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44 I época I 15 de fevereiro de 2016
ideias
Dilemas
da p o líti ca
O ministério de
Mauricio Macri,
na Argentina, tem
a cara do conselho
de administração de
uma multinacional.
No Brasil, o governo
Dilma não seduz os
melhores. A ausência
de uma agenda clara
explica a diferença
Vinicius Gorczeski
presidente da Argentina, Mauricio Macri, formou-se no setor
privado. A partir dos 23 anos,
dedicou-se a administrar as
companhias do pai, Francisco
Macri, um dos empresários
mais ricos do país, dono de um
conglomerado de empresas com atuação
nos setores de automóveis, coleta de
lixo, construção e correios. Em 1995,
quatro anos após ter sido vítima de
um sequestro, Macri largou as empresas do pai para assumir a presidência
do Boca Juniors, o clube de futebol
mais popular de Buenos Aires. Para a
administração do Boca Juniors, Macri
importou os mais modernos métodos
de gestão empresarial. Deu certo. Em
12 anos, o Boca Juniors ganhou 17 títulos – inclusive dois Mundiais de Clubes. O sucesso futebolístico abriu-lhe
as portas da política. Na prefeitura de
Buenos Aires, ele imprimiu seu estilo executivo à administração pública.
Deu certo novamente. Agora na Casa
Rosada, passou a agir como se fosse o
CEO de um país inteiro que tenta livrar
a máquina pública da pesada contaminação ideológica imposta por 12 anos
de populismo kirchnerista.
Para montar o primeiro escalão de
o executivo
O presidente da
Argentina, Mauricio
Macri, e seus
ministros recrutados
com a ajuda de um
headhunter. Com eles,
Macri promete um
choque de gestão
no governo argentino
seu governo, Macri não deu prioridade
às tratativas políticas – apesar de seu
partido, o PRO, com pouco mais de
dez anos de vida, ser minoritário no
Congresso argentino, dominado pelos
peronistas. Ele recorreu a um headhunter para selecionar seus ministros entre
executivos de grandes empresas privadas. Muitos aceitaram o convite. O ministro da Economia, Alfonso Prat Gay,
é ex-executivo do banco de investimentos JP Morgan. A ministra das Relações
Exteriores, Susana Malcorra, dirigiu a
IBM e a Telecom argentina. Isela Costantini, brasileira de pais argentinos,
trocou o comando da General Motors
na Argentina, Uruguai e Paraguai pela
presidência da estatal Aerolíneas Argentinas. A mesma estratégia foi usada para
nomear ministros nas áreas de Energia,
Finanças, Produção e Transporte.
Se o ministério de Macri parece um
conselho de administração de uma
multinacional focada em obter no
balanço anual os melhores números,
a administração de Dilma Rousseff,
pelos mesmos critérios, faz esquálida
figura no Brasil. “O Macri determinou
suas prioridades e tem objetivos claros
a cumprir”, diz Luis Felipe D’Ávila,
diretor do Centro de Liderança Pública. “Essa visão não existe no governo
Dilma. Ninguém sabe o que ela quer.
Ela não tem plano de voo claro, e essa
é a maior dificuldade para recrutar
gente talentosa para o governo.” O deputado federal Celso Pansera chegou
ao estratégico Ministério da Ciência e
Tecnologia sem nehuma experiência
na área. Seu currículo inclui a gestão
do restaurante Barganha, em Duque
de Caxias, na Baixada Fluminense. s
Fotos: David Fernández/EFE (3), Diego Levy/
Bloomberg via Getty Images, Silvina Frydlewsky/EFE
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di l e m a s d a p o l í t i c a
Pansera tem o aval do PMDB do Rio de
Janeiro, cujo apoio é fundamental para
o Palácio do Planalto barrar o processo
de impeachment de Dilma. Ao assumir
o Ministério do Esporte, um ano e meio
antes da realização dos Jogos Olímpicos
do Rio de Janeiro, o deputado federal
George Hilton, de Minas Gerais, confessou candidamente “não entender
profundamente de esporte”. Mas ele é
pastor evangélico da Igreja Universal
do Reino de Deus, que controla o PRB,
partido com 20 deputados na Câmara
dos Deputados.
Um governo recheado de bons quadros técnicos não significa isenção de
polêmica – nem garantia de êxito. As
escolhas de Macri, por ele ter relegado
a segundo plano as negociações com
os políticos, suscitaram controvérsia
na Argentina. Um dos motivos é que a
história é repleta de casos de fracassos
governamentais por excesso de tecnocracia e falta de oxigenação política. No
passado, o senso comum dizia que cabia
aos políticos decidir e aos técnicos administrar. Nas democracias modernas, a
política não deve ser contraditória com
a racionalidade técnica. O político deve
se cercar dos melhores quadros técnicos
para que suas políticas sejam bem fundamentadas e executadas – e os técnicos
têm de saber lidar com as questões políticas e os conflitos de interesse.
Achar o balanço da boa política
amparada por excelentes quadros técnicos nem sempre é fácil de alcançar.
Mas o Brasil já teve governos recentes
que alcançaram esse equilíbrio, sem ceder a barganhas políticas ditadas pelo
mais puro fisiologismo, e conseguiram
atrair para o primeiro e segundo escalão grandes nomes do setor privado
e da academia – uma prática comum
nos governos dos Estados Unidos, sejam eles republicanos ou democratas
(leia o quadro ao lado). Em seu segundo
mandato, Fernando Henrique Cardoso
conseguiu tirar o economista Armínio
Fraga de uma sociedade com o megainvestidor George Soros e atraí-lo para a
presidência do Banco Central em meio
à crise da desvalorização do real em
1999. Fraga deixou de receber ganhos
milionários em Wall Street para erigir
alguns pilares da política monetária que
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Larry Summers
e Bill Clinton l 1999-2001
Professor da Universidade
Harvard, Summers (à esq.) foi
convidado para compor a equipe
econômica do governo Clinton.
Brilhante e controverso, Summers
ascendeu ao posto de secretário
do Tesouro dos Estados Unidos
Henry paulson e george
w. bush l 2006-2009
Paulson (à esq.) era o CEO do
banco Goldman Sachs quando
foi chamado por Bush para
ser seu secretário do Tesouro.
Sobrou para ele a administração
da crise da quebra do banco
Lehman Brothers, em 2008
foram institucionalizados na atuação
do Banco Central: a política de metas
de inflação e a criação do Comitê de Política Monetária (Copom). Em 2002, o
primeiro governo do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva tirou da Fundação
Getulio Vargas (FGV) o economista
Marcos Lisboa, um dos formuladores
da Agenda Perdida, um documento com
propostas de reformas na economia
brasileira, para a Secretaria de Política
Econômica do Ministério da Fazenda.
No governo, Lisboa criou políticas que
ajudaram a melhorar o ambiente de
negócios, fomentaram o crédito e aju-
Armínio fraga e
fernando henrique
cardoso l 1999-2002
Armínio (à esq.) aceitou o convite
de Fernando Henrique e trocou uma
sociedade com o megainvestidor
George Soros para presidir o
Banco Central em meio à crise da
desvalorização do real em 1999
Marcos lisboa e antonio
palocci l 2003-2005
daram a impulsionar o crescimento da
economia brasileira nos primeiros anos
do PT no poder.
O que explica um executivo do mercado financeiro ou um acadêmico renomado abandonarem carreiras bemsucedidas para ir para o governo, que
paga, nos escalões superiores, salários
bem mais módicos que o setor privado?
“Muitos vão porque sabem que depois
terão algum benefício em sua carreira
pessoal. É puro currículo”, diz o economista Nelson Marconi, professor da
Fundação Getulio Vargas em São Paulo,
especialista em administração pública.
Fotos: Stefano Martini/ÉPOCA, Valor/Folhapress, Estadão Conteúdo e AP (2)
Lisboa (à esq.) e Palocci foram,
respectivamente, secretário de Política
Econômica e ministro da Fazenda no
primeiro governo Lula. Lisboa trocou
a FGV pelo governo para implementar
reformas que melhoraram as
regras do jogo na economia. Hoje,
Lisboa é presidente do Insper
“Isso não é um problema em si. O indicado pode se dedicar e fazer um bom
trabalho. Mas, se ele vai pautado apenas
por esses interesses, pode haver um problema sério.” E aí chegamos ao cerne
do problema da falta de bons quadros
técnicos no governo Dilma.
Ninguém quer colocar no currículo
que participou de um governo sem um
plano de voo seguro. Os governos Macri, na Argentina, Fernando Henrique e
o Lula do primeiro mandato, no Brasil,
tinham esse ponto em comum: todos
tinham um rumo. Macri, depois de 12
anos de políticas protecionistas e atrasadas promovidas pelo kirchnerismo,
quer reinserir a Argentina na economia
global. Fernando Henrique elegeu-se na
esteira do Plano Real e tinha como meta
controlar a inflação e estabilizar a economia brasileira. Lula, em seu primeiro
mandato, queria manter a estabilidade
da economia e ampliar o alcance das
políticas sociais.
“O que me seduziu foi ter a chance de
fazer política com base em uma agenda
clara, em cima de um projeto de ideias.
Não era uma política oportunista”, diz
Marcos Lisboa, hoje presidente do Insper,
escola de economia e negócios em São
Paulo. “Construímos um projeto de política econômica e social ao longo de dois
meses de discussão e o lançamos para a
discussão da sociedade.” Lisboa teve a
sorte de trabalhar com um político com
influência, poder e capacidade de sustentar os projetos de seus subordinados: o
então ministro da Fazenda, Antonio Palocci. “Palocci é um gestor de mão-cheia
que não desqualificava ninguém. Ele era
pragmático. Os secretários tinham a autonomia para escolher suas equipes. Mas
ele cobrava resultados de perto e sabia da
agenda de cada um. Discutíamos juntos
os projetos. Ele tinha ainda a vantagem
de que entendia tudo rápido”, diz Lisboa.
Esses exemplos mostram que um
rumo claro para um país ainda é o melhor chamariz para atrair os melhores
quadros para a administração pública.
Essa direção não existe hoje em Brasília.
O horizonte do governo Dilma limita-se ao de sua própria sobrevivência até
2018, a data do final de seu mandato. E
dessa “agenda perdida” nenhum grande
nome quer participar. u
15 de fevereiro de 2016 I época I 47
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