime. A substituição do café pela chicória tornou-se célebre.
32
Em países retardatários com alguma industrialização, como os da América Latina e
do Extremo Oriente (Japão, Índia), a substituição de importações já vinha se processando, em
geral desde o fim do século anterior. Mas, tomando o Brasil como caso ilustrativo, a
industrialização avançava saltando obstáculos. A substituição de importações sofria a oposição
dos consumidores de classe média, que perdiam o acesso a produtos importados, e dos
representantes da agricultura de exportação, temerosos de represálias por parte dos países cujos
produtos eram excluídos do mercado nacional. Além dos livre-cambistas doutrinários, muito
influentes sobre a opinião pública antes que a Grande Crise completasse sua obra demolidora. No
caso brasileiro, a burguesia industrial integrava a elite dominante, mas apenas como um apêndice
da poderosa oligarquia caféeira. Com o colapso da exportação de café, a relação de força entre
estas frações começou a se inverter.
O que fez a grande diferença não foi a ruina do capital agro-exportador mas a
emergência do capitalismo dirigido. Como vimos, o Brasil foi um dos pioneiros desta ‘grande
transformação’, como a denominou Karl Polanyi. A partir de meados dos anos 30, o governo de
Getúlio Vargas assumiu a industrialização por substituição de importações como sua maior
prioridade. A partir de então, o Estado passou a liderar sistemáticamente o processo, através de
inversões públicas na infra-estrutura de transporte, energia e comunicações e na indústria pesada,
além de uma política de comércio externo que protegia seletivamente os ramos emergentes e
racionava as divisas, destinando-as à importação de insumos aínda não produzidos no país. O
financiamento pelo Banco do Brasil (a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial foi criada em
1936) da agricultura e indústria substituidoras de importações também teve importância
estratégica.
Os anos 30 foram cruciais para o longo período de desenvolvimento brasileiro, que
se estendeu pelos 50 anos seguintes. Foi nos 30 que o país superou o seu ‘destino exclusivamente
agrícola’ e lançou as bases econômicas e institucionais no que acabou sendo um dos mais
formidáveis processos de desenvolvimento do mundo. O caso do Brasil foi notável mas não
único. A maioria dos países grandes e médios da América Latina desenvolveu-se de maneira
33
semelhante, embora mais lenta ou sincopada. E na Ásia, o império japonês (incluíndo a Coréia e
Taiwan) também conheceu intenso desenvolvimento.
*****
Dissemos acima (Secção 1) que “a globalização, como a conhecemos nas últimas
décadas do século XX, resulta da superação de barreiras à circulação internacional de mercadorias
e de capitais. Trata-se de uma expansão dos mercados, antes contidos em fronteiras nacionais ou
dentro de blocos regionais de comércio.” Nesta conceituação, a globalização é vista
essencialmente como expansão dos mercados no espaço internacional, ou seja para além das
fronteiras nacionais ou de blocos comerciais. Mas, convém ampliar o conceito de globalização
para que abarque também a expansão dos mercados no espaço nacional. Afinal de contas, os
efeitos econômicos são os mesmos: aumenta a concorrência e a escala de produção, possibilita o
emprego de técnicas mais avançadas e o aumento da produtividade, elimina do mercado as
unidades menos eficientes e as formas pretéritas e ultrapassadas de produção. Socialmente há
progresso e simultâneamente aprofundamento da desigualdade, regional e de rendimento, com
crescente exclusão dos ‘menos aptos’.
Nesta reformulação conceitual cabe distinguir pois globalização nacional e
globalização mundial. A globalização nacional é o processo de remoção das barreiras
institucionais ao comércio e de superação das distâncias à movimentação de pessoas, mercadorias
e mensagens dentro dos territórios nacionais. A globalização mundial é este processo em escala
internacional.
*****
O processo de industrialização por substituição de importações, que recebeu forte
impulso com a emergência do capitalismo dirigido nos anos 30, acabou sendo também, sobretudo
nos países de vasto território, um processo de globalização nacional. Estamos nos referindo
evidentemente a países retardatários, cuja unificação territorial estava longe de estar completada.
34
A aceleração do desenvolvimento, lograda pelo pleno envolvimento do aparelho de estado na
construção industrial, teve como um dos seus aspectos fundamentais a criação do ‘mercado
nacional’. Para tanto foi necessário eliminar os óbices fiscais que oneravam o comércio
interregional e construír redes de transporte e de comunicação que unificassem em plano nacional
os mercados não só de mercadorias mas também de trabalho e de capitais.
No Brasil, antes da Revolução de 1930, impostos estaduais gravavam mercadorias
vindas de outros estados. O regime que emergiu da Revolução eliminou estas barreiras e desde
então cuidou-se para que impostos indiretos não discriminassem produtos originários de fora da
região. Mas, isso foi menos importante para a formação do mercado nacional do que a unificação
física do território, o que requereu grandes investimentos na infra-estrutura. O Brasil dispunha de
redes ferroviárias, que em cada região ligavam o interior ao principal porto; mas a articulação
entre as regiões fazia-se apenas pela navegação de cabotagem ao longo do extenso litoral do país
e por algumas vias fluviais. A construção de uma rêde rodoviária nacional começou nos anos 30 e
foi completada, no essencial, em 1960, quando a capital foi transferida para Brasília, que se
encontra no centro da rêde.
As duas primeiras revoluções industriais criaram o que veiu a ser chamado de
externalidades, das quais o desenvolvimento industrial passou a depender. Estas externalidades
são constituídas pelos meios de transporte e comunicação e pelos sistemas energéticos modernos,
que não podem ser construidos e operados pelos próprios usuários, como era comum no mundo
pré-industrial. Produtores e consumidores passaram a utilizar redes de transporte sobre trilhos,
sobre pneus, marítimos e aéreos que exigem vasta infra-estrutura de vias, portos, armazéns etc.. O
mesmo vale para a comunicação por meios elétricos e eletrônicos e para a geração ou extração de
fontes de energia, sua transformação e distribuição. Os serviços que são prestados mediante esta
infra-estrutura são monopólios naturais, na maioria dos casos, o que exige sua regulamentação
pelo poder público. As economias externas indispensáveis à produção, distribuição e consumo
dependem de redes de serviços que não podem deixar de ser públicos, no sentido de estarem
acessíveis a todo o público em condições equânimes.
35
Até a emergência do capitalismo dirigido, os serviços públicos eram
frequentemente construídos e operados por capitais privados, que obtinham concessões do Estado
e se submetiam a sua supervisão. Nos países retardatários, só havia serviços públicos nas áreas
mais desenvolvidas, onde o mercado era suficiente para que os concessionários não tivessem
prejuízo. Em áreas mais atrasadas, estes serviços inexistiam ou funcionavam a custa de subsídios
que o Estado pagava aos concessionários. Quando a economia entrava em crise (como nos anos
30), a demanda pelos serviços de transporte, comunicação e energia estagnava ou caía, tornando a
sua operação pouco atraente ao capital privado. A fixação de tarifas pelo poder público era quase
sempre conflituosa, pois o público consumidor pressionava por tarifas reduzidas, o que
contrariava os concessionários; se o governo atendia os consumidores e fixava as tarifas em nível
baixo, reduzindo a lucratividade das concessões, as empresas deixavam de investir na expansão
das redes e, em casos extremos, chegavam a negligenciar a sua manutenção.
Um dos principais resultados da adoção do dirigismo desenvolvimentista nos
países retardatários foi a estatização dos serviços públicos, que se iniciou nos anos 30 e
prosseguiu nas três décadas seguintes. A operação estatal destes serviços permitiu subsidiar
consumidores industriais, agrícolas, minerais e residenciais através de tarifas baixas, pois as
empresas estatais de transporte, comunicações e de energia não tinham de ser lucrativas. Além
disso, a ampliação das redes nas regiões mais atrasadas pôde ser implementada dentro de
estratégias de desenvolvimento regional. Deste modo, foi removido um grande obstáculo para a
globalização nacional.
A partir dos anos 80, acentuou-se a crítica às empresas estatais prestadoras de
serviços públicos. Estas críticas centram-se em sua não-lucratividade, que seria uma
demonstração de ineficiência, atribuída ao empreguismo, à corrupção, ao favoritismo corporativo
e ao desleixo. Embora estes vícios provavelmente existam em todas empresas de grande tamanho,
o liberalismo redivivo argumenta que eles são inevitáveis em qualquer estatal por ser monopolista
e por poder acumular prejuízos sem perigo de quebrar. Em conseqüência, as empresas que foram
estatizadas com inegável êxito - no caso brasileiro, a estatização abriu um sensível ponto de
estrangulamento - estão agora sendo privatizadas novamente.
36
Nos anos 30, o capitalismo dirigido deu grande impulso à industrialização por
substituição de importações, unificando os mercados internos de países de grande extensão, ou
seja, realizaram em escala significativa globalizações nacionais. Mas, ao mesmo tempo, as
políticas de defesa do balanço de pagamento, essenciais para intensificar a substituição de
importações, causaram o que só pode ser chamado de desglobalização mundial. Pois à integração
econômica em nível nacional correspondeu a desintegração da economia em nível mundial. Os
anos 30 constituíram muito provavelmente o único período da história moderna em que o
comércio internacional retrocedeu sem haver guerra mundial.
37
TABELA 2
PRODUÇÃO, EXPORTAÇÃO E IMPORTAÇÃO INDUSTRIAL 1929-37
(valores em bilhões de dólares de 1955)
PRODUÇÃO
EXPORTAÇÃO
IMPORTAÇÃO
29
37
29
37
29
92,5
100,8
23,4
19,4
11,3
EUA
46,5
47,7
5,1
4,1
1,7
Reino Unido
10,6
14,1
5,2
4,0
2,1
Alemanha
13,4
16,5
4,8
3,2
1,1
Japão
1,6
2,8
0,8
1,9
0,53
Semi-industriais
4,4
6,1
5,2
Austrália
1,04
1,46
0,81
Índia
1,08
1,65
Argentina
1,12
1,39
Países
37
Industriais
8,0
1,3
1,7
0,5
0,47
4,5
0,66
0,42
0,48
1,16
0,80
1,06
0,73
38
Chile
0,18
0,23
0,27
0,12
Restantes
7,37
7,38
MUNDO
96,9
106,9
23,8
19,9
23,8
19,9
FONTE: Maizels, 1965 Tab.E3, A6 a A11
Como se pode ver na Tabela 2, entre 1929 e 1937, a produção industrial no mundo
cresceu cerca de 10%, passando de 96,9 para 106,9 bilhões de dólares, ao passo que o valor das
exportações industriais mundiais caiu mais de 16%, passando de 23,8 para 19,9 bilhões. Estes
valores dão uma idéia da desglobalização havida. Após a queda da produção, causada pela crise
de 1930-33, houve uma recuperação, mas predominantemente por substituição de importações.
Por isso, o nível de produção atingido em 1937 ultrapassa a marca de 1929, mas o comércio
internacional de manufaturas permanecia cerca de um sexto abaixo do nível anterior à crise.
É interessante observar como este processo ocorreu nos países industrializados e
semi-industrializados. A desglobalização foi mais intensa nos primeiros, cujas importações
industriais caíram quase 30%, passando de 11,3 bilhões em 1929 para 8 bilhões de dólares em
1937. Nos países semi-industriais, as importações industriais também caíram, mas menos: eram
5,2 bilhões em 1929 e 4,5 bilhões em 1937, denotando uma redução de pouco mais de 13%.
Aparentemente, os países industriais substituíram mais importações do que os semi-industriais,
mas isso não foi assim. É que um país industrial, quando substitui importações industriais, em
geral expande atividades que já possuia previamente, do que resulta uma queda líquida do total
importado. Mas, em países em desenvolvimento, a substituição de importações implica na
implantação de novas atividades, que em geral demandam insumos importados. O que se dá é
menos uma redução do que uma alteração da pauta de importações: o lugar dos produtos finais,
39
que foram substituídos por produção nacional, passa a ser ocupado por insumos, tais como
componentes, matérias primas e equipamentos.
É interessante notar que, entre os países industriais, a importação de manufaturas
cai mais na Alemanha (-54,5%), que praticava uma política deliberada de substituição de
importações. Bem menor é queda das importações na Grâ Bretanha (-19%), EUA (-23,5%) e
Japão (-11,3%). O Japão representa o caso oposto da Alemanha: sua produção industrial cresce
intensamente - 75% entre 1929 e 37 - e suas exportações industriais neste período mais do que
dobram, passando de 0,8 para 1,9 bilhões de dólares. Os dois países, com regimes semelhantes
nos anos 30, estavam empenhados no expansionismo territorial via força armada. Mas, a
Alemanha até 1937 se limitou a recuperar sua economia através da procura estatal,
particularmente do rearmamento. O Japão já tinha se apoderado da Coréia e de Taiwan e estava
ocupando a Mandchúria, numa série de guerras de agressão à China. Por isso, o Japão pôde saír
da crise rapidamente e entrar num ciclo de crescimento, em parte apoiado no que se poderia
chamar de globalização imperial.
Curso análogo foi o da Grã Bretanha, porém defensivo. O vasto império britânico,
em que o sol jamais se punha, oferecia amplo mercado para substituição de importações e
também para globalização imperial. Entre 1929 e 37, a produção industrial britânica aumentou
33% (bem mais que a alemã, cuja expansão ficou em 23,1%). É bem possível que a
industrialização de partes do império tenha aberto um mercado em que a indústria britânica de
equipamentos e componentes tinha uma posição privilegiada. Na Tabela 2 pode-se ver que, no
mesmo período, a produção industrial na Índia passou de 1,08 para 1,65 bilhão, denotando um
crescimento de 52,8% e na Austrália ela passou de 1,04 para 1,46 bilhão, com 37,7% de
crescimento.
Finalmente, a América Latina, representada por Argentina e Chile na Tabela 2, foi
cenário de intensa globalização nacional nos anos 30. Como mostram os dados da tabela, os dois
países expandiram sua produção manufatureira e reduziram as importações industriais, num
processo típico de substituição de importações. Os regimes nacionalistas e populistas de Getúlio
40
Vargas no Brasil e de Cardenas no México lançaram os fundamentos de uma estratégia de
desenvolvimento que posteriormente seria incorporada numa teoria séria pelos estudiosos da
CEPAL, que desempenharia no Terceiro Mundo, após a 2a.Guerra Mundial, um papel análogo ao
da Revolução Keynesiana no Primeiro Mundo.
9. A 2a.Guerra Mundial
A Segunda Guerra Mundial começou pontualmente na data em que Hitler marcou
a invasão da Polônia: 1 de setembro de 1939. Ao contrário da anterior, esta guerra mundial foi
deliberada e planejada pelo regime nazista alemão, que pretendia não só revogar os efeitos da sua
derrota na 1a.Guerra Mundial mas expandir o seu Lebensraum [espaço vital] para o Oriente, num
programa de conquista e de ‘limpeza racial’ que o mundo jamais viu igual. Para executar este
programa, Hitler fechou uma aliança com dois outros governos - da Itália e do Japão - que eram
governados por regimes semelhantes, ditatoriais e expansionistas, e estavam confinados no
cenário mundial pela hegemonia das grandes potências: Grã Bretanha, França e Estados Unidos.
A formação do Eixo deu à guerra um perfil ideológico ausente das guerras
internacionais anteriores. Na Grande Guerra, os dois lados eram constituidos predominantemente
por regimes políticos liberais, sob forma monárquica ou republicana. Os impérios russo e turco
eram mais autoritários, o que não impediu que lutassem em lados opostos. Em suma, as duas
coligações que se enfrentaram não se distinguiam do ponto de vista político-ideológico ou
institucional. Estavam na disputa interesses imperiais e nacionais, não projetos rivais de
sociedade. A 2a.Guerra Mundial foi completamente diferente. Hobsbawm (1994, p.146) chamoua “uma guerra civil ideológica internacional.” O Eixo, que provocou a guerra e portanto definiu
os alinhamentos contrapostos, tinha como propósito estender ao mundo, ou ao menos à Europa e
à Ásia, regimes totalitários moldados nos três que compunham a aliança.
O caráter ideológico, conferido à 2a.Guerra Mundial pelo Eixo, contrastava com a
confusão reinante no outro lado, composto pelas democracias. O fato é que estas não estavam em
ofensiva e nem cogitavam impor ao resto do mundo regimes políticos semelhantes aos seus. O
que já tinha ficado claro durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39), na qual nazistas e fascistas
41
intervieram abertamente a favor de Franco, enquanto os governos das democracias praticavam a
‘não-intervenção’. O regime republicano espanhol acabou tendo como único aliado externo a
URSS, preocupada com toda razão com o expansionismo nazi-fascista. Britânicos e franceses só
se decidiram a uma aliança defensiva com as outras nações ameaçadas por Hitler, quando ficou
sobejamente claro que seria impossível detê-lo sem o uso da força. Nesta altura, as mãos de
Roosevelt continuavam amarradas pelo isolacionismo, embora o presidente ‘americano’ já tivesse
plena certeza que a presença do país na Guerra Mundial seria não só inevitável, mas
imprescendível.
Em agosto de 1939 não pairavam mais dúvidas que a Alemanha atacaria a Polônia
e que esta teria o apoio da França, da Grã Bretanha e da União Soviética. Mas, enquanto a aliança
defensiva procurava se organizar, o governo polonês reiterava aos aliados que não permitiria a
entrada do exército soviético em seu território para ajudar na defesa contra a agressão alemã. Ora,
somente a URSS tinha fronteiras com a Polônia e poderia portanto intervir diretamente na luta. A
recusa polonesa desfez, práticamente na véspera da guerra, a aliança que poderia ter equilibrado o
embate. Numa jogada sensacional, Hitler abriu negociações secretas com Stalin, que não hesitou
em jogar com pau de dois bicos. Enquanto uma missão militar anglo-francesa negociava em
Moscou uma aliança que a negativa polonesa inviabilizava, a Alemanha nazista e a União
Soviética fechavam um pacto de não-agressão e acertavam a partilha da Polônia entre os dois
parceiros.
A invasão simultânea da Polônia por tropas alemãs e russas quebrava
aparentemente a coerência política do Eixo, ao colocar nazistas e comunistas do mesmo lado.
Mas, não foi assim por muito tempo. A Grã Bretanha e a França mostraram surpreendente
sutileza e compreensão do dilema vivido por Stalin, que não quis enfrentar sozinho a máquina de
guerra nazista, rodeado por vizinhos que o temiam muito mais que a Hitler. Os aliados não
declararam guerra à URSS, que aproveitou o ensejo para anexar pela força as repúblicas bálticas Letônia, Estônia e Lituânia - agredir a Finlândia e recuperar da Romênia a Bessarábia. Enquanto
revogava perdas territoriais sofridas em 1918, Stalin permaneceu nêutro perante a guerra que
antepunha as potências fascistas às democráticas. Até que, em 1941, a Alemanha à traição
42
rompesse o tratado de não-agressão e invadisse a União Soviética, restaurando assim a
homogeneidade política dos dois lados em confronto.
Convém observar que o pacto nazi-soviético provocou enorme divisão no campo
da esquerda, em todos os países. Até então, a linha política do Kremlin e portanto da III
Internacional no mundo todo fôra priorizar a aliança anti-fascista, a formação de frentes-únicas
contra o totalitarismo de direita. Para formar tais frentes, os comunistas se dispunham a fazer
concessões, aceitando apoiar forças políticas de um amplo arco que ia da esquerda moderada até a
direita, desde que anti-fascista.4 Como resultado de intensa atividade política nesta linha durante
anos, os comunistas tinham conseguido superar preconceitos contra eles e conquistar apreciável
boa vontade por parte de grande número de democratas.
A brusca reviravolta representada pelo pacto Hitler-Stalin provocou imensa
consternação em toda a esquerda. Os partidos filiados à III Internacional prontamente mudaram
de linha e passaram a denunciar a 2a.Guerra Mundial - enquanto a URSS estava neutra - como
um conflito interimperialista, sendo ambos os lados antagônicos aos interesses dos trabalhadores.
Esta fôra a linha dos bolcheviques e outras forças de esquerda perante a 1a.Guerra Mundial, cujo
caráter justificava tal posicionamento. Mas, como
vimos, a 2a.Guerra Mundial era
completamente diferente, tendo sido desencadeada pelas forças nazi-fascistas para dominar pela
força o Velho Continente. As campanhas ‘contra a guerra’, sustentadas pelos Comunistas até o
ataque alemão à URSS favoreciam Hitler, o qual depois de dominar a Polônia queria, ao menos
naquele momento, encerrar a guerra com franceses e britânicos para levar avante em seguida os
seus planos expansionistas, sempre em direção ao Oriente.
Mas, a França e a Grã Bretanha não deixaram se apaziguar pelas manobras de
Hitler e mantiveram o estado de guerra com a Alemanha, mas sem desencadear ações armadas.
4
“... à medida que continuava o avanço da Alemanha, os comunistas pensaram numa extensão ainda mais ampla,
numa ‘Frente Nacional’ de todos que, independentemente de crenças ideológicas ou políticas, encaravam o fascismo
(ou as potências do Eixo) como o inimigo primeiro. Esta extensão da aliança antifascista ultrapassando o centro até
a direita - as ‘mãos dos comunistas franceses estendidas aos católicos’ ou a disposição dos comunistas britânicos de
aceitar o notório anticomunistas Winston Churchill - enfrentou a maior resistência na esquerda tradicional, até que a
lógica da guerra acabou por impô-la.” (Hobsbawm, 1994, p.149)
43
Na realidade, nem do lado dos aliados, nem do lado alemão, os militares estavam preparados para
passar imediatamente à ação. As tropas ficaram aquarteladas de cada lado das linhas fortificadas
de defesa, praticamente sem desferir um tiro, durante cerca de seis meses. Mas, em abril de 1940,
a Alemanha invadiu e ocupou a Dinamarca e a Noruega, países neutros. E em 10 de maio de
1940, iniciou a ofensiva contra a França mediante a ocupação de dois outros países neutros, a
Holanda e a Bélgica. Ao ocupar estes países, os nazistas puderam flanquear a Linha Maginot e
tomá-la por detrás, iniciando uma Blitzkrieg [guerra relâmpago] contra os exércitos anglofranceses, em território frances. Esta fase da guerra durou 6 semanas e terminou em 25 de junho
de 1940, com a tomada de Paris pelos nazistas e substituição do governo francês por outro,
chefiado por Petain e que rapidamente concluiu a paz com Hitler.
De meados de 1940 até meados de 1941, o único adversário de Hitler que restava
era o império britânico. Este, apesar de vencido no continente, conseguiu resgatar em
Dunquerquer, quase toda Força Expedicionária Britânica e cerca de 60.000 soldados franceses.
Esta foi a primeira batalha da 2a.Guerra Mundial não ganha pelos nazistas. Começando em 26 de
maio, o Almirantado britânico iniciou uma vasta operação de evacuação marítima de suas tropas
cercadas em Dunquerque. “Uma armada de 850 vasos de todos os tamanhos, formas e métodos de
propulsão, de cruzadores e destroiers a pequenos veleiros e skoots holandeses, muitos tripulados
por voluntários civís das cidades costeiras inglesas, convergiram sobre Dunquerque.” (Shirer,
1959, p.968).
Apesar da incessante pressão dos blindados alemães e dos ininterruptos
bombardeios da Lufwaffe [força aérea], ingleses e franceses resistiram durante cerca de uma
semana, o que permitiu a evacuação 338.226 soldados britânicos e franceses, substancialmente
mais do que a meta inicial da operação, que fôra apenas de 45 mil. “Eles não constituíam mais
um exército; a maioria deles estava, compreensivelmente, em estado lastimável. Mas, eles tinham
passado pela prova da batalha; eles sabiam que se apropriadamente armados e adequadamente
cobertos pelo ar, eles eram capazes de enfrentar os alemães. A maioria deles, quando o equilíbrio
do armamento foi alcançado, o provaria - e nas praias não longe da costa do Canal de onde foram
resgatados.” Shirer, 1959, p.970)
44
Praticamente em seguida travou-se a Batalha da Inglaterra. Esta foi uma batalha
aérea, embora os alemães tivessem decidido invadir as ilhas britânicas. Mas a invasão só poderia
ser tentada se os nazistas vencessem a luta no ar e varressem a RAF (Royal Air Force) dos céus.
A Batalha da Inglaterra durou de agosto a novembro de 1940 e consistiu em ataques aéreos
constantes da Luftwaffe, que no início tinha grande superioridade numérica. Porém, os britânicos
foram capazes de abater muito mais aviões inimigos do que o outro lado. Com o passar dos
meses, a vantagem numérica nazista foi encolhendo e os planos de invasão foram sendo adiados
até serem inteiramente descartados. Hitler em momento algum conseguiu tomar o domínio
marítimo da frota inglesa e perdeu o domínio do ar na Batalha da Inglaterra.
A 2a.Guerra Mundial prosseguiu com a invasão alemã da União Soviética, em
junho de 1941. A operação foi decidida por Hitler tão logo a França se rendeu, pois o que ele
queria evitar era uma guerra em duas ou mais frentes, como a travada pela Alemanha em 191418. Só tendo um adversário no ar e no mar, os nazistas entenderam que era a hora de assegurar
seu principal objetivo de guerra: destruír a nação comunista, eliminar a Rússia como país e criar
um amplo espaço de expansão da ‘raça superior’ em direção ao Oriente. A ofensiva alemã ao
longo de uma extensa frente, que ia desde o Mar Báltico até o Negro varreu todas as resistências,
penetrando profundamente em território soviético. Mas, a resistência do Exército Vermelho em
vez de esmorecer recrudesceu, tornando-se progressivamente mais forte.
Os alemães foram recebidos inicialmente como possíveis libertadores pela
população ou ao menos por parte dela. Mas, logo em seguida a profunda hostilidade racial dos
nazistas veiu a tona e unificou os russos contra os invasores. “Não fosse a arraigada crença do
nacional-socialismo de que os eslavos eram uma raça de escravos subumanos, os invasores
alemães teriam podido conquistar apoio duradouro entre muitos povos soviéticos.”
(Hobsbawm,1994, p.171). Stalin compreendeu isso perfeitamente e proclamou a Grande Guerra
Patriótica tendo como objetivo a sobrevivência como nação e também como povo, já que os
nazistas estavam sistematicamente exterminando a população civil. Ao aproximar-se o fim de
1941, a ofensiva nazista perdeu ímpeto. As chuvas torrenciais de outono e o frio do inverno
45
contribuíram para alterar a sorte do conflito. Em dezembro, lançaram um ataque maciço para
conquistar Moscou e fracassaram; os russos passaram à contra-ofensiva e obrigaram os agressores
a um recuo significativo, com mais de um milhão de baixas.
A frente oriental prosseguiu num ritmo ditado em boa medida pelas condições
meteorológicas: na primavera e no verão os alemães passavam à ofensiva, ocupando vastos
territórios, mas sem atingir seus objetivos, tais como ocupar Moscou ou Leningrado, impor aos
russos uma derrota decisiva ou conquistar os campos petrolíferos do Cáucaso. Em novembro de
1942, os nazistas sob comando do próprio Hitler tentaram realizar o último objetivo, mediante a
conquista de Stalingrado. Chegaram próximos ao alvo, mas as forças soviéticas os detiveram e
cercaram. Hitler proibiu o comando alemão que tentasse romper o cerco para recuar, o que levou
ao completo aniquilamento de um exército de 285 mil homens. A derrota de Stalingrado, que só
se consumou em fevereiro de 1943, foi um claro sinal de que o Eixo estava fadado à derrota.
Mas, antes disso a guerra tornou-se realmente mundial com o ataque, em dezembro
de 1941, do Japão à base naval ‘americana’ de Pearl Harbour. Em conseqüência, o Japão entrou
na guerra ao lado da Alemanha e da Itália e os Estados Unidos ao lado da Grã Bretanha e da
União Soviética. Abriu-se assim uma outra frente de luta, na Ásia. Nos seis meses seguintes, o
Japão ocupou Hong Kong, Cingapura, a Birmânia, as Índias Orientais Holandesas (Indonésia) e
as Filipinas (na época protetorado ‘americano’). Os Estados Unidos passaram à contra-ofensiva
em seguida, primeiro no mar e depois recuperando paulatinamente cada um dos territórios
conquistados pelos japoneses.
Na Europa, a partir do fim de 1940, quando a aviação britânica venceu a Luftwaffe
e obrigou os nazistas a desistir da invasão da Inglaterra, a guerra terrestre reemergiu na costa
Mediterrânea. Em 1941, os alemães foram em socorro de Mussolini, derrotando os gregos e em
seguida mandando um corpo expedicionário à Líbia, de onde um exército ítalo-alemão,
comandado por Rommel, ameaçou conquistar o Egito e o Canal de Suez, com graves
conseqüências para a sobrevivência britânica, que recebia por esta via grande parte de seu
abastecimento. Os ingleses montaram uma contra-ofensiva ainda em 1941 e forçaram os alemães
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a recuar. Em 1942, Rommel chegou mais uma vez às portas de Alexandria e mais uma vez foi
obrigado a recuar. Neste mesmo ano, tropas anglo- ‘americanas’ desembarcaram na África do
Norte e expulsaram de vez as tropas do Eixo, quase no mesmo momento em que a batalha de
Stalingrado decidia a sorte da guerra na frente russa.
De 1943 em diante, estava claro que a guerra seria vencida pelos Aliados. Em
momento algum as potências do Eixo conseguiram retomar a ofensiva com perspectiva de êxito.
Depois de vencer alemães e italianos na África, as tropas anglo-‘americanas’, sob comando de
Eisenhower, invadiram a Itália e em pouco tempo conquistaram Nápoles, derrubando Mussolini e
o fascismo do poder. As tropas nazistas ocuparam todo resto do país, resgataram Mussolini do
cativeiro e o colocaram à testa da chamada ‘República de Salerno’, totalmente dependente de
ocupação estrangeira.
Em 1944, ‘americanos’ e ingleses lançaram nova ofensiva na Itália e em junho
lograram libertar Roma. No mês seguinte, tropas aliadas desembarcaram na Normandia e em
poucos meses chegaram à Paris, cuja conquista foi deixada às forças da França Livre,
comandadas por De Gaulle. Enquanto isso, os soviéticos expulsaram os exércitos nazistas do seu
território, perseguindo-os nos países ocupados da Europa Oriental e Central, que foram sendo
sistematicamente libertados.
A perspectiva de vitória das potências democráticas, aliadas agora à União
Soviética, despertou na Europa e na Ásia a revolta contra o nazi-fascismo e o imperialismo
nipônico. Em todos os países ocupados surgiram forças armadas de resistência, com destaque
para maquis franceses, partigiani italianos, guerrilheiros poloneses, iugoslavos assim como
filipinos, vietnamitas, chineses etc.. Este foi outro aspecto inédito da 2a.Guerra Mundial. Sendo
uma guerra político-ideológica, os dois lados contavam com apoio de simpatizantes em
praticamente todos os países. Na fase em que o Eixo aparecia como vencedor, simpatizantes do
nazismo apareciam nos países ocupados para legitimar a nova situação mediante a formação de
governos ‘colaboracionistas’, que se aliavam ao Eixo. O nome do norueguês Quisling tornou-se
47
sinônimo de traidor, mas o governo pró-nazi mais importante foi indubitavelmente o da França,
presidido por Petain, um heroi da 1a.Guerra Mundial.
Enquanto Hitler acumulava vitórias em todas as frentes ou assim parecia, graças à
invejável máquina de propaganda de Goebbels, os oposicionistas nos países ocupados não
mostravam ânimo para encetar a resistência e a posição ‘pacifista’ dos Comunistas (no período
que antecedeu o ataque nazi à URSS) contribuía para a passividade. Mas, de 1943 em diante isso
mudou. Em dezenas de países europeus e asiáticos frentes de resistência eram formadas por todas
as forças políticas democráticas e de esquerda, incluíndo os Comunistas que frequentemente
assumiram a liderança em virtude de sua melhor organização e do maior empenho, inclusive para
fazer com que fosse esquecido o seu papel de linha auxiliar dos nazistas no passado recente.
A coligação vencedora, liderada pelos Estados Unidos, União Soviética e Grã
Bretanha, acabou sendo composta por grande número de países arrastados à guerra pela agressão
do Eixo em terra - os países atacados e ocupados por alemães, italianos e japoneses - e no mar. A
guerra submarina alemã atingiu navios de países até então nêutros, induzindo-os a entrar na
guerra. Foi o que aconteceu com o Brasil. Antes da guerra, importantes figuras do Estado Novo
simpatizavam com Hitler e Mussolini, em função das afinidades entre o nazi-fascismo e o regime
ditatorial brasileiro. Mas, uma vez iniciada a guerra, o torpedeamento de navios brasileiros fez
com que a opinião pública se voltasse contra o Eixo. Todas as forças democráticas do país se
empenharam para que o Brasil entrasse na guerra ao lados dos aliados, o que acabou acontecendo
em 1942. No ano seguinte, a FEB [Força Expedicionária Brasileira] foi enviada à Itália, onde teve
papel ativo na libertação do país.
À medida que as forças do Eixo iam sendo expulsas dos muitos países que
ocuparam, as forças nacionais de resistência formavam os novos governos. Em 1944, o General
De Gaulle substituiu Petain na chefia do estado francês e outros governos democráticos no exílio
puderam retornar e reassumir. Em 1945, os únicos governos do Eixo que aínda resistiam eram os
da Alemanha e do Japão, militarmente confinados aos seus territórios. Mesmo países que se
aliaram aos alemães foram libertados e passaram a ser governados por coligações políticas
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compostas pelas forças anti-fascistas5. Por isso, ao contrário da 1a.Guerra Mundial, em seu final
os únicos países tratados como vencidos foram a Alemanha e o Japão.
A Alemanha foi invadida pelo Leste pelas forças soviéticas e pelo Oeste pelos
exércitos ‘americanos’, ingleses e franceses. Em abril de 1945, Hitler e seu governo viviam
enlouquecidos os momentos finais de seu Reich, que deveria durar mil anos. O Führer preparou
sua derradeira fala à nação alemã, em que disse que ela não se mostrara digna dele. Em seguida se
fez fuzilar. Em 8 de maio seguinte, o que restava do regime se rendia incondicionalmente. O país
foi dividido em 4 zonas de ocupação e só recuperou sua soberania - dividido em dois estados
antagônicos - quatro anos depois.
O Japão, no verão de 1945, depois de sistematicamente expulso de todas as terras
de que se apossara, esperava as tropas que iriam invadí-lo para opor uma resistência suicida,
quando foi atingido por duas bombas atômicas. A mortandade espantosa dos moradores de
Hiroshima e Nagasaki abalou o governo japonês, levando-o rapidamente à rendição
incondicional. Tropas americanas puderam assim ocupar o arquipélago nipônico sem mais
derramamento de sangue.
10. O fim do imperialismo
A crise do imperialismo, inaugurada em 1914 com a Grande Guerra, foi encerrada
em 1945 com a vitória dos aliados sobre o Eixo. A experiência da crise, sobretudo de dois
imensos conflitos bélicos de dimensões globais, gerou por assim dizer as forças que a
‘resolveram’, dando um fim ao imperialismo, na forma como ele ressurgiu nas derradeiras
décadas do século passado. Recordemos que esta forma consistia em promover o
desenvolvimento do capitalismo dirigido mediante o esforço de cada estado nacional a favor dos
grandes capitais centralizados de seu país, em luta por espaço nos mercados mundiais. Sendo
fruto das primeiras duas revoluções industriais, este imperialismo era completamente diferente do
5
“...por toda Europa, antes ocupada, no Leste e no Oeste, surgiram os mesmos tipos de governo após a vitória:
administrações de união nacional baseadas em todas as forças que haviam se oposto ao fascismo, sem distinção
ideológica. Pela primeira e única vez na história, ministros comunistas sentaram-se ao lado de ministros
conservadores, liberais ou social-democratas na maioria dos Estados europeus, uma situação não destinada a durar
muito.” (Hobsbawm, 1994, p.163)
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de outros tempos. Sua especificidade consistia no fechamento do mercado interno para servir de
base econômica, política e militar à ofensiva dos grandes capitais nacionais nos mercados ainda
acessíveis dos países não-potências.
A experiência da 2a.Guerra Mundial foi reveladora no sentido de que o exercício
bélico não poupava mais os não-beligerantes, fossem estes populações civís ou países neutros. O
genocídio de judeus, ciganos, eslavos etc., a expulsão em massa de povos suspeitos de ajudar o
inimigo, a eliminação quase total dos moradores de cidades atingidas por bombardeios
cinicamente chamados de ‘estratégicos’ deram uma idéia clara do significado catastrófico da
‘guerra total’. E para culminar, a descoberta da bomba atômica, alguns anos depois da bomba de
hidrogênio, equacionou a guerra mundial futura - presumivelmente a terceira - com a destruição
da humanidade. O mundo que emergiu desta Guerra estava claramente decidido a impedir que a
polarização da maioria dos países por algumas grandes potências desse prosseguimento aos
alinhamentos antagônicos que produziram - duas vezes quase em seguida - guerras mundiais.
O mundo do pós-guerra estava novamente polarizado, mas desta vez não por
algumas grandes potências mas por dois projetos sócio-econômicos rivais: capitalismo
democrático e planejamento econômico totalitário. É claro que cada programa estava encarnado
num bloco encabeçado por uma superpotência, conformando a Guerra Fria. Mas, a relação entre
superpotência e os países do seu ‘mundo’ era tudo menos imperialista, no sentido mencionado
acima. Os EUA desembolsaram generosamente bilhões de dólares para fortalecer governos
amigos em países que pareciam ameaçados pelo ‘comunismo’. E a União Soviética organizou os
seus satélites no COMECON, permitindo-lhes desenvolver indústrias pesadas, enquanto o paíslíder assumia o papel deprimente de exportador de produtos primários. ‘Americanos’ e soviéticos
agiram não no melhor interesse de suas economias nacionais mas no interesse de conquistar e
reter adeptos para o projeto sócio-econômico que representavam.
Muitas das práticas das superpotências durante o período da guerra fria (19461989) merecem indubitavelmente o qualificativo de imperialistas. A União Soviético exerceu o
anexionismo com desenvoltura e interveiu militarmente em países satélites mais de uma vez. Os
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EUA intervieram em diversas guerras civis, da Grécia às Filipinas e ao Vietnã, e promoveram a
derrubada de governos que consideravam inamistosos. Mas, ao contrário do imperialismo
nacionalista, predominante entre 1880 e 1945, este imperialismo tinha motivação políticoideológica e mostrou-se compatível com uma globalização multilateral.
A rigor, o anexionismo e o intervencionismo das superpotências não deve ser
chamado de imperialismo, precisamente porque não resulta em formação de império, no sentido
preciso do termo. A União Soviética, com todo o seu ‘imperialismo’, debilitou-se no Afganistão e
no final mostrou-se impotente para evitar a decomposição do bloco que liderava e de sua própria
federação. Os Estados Unidos emanciparam as Filipinas e elevaram a estados as outras
possessões territoriais (Alaska, Hawaí) e não evitaram que outras nações de seu bloco os
superassem nos mercados mundiais.
O que prova que o imperialismo findou é que a tão temida e esperada 3a.Guerra
Mundial não ocorreu e a globalização foi crescentemente retomada sob a égide de organizações
intergovernamentais, regida por regras multilaterais. Neste novo mundo, os grandes capitais
parecem estar se desligando de suas mães-pátrias e as fronteiras nacionais continuamente perdem
o sentido de barreiras ao intercâmbio econômico. O que não quer dizer que a desigualdade dentro
das nações esteja diminuíndo. Mas, quer dizer que esta etapa da evolução histórica exige outros
parâmetros teóricos, distintos dos que iluminaram a era do imperialismo. Como bem notou
Hobsbawm (1994, p.177): “Todas as três regiões do mundo avançaram no pós-guerra com a
convicção de que a vitória sobre o Eixo conseguida através da mobilização política e de políticas
revolucionárias, além de sangue e ferro, abria uma nova era de transformação social. Em certo
sentido tinham razão. Jamais a face do globo e a vida humana foram tão dramaticamente
transformadas quanto na era que começou sob as nuvens em cogumelo de Hiroxima e Nagasaki.”
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