Como citar este e-book: Tereso JP, Honrado JP, Pinto AT, Rego FC (Eds.). 2011. Florestas do Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão. InBio - Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva. Porto. ISBN: 978-989-97418-1-2. 436 pp. Design Gráfico: Sofia Mota Composição:Sofia Mota, Cláudia Lima ÍNDICE | FLORESTAS DO NORTE DE PORTUGAL HISTÓRIA, ECOLOGIA E DESAFIOS DE GESTÃO INTRODUÇÃO | CONTEXTO, ÂMBITO E ESTRUTURA DA OBRA 5 João Pedro Tereso, João Pradinho Honrado, Ana Teresa Pinto, Francisco Castro Rego SECÇÃO I – HISTÓRIA (JOÃO PEDRO TERESO) I.1| DINÂMICA NATURAL E TRANSFORMAÇÃO ANTRÓPICA DAS FLORESTAS DO NOROESTE IBÉRICO 14 Pablo Ramil Rego, Luis Gómez-Orellana Rodríguez, Castor Muñoz Sobrino, João Pedro Tereso I.2|A EXPLORAÇÃO DE RECURSOS ALIMENTARES SILVESTRES E SEU ENQUADRAMENTO NAS DINÂMICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS DAS COMUNIDADES AGRÍCOLAS DESDE A PRÉ-HISTÓRIA À ÉPOCA ROMANA 55 João Pedro Tereso, Pablo Ramil Rego, Rubim Almeida da Silva I.3|A FLORESTA E O MATO. A EXPLORAÇÃO DOS RECURSOS LENHOSOS PELAS SOCIEDADES DA IDADE DO BRONZE NO NORTE DE PORTUGAL 84 María Martín Seijo, Isabel Figueiral, Ana Bettencourt, António H. Bacelar Gonçalves, M. I. Caetano Alves I.4| A FLORESTA E A RESTITUIÇÃO DA FERTILIDADE DO SOLO NOS SISTEMAS DE AGRICULTURA ORGÂNICOS TRADICIONAIS DO NE DE PORTUGAL 99 Carlos Aguiar, João C. Azevedo SECÇÃO II – ECOLOGIA (JOÃO PRADINHO HONRADO) II.1| EC OL O GI A, DIVERSIDA DE E DINÂMICAS RECENT ES DOS ECOSSISTEMAS FLORESTAIS NA S PAISA GEN S DO NORT E DE PORTUGAL 118 João Pradinho Honrado, Joaquim Alonso, Ângela Lomba, João Gonçalves, Ana Teresa Pinto, Sónia Carvalho Ribeiro, Carlos Guerra, Rubim Almeida da Silva, Henrique Nepomuceno Alves II.2| AS FLORESTAS E A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E DA BIODIVERSIDADE NO NORTE DE PORTUGAL Paulo Alves, Cristiana Vieira, Helena Hespanhol, João Alexandre Cabral, Hélia Vale-Gonçalves, Paulo Barros, Paulo Travassos, Diogo Carvalho, Cármen Silva, Carla Gomes, Rita Bastos, Regina Santos, Mário Santos, José Manuel Grosso-Silva, Francisco Barreto Caldas 169 ÍNDICE | FLORESTAS DO NORTE DE PORTUGAL HISTÓRIA, ECOLOGIA E DESAFIOS DE GESTÃO II.3| CONDIÇÃO E TENDÊNCIAS RECENTES DOS SERVIÇOS DOS ECOSSISTEMAS FLORESTAIS NO NORTE DE PORTUGAL 205 Sónia Carvalho Ribeiro, João C. Azevedo, Carlos Guerra, Vânia Proença, Claudia Carvalho Santos, Isabel Pôças, Teresa Pinto Correia, João Pradinho Honrado II.4| FOGO, RESILIÊNCIA E DINÂMICA EM ESPAÇOS FLORESTAIS DO NORTE DE PORTUGAL 248 João Torres, João Gonçalves, Ana Teresa Pinto, Vânia Proença, João Pradinho Honrado SECÇÃO III – DESAFIOS DE GESTÃO (ANA TERESA PINTO, FRANCISCO CASTRO REGO) III.1| GESTÃO FLORESTAL NO NORTE DE PORTUGAL: PERSPE- TIVAS E DESAFIOS FUTUROS 283 João Bento, Pedro Ferreira, Marco Magalhães III.2 | RUMO A UMA GESTÃO FLORESTAL SUSTENTÁVEL EM ESPAÇOS DE MONTANHA: O CASO DA LOMBADA 337 Ana Teresa Pinto, Graça Barreira, João Paulo Castro, Maria do Loreto Monteiro, Francisco Castro Rego III.3 | O DESAFIO ATUAL E FUTURO DA GESTÃO DAS ESPÉCIES EXÓTICAS INVASORAS NOS ESPAÇOS FLORESTAIS DO NORTE DE PORTUGAL 386 Joana Vicente, Rui Fernandes, Ângela Lomba, Ana Teresa Pinto, Joaquim Alonso, Paulo Alves, José Alberto Gonçalves, Hélia Marchante, Elizabete Marchante, João Pradinho Honrado III.4 | DESAFIOS E MODELOS PARA A MONITORIZAÇÃO DAS FLORESTAS DO NORTE DE PORTUGAL Francisco Castro Rego, João Pradinho Honrado 419 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 CONDIÇÃO E TENDÊNCIAS RECENTES DOS SERVIÇOS DE ECOSSISTEMA FLORESTAL NO NORTE DE PORTUGAL Sónia Carvalho Ribeiro1, João C. Azevedo2, Carlos Guerra3, Vânia Proença4, Claudia Carvalho Santos5,6, Isabel Pôças5, Teresa Pinto Correia1, João Pradinho Honrado5,6 Ribeiro SC, Azevedo JC, Guerra C, Proença V, Santos CC, Pôças I, Correia TP, Honrado JP (2011). Condição e tendências recentes dos serviços de ecossistema florestal no Norte de Portugal. In Tereso JP, Honrado JP, Pinto AT, Rego FC (Eds.) Florestas do Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão. InBio - Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva. Porto. ISBN: 978-989-97418-1-2. Pp 205-247. Resumo: Os serviços de ecossistema florestal estão incluídos num grupo mais vasto, definido como serviços de ecossistema (SE) pelo Millenium Ecosystem Assessement. Os serviços do ecossistema florestal são os benefícios que a sociedade em geral obtém da floresta e incluem serviços de produção, regulação, suporte e culturais. Este capítulo analisa a condição e as tendências recentes de um conjunto de serviços dos ecossistemas florestais no Norte de Portugal no período 1974-2010 e consistiu num esforço interdisciplinar para os descrever e, na medida do possível, não só quantificar mas também mapear a sua distribuição espacial. Na análise dos serviços de produção observou-se, em geral, um alto nível de produtividade das florestas da região Norte, principalmente nas regiões PROF do Alto e Baixo Minho e também no Tâmega. No entanto, a análise do integral anual de NDVI no período 2001- 2010 revelou uma tendência significativa de diminuição da produtividade numa percentagem de píxeis relativos a áreas florestais, com particular incidência em áreas cuja função principal é a produção. Em relação à produção de biomassa, foi estimado que o valor potencial de produção anual só para as duas principais espécies florestais na região (pinheiro e eucalipto) pode representar cerca de 7,3% do consumo de energia eléctrica na região NUTS II Norte (dados relativos a 2009). A análise da condição dos serviços de regulação realizou-se para a regulação e purificação da água, para a mitigação dos riscos naturais e também para o sequestro de carbono. Foi salientada a heterogeneidade da capacidade de provisão dos serviços de regulação e purificação da água nas regiões do Minho e Trás-os-Montes, bem como o importante papel das florestas regionais na fixação de carbono. Em relação à mitigação de riscos naturais (ex. erosão do solo), a condição foi descrita como preocupante já que muitas das áreas de aptidão florestal estão localizadas em áreas de elevado potencial de erosão. Nos serviços de suporte foi analisada a condição da biodiversidade em áreas florestais realçando o papel das florestas autóctones de carvalhos na provisão deste serviço ainda que na região Norte a área destas florestas se mantenha inferior à área ocupada por florestas plantadas sendo também a sua distribuição dispersa e fragmentada. No que respeita aos serviços culturais, ainda que demonstrada a elevada “capacidade” da paisagem no Norte para satisfazer diferentes procuras sociais foi também realçado que diferentes tipos de floresta “podem satisfazer de modo diferente públicos distintos”. Mais preocupante ainda é a possibilidade de que as preferências imediatas da sociedade em relação a um tipo de serviço (ex. recreio) 1 Instituto Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas (ICAAM), Universidade de Évora (UE). 2 Departamento de Ambiente e Recursos Naturais & Centro de Investigação de Montanha (CIMO), Escola Superior Agrária, Instituto Politécnico de Bragança. 3 GeoSys: Geomática e Análise de Sistemas Ambientais, Escola Superior Agrária de Ponte de Lima, Instituto Politécnico de Viana do Castelo. 4 Faculdade de Ciências, Centro Biologia Ambiental (CBA), Universidade de Lisboa. 5 6 InBio / CIBIO-Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, Universidade do Porto. Departamento de Biologia, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. 206 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 poderem pôr em causa a provisão de outros serviços (ex. protecção do solo). Finalmente, o capítulo explora tendências recentes de acordo com três cenários possíveis: um cenário de continuidade, um outro relacionado com o abandono rural e de regeneração da floresta nativa, e um terceiro em torno da intensificação da gestão para fins de produção. CONDITION AND RECENT TRENDS OF FOREST ECOSYSTEM SERVICES IN THE NORTH OF PORTUGAL Abstract: Ecosystem services from forests are included in a larger set of services provided by the environment defined as the benefits people obtain from ecosystems by the Millenium Ecosystem Assessement. This chapter analysis both the condition and recent trends of change for a set of ecosystem services in Northern Portugal in the period 1974-2010. This work is a multidisciplinary effort to describe, and when possible, to quantify and map the spatial distribution of forest ecosystem services across the Northern region of Portugal. The analysis of production services show that there is, in general, a high productivity level which peaks in both Alto and Baixo Minho as well as Tâmega regions. Nevertheless, despite having high levels of productivity the analysis of the NDVI index for the period 2001-2010 showed a significant trend for decreasing productivity specialy in the areas allocated to production functions. As far as production of biomass is concerned, there is too a high productivity level and it has been estimated that only the two major tree species (pine and eucalyptus) in the region are able to supply annually 7.3% of the electric energy needs in the Northern region (data for 2009). The analysis of the condition of regulation services was undertaken to water regulation and purification, soil erosion as well as carbon sequestration. It was highlighted the heterougeneous capacity of provisioning water regulation and purification services across the Minho and Trás-os-Montes regions as well as the important role of forests in cabon sequestration. Concerning soil erosion there are serious concerns that forests in the region are not able to supply this service in the proportion it is required as some forests are located in prone to erosion areas. As far as the support system is concerned the condition of biodiversity in forest areas has been assessed and the role of the native oak trees higligthed despite the fact that the majority of the forests in the North were planted and its distribution disperse and fragmented. For the cultural ecosystem services it was shown that the diverse forest landscape settings in the north are likely able to fulfill multiple social demands, however, different forest types may suit differentially public and user groups. Consequentely, another issue raised was that the preferences by people for a certain amenity activity (e.g. recreation) may compromise other ecosystem services (e.g. prevent soil erosion). Finaly, the last section of the chapter explores three possible trends of change framed, in a very simplistic way, as scenarios: one of them focuses on continuity, the second one explores the possible future in which abandonment and enchorachment of oak native forests occurs. A third one focusses on management intensification enhacing forestry productive functions. 207 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 1. Introdução 1.1. A floresta em múltiplas escalas Pelo seu longo ciclo de vida, as árvores e por conseguinte as florestas, atravessam os diferentes horizontes temporais abordados nos capítulos deste livro. As florestas atuais são um legado do passado e as florestas do futuro construir-se-ão com base no capital do presente. Este capítulo sobre a condição atual e as tendências dos Serviços do Ecossistema Florestal (SEF) no Norte de Portugal, focaliza-se no período do Portugal democrático, desde 1974 até à atualidade (2010). Foram inúmeras as alterações ao longo destas quatro décadas que direta ou indiretamente afetaram as florestas na região Norte de Portugal. Estas alterações, ou melhor os promotores que potenciaram as alterações, tiveram muitas vezes origem a outras escalas, nomeadamente às escalas mundial, europeia e nacional, mas também à escala local, uma vez que as dinâmicas locais (como as alterações no uso do solo) podem ter repercussões nas dinâmicas regionais. À escala mundial tem sido crescentemente reconhecida a necessidade de adotar estratégias de desenvolvimento sustentável. Principalmente depois da conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, que decorreu no Rio de Janeiro em 1992, foram assinados vários acordos internacionais para proteger a integridade do sistema global de ambiente e desenvolvimento (WCED 1987) e foi também consensual a necessidade de implementar esquemas de gestão sustentável das florestas (e.g. Forest Stewardship Council (FSC)). Diversos conceitos e teorias surgiram na sequência destas iniciativas, sendo recorrentemente assinalada a necessidade de os operacionalizar, no sentido da implementação de modelos de desenvolvimento sustentável, concertando esforços entre as escalas locais, regionais, nacionais, continentais e mundiais (OECD 2006, Radich e Alves 2000). Um dos conceitos usados para alargar a componente da sustentabilidade no setor florestal a outras funções, para além de assegurar a regularidade de fornecimento de matérias primas à indústria, foi “o uso múltiplo da floresta”. A sua definição surgiu nos Estados Unidos da América (EUA) na década de 1960 como sendo: “A exploração da floresta de modo a conservar os recursos naturais dos solos, dentro de um nível elevado de produção dos cinco principais usos: material lenhoso, água, pastagem, recreio e fauna selvagem, para benefício em larga escala de um número cada vez maior de pessoas,...” (Radich e Alves 2000:179). Outro conceito muito usado, principalmente nos EUA e Canadá, para abordar a componente da sustentatibilidade no setor florestal foi o conceito de “Ecosystem Management” (UNEP 2011). De entre muitas outras iniciativas à escala mundial que usaram este conceito destaca-se mais recentemente o “Millennium Ecosystem Assessement” (MA 2003) com o objetivo de avaliar a condição dos vários ecossistemas (incluindo as florestas) a múltiplas escalas. À escala Europeia refletiram-se claramente as dinâmicas mundiais, e consequentemente no “velho continente” organizaram-se inúmeras Conferências Ministeriais para a Proteção das Florestas na Europa (MCPFE) nomeadamente em Estrasburgo (1990) - que foi até anterior à conferência do Rio -, Helsinkia (1993), Lisboa (1998), Viena (2003) e Varsóvia (2007), nas quais o conceito de gestão florestal sustentável foi ganhando crescente relevância. Ainda que sem 208 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 uma política florestal comum, a União Europeia (UE) influenciou (e continua a influenciar) as políticas florestais nacionais dos estados membros, nomeadamente através das medidas de desenvolvimento rural (Radich e Alves 2000). Na Europa, a área florestal tem vindo a aumentar e a inversão de desflorestação para um ligeiro aumento da área florestal foi denominado de “transição florestal” (“forest transition”) (Mather e Needle 1998). Em paralelo, a importância da floresta para funções para além das produtivas, sobretudo produção de lenho, incluindo as de recreio, proteção e conservação, tem sido crescentemente reconhecida (DGF 1999). Em Portugal, tem sido notório que o “desenvolvimento”, conciliando preocupações ambientais, económicas e sociais é difícil de alcançar. Todavia, o conceito de uso múltiplo foi adotado em Portugal nos anos 1980 e aplicado no âmbito do Programa de Acção Florestal (PAF) bem como noutros instrumentos da política florestal. Nas décadas seguintes (1990 e 2000), em consonância com as dinâmicas Europeias, outro conceito teve relevância a par da política florestal nacional, concretamente o novo paradigma da “gestão florestal sustentável”. Mais recentemente surge o conceito de “serviços dos ecossistemas florestais” (SEF), que será detalhadamente abordado no decorrer deste capítulo. Nas últimas quatro décadas o setor florestal nacional passou por inúmeras alterações ao nível legislativo, com relevância para a evolução recente dos espaços florestais. Desta panóplia salientamos apenas duas: os documentos legais que regem a gestão comunitária das terras baldias, pela representatividade em termos de área que os terrenos comunitários têm no Norte de Portugal, e a lei de bases da política florestal. Em relação à primeira, os Decretos Lei nº 39 e 40 de 1976 e a lei dos baldios 68/93 são de extrema importância no Norte e Centro de Portugal, ao proclamarem a “entrega dos terrenos baldios às comunidades locais”. No mais recente inquérito realizado a nível nacional (em 2000), registaram-se 820 unidades de baldio, das quais 675 possuem extensão conhecida. Destas 675 unidades, 43% (292) têm áreas iguais ou inferiores a 100 hectares, enquanto 57% (383) dos baldios inquiridos têm áreas superiores a 100 hectares (Baptista 2010). Em relação à lei de bases da política florestal (lei n.º 33/96 de 17 de Agosto), esta é o principal instrumento de orquestração de toda a política florestal em Portugal e previu a criação de instrumentos setoriais de planeamento, nomeadamente os Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF) - regulados pelo Decreto-Lei n.º 204/99 de 9 de Junho - que estabelecem as normas de intervenção sobre a ocupação e a utilização dos espaços florestais. Também a Estratégia Florestal Nacional (EFN) suporta os PROF e explicita os seus principais eixos (ver capítulo III.1). 1.2. As florestas e os seus serviços no norte de Portugal Considera-se aqui, na maioria das análises realizadas ao longo deste capítulo, que a região Norte de Portugal abrange a área geográfica dos seguintes PROFs: Alto Minho, Baixo Minho, Barroso e Padrela, Nordeste, Douro, Tâmega, e Área Metropolitana do Porto e Entre Douro e Vouga (AMPEDV) (ver Figura 1). Por falta de informação geográfica a esta escala, a análise dos serviços de mitigação de riscos naturais e controlo da erosão apresenta uma área geográfica ligeiramente diferente. Este facto será explicado na Secção 2.2.3. 209 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Figura 1 Área geográfica das sete regiões PROF no Norte de Portugal. Na região Norte, as áreas florestais (áreas ocupadas por arvoredos florestais de qualquer porte, com uso silvopastoril ou incultos de longa duração) que compreendem povoamentos e formações arbóreas (48%) e matos ou incultos (52%), ocupam 1 293 400 hectares, perfazendo 60% da superfície da região (PROT-N 2009). A comparação dos dois últimos Inventários Nacionais (1995/98 e 2005/06) revela uma redução de 7% dos povoamentos florestais no Norte, ao contrário da tendência geral no país, com 2% de acréscimo da superfície florestal arborizada, redução esta que se ficou a dever à perda de áreas de povoamentos (-20%) e de outras áreas arborizadas (-52%); no entanto, no mesmo período aumentaram as áreas de matos (+14% em 2005-06 do que em 1995/98). A perda sofrida na superfície dos povoamentos florestais na última década afetou quase todas as espécies arbóreas inventariadas; destaca-se, em valores absolutos, a perda mais acentuada nos povoamentos de pinheiro bravo, seguida dos povoamentos de eucalipto. No entanto, perdas mais significativas, em valor percentual das áreas preexistentes, ocorreu nas espécies de sobreiro e azinheira (espécies atualmente protegidas por legislação específica) e nas resinosas diversas (PROT-N 2009). Igualmente preocupante é a redução em 27% da superfície de povoamentos de castanheiro e de folhosas diversas (PROT-N 2009). Contrariando a tendência regressiva, verificou-se o aumento da superfície ocupada por carvalhos em quase toda a região, com particular relevância para as NUT III Minho-Lima e Douro. Já as perdas registadas nas espécies de sobreiro, azinheira e resinosas diversas incidem sobretudo na sub-região de Trás os Montes (Alto Trás os Montes e Douro). Apesar das perdas registadas, o contributo da região Norte para a diversidade da floresta do país é ainda fundamental: aqui se concentram mais de 60% das formações arbóreas de 210 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 carvalhos, folhosas e resinosas diversas e 87% dos povoamentos de castanheiro. A superfície de pinhal e de eucaliptal, que representam respectivamente 27% e 19% do total no país, são também indicativos da sua importância estratégica no contexto nacional (PROT-N 2009). As Tabelas 1 e 2 descrevem a área com uso florestal nas diferentes regiões PROF (AFN 2010). As espécies mais representativas da floresta do Norte de Portugal são o pinheiro bravo (Pinus pinaster), representando aproximadamente 45% dos povoamentos florestais, o eucalipto (Eucalyptus globulus), com 22%, e os carvalhos (principalmente Quercus robur, a Oeste, e Quercus pyrenaica, a Este) com 16% dos povoamentos florestais (Tabela 2). Tabela 1 Área de uso florestal no Norte de Portugal por Região PROF. Fonte: 5º Inventário Florestal Nacional (AFN 2010). Área Florestal Região PROF (ha) (%) Alto Minho 68486 30.87 Baixo Minho 78623 31.55 Tâmega 93390 35.65 AMP e Entre Douro e Vouga 69175 41.31 Barroso e Padrela 87996 30.41 Nordeste 150532 28.52 Douro 132457 32.24 Total/Média 680659 31.98 Tabela 2 Área (em hectares) ocupada pelas principais espécies florestais do Norte de Portugal por Região PROF em povoamentos florestais. Fonte: 5º Inventário Florestal Nacional (AFN 2010). Região PROF Pinheiro- Eucaliptos Sobreiro Azinheira Carvalhos Castanheiro Acácias bravo Alto Minho 28033 18882 Baixo Minho 33721 28486 26 Tâmega 40480 25075 112 AMP e 14348 43266 Barroso e Padrela 48629 2100 1343 385 9166 3838 Nordeste 43199 6461 6778 2744 40298 18452 Douro 50864 3939 3676 3837 15434 3393 259274 128209 11935 7013 91602 26233 44.92 22.21 2.07 1.21 15.87 4.54 Outras Outras folhosas resinosas 12128 157 125 2876 1442 25 6452 299 50 5211 108 22 7481 76 175 7157 266 25 3260 25 3956 753 6733 14834 4041 1881 400 33234 19309 0.07 5.76 3.35 643 Entre Douro e Vouga Total % 25 Cada região PROF definiu para as diferentes sub-regiões homogéneas um conjunto de três funções principais de entre um conjunto de cinco possíveis, nomeadamente: produção (pd), proteção (pt), conservação (c), recreio (r), e silvopastorícia, caça e pesca (sp/c). A Figura 2 mostra em tons de laranja a castanho as sub-regiões homogéneas cuja função principal é produção. Dentro desta vasta área são visíveis as sub-regiões homogéneas onde a produção 211 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 é diversamente conjugada com as outras duas funções também consideradas prioritárias. Com tons de magenta a verde-água aparecem as sub-regiões cuja função principal é a silvopastorícia, caça e pesca (também conjugadas com as restantes duas funções principais), a verde escuro as sub-regiões onde a função principal é a conservação, e, finalmente, a verde claro, as sub-regiões homogéneas cuja função prioritária é a proteção (também conjugada com as restantes duas funções principais). Figura 2 As três funções principais nas sub-regiões homogéneas como definidas nos vários PROFs. Os serviços de ecossistema providenciados pela floresta (benefícios que a sociedade obtém dos ecossistemas florestais) podem ser categorizados em quatro grupos, de acordo com a tipologia proposta pelo “Millennium Ecosystem Assessement” (MA 2003): serviços de produção, serviços de regulação, serviços de suporte e serviços culturais. Os serviços de produção geram produtos que as pessoas obtêm da floresta tal como lenha e madeira, mas também produtos não lenhosos como cogumelos silvestres e caça. Os serviços de regulação são os benefícios que se obtêm por exemplo da regulação do clima e do regime hídrico, e do controlo da erosão do solo. Os serviços de suporte são todos aqueles que são necessários para gerar todos os outros serviços dos ecossistemas, incluindo importantes funções dos ecossistemas tais como a produção primária, a produção de oxigénio, a formação do solo e a biodiversidade. Finalmente, os serviços culturais são todos os benefícios não materiais que as pessoas obtêm dos ecossistemas florestais, como oportunidades de recreio e de bem-estar espiritual. 212 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Como ilustra a Figura 3, os locais onde os serviços, ou seja os benefícios são gerados (B) e os locais onde estes são produzidos (P) podem ocorrer nos mesmos locais ou em diferentes locais na paisagem: 1) In situ: benefícios no local onde a floresta está localizada e onde, portanto, os serviços são gerados; 2) Omnidirecionalmente: benefícios gerados sem direção definida, como no caso da polinização, sequestro de carbono, biodiversidade; 3 e 4) Direcionalmente: benefícios gerados numa determinada direção - caso das florestas situadas a montante nas bacias hidrográficas, onde regulam o fluxo de água (3) ou as florestas das dunas que protegem as zonas costeiras da erosão (4) (Fisher et al. 2004). Figura 3 Relação espacial entre os locais onde os SEF são produzidos (P) e os benefícios gerados (B) na paisagem. Não é possível no âmbito de um trabalho desta natureza descrever todos os serviços de ecossistema da floresta no norte de Portugal. Deste modo, irá ser explorada uma seleção de diferentes tipos de SEF. A Tabela 3 resume o tipo de serviço e também os possíveis locais onde o correspondente benefício é gerado. Tabela 3 Serviços de ecossistema florestal estudados no âmbito do capítulo. Serviços de Ecossistema Florestal Suporte No Local Regulação Culturais -Produtividade primária -Biomassa -Cogumelos silvestres Direccional Omnidireccional Produção -Regulação e purificação da água -Mitigação de riscos -Sequestro de carbono -Biodiversidade -Recreio e lazer Na análise deste conjunto diversificado de SEF no norte de Portugal foi necessário, em termos metodológicos, recorrer a diferentes fontes e tipos de dados que serão descritos nas 213 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 respetivas secções do capítulo. Também em casos pontuais foi usado um conceito estrito de “floresta” (espaços florestais efetivamente arborizados) enquanto no geral as análises focaram a sua atenção nas florestas e suas dinâmicas no seio dos espaços florestais (incluindo os não arborizados) e da paisagem. Referências gerais usadas ao longo do texto reportam dados das entidades oficiais, nomeadamente os dados do Inventário Florestal Nacional (IFN) da Autoridade Florestal Nacional (http://www.afn.min-agricultura.pt/portal/ifn). Nas análises onde foi necessário usar dados da cobertura florestal espacialmente explícitos, foram usados os dados cartográficos do Instituto Geográfico Português (http://www.igeo.pt/e-IGEO/egeo_ downloads.htm) (“Corine Land Cover” e Carta de Ocupação do Solo) (exceção feita para a Secção 2.1.1, em que foram usados dados de satélite, nomeadamente do sensor MODIS). Assim, a estrutura deste capítulo é a seguinte: a Secção 2 aborda os diferentes tipos de serviços, ou seja, produção (Secção 2.1), regulação (Secção 2.2.), suporte (Secção 2.3) e culturais (Secção 2.4); a Secção 3 analisa o uso e as preferências sociais das florestas no Norte; e finalmente a Secção 4 explora possíveis tendências na condição dos serviços de ecossistema pelas florestas regionais. 2. A condição dos serviços de ecossistema florestal no Norte de Portugal 2.1. Serviços de Produção 2.1.1. Aspetos gerais Os benefícios mais reconhecidos que os ecossistemas florestais proporcionam ao Homem são os seus produtos lenhosos e não lenhosos. A fileira florestal nacional exporta anualmente mais de 3500 milhões de euros, principalmente para a União Europeia, com valores sensivelmente semelhantes entre as indústrias da pasta, papel e cartão, as indústrias da madeira e da cortiça, e o fabrico de mobiliário e de colchões (DNFF 2010). A fileira florestal representa um valor líquido positivo nas exportações portuguesas, por oposição ao restante setor agrário bem como em geral ao balanço comercial do país. Para além do acima referido, o setor florestal emprega, direta e indiretamente, cerca de 3% da população ativa em Portugal (DNFF 2010). Os produtos lenhosos da floresta bem como o seu valor económico serão abordados nos capítulos da terceira parte deste livro. As condições ambientais de Portugal são favoráveis à produção florestal, quer para obtenção de materiais lenhosos, quer para exploração de produtos não lenhosos. A diversidade de condições permite distinguir 12 grandes regiões de arborização, das quais essencialmente quatro estão representadas no Norte do País (Alves 1982): (i) região basal atlântica, situada no litoral e com elevadas potencialidades de crescimento para espécies como o pinheiro-bravo e o eucalipto; (ii) região montana subatlântica, integrando as serras de Trás-os-Montes e incluindo grande diversidade de espécies (e.g. castanheiro, carvalho-negral e pinheiro-bravo) e áreas de aproveitamento silvo-pastoril nos planaltos; (iii) região montana ibérica, integrando a zona mais oriental do Norte de Portugal, onde as pastagens compartimentadas por vegetação arbórea (e.g. ulmeiros, freixos, bosquetes de resinosas) são características; e (iv) região submontana subatlântica, numa área de transição entre as restantes regiões, onde se adapta o pinheiro-bravo como espécie rústica mas também espécies folhosas como o castanheiro (para produção quer de madeira quer de fruto). 214 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 2.1.2. Padrões da produtividade primária no Norte de Portugal A capacidade de produzir bens materiais capitaliza a produtividade primária do ecossistema florestal, que pode ser considerada um serviço de suporte (pois é a base de funcionamento do ecossistema Cap. II.1; Quadro 4) (MA 2003). No entanto, este capítulo considera-a nas funções de produção já que é aqui entendida como uma aproximação a esses serviços, dada a relação direta entre a produtividade primária e produtos lenhosos e não lenhosos (ex. produção de biomassa ou cogumelos silvestres). Tradicionalmente, as estimativas de produtividade florestal baseiam-se em informação recolhida à escala da parcela, o que constitui um processo moroso e caro. Por outro lado, a extrapolação dessa informação para uma escala regional é frequentemente condicionada pela variabilidade espacial dos fatores que afetam a produção florestal, de modo particular a topografia, o clima e a gestão florestal. Neste contexto, a obtenção de estimativas de produtividade florestal através de dados derivados por deteção remota apresenta-se como uma alternativa para ultrapassar algumas das limitações decorrentes dos métodos tradicionais. Ao garantir observações consistentes e sistemáticas sobre uma mesma área, a deteção remota permite aplicações numa grande diversidade de domínios, entre os quais constam a monitorização de dinâmicas da vegetação e dos ecossistemas e a descrição da heterogeneidade espacial do funcionamento dos ecossistemas em escalas locais, regionais e globais (Alcaraz-Segura et al. 2008, 2009). Para estas aplicações é frequente o recurso a índices de vegetação (IV), de modo particular o NDVI (Normalized Difference Vegetation Index), que traduz o contraste entre a máxima absorção de radiação pela vegetação na zona do vermelho do espetro eletromagnético, devido à presença da clorofila, e a máxima reflectância no infravermelho próximo devido à estrutura celular foliar (Rouse et al. 1973). Diversos estudos comprovam a relação do NDVI com vários parâmetros biofísicos das plantas, relacionados com a fenologia da vegetação, a radiação fotossinteticamente ativa absorvida, a biomassa e a produção primária (Glen et al. 2008, Maire et al. 2011, Paruelo et al. 1997, Wu et al. 2010, Xiao et al. 2006). A utilização de sensores com elevada resolução temporal1 (e.g. MODIS, com resolução temporal diária) permite obter perfis anuais de NDVI característicos de diferentes tipos de vegetação/ecossistemas. A partir destes perfis é possível calcular métricas, entre as quais o integral anual de NDVI, que corresponde ao somatório dos valores de NDVI ao longo da estação de crescimento. Este integral de NDVI possui uma relação linear com a produtividade (Guerschman e Paruelo 2005, Pettorelli et al. 2005), constituindo por isso um indicador fiável de produtividade. A Figura 4(a) apresenta o integral anual de NDVI, calculado a partir de dados do sensor MODIS (resolução espacial2 de 250 m), em áreas de ocupação florestal no Norte de Portugal (de acordo com a carta de ocupação do solo “Corine Land Cover”, CLC, para 2006). 1 A resolução temporal corresponde ao tempo necessário para recolher uma nova imagem no mesmo local. 2 A resolução espacial representa o tamanho do menor objeto no solo que se consegue detetar na imagem, com correspondência ao tamanho do píxel. 215 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Figura 4 Classes do integral anual do NDVI (média de 10 anos: 2001-2010) derivado a partir de dados do sensor MODIS: (a) para as áreas de ocupação florestal (incluindo florestas de resinosas, folhosas e mistas) de acordo com a carta CLC 2006; (b) para as áreas de ocupação florestal das sub-regiões homogéneas com função principal de produção. De uma forma genérica, as áreas florestais do Norte de Portugal apresentam integral anual de NDVI elevado a muito elevado, registando-se uma predominância das áreas de valores mais elevados nas regiões PROF do Alto Minho, do Baixo Minho e do Tâmega (Figura 4a), com particular incidência nas áreas situadas abaixo dos 700 metros de altitude. Nas sub-regiões homogéneas em que a função principal é a produção, cerca de 81% dos píxeis de áreas florestais integram as classes de valores elevados e muito elevados de integral de NDVI, indicando níveis de produtividade igualmente elevados (Figura 4b). Nestas mesmas áreas, cerca de 96% dos píxeis com integral anual de NDVI mais alto ocorrem nos andares altimétricos sub-montano e montano (400-1000 m). A análise da série temporal de dados de integral anual de NDVI no período entre 2001 e 2010 revela uma tendência estatisticamente significativa de alteração em 9% dos píxeis com ocupação florestal, dos quais 6% correspondem a uma tendência negativa, isto é, de diminuição do integral anual de NDVI, e 3% a uma tendência positiva, ou seja, de aumento daquela métrica. A maior concentração de píxeis com tendência de diminuição do integral anual de NDVI, e consequentemente da produtividade, ocorreu nas regiões PROF do litoral norte – Área Metropolitana do Porto e Entre Douro e Vouga, Baixo Minho, e Alto Minho –, onde o elevado número de fogos, a reduzida dimensão da propriedade e o alheamento da administração florestal são apresentados como algumas das principais ameaças e pontos fracos (DGRF 2006a; 2006b; 2006c). Neste mesmo período (2001-2010), a percentagem de píxeis com tendência de alteração significativa face ao total de píxeis de áreas florestais por função principal variou entre 7,5% (silvopastorícia, caça e pesca) e 9,0% (produção), conforme se observa na Figura 5. Contudo, 216 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 é de realçar que, do total de píxeis florestais com tendência de alteração significativa, cerca de metade foram registados em sub-regiões homogéneas cuja função principal é a produção (Figura 5); destes píxeis, 72% registaram tendência negativa e 28% tendência positiva. A predominância de píxeis com tendência de diminuição do integral de NDVI (e consequentemente da produtividade) em áreas cuja função principal é a produção poderá estar associada aos cortes florestais, bem como à elevada ocorrência de incêndios na última década e, em alguns casos, à ainda elevada existência de espaços florestais em que a gestão é reduzida ou nula. Figura 5 Percentagem de pixéis com tendência de alteração do integral anual de NDVI por tipo de função principal das áreas de ocupação florestal: (a) face ao total de pixéis de áreas florestais por função principal; (b) face ao total de pixéis com tendência significativa. Os padrões e as dinâmicas do NDVI no Norte de Portugal revelam, portanto, que: (i) a produtividade primária, suporte de diversos serviços de ecossistema, possui um padrão heterogéneo no contexto regional; (ii) as áreas florestais da região Norte possuem um elevado potencial produtivo; e (iii) registou-se uma tendência predominante de diminuição da produtividade primária na última década, estando ainda, no entanto, por identificar com rigor os determinantes dessa tendência. A análise pormenorizada da informação gerada através de dados de deteção remota acerca de indicadores de produtividade potencial das áreas florestais e suas tendências na última década poderá constituir uma ferramenta de apoio à gestão florestal, tendo como objetivo a melhoria da eficiência e competitividade do setor. 217 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 2.1.3. Biomassa para Energia Outro “produto” com origem no ecossistema florestal e que se baseia na produtividade primária é a biomassa para energia. A biomassa produzida por fotossíntese e acumulada nas plantas, principalmente nas árvores, ao longo do seu crescimento acumula consideráveis quantidades de energia que é habitualmente aproveitada, sob a forma de lenha, para produção de calor doméstico (aquecimento de edifícios, por exemplo) ou industrial (para produzir vapor, por exemplo). Este vapor pode, por sua vez, ser utilizado para produzir eletricidade. A energia da biomassa é habitualmente considerada muito interessante, quer numa perspetiva energética, quer do ponto de vista ambiental, por ser abundante e renovável, ter associado um balanço neutro de CO2 à sua utilização, possuir um baixo risco de contaminação ambiental, permitir autossuficiência energética regional/nacional nalguns setores da atividade económica e ainda promover o desenvolvimento socioeconómico a nível local. No entanto, existem argumentos que alertam para a necessidade de uma gestão atenta deste recurso florestal, já que a pressão associada a uma recolha de biomassa economicamente viável poderá comprometer funções ecológicas importantes, incluindo a regeneração dos povoamentos. A energia da biomassa é habitual e tradicionalmente utilizada no Norte de Portugal, principalmente a partir de lenhas utilizadas para aquecimento em lareiras, fogões de sala e recuperadores de calor ou na confeção de alimentos em fogões. No distrito de Bragança, por exemplo, as lenhas representam 27% da energia primária (Ferreira 2008), havendo mercados organizados para este produto. No grupo das fontes de energia renováveis, o peso da biomassa na produção energética nacional tem, no entanto, sido discreto. Com exceção de alguns setores da indústria que aproveitam de forma significativa a energia da biomassa, nomeadamente a indústria de papel e pasta de papel, a conversão de energia da biomassa tem tido poucos desenvolvimentos no nosso país. Até muito recentemente, apenas duas centrais termoeléctricas baseadas em biomassa se encontravam em funcionamento, nenhuma das quais na região Norte. A Estratégia Nacional para a Energia de 2006 propôs instalar no país uma potência eléctrica de 250 MWe a partir da biomassa florestal até 2010/2011, através da construção de 15 centrais termoeléctricas de baixa potência. Este programa destinava-se igualmente a contribuir para a redução de combustíveis nas florestas, permitindo que os resíduos das limpezas tivessem um valor resultante do estabelecimento de um mercado de biomassa para produção de eletricidade. Das 15 centrais previstas, seis destinavam-se à região Norte, embora nenhuma delas tenha sido concluída de acordo com o programa estabelecido. A Estratégia Nacional para a Energia (ENE 2020) defende o aumento do contributo da biomassa para a produção energética nacional, nomeadamente através de culturas dedicadas de rápido crescimento que, até 2020, deverão representar 30% do abastecimento de centrais termoelétricas a biomassa. No âmbito do setor da biomassa para energia, as principais evoluções recentes foram registadas ao nível da produção de “pellets” de biomassa, principalmente industriais. Várias unidades de grande dimensão têm vindo a ser instaladas, principalmente na região Centro, encontrando-se entre as unidades com maior capacidade de produção da Europa, para onde exportam de forma quase exclusiva a sua produção. Esta biomassa florestal é utilizada em centrais termoelétricas de países como a Dinamarca ou a Alemanha. No Norte de Portugal, existem atualmente unidades de produção em Lousada, Chaves, Braga, Melgaço e Caminha, havendo, no entanto, ainda alguma capacidade para expansão do setor. 218 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Em síntese, o potencial da região Norte para produção de energia a partir da conversão da biomassa florestal é muito elevado. Tal resulta não só da considerável área que as florestas da região representam (Tabela 1) como também das elevadas produtividades aí observadas, sobretudo nas áreas de maior influência atlântica. No distrito de Bragança, que tem uma percentagem de ocupação florestal relativamente baixa (cerca 29% do território) e onde se observa a produtividade mais baixa no país para o pinheiro-bravo (1.4 ton ms/ha.ano), a única espécie que permite comparações à escala nacional, estimou-se que a biomassa produzida anualmente é suficiente para proporcionar a energia necessária para satisfação das necessidades dos setores doméstico e industrial/comercial do distrito, permitindo ainda o excedente assegurar a produção de 73.5 GWh de eletricidade, ou assegurar uma potencia instalada de 13 MWe (Azevedo et al. 2011). Efetuando uma análise com uma metodologia semelhante à escala da região Norte, e considerando apenas dados relativos ao pinheiro-bravo e ao eucalipto, que representam 67% de toda a área florestal da região, estimamos que o crescimento anual da biomassa florestal atual equivale a uma energia total de 18.2PJ que, se convertida em energia eléctrica, corresponderia a 1.1TWh (ou a uma potência instalada de 154MW1) em toda a região. Este valor representa cerca de 7,3% do consumo de 15,1TWh de energia elétrica na região NUTS II Norte em 2009. 2.1.4. Recolha e comercialização de cogumelos silvestres Os sistemas florestais e agroflorestais do Norte de Portugal são particularmente ricos em cogumelos silvestres (macromicetas ou macrofungos). Inúmeras espécies frutificam no OutonoInverno ou no início da Primavera, proporcionando um recurso abundante e de elevado valor cultural e comercial. A diversidade, a ecologia e a distribuição das espécies de macrofungos não são, no entanto, integralmente conhecidas no contexto regional. Em Trás-os-Montes, trabalhos de investigação conduzidos desde os anos 1980 têm contribuído para a consolidação do conhecimento fundamental sobre a diversidade regional e local de cogumelos, em particular nos habitats dominados por castanheiro (Castanea sativa), carvalho-negral (Quercus pyrenaica), azinheira (Quercus rotundifolia) e pinheiro-bravo (Pinus pinaster), revelando uma diversidade de macrofungos muito elevada (Baptista 2007). A diversidade e a abundância de macrofungos noutras regiões do Norte de Portugal são, pelo contrário, praticamente desconhecidas, embora se preveja que sejam igualmente elevadas nos habitats florestais do Noroeste, tendo como base o conhecimento existente em regiões ecologicamente semelhantes, nomeadamente a Galiza. A recolha de cogumelos para consumo é uma atividade com muita tradição e importância gastronómica e económica nas regiões do interior. Em Trás-os-Montes, é realizada uma recolha tradicional de cogumelos de diversas espécies para consumo humano (Martins 2004). Existe conhecimento popular sobre a fenologia e a distribuição das espécies por tipo de habitat, sendo abundantes as designações comuns para diversas espécies. Outro elemento notável do interesse e gosto pelos cogumelos nesta região é o cultivo tradicional e doméstico de repolgas (Pleurotus ostreatus) em troncos de árvores. 3 Admitindo uma energia química de 18 GJ/ton de matéria seca; 7200 horas por ano de funcionamento de uma central termoelétrica; e uma taxa de conversão para energia elétrica de 22%. 219 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 A partir do inicio dos anos 1990 do século transato, a recolha de cogumelos passou a ser feita principalmente por motivos comerciais. Os preços consideráveis pagos ao coletor e a existência no terreno de redes de comercialização perfeitamente definidas, assegurando o escoamento deste recurso, fomentaram a recolha regular de cogumelos, mesmo nas regiões onde não existia recolha tradicional para consumo. São assim muitas as pessoas que, principalmente no período Outono-Inverno, se dedicam a esta atividade. O valor elevado dos cogumelos resulta da elevada procura existente em países tradicionalmente consumidores destes alimentos (Espanha, França, Itália), onde as produções locais são insuficientes para abastecimento do mercado. Estes países são os destinos habituais dos cogumelos da região Norte. Os preços pagos ao colector variam com a sazonalidade da oferta, mas permitem que a recolha de cogumelos constitua um complemento importante dos rendimentos das famílias. Em Trás-os-Montes as espécies mais recolhidas para comercialização são Amanita caesarea, Boletus pinicola, B. edulis, B. aereus, Hydnum repandum, Lactarius deliciosus, Tricholoma equestre, T. portentosum e T. georgii. Os preços mais elevados praticados em Trás-os-Montes são da ordem dos 60€/kg para a espécie Tricholoma georgii (Garcia et al. 2006). O valor do serviço de produção de cogumelos nas florestas do Norte do país não está calculado. No entanto, pela dimensão visível do fenómeno de recolha e comercialização de macrofungos, no entanto estima-se que possa ser considerável. O facto de as produções serem anuais e ocorrerem em duas épocas do ano, permite considerar que no período de vida de um povoamento florestal o valor possa ser comparável ao valor dos produtos principais da atividade florestal. No entanto, a recolha comercial de cogumelos é considerada uma causa possível de extinção local ou redução das áreas de distribuição e da abundância de muitas espécies na Europa. Em Portugal, apesar da atividade de recolha ser relativamente recente, algumas iniciativas de carácter preventivo têm já sido desenvolvidas para assegurar a conservação da diversidade de macromicetas (por exemplo, Plano de Ordenamento do Parque Natural de Montesinho e Código Florestal). Em suma, o potencial da região Norte para produção quer de lenho quer de biomassa ou cogumelos silvestres são considerados elevados. No entanto, a análise efetuada na secção 2.1.1 para os anos 2001-2010 revela uma tendência de diminuição do integral anual de NDVI (e consequentemente da produtividade) em 6% dos píxeis com ocupação florestal. Ainda que esta percentagem não seja muito elevada, é importante realçar que cerca de metade desses píxeis se registam em áreas primordialmente dedicadas à produção (ver Figura 4b). A diminuição da produtividade primária pode ser ainda acentuada no contexto de alterações climáticas globais, em que fenómenos meteorológicos extremos como secas alternadas com chuvas intensas e intempéries poderão tornar-se mais frequentes. A propósito, a próxima secção analisa o papel das florestas nos serviços de regulação. 2.2. Serviços de Regulação 2.2.1. Aspetos gerais Os serviços de regulação são referidos como serviços de ecossistema para os quais as florestas contribuem de forma muito significativa. De facto, as florestas desempenham um papel importante na regulação dos processos ecológicos, nomeadamente intervindo nos ciclos biogeoquímicos, como o ciclo da água e o ciclo do carbono (De Groot et al. 2002). É maioritariamente às florestas que se atribuem os serviços de regulação e purificação da água, con- 220 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 trole da erosão do solo, mitigação de riscos naturais e sequestro de carbono. Muitas vezes, as florestas são comparadas a “esponjas”, tendo em conta o papel que desempenham na infiltração, consequente recarga dos aquíferos, e libertação gradual da água ao longo do ano (Bruijnzeel 2004). Elas atuam como “barreiras naturais” contribuindo para a diminuição da erosão do solo e para a prevenção de riscos naturais, tais como cheias, secas e movimentos de vertente, e para a mitigação da sua severidade. São também apelidadas de “sumidouros de carbono”, pois através da fotossíntese as plantas fixam o dióxido de carbono, um dos gases que mais contribui para o efeito de estufa (MA 2003). 2.2.2. Regulação e purificação da água Em resultado das suas propriedades estruturais e funcionais, as florestas naturalmente regulam o ciclo hidrológico. Porém, essa função só se torna um serviço quando a sociedade usa ou sente os benefícios da regulação da água, embora muitas vezes seja através de um benefício indireto (Campos 2005). Facilmente a população urbana reconhece os benefícios do consumo de água potável, mas mais dificilmente reconhecerá os benefícios, por exemplo, de ter caudais nos rios durante todo o ano para rega das culturas, benefício esse que provém do serviço de regulação da água (Figura 6). A regulação e a purificação da água contribuem para um serviço final, o fornecimento de água para consumo. É maioritariamente sobre esse serviço que esta secção se debruça. Figura. 6 Esquema da provisão dos serviços de regulação e purificação da água pelas florestas, baseado na cascata dos serviços de ecossistema (de Groot 2010, Haines-young 2010). A capacidade para fornecer o serviço depende do funcionamento do sistema. A procura pelo serviço determina se o serviço é valorizado ou não. A vegetação, e em particular as árvores com as suas copas, facilita a infiltração da água da precipitação, aumentando a humidade do solo e a recarga dos aquíferos. Contudo, elas podem também contribuir negativamente para o balanço hídrico, através das perdas de água por evapotranspiração e da consequente redução da quantidade de água disponível na bacia (Bosch e Hewlett 1982). Existe portanto um compromisso entre o aumento da infiltração promovido pelas florestas e a perda de água por evapotranspiração, o qual deve ser avaliado de acordo com as condições ambientais de cada região. Por exemplo, em regiões com períodos estivais secos e prolongados, como é o caso de grande parte de Trás-os-Montes, a evapotranspiração pode exceder o montante de precipitação criando um défice hídrico. Com a consequente descida do nível do lençol freático, a floresta tenderá a procurar água em níveis sucessivamente mais profundos (Gallart e Llorens 2004; Otero et al. 2010). Nestas regiões, onde a água é um fator limitante, deve-se incentivar a conservação das florestas e matagais nativos, com menores exigências hídricas do que a maior parte das árvores exóticas (Quinton et al. 1997). 221 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Para além disso, a floresta melhora a qualidade da água através do consumo de nutrientes, e em particular a floresta ripícola atua como filtro não só de nutrientes mas também de sedimentos (Otero et al. 2010). Convém referir que, para além da vegetação na floresta, os microrganismos e a fauna do solo desempenham um papel importante na alteração bioquímica dos compostos orgânicos e na criação de porosidade que facilita o fluxo de água no solo (EASAC 2009). A regulação da água ocorre em dois momentos complementares: 1) regulação do excesso, aumentando a infiltração e consequente armazenamento, e prevenindo picos de cheia; e 2) regulação da escassez, aproveitando o armazenamento feito durante os meses mais chuvosos. O produto desta regulação está dependente da quantidade de precipitação, sujeita a uma variação inter-anual (anos mais ou menos chuvosos) e intra-anual (sazonalidade). Em termos espaciais, no Noroeste a água abunda nas bacias hidrográficas e a área florestal é claramente superior à do Nordeste Transmontano (Figura 7). No Noroeste, sob estas florestas podem desenvolver-se solos com um horizonte orgânico extenso o que favorece a infiltração. A precipitação é a mais elevada do país, sendo que nas montanhas da Peneda-Gerês registam-se habitualmente totais de precipitação anual superiores a 3000mm/ano (IM-AEM 2011). Pelo contrário, no Nordeste a quantidade de água disponível é mais baixa e a área florestal é menor, sendo maioritariamente substituída por áreas de matos e campos agrícolas de sequeiro. Os solos são pouco profundos e expostos a erosão o que impede uma boa infiltração. A precipitação é mais baixa do que no Noroeste, com valores médios anuais que não chegam a 400mm/ano em alguns locais (IM-AEM 2011). Avaliar o processo de regulação da água e atribuir diretamente esse papel às florestas não constitui um exercício linear. Haverá que ter em conta que uma boa parte da regulação da água é atualmente efetuada por infraestruturas como açudes de regadio e paredões de barragem. Os lagos artificiais que daí resultam armazenam água, nomeadamente para rega, consumo e produção de energia hidroelétrica. Cabe no entanto à floresta assegurar uma eficiente recarga dos aquíferos por infiltração, garantindo assim caudais regulados durante os períodos de carência de precipitações. A prestação deste serviço por parte das florestas ocorre de forma indireta, logo dificilmente mensurável. Pode-se usar indicadores aproximados, como a análise de um benefício que advém dessa regulação, a água captada por concelho (Figura 7). É no Noroeste, mais propriamente nos concelhos de Gaia, Barcelos e Braga, onde maior quantidade de água é captada; estes concelhos estão localizados na região onde há maior disponibilidade hídrica. Os concelhos do interior são os que menos água captam, em função da menor disponibilidade hídrica e baixa procura em termos populacionais. De forma muito geral, poderá dizer-se que a floresta no Noroeste contribui para regular os excessos de água, ao passo que no Nordeste assume maior importância a regulação em função da escassez. 222 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Figura 7 a) Escoamento, diz respeito à quantidade média de água que circula nas bacias hidrográficas (fonte: Atlas do Ambiente, Agência Portuguesa do Ambiente). b) Água captada por concelho - media dos anos 2006/2008 (fonte: INE); Floresta - folhosas, resinosas e povoamentos mistos (fonte: CORINE Land Cover 2006, IGP). Relativamente ao serviço de purificação da água, verifica-se o mesmo que para a regulação, é manifestamente complicado dissecar o papel das florestas na produção deste serviço. Pode-se, porém, falar numa evolução positiva, em termos gerais, da qualidade da água nos últimos anos, de acordo com os dados disponíveis. De facto, desde 1995 tem-se observado uma melhoria da qualidade da água dos rios e albufeiras no Norte do país (SNIRH 2010). Para isso contribuem a diminuição das fontes de poluição e o aumento da rede de tratamento de água. Porém, não se deve negligenciar o papel das florestas, nomeadamente das ripícolas, na remoção de nutrientes da água. A promoção do estado de conservação destes habitats, ao 223 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 abrigo da Diretiva “Habitats” e da Diretiva-Quadro da Água, poderá contribuir para o reforço deste importante serviço. Desde 1995, tem-se verificado uma mudança na classificação da qualidade da água superficial, de má e razoável, para boa e excelente, principalmente no Noroeste (SNIRH 2010). No entanto, a região de Vila do Conde-Esposende é considerada zona vulnerável em termos de concentração de nitratos nas águas superficiais e subterrâneas, provenientes da agricultura intensiva (MAOT-MADRP 2008). Nestes casos, a presença de floresta pode contribuir para a melhoria da qualidade da água superficial, sem prejuízo da aplicação de medidas preventivas como a diminuição de adubo químico colocado nas culturas. 2.2.3. Mitigacão de riscos naturais e controlo da erosão a Norte do Douro A par da pressão direta exercida pelo Homem, os riscos naturais são um dos principais fatores de alteração dos ecossistemas, provocando consideráveis mudanças de condição e alterando processos e funções (Abson e Termansen 2010, Maes et al. 2011). A intensidade e a frequência destas alterações determinam os padrões e as dinâmicas dos espaços florestais, em particular ao nível das zonas de interface entre classes de ocupação diferentes, como é o caso da interface floresta/agricultura (Metzger 2006, Schröter et al. 2005). Por questões de disponibilidade de dados, em particular relacionados com a distribuição de parâmetros topográficos do território a uma escala compatível com a representação dos fenómenos de erosão na Região Norte, apenas nesta secção (2.2.3) foi utilizada a área a norte do rio Douro ao contrário das restantes análises que abrangem o terrritorio de sete regiões PROF (Figura 1). Neste contexto, considerando apenas os espaços florestais arborizados, nos últimos vinte anos as dinâmicas de ocupação do solo na região Norte de Portugal4 revelam uma ligeira perda do conjunto dos espaços florestais, cerca de 1,6% entre 1990 e 2006 (Tabela 4). Apesar de aparentemente reduzida, esta perda esconde uma forte dinâmica de alteração da ocupação florestal do solo (cerca de 26,7%), em particular a conversão de espaços florestais arbóreos para espaços florestais associados a zonas de transição e zonas de vegetação esparsa. Esta alteração da tipologia de ocupação do solo indicia importantes perdas ao nível dos serviços de ecossistema prestados pelas florestas, em particular ao nível de classes de ocupação com maior potencial de provisão de serviços de regulação, nomeadamente de folhosas caducifólias, de coníferas e florestas associadas a povoamentos mistos. 4 Para o cálculo dos valores de variação das classes de ocupação florestal, foi utilizada cartografia de ocupação do solo decorrente do projeto “Corine Land Cover” para os anos de 1990 e 2006. 224 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 225 Capítulo 3 2 Tabela 4 Matriz de transição entre classes de ocupação florestal no período de 1990 a 2006 (variação percentual da área de cada classe de ocupação utilizando como referência a cartografia de ocupação do solo Corine Land Cover para o território nacional). 2006 Florestas de Florestas de Florestas Prados folhosas coníferas mistas naturais Matos Vegetação Floresta ou Rocha Zonas de Zonas Outras esclerófila vegetação nua vegetação ardidas classes de arbustiva de esparsa ocupação 1990 transição do solo Florestas de folhosas 88.7 0 0 0 0 0 9.5 0 0 0.8 1 3.5 Florestas de coníferas 0.2 76.7 0.3 0 0 0 19.9 0 0 0.4 2.5 7.2 Florestas mistas 0.2 0.1 81.9 0 0 0 14 0 0 0.3 3.5 8.3 Prados naturais 1.2 0.1 0.2 91.8 0 0 4.9 0 0 0 1.8 5.2 Matos 1.5 1.2 0.3 0 85.5 0 7.1 0 0 2.8 1.6 8.9 Vegetação esclerófila 0 0 0 0 0 90.1 0.7 0 0 2.6 6.6 0.2 Floresta ou vegetação arbustiva de transição 4.1 10.8 5.5 0 0.1 0 76 0 0 1.4 2.1 13.3 0 0 0 0 0 0 0 100 0 0 0 2 Zonas de vegetação esparsa 0.2 0 0 0 0 0 0.7 0 99 0 0.1 2.2 Zonas ardidas 3.6 3 19.9 0 17.9 0 52 0 0 1.9 1.7 0.5 0 0 0 0.1 0.1 0 0.2 0 0 0 99.6 48.7 3.9 7.1 7.7 4.8 7.8 0.2 14.2 2 2.1 0.5 49.6 Rocha nua Outras classes de ocupação do solo Dada a sua importância territorialmente estratégica, não só ao nível da manutenção das condições de fertilidade e composição dos solos, mas também ao nível da retenção de sedimentos e funcionamento dos sistemas hidrológicos, os serviços de controlo da erosão representam um elemento central na manutenção do equilíbrio entre os espaços naturais e as atividades humanas presentes no território. Este serviço baseia-se na capacidade que um determinado ecossistema tem de controlar a degradação das condições físicas do solo, em particular ao nível da sua estrutura e composição. No que toca aos espaços florestais, este serviço deriva sobretudo da estrutura e composição (espécies) da vegetação existente, que por sua vez determinam a densidade e estrutura radicular, e das práticas de gestão florestal, que condicionam a forma como estes espaços são utilizados e mantidos ao longo do tempo. Ao nível da região norte de Portugal continental, classificando os diferentes cobertos vegetais de acordo com uma escala de valor onde é favorecida a capacidade de cobertura e densidade de vegetação, é possível verificar que as tipologias florestais com maior potencial para a provisão deste serviço, ou seja, os espaços de floresta (de folhosas, coníferas e mista), representam cerca de 37,1% do espaço florestal, sendo que os restantes 62,9% apresentam uma reduzida capacidade de provisão (Figura 8a). Esta diferença de percentagem deve-se sobretudo à elevada representatividade dos espaços florestais de transição e dos espaços de vegetação esparsa, definidos como zonas de reduzida provisão deste serviço. Dois dos principais fatores de pressão sobre este tipo de serviço são a incidência de fogos florestais, que condicionam em grande medida a presença e manutenção de espaços com elevado valor para a provisão, e a diminuição da multifuncionalidade dos espaços florestais, motivada por uma importante mudança de abordagem produtiva, tanto do ponto de vista Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 florestal como do ponto de vista agropecuário, e por uma retração demográfica nas áreas de interior e marginais às grandes cidades. a) b) Figura 8 Distribuição, na Região a norte do Douro, da (a) capacidade de provisão do serviço de proteção do solo contra a erosão hídrica, e da (b) erosão estrutural. 226 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Estes fatores de pressão não só degradam a estrutura florestal presente nesta região, como também potenciam o aparecimento de áreas com elevado risco de erosão hídrica do solo ao contribuírem para a diminuição das classes de coberto vegetal com maior potencial de provisão do serviço de controlo de erosão. Neste contexto é importante verificar que, considerando a distribuição geográfica da erosão potencial na região Norte (Figura 8b), os espaços florestais cobrem 55,95% do total das áreas onde o risco de erosão hídrica do solo é classificado como elevado e muito elevado (Guerra et al. 2011). Por outro lado, considerando apenas os espaços florestais com elevado potencial de provisão, a percentagem de zonas de risco de erosão potencial elevado e muito elevado cresce (ligeiramente) para os 56,94%. A predominância dos espaços florestais na região Norte de Portugal resulta numa elevada influência destes sobre os diversos serviços de regulação, em particular sobre o serviço de controlo de erosão hídrica do solo. Neste sentido, é importante verificar que apenas 40% da área com elevado a muito elevado risco de erosão hídrica do solo está relacionada espacialmente com a presença de espaços com elevada capacidade do seu controlo. Este fator, associado aos agentes de pressão identificados, em particular à incidência de incêndios florestais, não só indica uma escassa proteção dos solos na região, mas também um potencial aumento da contaminação por fósforo dos sedimentos resultantes do escoamento superficial gerado (e uma depleção deste mineral nos solos situados a montante nas bacias hidrográficas). 2.2.4. As florestas e o sequestro de carbono O sequestro de dióxido de carbono atmosférico, principal gás com efeito de estufa de origem antropogénica (IPCC 2007), pelas florestas é um dos mais relevantes serviços destes ecossistemas pelo efeito que tem na regulação do clima e da qualidade do ar. Este serviço tem ainda carácter prioritário nas políticas e mecanismos de redução do CO2 atmosférico, tanto no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas Sobre Alterações Climáticas (United Nations Framework Convention on Climate Change), como no contexto do Protocolo de Quioto (UN 1997). O carbono atmosférico é fixado por fotossíntese na biomassa lenhosa das florestas, da qual representa aproximadamente 50% do peso seco, e onde fica retido, durante longos períodos de tempo, na forma de moléculas complexas como celulose, lenhina e hemiceluloses. Dependendo da estrutura da floresta em causa, o carbono encontra-se distribuído pelos diversos estratos arbóreo(s), arbustivo(s) e herbáceo(s) que a compõem. Uma parte da biomassa dos ecossistemas florestais é continuamente incorporada no solo a partir de folhas, raízes, ramos ou árvores mortas, fazendo com que, em grande parte das regiões do mundo, o carbono se acumule no solo em enormes quantidades, na forma de matéria orgânica em decomposição. Naturalmente, o carbono liberta-se dos ecossistemas florestais por respiração das árvores e microrganismos do solo e, pontualmente, por perturbações como o fogo. Neste último caso, o carbono da biomassa viva e da parte superficial do solo perde-se diretamente para a atmosfera, e aumentam também as perdas por degradação e erosão de matéria orgânica do solo. Em florestas geridas, que representam a maioria das florestas existentes na maior parte das regiões do planeta, o carbono é removido localmente por exploração florestal, mas em grande parte das vezes permanece fixado na biomassa posteriormente convertida em mobiliário, material de construção, ou outro. Os detritos florestais são frequentemente deixados nos locais de exploração, contribuindo para o armazenamento de carbono ao nível do solo. Como 227 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 em geral ocorre a reflorestação dessas áreas, naturalmente ou por ação humana, a fixação de carbono pelo sistema florestal é assegurada após o abate. A produtividade florestal na região Norte é muito variável, refletindo a variabilidade de condições edafoclimáticas existentes (Tabela 5; ver também a secção 2.1.2). Para o pinheiro-bravo, única espécie para as qual se dispõe de dados comparáveis, os Acréscimos Médios Anuais (AMA) de biomassa variam entre 1.4ton/ha.ano (Nordeste) e 3.4ton/ha.ano (Douro) (Tabela 5). O eucalipto, no entanto, atinge valores médios de 3.6ton/ha.ano na região da Área Metropolitana do Porto e Entre Douro e Vouga (AFN 2010). Tabela 5 Produtividade dos povoamentos puros de pinheiro-bravo e eucalipto por região PROF no Norte de Portugal. Fonte: 5º Inventário Florestal Nacional (AFN 2010). Região PROF Espécie Composição AMA Volume (m3/ha.ano) AMA Biomassa Total (ton/ha.ano) Alto Minho Pinheiro-bravo Puro 3.5 2.0 Baixo Minho Pinheiro-bravo Puro 4.2 2.4 Baixo Minho Eucaliptos Puro 3.5 2.7 Tâmega Pinheiro-bravo Puro 4.8 2.8 Amp e Entre Douro e Vouga Eucaliptos Puro 4.6 3.6 Barroso e Padrela Pinheiro-bravo Puro 3.8 2.2 Nordeste Pinheiro-bravo Puro 2.3 1.4 Douro Pinheiro-bravo Puro 5.8 3.4 A produtividade reflete a taxa a que o carbono é fixado na vegetação arbórea. Considerando, de entre as áreas de uso florestal, apenas os povoamentos arbóreos (577 000 ha), adotando os dados das produtividades médias anuais das espécies avaliadas (Tabela 5) para as restantes espécies, e utilizando um fator de conversão de carbono/matéria seca de 1/2, estima-se que as florestas do Norte de Portugal fixem anualmente cerca de 650 730 tonC/ano (ou 2390kton CO2 eq./ano), apenas na parte aérea das árvores. Esta é uma estimativa do serviço prestado, em média, por ano, pelas florestas do Norte. Para além deste valor anual, as florestas atualmente existentes armazenam quantidades de carbono muito significativas em resultado da sua função de sumidouro de carbono ao longo do tempo. Só a parte aérea lenhosa do pinheiro-bravo e do eucalipto armazenam cerca 7328.84 ktonC em toda a região Norte (26 897 ktonCO2 eq). Considerando que estas espécies representam 67% da floresta da região e que muitas das restantes espécies têm porte comparável, estimamos que o carbono armazenado no lenho das florestas do Norte possa atingir valores da ordem dos 15 000 ktonC (55 050 kton CO2 eq.). Tabela 6 Carbono nas florestas do Norte de Portugal por região PROF. Adaptado do 5º Inventário Florestal Nacional (AFN 228 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 2010). Região PROF Espécie Composição CO2 equivalente total (ton/ha) CO2 equivalente total (k ton) k ton de C Alto Minho Pinheiro-bravo Puro 94.05 1783.83 486.06 Baixo Minho Pinheiro-bravo Puro 107.25 2420.00 659.40 Baixo Minho Pinheiro-bravo Dominante 82.68 913.00 248.77 Baixo Minho Pinheiro-bravo Dominante 71.68 698.50 190.33 Baixo Minho Eucaliptos Puro 107.62 2082.67 567.48 Baixo Minho Eucaliptos Dominante 80.48 718.67 195.82 Baixo Minho Eucaliptos Dominante 121.73 1017.50 277.25 Pinheiro-bravo Puro 82.32 2579.50 702.86 AMP e Entre Douro e Vouga Eucaliptos Puro 133.28 4458.67 1214.90 AMP e Entre Douro e Vouga Eucaliptos Dominante 136.22 1318.17 359.17 Tâmega Barroso e Padrela Pinheiro-bravo Puro 82.50 3558.50 969.62 Nordeste Pinheiro-bravo Puro 50.78 1688.50 460.08 Douro Pinheiro-bravo Puro 96.98 3659.33 997.09 Carbono (ton/ano) Região PROF Pinheiro- Eucaliptos Sobreiro Azinheira Carvalhos Castanheiro Acácias bravo Outras Outras Folhosas Resinosas Alto Minho 28507 25575 0 0 8490 178 127 2013 1466 Baixo 40609 38584 18 18 4516 360 60 3648 130 Tâmega 57445 33963 78 15 5237 108 248 5010 377 AMP e 17145 78594 0 0 450 0 30 2282 30 53560 2844 940 270 6416 4227 0 2769 829 Nordeste 31174 8751 4745 1921 28209 13315 18 4713 10705 Douro 86787 5335 2573 2686 10804 5789 0 2829 3209 315226 193647 8355 4909 64121 223978 484 23264 16747 Minho Entre Douro e Vouga Barroso e Padrela Total Para além da parte aérea do(s) estrato(s) arbóreo(s), os ecossistemas florestais integram outros componentes vivos não desprezáveis ao nível da dinâmica do carbono. Incluem-se aqui, pelo menos, as raízes das árvores e a vegetação arbustiva e herbácea. Contudo, o componente mais importante das florestas, enquanto reservatório de carbono, é o solo. A este nível, no entanto, a informação disponível para os solos florestais na região é insuficiente para calcular uma estimativa deste importante parâmetro. Os dados publicados (principalmente por Martins et al. 2009 e Fonseca et al. 2004) permitem considerar que os solos florestais do 229 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Norte do país constituem, efetivamente, um importante reservatório de carbono, podendo conter aproximadamente metade de todo o carbono armazenado nos sistemas florestais. A distribuição estimada do carbono no solo (Figura 9) ilustra a importância das florestas do Norte na regulação do carbono à escala nacional, com destaque para a região do Noroeste (Fonseca et al. 2004, Martins et al. 2009). Figura 9 Distribuição do Carbono no Solo em Portugal (reproduzido de Martins et al. 2009 com autorização dos autores). A libertação de carbono nos ecossistemas florestais do Norte de Portugal pode dar-se de forma instantânea por efeito dos fogos. Silva et al. (2006) estimaram que, em toda a década de 1990, em Portugal, as emissões (essencialmente carbono) de florestas ardidas atingiram valores da ordem dos 8200 ktonCO2 eq. Aplicando a mesma metodologia (Silva et al. 2006) às estatísticas de fogos florestais ocorridos na região Norte, estima-se que tenham sido emitidos, só na década 2001-2010, cerca de 4000 ktonCO2 eq., essencialmente carbono (1084 ktonC), resultantes dos 174 000 hectares de floresta ardida (média de área ardida=17 400ha/ ano). Considerando os valores fixados na biomassa florestal aérea, este valor representa cerca de 0,71% de todo o carbono retido, apenas na biomassa aérea, tal como quantificado no último inventário florestal. No conjunto dos últimos 10 anos, este valor representa, no entanto, cerca de 7% do carbono da biomassa aérea viva. Em síntese, pode afirmar-se que, enquanto a secção 2.1.2 apresenta uma visão moderadamente “animadora” da condição atual dos serviços de produção, a secção 2.2.2 revelou 230 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 profundas preocupações relativas à condição atual dos serviços de mitigação de riscos e controlo da erosão na região Norte de Portugal. Foi também salientada a heterogeneidade da capacidade de provisão dos serviços de regulação e purificação da água nas regiões do Minho e Trás-os-Montes, bem como o importante papel das florestas regionais na fixação de carbono. A próxima secção explora os serviços de suporte, nomeadamente a biodiversidade. 2.3 Serviços de Suporte (Biodiversidade) A definição mais corrente de “biodiversidade”, proposta pela Convenção sobre a Diversidade Biológica em 1992, apresenta-a no seu Artigo 2º como “a variabilidade entre os organismos vivos de todas as origens, incluindo, inter alia, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais fazem parte; inclui a diversidade dentro de cada espécie (ao nível genético), entre as espécies e dos ecossistemas”. Nesta secção, a biodiversidade será tratada como um serviço de suporte, ou seja como um elemento essencial ao funcionamento dos ecossistemas e à provisão de outros serviços, desde bens materiais, como os produtos lenhosos, aos serviços de regulação. Trata-se de um serviço omnidireccional (ver Figura 3, esquema 2), ou seja, cujos benefícios são sentidos a várias escalas e de um modo homogéneo no espaço em torno do local onde o serviço tem origem. A condição da biodiversidade nas florestas do Norte de Portugal encontra-se condicionada pela história da floresta em Portugal. Registos históricos do início do século XX indicam que a floresta ocuparia então menos de 10% do território, consequência de uma ocupação humana milenar marcada por uma desflorestação intensa para a criação de pastos e campos agrícolas, e para obter madeira e lenha (Mendes 2007). O século XX foi marcado por diversas iniciativas de reflorestação, motivadas numa fase inicial pela necessidade de restaurar a capacidade dos ecossistemas de fornecerem serviços, como o controlo da erosão do solo, e mais tarde, já na segunda metade do século, motivadas pela produção de matéria-prima para a indústria papeleira e madeireira (Mendes 2007). Atualmente, o pinheiro-bravo e o eucalipto são as espécies dominantes na região Norte de Portugal (Figura 10). No total das sete regiões PROF do Norte do país (Figura 13 e Tabela 1), o pinheiro-bravo (uma espécie nativa, mas com uma distribuição “artificial” em virtude das plantações) ocupa uma área de 259 274 ha, o eucalipto (espécie exótica) ocupa uma área de 128 209 ha e os carvalhais caducifólios (espécies nativas na sua área natural de distribuição) surgem apenas em terceira posição com uma área de 91 602 ha (AFN 2010). Note-se ainda que esta área representa mais de metade da área ocupada por carvalhais caducifólios no país, estimada em cerca de 150 000 ha (5% da floresta em Portugal), e que os seus povoamentos apresentam uma distribuição dispersa e muito fragmentada, em virtude da degradação a que foram sujeitos ao longo da história. Além disso, muitos dos carvalhais existentes resultam de eventos de regeneração natural, e são raros os casos de persistência de florestas primárias. Assim, e no contexto atual da composição da floresta no norte de Portugal, coloca-se a questão: qual a contribuição dos principais tipos de floresta para a conservação da biodiversidade? Um estudo recente realizado no Alto Minho procurou responder a esta questão (Proença et al. 2010). Para tal foram obtidos dados de diversidade de plantas e aves em plantações de pinheiro-bravo e eucalipto e em carvalhais (de Quercus robur e Quercus pyrenaica). As espé- 231 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 cies observadas foram classificadas como espécies florestais ou não-florestais, e a qualidade das florestas em termos de biodiversidade foi avaliada com base no seu uso pelas espécies não florestais (já que estas são mais dependentes, e estão mais associadas, aos ecossistemas florestais). Os resultados mostraram que os carvalhais albergam mais espécies florestais que as plantações, e que a diversidade de espécies florestais apresenta uma maior relação com a área dos fragmentos de carvalhal do que com a área das plantações de pinheiro e eucalipto, o que sugere que as espécies florestais se encontram mais bem adaptadas aos carvalhais, tirando maior partido da diversidade de nichos existente no carvalhal (Figura 10). Por outro lado, e de acordo com o esperado, não foi encontrado um padrão idêntico para as espécies não-florestais, o que sugere que estas espécies não estão adaptadas aos diversos Figura 10 Relação espécies-área de espécies de plantas florestais e não-florestais nos povoamentos amostrados. Cada ponto corresponde a um carvalhal (Q), a um pinhal (P) ou a um eucaliptal (E). A área de cada povoamento é lida no eixo das abcissas e a o número total de espécies de cada grupo é lido no eixo das ordenadas (os valores de área e número de espécies encontram-se logaritmizados). As retas de regressão são apresentadas para os casos em que a relação espécies-área é significativa (i.e., o número de espécies num povoamento depende do tamanho do povoamento): plantas florestais em carvalhais (linha sólida), plantas não florestais em eucaliptal (linha sólida), aves florestais em carvalhais (linha sólida) e pinhais (linha tracejada), aves não-florestais em carvalhal (linha sólida). Os gráficos mostram que a diversidade de plantas florestais é claramente superior nos carvalhais e que o número de espécies é determinado pela dimensão do fragmento, enquanto que a diversidade nas plantações é em geral baixa e não aumenta com o aumento da área. No caso das aves de ecologia florestal, quer os carvalhais quer os pinhais albergam mais espécies que os eucaliptais e a dimensão dos povoamento determina o número de espécies que os habita. Fonte: Proença et al. 2010. 232 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 nichos existentes em ambientes florestais. No caso dos carvalhais, a diversidade de espécies florestais encontrava-se relacionada com a extensão da orla da floresta, evidenciando um claro efeito de orla, associado à fragmentação do habitat, a qual promove um fluxo de espécies não-florestais para o interior da floresta. Relativamente aos pinhais, os resultados mostram que estas florestas, embora pobres em espécies de plantas características de ambientes florestais, albergam muitas espécies de aves de ecologia florestal, o que sugere que constituem um bom habitat para estas espécies. Os eucaliptais, pelo contrário, foram o tipo de floresta em que se encontrou, neste estudo, menor diversidade de espécies, quer de plantas, quer de aves. O contributo de cada tipo de floresta para a conservação da biodiversidade encontra-se relacionado, não só com a espécie florestal dominante (isto é, se se trata de uma espécie nativa na região ou de uma espécie exótica), mas também com as características estruturais do povoamento. As plantações florestais com estruturas simplificadas e ciclos de vida curtos, que limitam o estabelecimento de comunidades biológicas, não beneficiam a biodiversidade. Por exemplo, a trepadeira-azul (Sitta europea) e o pica-pau-malhado-grande (Dendrocopus major) fazem ninhos nos troncos ocos das árvores e portanto precisam de árvores maduras e de tronco largo, que não encontram em plantações. Assim, é importante definir e implementar medidas de gestão que melhorem a qualidade de habitat para as espécies nativas em florestas plantadas de grandes dimensão, e que deste modo promovam a biodiversidade. São exemplos de medidas de gestão a retenção de detritos florestais, árvores isoladas, mortas ou vivas, de maior dimensão nos povoamentos após os cortes finais, e/ou a retenção de grupos de árvores em locais de menor produtividade. Por outro lado, a degradação das florestas naturais também deve ser evitada, já que pode comprometer a persistência de espécies mais sensíveis às alterações do habitat. Ao nível florístico, os carvalhais albergam comunidades muito diversas e características, incluindo espécies que ocorrem preferencialmente neste tipo de ecossistema, como é o caso de Euphorbia dulcis e de Polygonatum odoratum. Os carvalhais são ainda o habitat preferencial de algumas espécies endémicas do noroeste da Península Ibérica, como Omphalodes nitida, Saxifraga spathularis e Anemone trifolia ssp. albida (Castro et al. 2001, Honrado 2003). Ao nível faunístico, os carvalhais são habitats importantes para várias espécies de animais, como é o caso do corço (Capreolus capreolus), cujas populações têm vindo a recuperar com o aumento da área de carvalhal, o pica-pau-malhado-grande (Dendrocopus major), que depende dos carvalhais como habitat de nidificação e alimentação, a marta (Martes martes), que parece preferir os carvalhais, talvez por aí encontrar maior disponibilidade de presas, e o lobo-ibérico (Canis lupus signatus), que usa os carvalhais para a reprodução e como refúgio (Carvalho et al. 2007a, Castro et al. 2001). Existem mesmo espécies, como o escaravelho xilófago Lucanus cervus (cabra-loura), cuja conservação depende da existência de florestas autóctones maduras com árvores em estado decrépito ou mortas (Carvalho et al. 2007b, ICN 2006). No entanto, é também reconhecida a importância de outras espécies florestais para a conservação da biodiversidade, nomeadamente dos pinhais na região norte. Estas florestas são igualmente habitats (refúgio) importantes para muitos vertebrados, como o veado e o corço, em particular porque são muitas vezes as florestas mais abundantes ou mesmo as únicas em 233 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 alguns locais. Os pinhais são também relevantes para outros grupos de organismos, como por exemplo os fungos, já referidos na secção 2.1.4. Os bosques de perenifólias autóctones, tais como os sobreirais e azinhais, albergam uma elevada diversidade de vertebrados que aí encontram refúgio e alimento, desde aves de rapina como a águia-cobreira (Circaetus gallicus), que nidifica na copa das árvores mais altas, até micromamíferos endémicos como o rato-de-Cabrera (Microtus cabrerae), que por sua vez serve de alimento a muitos predadores. Outros tipos de florestas nativas funcionam também como bons refúgios para espécies de fauna e flora, conforme descrito no capítulo II.2 do presente livro. Uma elevada proporção dos carvalhais existentes na região Norte (cerca de 45% da área de quercíneas) encontra-se concentrada na área coberta pela rede de áreas protegidas e pela rede Natura 2000, como é o caso dos carvalhais visitados no estudo acima descrito e localizados no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Dada a sua localização em áreas dirigidas à conservação da natureza, os carvalhais estão essencialmente associados a serviços de suporte e de regulação. No entanto, a madeira de carvalho é de grande qualidade e tem elevado valor comercial, pelo que os carvalhais podem também desempenhar um papel importante no âmbito dos serviços de produção, aliando os serviços de suporte e regulação aos serviços de produção. 2.4. Serviços Culturais 2.4.1. Aspetos gerais Os serviços de ecossistema denominados culturais (pelo MA 2003) ou de informação (na terminologia de De Groot 2002) englobam uma multiplicidade de benefícios imateriais que sociedade obtém dos ecossistemas. Estes benefícios podem ser obtidos diretamente pelo público ao realizar atividades de recreio e lazer, incluindo a contemplação da paisagem, mas podem também constituir benefícios indiretos, relacionados com o apego e a relação de identidade que as pessoas sentem em relação a uma paisagem. Finalmente, tais serviços podem ainda corresponder ao potencial educativo, informativo e curativo que os ecossistemas florestais asseguram. De Groot (2002) classificou estes serviços de ecossistema como de informação, subdividindo-os em cinco subcategorias: estética (ex. paisagens atrativas), recreio (ex. variedade de paisagens com potencial para recreio e lazer), cultural e artístico (ex. a natureza como potencial inspiração para arte e manifestações culturais/folclore), espiritual e histórico (ex. o valor patrimonial e espiritual de alguns locais naturais), e ciência e educação (ex. o potencial da natureza como fonte de saber e educação). Posteriormente, o MEA definiu os serviços de ecossistema culturais como sendo benefícios imateriais que as pessoas obtêm dos ecossistemas através do desenvolvimento cognitivo, enriquecimento espiritual, recreio, e experiências estéticas (MA 2003). Ao longo do horizonte temporal que este capítulo aborda (1974-2010), tem sido crescentemente reconhecido que as florestas geram um conjunto de benefícios imateriais específicos e muito relevantes para o bem estar social, e que, por conseguinte, são ecossistemas de extrema importância na provisão de serviços de ecossistema culturais. No entanto, o conjunto “flo- 234 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 restas” inclui realidades extremamente diferenciadas, que podem satisfazer diferentes procuras sociais. Estudos realizados em Portugal têm mostrado que as populações urbanas e as populações rurais valorizam diferentes aspetos do rural transmontano (Figueiredo 2000) ou minhoto (Carvalho Ribeiro e Lovett 2011), ou que diferentes tipos de utilizadores do montado alentejano procuram diferentes padrões deste sistema silvo-pastoril, conforme o serviço de ecossistema que procuram ou ao qual atribuem maior importância (Pinto-Correia e Surova 2009). Enfim, são inúmeras e podem ser complementares ou conflituantes as (múltiplas) relações entre a floresta e a sociedade (Pinto-Correia e Surova 2009). Assim, está fora do âmbito desta secção, avaliar a condição dos serviços de ecossistema culturais na região Norte para a multitude de “procuras sociais” e “florestas” aí existentes. Pretende-se sim, em primeiro lugar, descrever possíveis metodologias para medir estes serviços a diferentes escalas, e, por outro lado, analisar em detalhe um tipo de serviço cultural, o recreio, descrevendo algumas das diferentes procuras sociais que coexistem relativamente ao(s) tipo(s) de paisagens no Norte de Portugal (principalmente as rurais). 2.4.2. A apreciação social da paisagem A floresta é parte integrante da paisagem. O conceito de paisagem está definido na Convenção Europeia da Paisagem (Artigo 1º, Capítulo 1) como “uma parte do território, tal como é apreendida pelas pessoas, cujo carácter resulta da ação e interação de factores naturais e ou humanos”. O conceito agrega a forma como as pessoas “apreendem” o território de uma forma holística (em que o todo é mais do que a soma das partes, englobando os diferentes ecossistemas: agrícolas, florestais, marinhos, etc.). Um dos conjuntos de medidas específicas preconizadas na Convenção Europeia da Paisagem relaciona-se com a consciencialização da sociedade em geral para os valores imateriais que são associados à paisagem, onde se inclui, naturalmente, a floresta. Diversas instituições públicas e privadas, a várias escalas, têm-se empenhado em avaliar os benefícios imateriais que as florestas proporcionam, focando-se assim nas componentes “social” e “cultural” das florestas. No entanto, porque os SE culturais abarcam inúmeras dimensões que são diferentes em contextos sócio-ecológicos distintos e, mesmo num território específico, compreendem um complexo de dimensões (estética, cultural, funcional), os desafios inerentes a “avaliar a condição” dos SE culturais nas áreas florestais são grandes. Enquanto existem listas mais ou menos longas de possíveis “métricas” e “indicadores” para medir a contribuição das florestas para outros serviços de carácter ecológico e económico, as componentes social e cultural têm sido mais difíceis de avaliar (Rodrigo e Canadas 2008). Obviamente que o modo de “medir” a condição dos SE culturais depende da escala a que esta “medição” é realizada. Um dos propósitos da gestão florestal sustentável, bem como dos inúmeros esquemas de certificação dirigidos à atividade florestal, é avaliar os benefícios sociais da atividade (para além dos benefícios ecológicos/ambientais e económicos). Nestes esquemas de certificação florestal, a “avaliação” é normalmente efetuada à escala local, ao nível da exploração florestal, e os principais destinatários são normalmente as comunidades locais e os trabalhadores da 235 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 floresta. A esta escala, exemplos de possíveis indicadores culturais e paisagísticos poderão ser a “Conservação de locais de valor cultural no interior de áreas florestais” e a “Remoção de resíduos não-florestais do interior de áreas florestais” (DGF 1999). Em oposição à escala fina da exploração florestal, surgem as análises macro, normalmente baseadas em indicadores que não são “medidos” diretamente mas estimados através de dados secundários aproximados (“proxies”). Esta abordagem baseada em indicadores aproximados tem vindo a ser desenvolvida pelo JRC - Joint Research Centre, para a escala Europeia. Um dos índices em fase de desenvolvimento pretende quantificar o modo como a sociedade em geral aprecia a paisagem rural. Ainda que o termo “rural” tenha sido usado na denominação do índice, o seu cálculo à escala europeia considerou apenas variáveis relativas à área agrícola, não incluindo portanto variáveis representativas das áreas florestais. Este índice, denominado “Societal Appreciation of Rural Landscape”, utilizou variáveis como a percentagem de áreas agrícolas em áreas protegidas ou o número de produtos certificados por unidade de Superfície Agrícola Útil (SAU), bem como dados do turismo (ex. o número de camas em unidades de turismo rural) de determinada área rural (JRC 2011) para estimar o nível de “apreciação” da paisagem. Segundo este índice, o Norte de Portugal enquadra-se na classe mais elevada de “apreciação” no contexto europeu (Figura 11), destacando a grande capacidade da paisagem rural do Norte em satisfazer a procura social em geral. Figura 11 Distribuição do índice “Societal Appreciation of Rural Landscape” na Europa. Fonte: JRC 2011. Em oposição aos dois extremos antes apresentados, nomeadamente a micro-escala da exploração florestal vs. a macro-escala de toda a Europa, grande parte do trabalho de investigação reporta a análise da componente social e cultural da floresta à escala regional, por se entender que estes serviços têm uma ligação forte a um determinado território ou região. 236 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 A região Norte de Portugal, pelas variadas características fisiográficas e edafo-climaticas, é um território muito diversificado em termos de paisagem. Isto mesmo foi demonstrado no estudo realizado por Abreu et al. (2004), que identifica 46 unidades de paisagem nesta região (Figura 12). Esta diversidade de paisagens, com carácter contrastante, possibilita um vasto potencial de amenidades ligadas à paisagem que podem ser complementares (ou mesmo uma alternativa) às tradicionais funções de produção. No entanto, como já foi referido, as características físicas da paisagem, que lhe dão o seu carácter peculiar, podem, de forma diversa, satisfazer diferentes procuras sociais (Abreu et al. 2004). Tem sido recorrentemente demonstrado, quer em trabalhos realizados em Portugal, quer também na literatura internacional (Sevenant e Antrop 2009, Stephenson 2007), que existem diferentes procuras sociais e que diferentes tipos de floresta “satisfazem”, com maior ou menor grau, os diferentes tipos de público (Park e Selman 2011). Figura 12 Unidades de Paisagem na região Norte. Fonte Abreu et al. (2004). Em síntese, ao longo desta Secção foi examinada a condição dos serviços dos ecossistemas florestais do Norte listados na Tabela 3. Na análise dos serviços de produção com base no indicador NDVI, observou-se, em geral, um alto nível de produtividade, principalmente nas regiões PROF do Alto e Baixo Minho e também no Tâmega, principalmente a altitudes inferiores 237 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 a 700 metros. No entanto, a análise da série temporal de dados no período 2001-2010 revela uma tendência significativa de alteração em 9% dos píxeis com ocupação florestal, dos quais 6% correspondem a uma tendência negativa, isto é, de diminuição da produtividade, e apenas em 3% se regista uma tendência de aumento de produtividade. Em relação à produção de biomassa, o potencial de produção na região Norte foi também considerado elevado, estimando-se que o valor potencial de produção para as duas principais espécies florestais na região pode representar cerca de 7,3% do consumo de energia elétrica na região NUTS II Norte (dados relativos a 2009). No entanto, como também foi referido, a “gestão” deste recurso não seguiu o plano estratégico anunciado. Para o recurso cogumelos silvestres, não é possível estimar com segurança quantidades totais recolhidas, e por conseguinte o seu valor económico, ainda que se afigurem consideráveis, quer as quantidades recolhidas, quer o valor económico gerado em algumas freguesias da região. A análise da condição dos serviços de regulação realizou-se para a regulação e purificação da água, para a mitigação dos riscos naturais e também para o sequestro de carbono. De um modo geral, foram assinalados alguns dados preocupantes quanto à condição destes serviços na região, nomeadamente a mitigação de riscos naturais (ex. erosão do solo), já que muitas das áreas de aptidão florestal estão localizadas em áreas de elevado potencial de erosão. Nos serviços de suporte foi analisada a condição da biodiversidade em áreas florestais realçando o papel das florestas autóctones de carvalhos na provisão deste serviço ainda que na região Norte a área destas florestas se mantenha inferior à área ocupada por florestas plantadas sendo também a sua distribuição dispersa e fragmentada. Ainda assim, a região norte alberga mais de metade da área de carvalhais caducifólios de todo o país. Finalmente, no que respeita aos serviços culturais, a grande diversidade de “unidades de paisagem” (Abreu et al. 2004) e os resultados do estudo realizado a nível Europeu (JRC 2011) demonstraram a elevada “capacidade” da paisagem na zona Norte do país em satisfazer a procura social. Contudo, foi também realçado que diferentes tipos de floresta “podem satisfazer de modo diferente” públicos distintos. A próxima secção explora os usos e as preferências dos utilizadores por diferentes características da floresta na região Norte. 3. O uso das florestas e as diferentes preferências sociais Os modos e o tipo de utilização que cada indivíduo faz da “natureza” condicionam as suas preferências em relação, não só às florestas, como ao mundo rural em geral. Isto mesmo foi demonstrado num trabalho realizado no Parque Natural de Montesinho (PNM). Figueiredo (2000) demonstrou que, embora as representações dos visitantes e dos residentes desta área protegida sejam similares em alguns aspetos de carácter geral, com ambos os grupos vendo simultaneamente no rural “um maior contacto com a natureza”, “menos poluição”, “mais gratificantes relações interpessoais” e “possibilidade de uma vida mais saudável”, as preferências dos visitantes e dos residentes divergem em diversos outros aspectos. Visões contrárias e mesmo conflituosas são visíveis quando se passa da situação “geral” para a “especificação” do local concreto de residência ou visita. Assim, enquanto os visitantes são mais favoráveis à “aplicação de regulamentação para proteger o ambiente”, à “regulamentação da ampliação/edificação agrícolas” e a “restrições para as alterações à morfologia dos terrenos”, os residentes, porque estas atividades dizem respeito à sua vida quotidiana, apresentam níveis 238 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 de concordância substancialmente menores. Há assim, segundo este estudo, um rural “que parece ser” (o dos visitantes, que procuram o rural idílico perdido) e o rural “que ainda o é” (o dos habitantes, em que o rural o é para viver). Subjacentes a estas diferentes representações rurais e urbanas sobre o rural encontram-se visões, necessidades, aspirações e desejos diferentes (Figueiredo 2000:100). Outro estudo, realizado no Minho por Carvalho Ribeiro e Lovett (2011), unicamente a residentes nos 14 concelhos que compreendem as bacias hidrográficas do Lima e do Cávado, pretendeu (i) quantificar o uso da floresta na região, e também (ii) identificar qual o tipo de floresta que os inquiridos consideram (i) mais atrativa, e (ii) melhor gerida. Com base num questionário aplicado a 375 indivíduos, quer a proprietários florestais quer ao público em geral, (residentes nos concelhos amostra), foi inquirido qual o uso que fizeram da floresta (quantas vezes durante um ano visitaram áreas florestais, para o ano de referência 2006 - ano anterior à realização do questionário, que foi realizado em 2007). Os resultados deste estudo demonstram que, para o universo de inquiridos, é, em geral, baixa a frequência média de uso das áreas florestais. Só nos concelhos de Terras de Bouro e Esposende a frequência média de visitas a uma área florestal para recreio é de cerca de duas vezes por mês no decorrer de um ano. Em todos os outros concelhos, a frequência de uso para recreio da população residente foi inferior a 12, o que significa que houve menos de uma visita/mês para realizar atividades de recreio. Em relação à recolha de lenha e madeira, só em seis dos 14 concelhos é que a média de recolha foi acima de cinco dias num ano. A recolha média de produtos não lenhosos foi também inferior a cinco vezes num ano em nove dos concelhos analisados. As mais altas frequências de uso para pastoreio ocorreram nos concelhos de Melgaço e Vieira do Minho. Obviamente que estes dados não poderão ser considerados representativos do uso da floresta pelos habitantes na região, já que a amostra em alguns concelhos foi muito baixa (ex. Melgaço apenas nove inquiridos). No entanto, julgamos que estes valores médios permitem inferir que, por um lado, a frequência de utilização direta (pelos locais) das áreas florestais é baixa, e que, por outro lado, as florestas na área destas duas bacias hidrográficas, principalmente as localizadas a montante na bacia, que são também as que têm uma cariz rural profundo, são usadas para um conjunto vasto de atividades, congruente com o carácter multifuncional destas paisagens rurais. Assim, parece existir uma tendência para a diminuição do uso direto, pelas populações locais, da floresta no Norte, nomeadamente para as utilizações ditas tradicionais (ex. recolha de lenhas) (Baptista 2010), e um aumento no interesse por bens e “novos” serviços (ex. o recreio e o turismo pelos visitantes e turistas), o que parece indicar que os “novos” serviços do ecossistema florestal poderão vir a ter um papel de relevo no futuro. Neste sentido, existe um sentimento de “oportunidade” para promover a gestão florestal capaz de promover serviços de ecossistema muito para além da produção direta no local (Figura 3-1), mas capaz de “gerar” quer serviços omnidireccionais (Figura 3-2) quer com uma direção determinada (Figura 3-3/4). 239 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Tabela 7 Frequência média de uso das áreas florestais para diferentes atividades (número médio de dias durante um ano (2006) em que os inquiridos frequentaram áreas florestais). (1) N representa o número de pessoas inquiridas em cada concelho. Concelho N Recreio Lenho Produtos não lenhosos Caça Pastoreio Arcos Valdevez 28 11.96 12.29 3.00 15.14 95.89 Terras Bouro 32 26.86 1.82 3.95 18.32 82.95 Pte Barca 38 5.22 3.72 4.11 3.72 91.58 Montalegre 22 3.22 5.74 7.04 11.96 85.0 Vieira Minho 23 5.61 13.87 10.04 28.87 115.43 Melgaco 9 3.67 17.11 18.22 12.67 163.89 Vila Verde 26 4.93 8.90 2.17 2.23 0.0 Amares 20 5.67 0.48 1.44 2.04 0.0 Povoa Lanhoso 20 8.13 2.35 0.48 5.39 0.0 Pte Lima 23 3.81 5.76 15.05 0.38 18.05 Barcelos 29 10.28 42.86 26.45 1.24 7.24 Esposende 28 23.07 3.89 7.64 .07 0.0 Viana Castelo 32 5.69 3.25 1.56 1.25 22.81 Braga 29 9.83 2.31 1.41 .17 0.0 Total proprietários 205 10.06 13.08 9.26 8.44 72.17 Total não proprietários 170 8.58 2.64 3.10 3.82 2.88 No mesmo estudo, ainda com o objetivo de analisar as preferências do público em relação à floresta, foram usados dois grupos de fotografias (parte superior e inferior na Figura 13, tendo sido pedido aos inquiridos para ordenarem cada bloco de cinco fotografias de acordo com o que estes consideravam ser (i) uma floresta atrativa (“bonita”), e (ii) uma floresta “bem gerida”. Os dois grupos de cinco fotografias mostravam áreas florestais com diferentes características. Um grupo de fotografias mostrava áreas florestais com diferentes percentagens de cobertura florestal (parte superior na Figura 13). Com este grupo de fotografias (fotos F - “Forest cover”), pretendeu-se estudar o fator grau de coberto florestal na paisagem. O outro conjunto de cinco fotografias mostrava florestas em que variava a estrutura do povoamento (parte inferior da Figura 13). Algumas fotografias apresentavam árvores com a mesma idade (SA e SD), enquanto outras apresentavam uma estrutura de povoamento irregular, tendo as árvores diferentes idades (SB e SD). Outro fator que variava neste conjunto de cinco fotografias usadas para estudar a estrutura do povoamento foi a altura e a densidade dos matos. Com este grupo de fotografias (fotos S - Simplificação), pretendeu-se recolher a opinião dos utilizadores relativamente à simplificação da estrutura do povoamento. Estes dois parâmetros, (grau de cobertura florestal e simplificação do povoamento) foram escolhidos porque são considerados pelos investigadores na área florestal como dois dos maiores problemas que afetam as florestas das áreas temperadas (UNEP 2011). Em ambos os grupos, uma fotografia mostrava um área florestal onde tinha sido usado o fogo controlado (FE e SE). 240 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Figura 13 Fotografias usadas no questionário. A Tabela 8 sintetiza os resultados obtidos. Os valores apresentados são o valor médio que cada fotografia obteve para os dois critérios estudados: “atratividade” e “gestão”. Como foi pedido aos inquiridos para organizarem as fotografias da mais bonita/melhor gerida (atribuir o valor 1) até à menos bonita/pior gerida (atribuir o valor 5), os valores numéricos mais baixos evidenciam maior nível preferência. Tabela 8 Valor médio para cada fotografia. COBERTURA FLORESTAL SIMPLIFICAÇÃO DA ESTRUTURA (de grande percentagem para baixa (de povoamentos com árvores com várias percentagem de cobertura florestal) idades-irregulares para povoamentos com árvores de idade semelhante-regulares) Fotos FC FA FD FB FE SB SD SA SC SE Atratividade (Média) 2.03 1.69 3.00 3.55 4.63 2.09 2.60 2.57 2.91 4.71 Gestão (Média) 2.38 1.73 2.88 3.34 4.21 2.28 2.84 2.04 3.38 4.16 Os resultados gerais relativos ao estudo do grau de coberto florestal (Fotos F) mostram que a fotografia FA foi simultaneamente classificada como a “a mais bonita” e também como “a melhor gerida” pois tem o menor valor médio nos dois critérios estudados. Relativamente ao estudo da simplificação do povoamento a foto SB foi classificada como “a mais atrativa” enquanto a foto SA foi classificada como “a melhor gerida”. Estes resultados revelam que podem existir conflitos entre aquilo que os utilizadores consideram uma floresta “atrativa” e/ou “bem gerida”, e uma floresta capaz de assegurar a provisão de múltiplos serviços de ecossistema na região norte, nomeadamente a regulação da água e o controlo da erosão (Carvalho Ribeiro e Lovett 2011). Assim, este trabalho realça a importância de envolver e sensibilizar os proprietários e os utilizadores das áreas florestais para o facto de existirem diferentes critérios para a gestão florestal, e que muitas vezes as preferências dos utilizadores, ou as suas necessidades mais imediatas, podem pôr em causa o funcionamento do ecossistema florestal. As escalas e locais em que os serviços são produzidos e em que os benefícios são gerados (P e B 241 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 da Figura 3) são frequentemente distintos, e muitas vezes a sociedade não tem uma perceção holística do funcionamento dos ecossistemas florestais (Carvalho Ribeiro e Lovett 2011). 4. Cenários futuros para os serviços de ecossistema florestal no Norte de Portugal Esta secção pretende explorar as tendências futuras na provisão dos serviços de ecossistema abordados ao longo deste capítulo de acordo com diferentes “futuros possíveis”, nomeadamente: um cenário de continuidade, um outro relacionado com o abandono rural e de regeneração da floresta nativa, e um terceiro em torno da intensificação da gestão para fins de produção. O indicador de produtividade utilizado (a análise do integral anual de NDVI), no período entre 2001 e 2010, revelou que a maior percentagem de área florestal do Norte de Portugal com tendência estatisticamente significativa de alteração ocorreu em áreas com função primordial de produção. Contudo, o reduzido número de píxeis com ocupação florestal em que se registou tendência de alteração estatisticamente significativa (9% do total de píxeis) não permite tecer grandes considerações quanto às perspetivas de tendência para um futuro mais ou menos próximo em diferentes cenários. Não obstante, a continuidade da monitorização deste tipo de dados pode ser muito relevante na avaliação dos serviços de produção (e restantes SE), podendo servir de suporte à definição de estratégias de gestão florestal para produção mais eficientes no futuro, de modo particular tendo presente os eventuais impactos que os fenómenos de alteração climática possam vir a ter sobre os espaços florestais. Em relação à fixação de carbono, espera-se que a tendência do aumento da área florestal continue a verificar-se no futuro, particularmente nas regiões mais interiores, devido ao aumento das áreas disponíveis para florestação e para o desenvolvimento espontâneo da vegetação por abandono de áreas agrícolas e de pastoreio. Esta é uma tendência de outras regiões da Europa, onde se prevê que o aumento da fixação de carbono na paisagem continue a verificar-se no futuro (Bolliger et al. 2008, Schulp et al. 2008). Também se prevê um aumento no interesse e na utilização da biomassa florestal para energia, especialmente no Norte de Portugal, considerando a oferta do recurso, as vantagens que a sua utilização tem associadas, nomeadamente em termos ambientais, e as políticas defendidas pelo Estado Português. A utilização de tecnologias mais eficientes de conversão energética (como a cogeração) a escalas municipais ou, pelo menos, do edifício, e a definição de um sistema logístico para otimizar o processo de recolha, transporte e processamento da biomassa garantindo a regularidade e qualidade do combustível, são passos fundamentais para desenvolver o aproveitamento deste recurso das florestas (Azevedo et al. 2011). No entanto, considera-se que a importância principal da biomassa residirá na possibilidade de, regionalmente, principalmente no meio rural e cidades médias, poderem ser estabelecidos sistemas energéticos autossuficientes e com a capacidade de gerar riqueza localmente. A regulação da água manter-se-á em função da área florestal e das condições climáticas. No entanto, num cenário de intensificação da floresta de produção, considerando a tenra idade dos povoamentos e as frequentes operações de maneio que alteram o regime hídrico dos 242 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 solos florestais, diminuindo a infiltração e consequente recarga dos aquíferos, o serviço de regulação será negativamente afetado. Mais favorável poderá vir a ser o cenário de abandono agrícola e regeneração florestal. Porém, o serviço de regulação poderá ser afetado pela expansão de espécies exóticas invasoras, menos adaptadas às condições locais e mais exigentes do ponto de vista hídrico, que poderão alterar a quantidade de água disponível no sistema, pelo que a gestão florestal preventiva deverá constituir uma prioridade. Num cenário de continuidade, onde a multifuncionalidade for uma prioridade, o serviço de regulação poderá ser incentivado num mercado de pagamentos indiretos de serviços de ecossistema. Do ponto de vista dos serviços associados à erosão do solo, e observando o espaço florestal como um todo, podem ser considerados dois cenários diametralmente opostos. Um primeiro que considera um aumento progressivo das áreas e dinâmicas florestais, assim como da gestão sustentável destes espaços através da aplicação e implementação de medidas e/ou iniciativas estratégicas para a dinamização do setor florestal (e.g. através da implementação de Zonas de Intervenção Florestal). Deste ponto de vista, será expectável que a área de floresta autóctone aumente, a par do crescimento da área com floresta de produção, diminuindo assim as áreas mais expostas e normalmente associadas a matos rasteiros e/ou zonas com vegetação esparsa. Neste contexto, a erosão hídrica do solo tenderá a diminuir de forma igualmente progressiva, em particular nas zonas de meia encosta e de altitude. Esta dinâmica está associada ao princípio de que este tipo de intervenções integradas no território levam igualmente a uma diminuição do número de incêndios florestais e à utilização de estratégias de produção florestal adequadas, ou seja, que contribuam para uma melhor cobertura do solo nos períodos mais críticos de exposição aos fatores climáticos. Por outro lado, poderá também considerar-se um segundo cenário, no qual se observe um aumento do número e extensão das áreas ardidas, associado a um aumento do abandono da propriedade florestal e à consequente reconversão para outras tipologias de ocupação, em particular matos rasteiros e zonas com pouca vegetação. Este segundo cenário poderá resultar da falta de ordenamento florestal e de incentivos à produção, o que inibirá a definição de estratégias integradas de gestão florestal. Neste segundo cenário, poderá registar-se um aumento das áreas expostas aos mecanismos de erosão hídrica, assim como um aumento dos próprios fatores de erosão através da implementação de más práticas florestais e/ou de modelos de produção menos adequados. De acordo com este cenário, os espaços de menor acessibilidade, em particular em zonas de altitude, conhecerão uma maior tendência de abandono e progressiva degradação. Esta situação poderá levar a um aumento substancial da quantidade de solo erodida por ausência de elementos que mitiguem os fatores de erosão. Apesar de se tratar de dois cenários diametralmente opostos, ambos revelam que a proteção da erosão hídrica do solo surge como um elemento secundário na aplicação de políticas e/ ou medidas mais generalistas para o setor florestal. De facto, apesar de existir em Portugal legislação que protege de forma direta a provisão de serviços de regulação (e.g. Decreto-Lei nº 166/2008, de 22 de Agosto, relativo à revisão da Reserva Ecológica Nacional), em particular a proteção do solo contra a erosão hídrica, este serviço é ainda subvalorizado pela sociedade em geral, sendo que esta, no entanto, beneficia de forma direta da implementação de diversas iniciativas paralelas. 243 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 No cenário de abandono rural, a regeneração natural de floresta nativa, que tem vindo a ocorrer nas últimas décadas como consequência do abandono agrícola e pastoril, pode ser interpretada como uma tendência positiva da condição da biodiversidade dos ecossistemas florestais no Norte de Portugal. Por outro lado esta tendência é contrariada pelo aumento de risco de incêndio em fases iniciais do processo de sucessão ecológica pós-abandono, em que ocorre um aumento de biomassa facilmente inflamável (e.g. vegetação arbustiva). Assim, a sucessão ecológica pós-abandono deve ser considerada como uma oportunidade e um desafio à gestão das florestas, e deve ser alvo de medidas que aumentem o sucesso da regeneração da floresta e reduzam o risco de incêndios não controlados. A estrutura e a composição das florestas plantadas são também fatores de grande relevância para a biodiversidade. As plantações florestais com espécies pirófitas, como é o caso do pinheiro-bravo e do eucalipto, em formações contínuas e densas, contribuem não só para aumentar o risco de incêndio numa dada área, pondo em causa a estabilidade da provisão dos serviços dos ecossistemas, como são também em geral pouco ricas em espécies, isto é, têm baixa biodiversidade. Assim, é importante promover quer a expansão dos carvalhais nativos (por regeneração natural, ou por regeneração assistida com plantação), quer a multifuncionalidade das florestas de produção, ou seja a produção de bens lenhosos a par com a produção de serviços de regulação e culturais, o que será um meio para uma maior sustentabilidade já que a estrutura e composição serão mais diversas, aumentando assim a estabilidade dos sistemas florestais. A crescente importância da floresta multifuncional, nomeadamente a autóctone de carvalhos (como floresta para recreio, com mais diversidade biológica e também reguladora da água e do controle da erosão), poderá ser promovida se forem implementados os proclamados “pagamentos de serviços de ecossistema”. Neste sentido, serviços como o de regulação da água ou o de mitigação dos riscos poderão ser devidamente pagos por quem usufrui dos benefícios daí advindos, como por exemplo água para consumo ou o controlo da erosão. No entanto, operacionalizar este conceito tem-se revelado um grande desafio. São conhecidas as dificuldades para implementar políticas governamentais “inovadoras” como a criação de mercados diretos ou indiretos de serviços dos ecossistemas, e parece claro que a sua implementação terá que ser concertada com diferentes tipos de atores não governamentais (EEA 2011). Não existirá concerteza uma solução única para garantir a provisão dos diferentes tipos de ecossistema florestal no Norte de Portugal, até porque os tipos de serviços de ecossistema florestal são variados e requererem estratégias de gestão diferenciadas. A gestão florestal terá que ser participada, negociada entre os diferentes atores (proprietários florestais, entidades públicas e privadas e o público em geral) e concertada entre várias escalas (local, regional, nacional e internacional) (Carvalho Ribeiro et al. 2010). Assim, urge concertar interesses públicos e privados nesta problemática da gestão florestal sustentável. Até porque a maneira como o ecossistema florestal funciona não proporciona só benefícios, o caso dos fogos florestais, que são parte integrante dos ciclos de alguns tipos de floresta, acarretam enormes prejuízos para a sociedade e requerem intervenções sérias e responsáveis. É assim urgente mobilizar toda a sociedade para que a tarefa de gerir sustentavelmente as áreas florestais possa ser implementável. 244 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Referências · Abreu C., Correia T., Oliveira R. (2004). Contributos para a identificação e caracterização da paisagem em Portugal continental, in: DGOTDU (Ed.), Colecção de Estudos 10. DGOTDU, Lisboa. · Bosch J.M., Hewlett J.D. (1982). A review of catchment experiments to determine the effect of vegetation changes on water yield and evapotranspiration. Journal of Hydrology 55, 3-23. · Abson D., Termansen M. (2010). Valuing Ecosystem services in Terms of Ecological Risks and Returns. Conservation Biology 25, 250-258. · Bruijnzeel L.A. (2004). Hydrological functions of tropical forests: not seeing the soil for the trees? Agriculture, Ecosystems & Environment 104, 185-228. · AFN (2010). Inventário Florestal Nacional, Portugal continental: Relatório Final, Autoridade Florestal Nacional- 5º Inventário Florestal Nacional. Autoridade Florestal Nacional, Lisboa. · Campos J.A.F.L.B., Parrotta J., Porras I. (2005). An integrated approach to forest ecosystem services, in: Mery, G.A., M.; Kanninen, M.; Lobovikov, M.; (Ed.), Forest in the global balance - changing paradigms. IUFRO World Series, pp. 97-116. · Alcaraz-Segura D., Cabello J., Paruelo J.M., Delibes M. (2008). Trends in the surface vegetation dynamics of the national parks of Spain as observed by satellite sensors. Applied Vegetation Science, 431-440. · Alcaraz-Segura D., Cabello J., Paruelo J.M., Delibes M. (2009). Use of descriptors of ecosystem functioning for monitoring a national park network: a remote sensing approach. Environmental Management, 38-48. · Alves A.A.M. (1982). Técnicas de produção florestal. Fundamentos, tipificação e métodos. , Instituto Nacional de Investigação Científica, Lisboa, pp. 332. · Azevedo J.C., Castro J.P., Tarelho L., Escalante E., Feliciano M. (2011). Avaliação do potencial de produção e utilização sustentável de biomassa para energia no Distrito de Bragança. , Actas do 17º Congresso da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Regional/V Congresso de Gestão e Conservação da Natureza/Workshop de Zamora da Associação Espanhola de Ciência Regional: Gestão de Bens Comuns e Desenvolvimento Regional Sustentável., Zamora e Bragança, 29 de Junho a 2 de Julho de 2011. 15pp. · Baptista F.O. (2010). Baldios. A erosão da propriedade comunitária, in: Baptista, F.O. (Ed.), O Espaço Rural. Declínio da Agricultura. CELTA, Lisboa, p. 213. · Baptista P.C.S. (2007). Macrofungos associados à cultura de castanheiro: aspectos da sua biodiversidade e da interacção de Pisolithus tinctorius e Hypholoma fasciculare com raízes de Castanea sativa Mill. Tese de Doutoramento em Ciências. Universidade do Minho, Braga. · Bolliger J., Hagedorn F., Leifeld J., Bohl J., Zimmermann S., Soliva R., Kienast F. (2008). Effects of land-use change on carbon stocks. Ecosystems 11: 895-907. · Carvalho J., Alves P.C., Grosso-Silva J.M., Santos T.M. (2007a). Biologia e ecologia das florestas de carvalho-negral., in: Silva, J.S. (Ed.), Os carvalhais. Um património a conservar. Árvores e Florestas de Portugal. FLAD, PUBLICO, LPN. · Carvalho J., Alves P.C., Grosso-Silva J.M., Santos T.M. (2007b). Biologia e ecologia do carvalhoroble, in: Silva, J.S. (Ed.), Os carvalhais. Um património a conservar. Árvores e Florestas de Portugal. FLAD, PUBLICO, LPN, Lisboa. · Carvalho Ribeiro S.M., Lovett A. (2011). Is an attractive forest also considered well managed? Public preferences for forest cover and stand structure across a rural/urban gradient in northern Portugal. Forest Policy and Economics 13, 46-54. · Carvalho Ribeiro S.M., Lovett A., O’ Riordan T. (2010). Multifunctional Forest Management in Northern Portugal: Moving from scenarios to governance for sustainable development. Land Use Policy. 27, 1111–1122 · Castro E., Tenorio M.C., Juaristi C.M., Ollero H.S. (2001). Los bosques ibéricos: Una interpretación geobotáncia. . Planeta. · De Groot R., Wilson M., Boumans R., (2002). A typology for the classification, description and valuation of ecosystem functions, goods and services. Ecological Economics 41, 393-408. · DGF (1999). Critérios e Indicadores de Gestão Florestal Sustentável ao Nível da Unidade de Gestão, Direcção Geral das Florestas, Lisboa. · DNFF (2010). Observatório para as fileiras florestais. Relatório de síntese. AFP, Lisboa. 54pp. · EASAC (2009). Ecosystem services and biodiversity in Europe. European Academies Science Advisory Council, London. 245 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 · EEA (2011). Global governance - the rise of nonstate actors, A background report for the SOER 2010 assessment of global megatrends. European Environment Agency. EEA Technical report No 4/2011. · Ferreira H. (2008). Matriz Energética do Nordeste Transmontano: uma ferramenta contra as alterações climáticas. Versão para discussão pública. Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica / Resíduos do Nordeste, EIM, Porto, 56pp. (2008). · Figueiredo E. (2000). Um parque para viver...outro para visitar. As visões dos residentes e habitantes sobre o Parque Natural de Montesinho, IV Congresso Português de Sociologia. · Fisher B., Costanza R., Turner K., Morling P. (2004). Defining and Classifying Ecosystem Services for Decision Making, in: CSERGE (Ed.), CSERGE Working Paper EDM 07-04. UEA, Norwich. · Fonseca F., Guerra A., Nogueira C. (2004). Efeito da Substituição de Espécies Florestais nos Horizontes Orgânicos e Características Químicas do Solo. Silva Lusitana 12, 183 - 190. · Gallart F., Llorens P. (2004). Observations on land cover changes and water resources in the headwaters of the Ebro catchment, Iberian Peninsula. Physics and Chemistry of the Earth, Parts A/B/C 29, 769-773. · ICN (2006). Plano Sectorial da Rede Natura 2000, in: ICN (Ed.), Vol. II. Valores naturais. Fichas de caracterização ecológica e de gestão. Instituto para a Conservação da Natureza. · IM-AEM (2011). Iberian climate atlas - air temperature and precipitation (1971-2000). Instituto de Meteorologia & Agencia Estatal de Meteorologia, Portugal & Spain. · IPCC (2007). Summary for policymakers. In SOLOMON, S.; QIN, D.; MANNING, M.; CHEN, Z.; MARQUIS, M.; AVERYT, K.B.; TIGNOR, M.; MILLER, H.L. (Eds.), Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge University Press, Cambridge. · JRC (2011). Societal appreciation of rural landscape in Europe. FRAGARIA final report http:// ec.europa.eu/dgs/jrc/index.cfm?id=2510 (acedido a 29.11.2011). · MA (2003). Ecosystems and Human Well-being: A Framework for Assessment, in: press, I. (Ed.). Millenium Ecosystem Assessment, Washington DC. · Maes J., Paracchini M., Zulian G. (2011). A European assessment of the provision of ecosystem services: towards an atlas of ecosystem services. . JRC Scientific and Technical Reports, 88 pp. · Garcia M.M., Carvalheira M., Azevedo J.C. (2006). Contribuição para a caracterização da recolha comercial de macrofungos comestíveis no distrito de Bragança. Anais da Associação Micológica A Pantorra, 6, p. 141-153 · Maire G., Marsden C., Nouvellon Y., Grinand C., Hakamada R., Stape J.L., Laclau J.P. (2011). MODIS NDVI time-series allow the monitoring of Eucalyptus plantation biomass. Remote Sensing of Environment 115: 2613–2625. · Glen E.P., Huete A.R., Nagler P.L., Nelson S.G., (2008). Relationship between remotely-sensed vegetation indices, canopy attributes and plant physiological processes: what vegetation indices can and cannot tell us about the landscape. . Sensors, 2136-2160. · MAOT-MADRP (2008). Poluição Provocada por nitratos de origem agrícola - directiva 91/676/CEE. Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional. Ministério da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas, Lisboa. · Guerra C., Costa C., Alonso P., Alonso J. (2011). Evaluating the effect of biodiversity conservation measures in the provisioning of regulating services in the North of Portugal, , in the proceedings of the Biosphere Reserves as a spatial strategy for sustainability conference, Lugo. · Martins A., Raimundo F., Duarte J., Farropas L., Mano R., Sousa V., Lourenço M., Aranha J., M. M. (2009). O Carbono nos Solos Florestais de Portugal Continental e Relações com Factores Ambientais. Actas do 6º Congresso Florestal Nacional, 6-9 de Outubro, Ponta Delgada. Sociedade Portuguesa de Ciências Florestais. Pp. 91-99. · Guerschman J.P., Paruelo J.M. (2005). Agricultural impacts on ecosystem functioning in temperate areas of North and South America. Global and Planetary Change, 170-180. · Honrado J.J.P. (2003). Flora e Vegetação do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Dissertação de candidatura ao grau de Doutor em Biologia, Faculdade de Ciências Universidade do Porto, Porto. · Martins F.X. (2004). Cogumelos. Património Natural Transmontano. João Azevedo Editor. Mirandela. · Mather A.S., Needle C.L. (1998). The forest transition: a theoretical basis. Area 30, 117-124. · Mendes A. (2007). The Portuguese Forests (Country level report delivered to the EFFE project - Evaluating financing of forestry in Europe). Universidade Católica Portuguesa, Porto. 246 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 · Metzger M.J., Rounsevell M.D.A., Acosta-Michlik L., Leemans R. and Schröter D. (2006). The vulnerability of ecosystem services to land use change. Agriculture, Ecosystems and Environment, 69-85. · OECD (2006). The new rural paradigm. Policies and governance. OECD Paris. · Otero I., Boada M., Badia A., Pla E., Vayreda J., Sabaté S., Gracia C.A., Peñuelas J. (2010). Loss of water availability and stream biodiversity under land abandonment and climate change in a Mediterranean catchment (Olzinelles, NE Spain). Land Use Policy 28:207-218 · Park J.J., Selman P. (2011). Attitudes Toward Rural Landscape Change in England. Environment and Behavior 43, 182-206. · Paruelo J.M., Epstein H.E., Lauenroth W.K., Burke I.C. (1997). ANPP estimates from NDVI for the central grassland region of the US. . Ecology, 953-958. · Pettorelli N., Vik J.O., Mysterud A., Gaillard J.M., Tucker C.J., StensethnN.C. (2005). Using the satellite-derived NDVI to assess ecological responses to environmental change. Trends in Ecology and Evolution, 503-510. · Pinto-Correia T., Surova D. (2009). Multifuncionalidade da paisagem rural: integração da procura para amenidades nos modelos de gestão dos sistemas de uso, Os territórios de baixa densidade em tempos de mudança. Floresta, ambiente e desenvolvimento rural. · Proença V.M., Pereira H.M., Guilherme J., Vicente L. (2010). Plant and bird diversity in natural forests and in native and exotic plantations in NW Portugal. Acta Oecologica 36, 219-226. · PROT N (2009). Plano Regional de ordenamento do Territorio da Região Norte. Fase III – Modelo Territorial, Normas Orientadoras, Programa de Execução. CCDR-N. Porto. · Quinton J.N., Edwards G.M., Morgan R.P.C. (1997). The influence of vegetation species and plant properties on runoff and soil erosion: results from a rainfall simulation study in south east Spain. Soil Use and Management 13, 143-148. · Radich M.C., Alves A.A.M. (2000). Dois Séculos da Floresta em Portugal, Lisbon. · Rodrigo I., Canadas M.J. (2008). Componente social da certificação florestal: a utilização de metodologias participativas na sua avaliação, in: Proença-a-Nova, C.M. (Ed.), Floresta Viva, Património de Futuro. Centro de Ciência Viva da Floresta, Proença-a-Nova. · Rouse W., Haas R., Scheel J., Deering W. (1973). Monitoring vegetation systems in Great Plains with ERST. , In Proceedings of the Third ERTS Symposium, NASA SP-351. US Government printing office: 309-317, Washington, DC. · Schröter D., Cramer W., Leemans R., Prentice I.C., Araújo M.B., Arnell N.W., Bondeau A., Bugmann H., Carter T.R., C.A. Gracia, de la VegaLeinert A.C., Erhard M., Ewert F., Glendining M., House J.I., Kankaanpää S., Klein R.J.T., Lavorel S., Lindner M., Metzger M.J., Meyer J., Mitchell T.D., Reginster I., Rounsevell M., Sabaté S., Sitch S., Smith B., Smith J., Smith P., Sykes M.T., Thonicke K., Thuiller W., Tuck G., Zaehle S., Zierl B. (2005). Ecosystem services Supply and Vulnerability to Global Change in Europe. Science, 1333-1337. · Sevenant M., Antrop M. (2009). Cognitive attributes and aesthetic preferences in assessment and differentiation of landscapes. Journal of Environmental Management 90, 2889-2899. · Silva T., Pereira J.M., Paúl J., Santos M., Vasconcelos M. (2006). Estimativa de Emissões Atmosféricas Originadas por Fogos Rurais em Portugal. Silva Lusitana, 239-263. · SNIRH 2010. http//snirh.pt. · Stephenson J. (2007). Many perceptions, one landscape. Landscape Review 11, 9-30. · Schulp CJE, Nabuurs GJ, Verburg PH (2008). Future carbon sequestration in Europe - Effects of land use change. Agric. Ecosyst. Environ. 127: 251-264. · UN (1997). Kyoto Protocol to the United Nations Framework Convention on Climate Change, United Nations, New York. · WCED (1987). Our common future. Oxford University Press, Oxford and New York, 383 pp. · Wu C., Han X., Ni J., Niu Z., Huang W. (2010). Estimation of gross primary production in wheat from in situ measurements. International Journal of Applied Earth Observation and Geoinformation, 183189. · Xiao X., Hagen S., Zhang Q., Keller M., MooreIII B. (2006). Detecting leaf phenology of seasonally moist tropical forests in South America with multitemporal MODIS images. Remote Sensing of Environment, 465-473. 247