Colégio Ofélia Fonseca Análise do Movimento Occupy pelo viés do ideal Anarquista João Victor Bessa Prado São Paulo 2012 João Victor Bessa Prado Análise do Movimento Occupy pelo viés do ideal Anarquista Trabalho realizado e apresentado sob a orientação do professor Alexandre Amaral, da disciplina de Sociologia. 1. INTRODUÇÃO................................................................. .01 1.1. A teoria................................................................... .01 1.2. A História do Anarquismo....................................... .02 1.3. O Movimento Occupy............................................. .05 2. DESENVOLVIMENTO...................................................... .07 2.1. Antedentes.............................................................. .07 2.2. Oriente Médio e Norte da África (Primavera Árabe).07 2.3. Europa..................................................................... .12 2.4. América................................................................... .15 2.5. Pontos em comum.................................................. .17 3. CONCLUSÃO................................................................... .20 3.1. A real democracia.................................................... .20 3.2. O futuro dos “ocupas”............................................... .20 ANEXOS.................................................................................... .23 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................... .25 1.0 - Introdução 1.1 – A teoria O Anarquismo é um sistema social com a ausência do Estado, da Igreja e de qualquer outro órgão ou instituição que retire as liberdades individuais do ser. Essa sociedade é autogerida pela própria população, sem poder centralizado (donos, chefes, presidentes, reis, imperadores, primeiros ministros etc.), alcançando a “liberdade máxima” numa sociedade somente governada pelas Leis Naturais1. É um sistema que se caracteriza (além da autogestão das atividades) pelo fim da propriedade privada dos meios de produção, apoio mútuo entre as pessoas, ação direta (o que faz com que não seja necessária a instituição de órgãos intermediários entre a população e a resolução dos problemas), e o internacionalismo, quebrando toda fronteira ou barreira que impeça o direito de ir e vir do ser humano, ao mesmo tempo em que não valoriza o capital (uma vez que este distingue, dá superioridade a um indivíduo sobre os outros, gerando assim, desigualdade entre as pessoas). Pierre-Joseph Proudhon (considerado por muitos o pai do anarquismo) se disse anarquista pela primeira vez, em seu mais famoso livro: O que é Propriedade? (no qual ele “dispara” uma de suas frases mais conhecidas: ”Propriedade é Roubo!”), onde indaga o conceito de propriedade. Filósofo, cientista político, economista e por anos Membro do Parlamento Francês, Proudhon era um homem de paradoxos, um individualista social que teorizou uma sociedade em equilíbrio dinâmico da economia (que traria a sociedade como um todo em equilíbrio), obviamente com a ausência do Estado, onde o grande soberano é a liberdade própria. Era um pacifista que via na constante crítica o maior fator de mudança de uma sociedade, sociedade está que era a fonte de esforços que faria com que cada indivíduo se auto desenvolvesse. Seus ideais foram muito influentes entre operários de Paris e Lyon durante a Revolução de 1848 (ou Primavera dos Povos), que tornou a França uma República. 1 As Leis Naturais são baseadas no Jusnaturalismo, que diz que existem elementos da Justiça (natural) que provém de natureza humana. É uma doutrina ou teoria jurídico-filosófica segundo a qual há certos direitos que são naturais aos homens e que as leis escritas devem fazer valer. Direitos estes, que estão acima de qualquer governo. Essas leis envolvem: Direito à vida; Direito dos seus bens obtidos pelo trabalho; Direito à liberdade de consciência e de movimento; etc. 4 1.2 - A História do Anarquismo A história do anarquismo começa muito antes de Proudhon, mas ainda sim na Europa. O movimento de rebelião contra as ordens estabelecidas por autoridades superiores a população vieram a surgir com características do que viria a se tornar o movimento anarquista através dos líderes desses movimentos, por volta do século XVI na Inglaterra, onde as indústrias efervesciam e o capitalismo começava seu processo de separação de classes marcada pela desigualdade social com o padre John Ball, que a partir do conto de Adão e Eva questionava a autoridade tendo em vista que todos somos filhos do “casal primeiro” e estando nesta condição todos teríamos os mesmos direitos e a mesma liberdade; e na Alemanha no início do século XVI. Porém, foi somente em 1649, com um grupo de trabalhadores ingleses pobres que os ideais anarquistas começaram a tomar forma através de seu “líder” Gerrard Winstanley, que antecipou uma série de pensadores libertários ao justificar a criminalidade através da desigualdade social. O grupo dos Cavadores, gerado em trono de Winstanley, até tentou reivindicar terras para que assim pudessem nela trabalhar e dela retirar seu sustento, porém logo foram rechaçados pelas autoridades locais e até mesmo por seus vizinhos que não tomaram muita simpatia pelo grupo. Em 1792, o político inglês Thomas2 Paine lança seu livro: Os Direitos do Homem (The Rights of Man) onde questiona o Estado de maneira anarquicamente bem temperamental e ideal, faltando ser um pouco mais otimista para se juntar definitivamente a gama de pensadores anarquistas. No Terror da França, no ano de 1793 surge um grupo um tanto quanto obscuro e desconhecido ao redor de Jacques Roux e de Jean Varlet, o dos Enragé, que mesmo não tendo tanta atenção histórica merece estar na lista de pré-anarquistas por ser um grupo não muito organizado, porém com pessoas de caráter revolucionário que questionavam o poder estatal exercido pelos jacobinos em Lyon e Paris, se aproximando ideologicamente dos Cavadores de Winstanley. Eis que surge o ilustre amigo de Thomas Paine, o escritor, filósofo e até por certo tempo padre: William Godwin. Godwin Foi um dos maiores precursores do movimento anarquista individualista e que começou a desenvolver seus ideais, baseado na Revolução 2 Thomas Paine, filósofo inglês, nasceu no dia vinte e nove de janeiro de 1737 e morreu no dia oito de junho de 1809 nos EUA. Foi um dos filósofos, políticos e ativistas mais influentes e importantes de sua época, chegando a participar da Revolução Americana. Seu livro foi essencial na construção das ideias Iluministas. 5 Francesa e Nos Direitos do Homem (de Thomas Paine). Ele negava qualquer sistema baseado em um Estado. Acompanhou de perto o desenvolvimento do atual capitalismo e com isso percebeu a desigualdade que este estava gerando na sociedade em que ele vivia. Godwin não tinha noção do que era anarquismo ou anarquia, porém é considerado um dos fundadores desse ideal devido as suas bases teóricas para uma sociedade próspera, que envolviam: uma sociedade sem a presença do Estado e suas leis, uma vida sobre um contexto racional, equilibrado entre as vontades e necessidades do ser – humano e sem a existência da propriedade privada do meio de produção. Mas foi só no próximo século (XIX) que foi criado/definido o Anarquismo como um sistema sociopolítico através dos ideais Iluministas somados aos do francês Pierre-Joseph Proudhon. Porém para os políticos e governantes da época, que temiam que essas ideias se espalhassem de forma “perigosa” o termo Anarquismo tornou-se sinônimo de caos, desordem e baderna, e por muitos anos esses foram os significados atribuídos a esse nome, que do grego Anarkhos, significa: sem governantes. O grande sucessor de Proudhon foi o russo Mikhail Bakunin. Foi ele a referência do movimento durante a Primeira Internacional 3 (AIT- Associação Internacional dos Trabalhadores). Bakunin era um rebelde, um verdadeiro termômetro motivacional, por onde ele passasse, os círculos revolucionários se agitavam. Foi o que melhor pôs em prática todo o conteúdo que recebeu de Godwin e Proudhon. Lutou em Paris, Praga e Dresden de 1848 até 1849, na Itália conheceu Giuseppe Fanelli, que o ajudou a espalhar o movimento anarquista pela Espanha. Bakunin é também classificado por muitos como um anarco-terrorista, devido a seus métodos de intervenção que eram um tanto quanto agressivos. Pierre-Joseph Proudhon, pai da anarquista. Fonte: Essas ações organizadas por ele geralmente tinham líderes e teoria http://ceusemfronteiras.blogspot.c representantes 3 políticos como principais alvos de seus om.br/2010/08/carta-de-proudhonmarx.html A AIT, fundada na Inglaterra em 1864, foi uma associação internacional trabalhista entre esquerdistas (anarquistas, comunistas, socialistas, mutualistas) e libertários que após as Revoluções de 1848 (onde aproximadamente dez países europeus experimentaram pequenos movimentos sociais) uniram-se numa corrente de pensadores revolucionários e trabalhadores visando a emancipação das massas europeias. 6 ataques/atentados. Outro russo em questão foi Piotr Kroptikin. Geógrafo, passou anos estudando o Círculo Polar Ártico, entrando em contato com a miserável vida de camponeses russos, finlandeses, atravessando a Sibéria e a Manchúria e observando as consequências do czarismo. Essas viagens fizeram com que ele largasse a carreira e fosse viajar pela Europa. Em uma dessas viagens entra em contato com pensadores associados à Bakunin e com ciclos libertários da Federação Jura (associação de anarquistas durante a Primeira Internacional) na Bélgica e na Suíça e a partir de então iniciou seu desenvolvimento como teórico anarquista. Para finalizar o “ciclo russo” de grandes filósofos anarquistas, falemos de Tolstoi, Liev Tolstoi. Um brilhante escritor que entra em contato com os ideais anarquistas em 1861, numa viagem a França, onde conhece Proudhon e, a partir daí, foi gradualmente se tornando assim como seu “mestre” um anarquista pacifista. De volta à Rússia, fundou uma escola libertária, a qual o material havia sido feito por ele mesmo. Os ideais de Tolstoi tiveram grande influencia sobre Gandhi4, com quem até manteve correspondências. Outro dos grandes teóricos anarquistas foi Max Stirner, pseudônimo do alemão Kaspar Schidmt. Tendo sempre vivido uma vida solitária, Stirner acabou por se tornar um dos maiores teóricos individualistas da história do movimento anarquista e foi a partir de seu livro: O Único e sua Propriedade, que ganhou fama e lugar garantido entre os grandes filósofos libertários do mundo. Seus ideias foram bastante presentes na Alemanha, EUA e França. Finalmente chegamos ao maior dos difusores dos ideais anarquistas na Itália, Errico Malatesta. Contestador e rebelde, sempre participou de atividades indagadoras, que o fizeram ser preso e expulso da faculdade de medicina que cursava na época. O ano de 1871 foi decisivo em sua vida, aonde juntou-se a AIT e então conheceu Bakunin. Malatesta foi um dos maiores militantes libertários de todos os tempos, tendo difundo o anarquismo em diversos países, desde Egito, passando pela França, Itália, Bélgica, Argentina e Inglaterra. 4 Mohandas Karamchand Ghandi (popularmente conhecido como Mahatma Gandhi) nasceu em Bombaim no dia dois de outubro de 1868. Foi uma referência da independência da Índia e da pacificação entre hindus e mulçumanos em seu país. Líder pacifista e religioso, Gandhi lutou por um mundo sem desigualdade social e ficou mundialmente conhecido por sua bondade e inteligência. Foi assassinado em Nova Delhí por um extremista hindu em 1948. 7 O movimento anarquista se perpetuou pela Europa durante vários anos, teve sim seus momentos onde fora alcançado principalmente na França, Itália, Rússia e Espanha, porém foi logo “extinguido” pelos governos locais e teve seu auge com a criação da Primeira Internacional. Essa corrente teve como seus dois principais e mais influentes pensadores (até líderes) o socialista Karl Marx e o anarquista Mikhail Bakunin que por discordâncias políticas acabaram por se separar e com isso levar ao fim da Associação Internacional dos Trabalhadores, da qual Bakunin e seus seguidores foram expulsos pelos socialistas. O último movimento anarquista de grande expressão foi o realizado pelos espanhóis durante a Guerra Civil Espanhola, contra o regime fascista do ditador Franco. Depois com a Segunda Guerra Mundial os ideais libertários chegaram com força às Américas, tendo muita influência principalmente na Argentina e no Uruguai. Foi com a Guerra Fria que o movimento perdeu sua influência em massa já que esta “dividiu o mundo” entre capitalistas e socialistas, não abrindo espaço para outros sistemas políticos. 1.3 – O movimento Occupy Dia dezessete de setembro de 2010, Tunísia. Um vendedor de frutas, após protesto contra a apreensão de suas mercadorias se suicida. Mohamed Bouazizi era o nome dele. Ele foi o estopim para um fenômeno que há muito tempo não ocorria em nossa sociedade: uma onda de protestos unindo pessoas por diferentes motivos, em lugares distintos, porém do mesmo jeito, pela mesma insatisfação e “esgotamento psicológico”, marcada por uma inovação: o uso do ativismo social através das redes sociais (Facebook e principalmente o Twitter), não tendo sido essencial, mas importante para que o agrupamento das massas protestantes fosse facilitado e mais rapidamente organizado. Começou no Norte da África (Tunísia, Egito, Líbia, Iêmen, Irã, Síria, Arábia Saudita, Jordânia, Argélia, Marrocos, Bahrein) com a queda de ditadores numa luta da população por democracia e justiça, negada a esses povos por décadas. Na Europa (Grécia, Inglaterra, Espanha, França, Portugal e Itália) o movimento tomou forma de protestos contra a crise econômica e por reformas de âmbito social. Esses cortes trouxeram mudanças para pior no sistema que desde a Segunda Guerra Mundial prezava pelo social, pelo bem-estar e pela qualidade de vida, garantidos pelo governo. Uma vez que os Estados, como medida para a crise, cortaram drasticamente os gastos públicos que envolviam esse meio 8 social. Nestes países, jovens e estudantes foram às ruas para protestar por investimentos na educação, pela falta de emprego que assola o continente e na Inglaterra somou-se a essa crise do sistema capitalista os altos níveis de segregação dos quais os jovens negros e de diferentes etnias pobres sofrem já há tempos. Na América o movimento Occupy, caracterizado ao redor do mundo como um movimento das massas na ocupação dos espaços públicos para a revindicação de direitos e contra a crise econômica do capitalismo que se agrava no mundo desde 2008, também foi protagonizado por uma massa de estudantes, principalmente no Chile e no Brasil. O ápice do movimento foi a “inesperada” adesão do povo estadunidense à causa, que gerou protestos pelo país inteiro, tendo como ponto inicial a famosa Wall Street, Rua da Bolsa de Valores de Nova Iorque (a mais importante do mundo), com protestos contra os bancos, a desigualdade social e também contra o sistema capitalista como o grande gerador de tudo isso. Até onde esse movimento é verdadeiramente anarquista? Quais são as suas bases teóricas? Como se organizam os seus membros? Fará o Movimento Occupy (teoricamente ou diretamente) realmente algo de grandioso à favor da luta diária contra o Estado e contra o capitalismo? 9 2.0 - Desenvolvimento 2.1 – Antecedentes Um dos lemas do Movimento Occupy escrito na placa do manifestante em frente ao prédio da Bolsa de Valores de Wall Street: "Os 99% não serão silenciados". Fonte: http://www.policyshop.net/home/2011/12/26/the-year-in-review-occupy-wall-street.html O cenário mundial pré Movimento Occupy girava em torno das consequências da crise financeira mundial de 2008, iniciada nos EUA e da crise social que afeta a Europa descaradamente desde 2010. Descaradamente desde 2010, pois é importante ressaltar que movimentos dessa magnitude não surgem da noite para o dia, o que nos leva a refletir sobre os anos seguidos em que esse proletariado (esses “precários indignados”) vêm sofrendo devido ao descaso pelo bem-estar social por parte de seus Estados teoricamente democráticos, orquestrados pela máquina individualista e reacionário-burguesa do capitalismo neoliberal. E sem nos esquecermos dos países aonde a democracia nem da teoria fazia parte. As lutas do Oriente Médio e do norte da África, também tiveram como estopim três anos seguidos de 10 crises, que só trouxeram mais dificuldades em meio às ditaduras vigentes naquela época. Ditaduras essas que vinham desde o século passado aumentando ainda mais o fervor por mudanças não só das novas gerações, mas de toda uma parcela de indignados, vislumbrando a obtenção de direitos democráticos. Se existem quatro sentenças que podem definir as causas das manifestações e revoluções após a Crise Econômica são: ditadura, desemprego, medidas de austeridade e a ausência de uma real democracia. 2.2 – Oriente Médio e Norte da África (Primavera Árabe) Na Tunísia, tudo começou a partir da imolação5 de Mohamed Bouazizi no dia dezessete de dezembro de 2010. No início os protestos tomaram forma de luta contra a falta de empregos e a corrupção dentro do governo, num país que vinha sendo governado por Zine Al-Abidine Ben Ali desde 1987. Porém, após a resposta do governo através da polícia, que se utilizou de munição real para conter os manifestantes, a população não se acuou, ficou mais furiosa ainda com a situação economicamente e politicamente precária de seu país e então tornou o movimento em uma luta por direitos, uma luta por democracia. Após tantas pressões populares o ex-presidente tunisiano renunciou, fugindo para a Arábia Saudita. Estava realizada a denominada Revolução de Jasmim. Quem assumiu, na ocasião foi o ex-primeiroministro Mohamed Ghannouchi, que também renunciou a seu cargo após pressões populares no dia 11 de janeiro de 2011. Quem assume o cargo de presidente após a renúncia de Ghannouchi é Moncef Marzouki, ativista social e médico, que foi eleito pela Assembleia Constituinte do país, sendo o primeiro presidente escolhido de forma democrática na história da Tunísia. Os protestos ainda seguem reivindicando mudanças de âmbito social e reformas econômicas, ao mesmo tempo ainda reprimidos pela polícia, não mais com balas de verdade, mas com uma tremenda repulsa proveniente de balas de borracha e gases de efeito moral. 5 5. Sacrificar (-se), tirando a própria vida, geralmente por meio do fogo. Fonte: http://www.priberam.pt/dlpo/ 11 Inspirados pela Revolução de Jasmim, os egípcios, que já protestavam contra o governo do ditador Hosni Mubarak em anos anteriores ao de 2011, também tomaram as ruas. Reuniram no dia oito de fevereiro de 2011 mais de um milhão de pessoas (jovens, idosos, ricos e pobres) na Praça Tahrir, no centro da cidade do Cairo (capital do país) para exigir a renúncia do ditador; e conseguiram. Mubarak, que renunciou ao cargo dois dias após os acontecimentos da Praça Tahrir, governou o país de 1981 a 2011, totalizando trinta anos de um regime altamente autoritário, de um representante do denominado (soando quase como uma piada) “Partido Democrático Social”. Representante este que foi financiado pelos Estados Unidos da América para o controle e prevenção de rebeliões islâmicas e pela paz com Israel. Outro agravante da ditadura no Egito era a Lei nº 162 de 1958, ou a Lei de Emergência aonde: “os poderes policiais eram estendidos, os direitos constitucionais suspensos, a censura legalizada e o governo poderia prender indivíduos indefinidamente e sem razão. A lei limitava drasticamente qualquer atividade política não governamental, incluindo manifestações de rua, organizações políticas não aprovadas e doações financeiras não registradas.” Somadas a trinta anos de ditadura e a Lei de Emergência (que ficou desativada por dezoito meses desde sua Praça Tahrir, em Cairo, capital do Egito, onde mais de um milhão de manifestantes ocuparam o local exigindo a renúncia do ditador Hosni Mubarak. Fonte: http://www.revistaovies.com/artigos/2012/02/apraca-tahrir-e-o-analfabeto-politico/ criação) estava o baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país e a crise econômica que só trouxe mais programas de austeridade, fora os “clássicos” problemas de corrupção e desemprego tão presentes em nosso cenário político global. Hoje, quem assume o 12 poder no Egito é Mohamed Morsi, que assim como Moncef Marzouki, foi o primeiro presidente democraticamente escolhido na história do país. Após o caso egípcio, passamos para a Líbia, país que foi governado pelo ditador Muammar al-Gaddafi (ou Kadafi) por longos quarenta e dois anos. Os confrontos na Líbia foram, até o presente momento, os mais sangrentos de todos os movimentos da Primavera Árabe devido ao estado de Guerra Civil que o confronto assumiu entre o exército líbio (fiel a Gaddafi) e os rebeldes, que lutavam pelo fim da ditadura. Com duração de oito meses (do dia quinze de fevereiro até o dia vinte e três de outubro de 2011), a guerra totalizou mais de cinquenta mil mortes e terminou algum tempo após a morte do ditador. Os principais confrontos se deram na região litorânea do país (banhado pelo Mar O ditador Muammar al-Gaddafi. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Muammar_alGaddafi. Mediterrâneo), onde se localiza a capital Trípole. O cenário do país (apesar de este ser um dos poucos do continente africano que apresentam um alto IDH), antes da guerra era muito similar ao da Tunísia e do Egito, baseado num Estado centralizado, corrupto e opressor. Logo nas primeiras manifestações no dia vinte e cinco de fevereiro, a repressão já causou mortes de dezenas de militantes anti-Gaddafi tanto por parte de outros manifestantes presentes (pró-Gaddafi) quanto por parte da polícia. Os rebeldes, formados em sua grande maioria por civis, primeiramente conquistaram a região leste do país, seguindo pela costa, até que no dia vinte de outubro foi oficialmente confirmada a captura e morte do ditador após a tomada de sua fortaleza em Sirte. Alguns conflitos se mantiveram por mais algum tempo e logo as forças leais a Gaddafi caíram. Com a Revolução Líbia completa, o governo provisório do país é comandado pelo Conselho Nacional de Transição (CNT), que tem como representante Mohamed Yousef elMagariaf, presidente do Congresso Geral Nacional. Foram cumpridas eleições parlamentares no meio deste ano e ainda estão para ser realizadas eleições presidenciais no final deste ano. O último país que definitivamente conseguiu destituir seu “presidente” foi o Iêmen. O país, que dentre os outros três que conseguiram realizar uma revolução, é o que possui os índices 13 de desenvolvimento e corrupção mais críticos, inclusive dentro da própria Liga Árabe. O contexto do país antes do início das revoltas era de conflitos entre o governo e grupos separatistas (que desejam a volta do Iêmen do Sul) além de conflitos contra o Al-Qaeda. Lá, Ali Abdullah Saleh comandou o país por trinta e quatro anos, dos quais, pelo menos, vinha mantendo a mesma política ditatorial, corrupta e antissocial que se tornou objeto central dos protestos de toda a Primavera Árabe. Somado a esse típico cenário estava em debate parlamentar uma lei constitucional que visaria tornar Saleh presidente do país para o resto de sua vida, o que gerou mais frustração ainda na população desamparada. Logo após a Revolução de Jasmim e simultânea as revoltas no Egito, iniciaram-se os protestos contra o governo de Saleh no Iêmen, principalmente na sua capital, Sanaa. Tendo tomado caráter nacional após algumas semanas de duração, os protestos logo se tornaram uma disputa sangrenta entre os manifestantes e o exército e polícia iemenitas. Um longo período de confrontos e pressões populares se seguiu por meses até que no dia vinte e três de novembro de 2011 Saleh assinou o Plano de Conselho de Cooperação do Golfo, aonde concordava em renunciar a seu cargo e ao sucessor que havia escolhido (seu filho, Ahmed Saleh) de forma pacífica em troca da proteção de sua família. As eleições presidenciais foram realizadas em fevereiro de 2012, nas quais, com mais de 90% dos votos, o candidato Abd Rabbuh Mansur Al-Hadi (ex-presidente durante o governo de Saleh) foi eleito o novo presidente do Iêmen 14 Outro confronto na região da Liga Árabe que merece um destaque especial é o que ocorre na Síria contra o ditador Bashar al-Assad, que se mantém no poder já há dez anos, sucedendo seu pai, que governou por outros trinta. Os movimentos, inicialmente pacíficos, começaram revindicando a libertação de quatorze jovens que foram presos por terem (segundo as autoridades), ido contra o Estado ao se referirem aos protestos tunisianos nos murais de sua escola, além de reivindicarem melhoras na legislação, nas condições de trabalho, na liberdade da mídia, mudanças no âmbito dos direitos humanos (pouco valorizados e respeitados no país devido obviamente à ditadura lá estabelecida) e (aproximando-se do caso egípcio) lutando pelo fim da Lei de Emergência também instaurada no país desde o ano de 1962. A resposta foi rápida e agressiva por parte das forças do governo, que se utilizaram de munição real e gases lacrimogêneos contra a população. Após dois meses de protestos (iniciados em janeiro de 2011), reprimidos de forma totalmente desproporcional, a situação se converteu em uma guerra civil que vem se arrastando até os dias atuais. Os ativistas agora clamam pela saída de al-Assad do governo. O atual presidente, no entanto, até tentou promover reformas políticas no país, as quais, no entanto, não vêm tendo resultado, já que, para os manifestantes, elas não Manifestantes pró-al-Assad em Lakita. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Civil_S%C3%ADria são suficientes para justificar a reação policial aos protestos e não estão contribuindo para tornar sua sociedade mais democrática (maior ambição da população). Até o mês de Agosto 15 (segundo dados da ONU), aproximadamente nove mil pessoas já teriam morrido em consequências dos confrontos. Ainda dentro da Liga Árabe, outros cinco países conseguiram mudanças políticas através de protestos contra o governo. As populações do Marrocos, Jordânia, Kuwait, Bahrein e Omã também ocuparam suas praças na luta por uma sociedade mais justa e vêm conseguindo democratizar suas leis. Outros países como Mauritânia, Saara Ocidental, Argélia, Líbano, Palestina, Iraque, Arábia Saudita e Sudão (agora divido em Sudão e Sudão do Sul após os protestos) também realizaram protestos de certa repercussão no cenário internacional contra seus regimes. Fora do “mundo árabe”, Irã e Mali também tiveram protestos. Encontros diplomáticos marcaram os cenários internacionais durante os conflitos. Principalmente na Líbia e na Síria, aonde potências estrangeiras promoveram intensas intervenções militares, devido ao estado de guerra civil vividos pelos países. Isso gerou uma contradição no ar da ONU, uma vez que em anos anteriores algumas das mesmas potências vinham auxiliando financeiramente grande parte destes ditadores. O caso mais famoso (fora do contexto da Primavera Árabe) foi o de Saddam Hussein, colocado no poder do Iraque com apoio do governo Bush, e com o início dos conflitos internos do país, posteriormente morto pelas próprias forças militares estadunidenses. 2.3 – Europa Na zona de influência do Euro, as ocupações tiveram início devido às consequências que a Crise Econômica Mundial de 2008 impôs sobre as finanças de grande parte dos países. Já endividadas de períodos anteriores aos da crise, nações como Irlanda, Espanha, Grécia, Portugal e Itália quase chegaram a ver suas Bolsas quebrarem devido a medidas da União Europeia para que a estabilidade econômica pudesse “reinar” com certa paz nas duas maiores economias do continente: Alemanha e França. Nesse caso o termo “com certa estabilidade” deve ser destacado, pois mesmo na França houve confrontos violentos, e manifestantes tomaram a noite e a paz de Paris, incendiando carros e ônibus enquanto confrontavam a polícia. O efeito dominó que se seguiu no continente após a crise foi o resultado de políticas conservadoras de Estados que, ao verem suas instituições financeiras ruírem, decidiram tomar medidas para favorecer o capital, prejudicando a população como um todo. A Europa, como 16 continente desenvolvido, apresenta pirâmides etárias com cada vez mais idosos e cada vez menos jovens. Esses idosos, em sua grande maioria, tinham suas aposentadorias totalmente asseguradas pelo governo, antigamente baseado em um Estado de Bem-Estar Social. Porém, com a crise, os governos tiveram de tomar decisões com relação aos gastos públicos e o que se desencadeou foi uma série de programas de austeridade (cortes nos gastos públicos), tendo como principais mudanças o aumento da idade mínima para a aposentadoria, além de cortes nos gastos com serviços públicos (educação, saúde, transporte etc.). Esses programas, de imediato, afetaram os jovens europeus (principalmente os pobres), que não conseguiam ingressar no mercado de trabalho devido ao espaço ocupado pelos mais velhos. Foi esse o grande estopim para os movimentos de ocupação da Grécia e da Espanha, dos protestos violentos na França e na Inglaterra: o desemprego e as políticas de proteção ao capitalismo. O cenário na sempre tão rica Inglaterra foi similar ao da também sempre tão rica França, com jovens indo às ruas, se manifestando de forma incisiva contra a polícia, queimando carros e apedrejando bancos. Na Inglaterra, principalmente, os jovens em todos os cantos do país fizeram de lojas de marcas estrangeiras e bancos os alvos principais para mostrar sua indignação com a falta de emprego. Jovens estes em sua grande maioria pobres e negros, que ainda não conseguiram seu primeiro emprego estável, somando-se a essa indignação a repressão policial que já vinha de anos e o preconceito que sofrem devido a sua condição social e tom de pele. Na Grécia, houve diversos momentos de tensão. Com a população em massa tomando as ruas de Atenas os confrontos com a polícia envolveram uma interessante “aula de química”, unindo bombas de gás lacrimogêneo (por parte da polícia) e coquetéis molotov (por parte dos militantes), enquanto os diplomatas gregos reajustavam os cortes de gastos públicos para que pudessem pagar dívidas externas e salvar bancos. A Praça Syntagma foi o grande palco das ocupações gregas, reunindo aproximadamente vinte e quatro mil pessoas, com políticos sendo altamente e diretamente pressionados pela população, chegando até a apanhar em alguns casos. A situação do país é a mais crítica dentro do cenário da Crise europeia, pois desde anos anteriores as políticas de bem-estar social vêm se perdendo, principalmente no que respeita à educação e à assistência aos idosos. Eis que na Espanha surge finalmente um Movimento Social de base esquerdista forte, concreta, com associações que se organizaram pelas redes sociais por meio da plataforma 17 digital Democracia Real Já!, e assim puderam iniciar a Revolução dos Indignados/ Revolução Espanhola, ou o Movimento 15-M. Diferentemente dos casos anteriores e tendo inicio no dia vinte e dois de maio de 2011, os protestos concentrados em Madri ocorreram de forma pacífica (por parte dos manifestantes), com os manifestantes lutando contra a política partidária, que segundo eles é deficiente e insuficiente para atender aos anseios da população, enfim, para representá-los politicamente. Na Espanha, assim como nos países da Liga Árabe, não houve distinções de idade. Jovens e idosos uniram-se contra as medidas antissociais impostas pelo governo como forma de salvar as instituições financeiras de um país com uma das situações mais críticas dentro do cenário econômico europeu. No dia vinte e cinco de setembro de 2012 ocorreu o “Ocupa el Congreso” (traduzido do espanhol: “Ocupem o Congresso). Organizado através das redes sociais, o movimento uniu aproximadamente seis mil pessoas e gerou alguns conflitos entre policiais e manifestantes, que ocuparam as três praças ao redor do Congresso espanhol - Praça Neptuno, Puerta Del Sol e Neptuno & Cibele com a intenção de pressionar os deputados contra as propostas neoliberais que estavam para ser votadas. O caso espanhol é, de todos da Europa, o que melhor caracteriza a essência do Movimento Occupy, com multidões se organizando com o auxilio das redes sociais e levantando acampamentos em praças de todo o país, tendo servido de exemplo para outros oitenta e dois países ao redor do globo, que aderiram ao Movimento dos Indignados. Dentro do grupo dos Indignados está também presente o povo italiano, que no dia quinze de outubro de 2011 ateou fogo a um anexo do Ministério da Defesa em Roma. Houve confrontos entre manifestantes e policiais, que terminaram com mais bancos e ainda dois carros depredados e incendiados. Com mais de vinte processos em andamento e sob pressão popular, o ex-Primeiro Ministro italiano Silvio Berlusconi renunciou ao cargo no dia doze de novembro de 2011. O movimento Geração à Rasca, em Portugal, reuniu mais de duzentos mil manifestantes em protestos ao redor do pequeno (territorialmente) país, reivindicando melhoras nas condições de trabalho inspirados pela Revolução de Jasmim. No dia vinte e seis de setembro foram os gregos que foram às ruas se manifestar no dia seguinte à bem sucedida ocupação do Movimento 25S (movimento espanhol): “Ontem os espanhóis tomaram as ruas, hoje somos nós, amanhã os italianos e depois de amanhã - todo o povo europeu.”, bradou Yiorgos Harisis em discurso aos manifestantes. 18 “Com esta greve estamos enviando uma mensagem forte ao governo e à Troika 6 que as medidas não vão passar mesmo se forem votadas em parlamento, porque os dias do governo estão contados’, continuou.” (fonte: http://www.facebook.com/OccupyBrazil). Os movimentos pedem pelo fim (sim, pelo fim) de seus governos. Dizem já estarem cansados de políticos incapazes de representá-los. Que já estão cansados desse sistema neoliberal usurpador que retira do público para favorecer o privado e seu mercado de especulações. 2.4 – América “Nós, as pessoas, estamos determinadas a retomar nosso país dos poderes do dinheiro que atualmente o controlam. (...) Sua classe, os ricos, não vai governar sem oposição e nem herdar automaticamente a terra. Sua classe, a dos ricos, não está destinada a sempre vencer. Somos os 99%. Somos a maioria e essa maioria pode, deve e vai prevalecer. Uma vez que todos os outros canais de expressão estão fechados para nós pelo poder do dinheiro, não temos outra opção a não ser ocupar os parques, praças e ruas de nossas cidades até que nossas opiniões sejam ouvidas e nossas necessidades atendidas7.” Chegando ao movimento que deu nome a toda uma estrutura organizacional, o movimento Occupy Wall Street (do inglês: ”Ocupe Wall Street” – rua onde se localiza a Bolsa de Valores de Nova Iorque) teve seu primeiro ato realizado no dia dezessete de setembro de 2011 com a ocupação do Parque Zuccotti (localizado na Ilha de Manhattan, Nova Iorque, Estado Unidos) por dois meses. Inspirados nos movimentos da Primavera Árabe, as reivindicações dos manifestantes estadunidenses não se diferenciam das dos europeus, cuja questão é a intervenção/influência demasiada do sistema financeiro dentro do sistema político mundial, aonde se presa pelo privado e se esquece do coletivo. Esse foi o maior intuito dos manifestos através de ocupações em praças e parques (entre outros espaços públicos): o de mostrar que o que é público ainda existe, e que o que é público é livre. Livre para ser ocupado, acampado e para mostrar para todos os 1% mais ricos que controlam esse sistema financeiro, que os 99% estão acordados, estão ativos e que o povo tem o poder de decidir, e assim fará. O povo está 6 Troika é a união das instituições: FMI (Fundo Monetário Internacional), BCE (Banco Central Europeu) e Comissão Europeia, a qual cabe decidir os rumos financeiros da Europa com a intenção de “salvar” a economia do continente durante a crise. 7 Manifesto do movimento Occupy Wall Street. Apud HARVEY, David 2012. 19 pronto para mudar essa realidade de desigualdade dentro de um sistema dito “democrático” e assim fará! O meio como os manifestantes se organizam chega bem próximo de um ideal anarquista (embora o movimento não siga uma ideologia filosófica única): com os grupos se organizando de forma linear, sem o apoio de partidos ou instituições estatais (apartidários) e ainda se mobilizando de forma pacífica. O Occupy Wall Street se espalhou como um vírus por cidades em todo o EUA e ao redor do globo, servindo de exemplo para grupos socialistas (nesse contexto: que prezam pelo social) que realizaram e ainda realizam manifestações. Um dos movimentos mais expressivos e numerosos inspirado pelo Occupy Wall Street foi o dos estudantes chilenos, que lutam por reformas educacionais e políticas no país. O cenário econômico do Chile é muito similar ao do Brasil em termos de desenvolvimento acelerado, com uma das economias mais prósperas do continente sul-americano, mas ainda com uma distribuição de renda muito desigual. Os estudantes chilenos cobram maior qualidade tanto no ensino superior quanto no secundário, além da estatização de toda a educação do país e facilidades para o ingresso as universidades públicas para os mais pobres. A cena política no país é confusa, pois desde a ditadura (encerrada em 1990, tendo durado dezessete anos) a desconfiança é recíproca, dos políticos com o povo e do povo com os políticos, o que dificulta as relações diplomáticas no país, governado pelo presidente conservador Sebastián Piñera, Manifestante chileno abraça policial durante protestos por melhora na educação do país. Fonte: http://andradetalis.wordpress.com/2011/11/26/chile-estudantes-continuam-nas-ruas-sete-meses-degreve/ que a cada medida tomada perde mais popularidade. As marchas reuniram mais de cem mil pessoas em Santiago (capital do país), apoiadas por organizações estudantis como a Cones 20 (Federação Nacional dos Estudantes Secundários), a Aces (Assembleia Coordenadora de Estudantes Secundaristas) e trabalhistas como a CUT (Central Única dos Trabalhadores) em protestos pacíficos. E um de seus lemas era a famosa frase do ativista Mahatma Gandhi: ”Seja a mudança que você deseja ver no mundo.” No Brasil o Movimento Occupy chegou com força na cidade de São Paulo, com o nome de “Ocupa Sampa”. As ocupações primárias foram realizadas embaixo do Viaduto do Chá, no Vale do Anhangabaú (região central), na capital paulista, unindo estudantes, manifestantes, ativistas e moradores de rua. Os ocupantes do local buscam chamar a atenção da sociedade para sua luta pela “real democracia”. “A programação do Ocupa Sampa conta com aulas públicas, ministradas por professores universitários, e também rodas de debates, nas quais os assuntos mais tratados têm sido a construção da usina de Belo Monte, a saída de Ricardo Teixeira da presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CFB), a descriminalização do aborto e do consumo da maconha, transporte público gratuito, fim do uso de armas por policiais em movimentos sociais, machismo e homofobia.”8 O Viaduto do Chá tornou-se, segundo os ocupantes, uma zona de experimentação, “um laboratório”, aonde todos podem conviver de maneira linear/igualitária, se organizando a partir de pequenos grupos de gerência. Outros movimentos seguiram a linha ocupacional do ideal Occupy e da mesma maneira acabaram rechaçados pela PM. Os maiores exemplos dentro da capital paulista foram: a Marcha da Maconha/ Marcha pela Liberdade de Expressão, os enormes eventos ocorridos na Praça Roosevelt – Amor Sim, Russomano Não e Existe Amor em SP, as entradas/invasões das tropas de choque na USP e no Pinheirinho, que geraram revoltas, além dos programas de higienização realizados no centro de São Paulo e de outras capitais do país. 2.5 – Pontos em comum 8 Fonte: http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidadania/2011/11/ocupa-sampa-completa-um-mesde-ocupacao-no-centro-de-sao-paulo- (26/ 09/ 2012) 21 Dentro dos protestos contra a Crise, em diversos países como Nigéria, Turquia, Inglaterra, França, Grécia e Uruguai, foram realizadas Greves Gerais de trabalhadores, passeatas e ocupações contra a reunião do G-20 (grupo dos vinte países mais ricos do mundo). Além de Greves Gerais, centenas de paralisações promovidas por movimentos sindicais ocorreram em dezenas de países no mundo todo. A grande questão que surge dentro de todos estes protestos é a do que fazer depois dos protestos, de Túnis a Nova Iorque. A questão é a de como definir essa democracia real, uma vez que até nos países mais desenvolvidos os levantes contra os governos vigentes pediam por uma real democracia, como dito por Vladimir Safatle em sua conferência aos manifestantes do Ocupa Sampa, em outubro de 2011: “O regime que nos governa pode não ser um ditadura nem um sistema autoritário, mas ainda não é uma democracia. E nenhum de nós quer viver nesse limbo, no purgatório entre um regime de absoluto autoritarismo e uma democracia esperada. Não queremos uma democracia em processo contínuo, incessante, de degradação, que já nasce velha. Por isso, quando as manifestações de ocupação insistem que ainda falta muito para alcançarmos a democracia real, elas colocam uma questão que até o momento não podia ter direito de cidadania, porque nos ensinaram que, se criticarmos a democracia parlamentar tal como ela funciona hoje, estaremos, no fundo, fazendo a defesa de alguma forma velada de autoritarismo.” Segundo, Safatle, é possível que os manifestantes tenham percebido que este sistema parlamentarista não é e nunca foi suficiente para que houvesse uma real democracia. Real democracia esta que deve zelar pelo povo, pelo bem comum, e não por um sistema financeiro que desde 19299 vem se mostrando mais e mais prejudicial à construção de uma sociedade coletiva, de uma real democracia. 9 No ano de 1929 ocorreu a 1ª Crise Mundial do Sistema Financeiro Capitalista Global e da Bolsa de Valores, que veio a partir da quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, EUA. Essa crise se deu após a Primeira Guerra Mundial, num contexto histórico aonde os EUA já eram o maior credor do mercado mundial por ter financiado a reconstrução de grande parte da Europa, e que com as Bolsas de Valores e o “American Way of Life” em alta, fazia com que as empresas fabricassem muitos produtos em um ritmo incessante. Porém, mesmo com a estabilização da economia mundial as indústrias estadunidenses continuaram com sua produção massificada, o que levou a um efeito dominó: os produtos perderam seu valor de mercado por não venderem mais como antes, com isso as indústrias perderam valor, daí as ações perderam seu valor e como a maioria da população investia na Bolsa (que havia quebrado), essa grande parte de pessoas perdeu praticamente todo o dinheiro. 22 3.0 - Conclusão 3.1 – A real democracia Na teoria, uma real democracia ocorre sem a existência de partidos políticos, aonde são os Ministérios (saúde, educação, cultura e lazer, justiça etc.) - indo dos bairristas até o nacional os agentes democráticos da sociedade. Esse conceito é baseado no voto direto da população para a escolha dos funcionários públicos do país, aonde (geralmente) são desfeitos os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), para que haja uma reorganização política que seja mais simplificada, de acordo com as necessidades e anseios de cada nação. 23 Para os manifestantes dos “ocupas” ao redor do mundo (focando-se principalmente nos europeus), este conceito é bem claro, porém o que se mostrou durante a pesquisa é que a falta de um sentimento único, de uma filosofia em comum é a causa da inconsistência da maioria das manifestações. Inconsistência não de ação/presencial, mas sim ideológica e estratégica. 3.2 – O futuro das “ocupas” “Uma segunda constatação unânime é quanto à falta de uma definição estratégica, programática e teórica para esses novos movimentos de 2011.” 10 Este trecho da fala de Henrique Soares Carneiro nos mostra qual o tamanho da dificuldade de se entender essa tão desejada real democracia e a o que nos levará o Movimento Occupy. As características, provavelmente vindas do ideal Anarquista (ou que nos remetem a tal), adotadas pelos manifestantes do Movimento Occupy referem-se principalmente à: autogestão das ocupações, do modo de organização linear dentro delas e da luta apartidária dos participantes dos movimentos. Porém, primeiramente pode-se defini-lo como não anarquista em sua essência. Este é um movimento de denúncia das políticas neoliberais que os Estados (ditos) democráticos ao redor do mundo vêm tomando ao decorrer dos últimos anos para tentar salvar o sistema capitalista, que já há tempos está em decadência contínua. Este é um movimento de indivíduos que constituíram um todo gigantesco, principalmente jovens, abandonados por aqueles que deveriam estar ali para lhes garantir educação e emprego, condições de existência, não de sobrevivência. Este é um movimento que clama por mudança, mas o ponto ao qual chegamos é o de nos questionar que tipo de mudança é esta? Parcial, total? Essa é a grande questão que infelizmente fica, ocasionada pelo tempo. Só ele nos dirá em um futuro ao o que esses protestos nos levarão. O que fica do presente momento é uma visão de indignação, de esgotamento social, porém mesmo este leva seus manifestantes a quererem seguir diferentes rumos. Como já mostrado no desenvolvimento do trabalho, as ambições dos manifestantes se diferenciam entre as regiões dos focos dos protestos. Dentro da Liga Árabe, a questão era (e em outros países ainda é) o fim das ditaduras para o início de uma era democrática, que nunca CARNEIRO, Henrique Soares. Occupy – movimentos de protesto que tomaram as ruas. In. Rebeliões e ocupações de 2011. Página 10, 2012. 24 10 havia sido vivida por aquela parcela da “família Occupy”. Já na Europa, apesar da constante crítica ao capitalismo e às medidas de austeridade tomadas pelos Estados abalados pela crise, é confusa em sua grande parcela a tentativa de uma visão do futuro dos governos e de suas respectivas políticas no continente. Em alguns momentos aparecem movimentos espalhados, formados por jovens desempregados e aposentados, movimentando-se por mudanças específicas e locais. Já em outros momentos pode-se sentir a palavra “revolução” correndo nas mentes dos militantes esquerditas organizados. E ainda assim, mesmo dentro desses grupos organizados surgem as históricas e clássicas divergências sobre qual sentido à esquerda será tomado. O cenário europeu é confuso, descentralizado de um ideal político/filosófico comum, porém a esperança é a última que morre e a primeira a iniciar uma revolução para um jovem anarquista. Nas Américas as análises também se dividem, entre sul e norte. No sul o que aparecem são movimentações estudantis, ocupando os espaços públicos. No Chile os protestos exigiam melhoras na qualidade do ensino, que deve ser público. Já no Brasil as manifestações se deram a partir de variados motivos, além do Ocupa Sampa em si. No norte os protestos focam-se na denúncia dos bancos e das corporações, que já há muito tempo vêm tomando as decisões políticas do país. É importante a ressalva de que: “Nenhum movimento pode sobreviver a menos que crie uma estrutura democrática permanente que assegure a continuidade política. Quanto maior foi o apoio popular a tais movimentos, maior será a necessidade de alguma forma de organização.”11 Logo, não podemos esperar de simples movimentações locais uma mudança geral. Devemos tornar nossas atenções, esperanças e (até se possível) mobilizações, para grupos organizados, com uma estrutura democrática firme, embasados teoricamente e que (principalmente) saibam o que querem dos protestos. Não só clamar por mudanças, mas sim, que tipo de mudanças e como as trabalhar para as alcançar, pois para se perseguir um sonho são necessárias: organização, esforço e tempo. De todo jeito, não podemos negar o grande chacoalho que trouxeram consigo as ocupações e os protestos que às agregavam em todo o mundo. O Movimento Occupy vem fazendo o grande papel de ressuscitador das organizações e movimentações estudantis mundiais, fisicamente atuantes, das milícias libertárias organizadas, resurgindo das cinzas do ALI, Tariq. Occupy – movimentos de protesto que tomaram as ruas. In. O espírito da época. Página. 71, 2012 25 11 Capitalismo, que há anos havia, para muitos, marcado o fim da História do homem. Pode ser indefinido o rumo do futuro, mas com certeza algo está para mudar. O que? Aguardemos os próximos capítulos da IV Guerra Mundial. Anexos: Manifesto dos manifestantes espanhóis do 25S, do dia 25/ 09/ 2012 (Fonte: http://www.facebook.com/OccupyBrazil) "Nós, pessoas comuns, cansadas de viver as consequências de um sistema condicionado e forçado a adaptar a si próprio aos mercados, o qual é em todos aspectos insuportável, e nos conduziu a sermos vítimas de um golpe em larga escala -o qual chamam 'crise'. Nós nos unimos para redigir esse manifesto e convidamos todos os cidadãos a se unirem às exigências que aqui fazemos. Consideramos que a situação atual ultrapassou todos os limites toleráveis e que somos vítimas de um ataque sem precedentes por parte do poderio econômico, que utilizando a crise como pretexto, estão arruinando nossas vidas. Os culpados são aqueles que se apresentam como oligarquia intocável, com a 26 cumplicidade de todas as forças políticas representadas no parlamento, manipulando todos os instrumentos do Estado para manter seu privilégio e enriquecimento excessivo e ilícito. Não há como esconder que vivemos numa gigantesca fraude social, com governos que sistematicamente nos traem fazendo exatamente o oposto do prometido em seus discursos eleitorais; e que não há justiça alguma para os banqueiros, políticos e empresários culpados por tal situação. We believe that the problem is of such a big seize and the roots such profound that any solution will not be founded in reforms based in the actual political system. Nós acreditamos que o problema é de uma envergadura tal e suas raízes tão profundas que a solução não por reformas baseadas nos mecanismos sistema político atual, por isso exigimos: - A completa demissão do governo, assim como a dissolução das Cortes e da Chefia do Estado, por terem traição ao país e à cidadania de forma premeditada, levando-nos ao desastre. - A abertura de um processo constituinte transparente e democrático, a fim de redigir uma nova Constituição, com participação de todos os cidadãos, de maneira que lhes seja própria, pois não reconhecemos qualquer caráter democrático no atual texto constitucional, redigido por uma corja de costas para o povo, que consagrou a dominação dos herdeiros do franquismo e aqueles que com eles compactuaram. Deve ser o povo quem determina o modelo de organização social no qual quer viver e não o contrário. - A auditoria da dívida pública da Espanha, com moratória para pagamento da dívida até que se tenha definido claramente aquilo que não deverá ser pago pela nação por ter servido a interesses privados que utilizaram o país para os seus próprios fins e não aos do conjunto de cidadãos espanhóis. Do mesmo modo, exigimos que sejam processadas todas aquelas pessoas que se demonstrem suspeitas de tais manobras, e que respondam com seus bens em caso de condenação. - A reforma da lei eleitoral com o desenho de um novo processo eleitoral, a fim de que represente verdadeiramente a vontade do povo diante de qualquer eleição que seja necessária para facilitar o desenvolvimento de um processo constituinte democrático. - A imediata suspensão de todos os cortes e reformas contra o Estado de bem-estar tomados com a desculpa da crise, e que supõem restrições de direitos e liberdade dos cidadãos, pois não somente são um desastre para o país, mas foram impostos pela traição à vontade popular. - Uma profunda reforma fiscal, que faça pagar mais a quem mais benefícios obtém da sociedade. Igualmente, exigimos a abolição da anistia fiscal decretada pelo governo, cuja injustiça é uma verdadeira gozação com os contribuintes honrados. 27 - A supressão de todos os privilégios de quem ostenta cargos políticos ou públicos, e a implantação de mecanismos eficazes de controle no desempenho de suas funções. - A paralisação imediata de todos os desalojamentos, e a colocação à disposição da população a preço social dos imóveis em propriedade dos bancos e caixas que foram ajudados com as reservas públicas. - A criação de novos empregos, cuja primeira premissa seja a sustentabilidade, e cujos fins sejam o desenvolvimento da humanidade, assim como a gestão coerente dos empregos disponíveis de tal modo que toda a população possa trabalhar e viver sem que se veja obrigada a viver para trabalhar. É um grande engano que se deva trabalhar cada vez mais, falácia sustentada na avareza dos grandes interesses e contrária aos interesses das pessoas comuns. Por tudo que foi exposto, convocamos os cidadãos ao dia 25 de Setembro de 2012 a manifestarem-se de forma indefinida nas portas do Congresso até conseguir a demissão do Governo e a abertura de um Processo Constituinte, fazendo deste, o chamado de união de todas as lutas por uma Sociedade mais justa. Somos a imensa maioria, somo o povo, temos razão e não vamos deixá-los passar." (Via: Ocupa Rio (Occupy Rio)) Bibliografia: DAVID, Harvey; TELES, Edson; SADER, Emir; ALVES, Giovanni; CARNEIRO, Henrique Soares; WALLERSTEIN, Immanuel; PESCHANSKI, João Alexandre; DAVIS, Mike; ŽIŽEK, Slavoj; ALI, Tariq; SAFATLE, Vladimir. Occupy – movimentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo: Boitempo Editorial, 2012. 87 páginas. WOODCOCK, George. História das ideias e movimentos Anarquistas - v. 1: A ideia. 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