Manuel Caldeira Cabral Jornal de Negócios, 21/5/2009 DÉCADA PERDIDA? Os dados recentes apontam para que em 2009 Portugal deva convergir com os países da União Europeia (UE). Nada de novo! Entre 2004 e 2008 Portugal já convergiu com a UE15 e mesmo, em menor grau, com a UE27, aproximando-se também do Japão e dos EUA. Estes factos contrariam a ideia tantas vezes repetida de que Portugal está há dez anos a afastar-se cada vez mais dos países mais desenvolvidos da Europa e do Mundo. Uma ideia falsa. Na última década houve convergência entre Portugal e os países mais desenvolvidos (UE15, EUA e Japão), mesmo se esta foi muito mais moderada do que na década anterior – em especial do que no período entre 1986 e 1999. Nos últimos 4 anos Portugal esteve até entre os 5 países da UE15 que apresentaram uma evolução mais favorável do rendimento per capita. Considerando toda a década de 1998 a 2008 verificamos que Portugal esteve a meio da tabela da UE15, com sete países com melhor desempenho e sete com pior. Mais, o rendimento per capita de Portugal não só se aproximou da UE15 (2,6 pontos percentuais) mas também do dos EUA (3,5 pontos) e do Japonês (13,0). Objectivamente Portugal está hoje mais próximo da média dos países mais ricos da Europa e do Mundo do que alguma vez esteve na sua história recente (ver gráficos 1 e 2). Como é que tal é possível num contexto de fraco crescimento económico? A verdade é que a última década não foi brilhante para Portugal, mas também não o foi para a generalidade dos países mais desenvolvidos. Foi a década da afirmação da China e da Índia, e na Europa, da afirmação dos países do alargamento. Mas porque é que Portugal não conseguiu ter um desempenho idêntico ao da década anterior ou ter uma performance semelhante à dos novos países que entraram para a UE? Nos últimos 10 anos os países do alargamento tiveram um choque externo positivo semelhante ao verificado em Portugal quando o país entrou na CEE, enquanto Portugal foi afectado por dois choques externos negativos - a liberalização das trocas entre a UE e Ásia e o próprio alargamento. Choques a que se somou uma situação interna pouco favorável. Muitos já salientaram a responsabilidade do endividamento e do desequilíbrio das contas públicas para a desaceleração depois de 2000, mas eventualmente, os choques externos tiveram um efeito ainda maior no travar do crescimento da economia portuguesa. O choque da emergência dos países asiáticos, cujas exportações para a UE cresceram exponencialmente, teve um efeito brutal nas exportações tradicionais de Portugal. O choque do alargamento desviou muito do investimento estrangeiro (IDE) que antes estava a ser direccionado para o Sul da Europa. É importante notar que as exportações chinesas de produtos intensivos em mãode-obra barata concorrem muito mais com as tradicionais exportações portuguesas do que com as francesas, alemãs ou suecas. Além disso, o Leste absorveu mais o tipo de investimentos que viriam para Portugal do que os destinados à Finlândia, Áustria ou à Dinamarca. Estes dois choques colocaram mais em cheque a competitividade portuguesa do que a dos países desenvolvidos (da UE-15). No entanto, Portugal aproximou-se da média da UE15 e nos últimos 4 anos mesmo da média da UE27, crescendo mais que a França, Alemanha, Áustria, Dinamarca, e muito mais que a Itália, país ao qual por vezes o nosso desempenho é comparado, que na última década caiu 13 pontos face à média da UE15, enquanto Portugal avançou 2,6 – ver quadros. O que é que estes dados nos dizem sobre a situação do país? Dizem pelo menos que as análises catastrofistas, baseadas na premissa de que o país está a andar para trás face aos países mais desenvolvidos, são no mínimo muito exageradas. O desempenho de Portugal, sendo mau, conseguiu garantir convergência. Como? Nesta década Portugal alterou radicalmente a estrutura das exportações e evoluiu para sectores e produtos de maior sofisticação e qualidade. A qualificação dos trabalhadores também melhorou significativamente. Houve ainda um esforço importante para melhorar a eficiência das instituições públicas e diminuir os entraves que estas colocam à actividade económica. Nestes aspectos, os últimos dez anos estiveram longe de ser uma década perdida. Há ainda muito a fazer em qualquer destas áreas, bem como em outras. No entanto, o progresso, ainda que limitado, permitiu que o país conseguisse manter alguma convergência mesmo numa década tão difícil, que agora se tornou ainda pior. Eu penso que o continuar destas reformas pode também permitir que a economia portuguesa continue a convergir com a dos países mais ricos na década que se vai seguir à actual crise. Manuel Caldeira Cabral, Departamento de Economia, Universidade do Minho. ÚLTIMOS 4 ANOS (2004-08) Holanda 5,7 Espanha 5,2 Grécia 4,4 Irlanda 4,3 Portugal 2,5 Finlândia 2,1 Alemanha 2,0 França 1,6 Áustria 1,0 Bélgica 0,7 UE15 0,0 -1,3 Suécia -1,8 Reino Unido Itália -4,2 -4,9 Dinamarca 12 Novos 7,1 Evolução do PIB face ao da UE15(*) ÚLTIMA DÉCADA Irlanda 30,4 Grécia 14,2 Espanha 13,7 Holanda 9,9 Finlândia 9,0 Reino Unido 5,0 Portugal 2,6 Suécia 2,1 UE15 0,0 -0,4 França -0,6 Áustria -1,4 Bélgica -2,8 Alemanha -9,1 Dinamarca -13,0 Itália 12 Novos 13,7 Estados Unidos -1,1 -10,4 Japão Evolução do PIB face ao da UE15(*) (*) variação do PIB per capita em PPC face ao da UE15 (UE15=100) Fonte: Eurostat, cálculos do autor. 80 PIB per capita português (PPC) em percentagem do da UE15 e UE27. Fonte: Eurostat e calculos do autor (1910-1950). 70 PIB(%UE15) PIB(%UE27) 60 50 Média Século XX (43%) 40 30 20 1910(a) 1920(a) 1930(a) 1940(a) 1950(a) 1960 1965 1970 1973 1978 1986 1991 1995 1998 2001 2004 2006 2008 80 PIB per capita português (PPC) em percentagem do da UE15 e UE27. 78,3 Fonte: Eurostat e calculos do autor (1910-1950). 77 76,6 75,5 75,1 74,6 74 Portugal/UE27 Portugal/UE15 5 anos de Divergência 71 68,4 67,8 68 66,3 65,9 65,1 65 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009(*)