JOSÉ FRANCISCO DE ASSIS DIAS (Organizador) Humanitas Vivens LTDA O conhecimento a serviço da Vida! 2 ÉTICA Problemas Éticos em Debate 3 4 JOSÉ FRANCISCO DE ASSIS DIAS (Organizador) ÉTICA Problemas Éticos em Debate AUTORES: José Francisco de Assis Dias Leomar Antônio Montagna Juliana Rui Fernandes dos Reis Gonçalves Kassiane Menchon Moura Endlich Humanitas Vivens Ltda O conhecimento a serviço da Vida! Maringá (PR) 2010 5 Copyright 2010 by Humanitas Vivens Ltda EDITORES: Daniela Valentini – Geraldo Antônio Dias CONSELHO EDITORIAL: Antonio Lorenzoni Neto / José Aparecido Pereira Paulo Roberto Veroneze REVISÃO GERAL: André Luis Sena dos Santos / Mário Pedro Cabral CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN: Agnaldo Jorge Martins Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) E84 Ética: problemas éticos em debate / José Francisco de Assis Dias, organizador. -- Maringá : Humanitas Vivens, 2010. 377p. ISBN 978-85-61837-31-0 Modo de acesso: www.humanitasvivens.com.br 1. Direito à vida. 2. Bioética. 3. Direito primordial. 4. Patrimônio genético – Proteção. I. Dias, José Francisco de Assis Dias, org. II. Montagna, Leomar Antônio. III. Gonçalves, Juliana Rui Fernandes dos Reis. IV. Endlich, Kassiane Menchon Moura. CDD-DIR 4.ed. 341.27 Ivani Baptista –Bibliotecária CRB-9/331 O conteúdo da obra, bem como os argumentos expostos, é de responsabilidade exclusiva de seus autores, não representando o ponto de vista da Editora, seus representantes e editores. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita do Autor e da Editora Humanitas Vivens Ltda. Av. 19 de Dezembro, 369, Sala 15, Zona 06, Maringá-PR CEP: 87015-610 www.humanitasvivens.com.br – [email protected] Fone: (44) 3025-5001 6 SUMÁRIO PREFÁCIO ..........................................................................13 CAPÍTULO I: PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO DIREITO À VIDA E O DIREITO À VIDA COM QUALIDADE ............................................ 15 1 – O Conceito de vida .................................................... 15 1.1 – Da etimologia ao conceito filosófico ................. 15 1.2 – Conceito bioquímico .......................................... 18 1.3 – Conceito biológico ............................................. 18 1.4 – Conceito jurídico ................................................ 19 2 – O direito à vida na legislação pátria ........................... 21 2.1 – (Breve) Análise do princípio constitucional da inviolabilidade do direito à vida ................................ 21 2.2 – Os artigos da Constituição Federal de 1988 que asseguram o direito à vida ....................................... 31 2.3 − Os artigos da legislação civil que asseguram o direito à vida .........................................40 2.4 − Referências à legislação penal que asseguram o direito à vida .........................................46 2.4.1 – Homicídio .................................................. 48 2.4.2 − Aborto ........................................................ 53 2.4.3 − Lesões Corporais ....................................... 66 2.4.4 − Periclitação da vida e da saúde .................. 68 2.4.5 − Rixa ........................................................... 74 2.4.6 − Crimes contra a incolumidade Pública ...................................................................... 74 7 3 – Do direito consagrado pela norma constitucional brasileira a viver com qualidade e seus desdobramentos..................74 4 – Teorias sobre o início da vida ....................................... 77 4.1 – Teoria natalista ..................................................... 98 4.2 – Teoria concepcionista ........................................... 99 4.3 − Teoria da personalidade condicional .....................100 4.4 − Teoria do embrião como pessoa em potencial ..............................................105 4.5 − Teoria genético-desenvolvimentista ....................106 106 4.6 − A adoção de uma teoria 108 como base para desenvolvimento do estudo ................... Bibliografia ......................................................................... 111 CAPÍTULO II: DA HUMANITAS AO DIREITO PRIMORDIAL 147 À VIDA: DIREITO DE NASCER E VIVER ...................... 147 1. Um Sinal de Progresso Moral ............................................ 147 1.1. Direito à Vida e Direito a Viver ................................ 149 1.2. O “Mito” do Progresso .............................................. 1.3. O Progresso Técnico e o Direito à Vida ...................153 156 1.4. Evolução Histórica do Direito à Vida ....................... 1.4.1. O Direito à Vida é 156 um Direito Histórico? ............................................... 1.4.2. A Afirmação Histórica do 158 Direito à Vida ........................................................... 161 1.4.3. A Terceira Geração dos Direitos ..................... 162 1.4.4. A Quarta Geração dos Direitos ....................... 165 2. Significados Positivos do Direito à Vida ........................... 166 2.1. Convenções e Tratados Internacionais........................ 8 2.1.1. Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, 1948 ........................167 2.1.2. Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948 .........................................167 2.1.3. Convenzione Europea per la salvaguardia dei diritti dell'uomo e delle libertà fondamentali, 1950 ..............................167 2.1.4. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, 1966 ................................169 2.1.5. Convenção Americana de Direitos Humanos, 1969 ..........................................170 2.1.6. Convenção sobre os Direitos da Criança, 1989 .......................................171 2.2. Algumas Posições Atuais .........................................172 3. A Posição do Magistério Eclesiástico ...............................175 3.1. Mater et magistra, 15 de Maio de 1961 ...................176 3.2. Christifideles Laici, 30 de Dezembro de 1988 ..........176 3.3. Jornada Mundial da Paz, 1999 .................................181 184 3.4. Familiaris Consortio, 22 de Novembro de 1981 ....... 3.5. Donum vitae, 22 de Fevereiro de 1987 .....................186 3.6. Jus Canonicum ..........................................................188 4. O Direito de Nascer ..........................................................191 4.1. O Embrião Humano é Pessoa? .................................192 4.1.1. O Reconhecimento .........................................192 4.1.2. Os Atributos Psicológicos ..............................192 195 4.1.3. O Desenvolvimento Orgânico ......................... 4.1.4. O Caráter Epigenético ....................................196 196 4.1.5. Os Gêmeos Monozigóticos .............................. 4.2. Estatuto Ontológico do Embrião Humano ................198 210 5. O Direito de Morrer ........................................................... 5.1. Conceituação Terminológica .....................................211 214 5.2. Declaração Iura et bona, 5 de Maio de 1980 ............. 5.3. Eutanásia como Omissão ...........................................216 9 5.4. Eutanásia como Piedade ............................................217 5.5. Interrogativos em Aberto ...........................................219 6. A Pena de Morte ............................................................ 220 CAPÍTULO III: DIREITO À PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO E À INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA .......................................................................229 1 CIÊNCIA, DIREITO E BIOÉTICA ...................................229 2 PRESSUPOSTOS DO DIREITO À PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO E À INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA ................................. 232 2.1 O respeito à pessoa ......................................................232 2.2 O respeito ao conhecimento e à liberdade de investigação .......................................... 233 2.3 A repressão à intenção de lucro .................................. 234 2.4 A generalização dos benefícios ...................................235 2.5 A responsabilidade do investigador ............................236 2.6 O respeito aos princípios bioéticos ..............................237 3 BENS JURÍDICOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS IMPLICADOS NA PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO E DA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA ................................... 238 4 O DIREITO À PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO E À INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA: UM ENFOQUE A PARTIR DOS VALORES CONSAGRADOS NAS DECLARAÇÕES UNIVERSAIS DE DIREITOS E NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ................................................................... 244 10 244 4.1 Princípios estruturadores do direito ao Patrimônio genético e à investigação científica na 251 legislação nacional ....................................................... 4.2 Princípios universais do direito à proteção ao patrimônio genético e à investigação científica .............................................255 A) Código de Nuremberg ...........................................257 B) Declaração Universal dos Direitos do 257 Homem ......................................................................... C) Declaração de Helsinque (1964, 1983, 1997, 1999, 2001 e 2003) ......................257 D) Relatório Belmont .................................................258 E) Declaração de Valência sobre Ética e o Projeto Genoma Humano .........................................259 F) Declaração de Bilbao sobre o Direito ante o Projeto Genoma Humano e Convênio sobre Direitos Humanos e Biomedicina ...............................259 G) Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos da Unesco .................................................................. 259 H) Declaração Ibero-latino-americana sobre Ética e Genética (Declaração de Manzanillo – 1996/1998) ...................260 I) Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos – UNESCO .....................260 J) Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos – UNESCO ...................................261 5 ATITUDES LEGISLATIVAS PARA A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO .............. 262 269 Referências.............................................................................. 11 CAPÍTULO IV 287 A DIMENSÃO ÉTICA E SOCIAL DO AMOR .................. 1 Ética social, prolongamento da moral individual ................292 2 O amor enquanto fundamento ético de 295 socialização do homem ......................................................... 3 Amar o próximo: a plenitude e as expressões do amor-caridade .....................297 3.1 Amar o próximo – os parentes ..................................... 302 3.2 Amar o próximo – os amigos .......................................304 3.3 Amar o próximo – os pobres .........................................305 3.4 Amar o próximo – os inimigos .....................................309 3.5 Amar o próximo – os frutos ..........................................312 4 Fundamento da verdadeira justiça no Estado: 314 o amor .................................................................................... 5 Finalidade imediata do Estado terreno: 323 a ordenada concórdia ou a paz temporal ............................... 6 Fundamentos da ordenada concórdia ou 326 paz temporal no Estado: a verdadeira justiça........................ 7 A paz e a “guerra justa” na história ................................. 329 8 Complemento: 333 A “Paz justa” e o caráter social do Estado ............................ 9 Instrumento garantidor da ordenada concórdia ou 342 paz temporal no Estado o poder temporal .......................... Considerações Finais............................................................ 349 Referências............................................................................ 357 Primárias................................................................................. 357 358 Secundárias................................................................................. Comentários Sobre Santo Agostinho..................................... 358 361 Outras Obras de Apoio............................................................. 12 PREFÁCIO Bobbio, escrevendo em 1981, afirmou que ao estado atual da consciência ética da Humanidade, tende-se a reconhecer ao indivíduo não somente o direito de viver – que é um direito elementar e primordial do Homem – mas também o direito de haver o mínimo indispensável para viver1. O direito à vida é um direito que implica da parte do Estado, pura e simplesmente, um comportamento negativo: Não matar! Já o direito a viver implica da parte do Estado também um comportamento positivo, isto é, implica intervenção de políticas econômicas inspirados a princípios de justiça distributiva; e da parte dos “outros” também um comportamento positivo de sustentação, promoção e proteção solidária da vida, como valor primordial. Em outras palavras, hoje, reconhece-se ao Indivíduocidadão não somente o direito de não ser morto por nenhuma razão “não-natural”, mas também o direito de não morrer de fome. Bobbio ainda observou que basta enunciar os termos do problema para que se apresente às nossas mentes o grande problema da relação entre países ricos e países Cfr. IDEM, “I diritti dell’uomo e la pace” (1982), in TerAs, p. 95: Ho parlato del diritto alla vita, e dei diritti di libertà, e della loro incompatibilità con lo stato di guerra. Ora occorre aggiungere che allo stato attuale della coscienza etica dell’umanità, si tende a riconoscere all’individuo non soltanto il diritto di vivere (che è un diritto elementare e per così dire primordiale dell’uomo) ma anche il diritto di avere il minimo indispensabile per vivere. 1 13 pobres, entre países que consomem o supérfluo e países que carecem do necessário, como um dos grandes problemas do século XX e também do nascente século XXI2. No presente volume, os autores trabalham alguns temas fundamentais para a ética da vida humana; cada um, dentro de suas áreas de interesse, aborda um problema urgente para os nossos dias. No primeiro capítulo a Prof. Juliana trabalha o PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO DIREITO À VIDA E O DIREITO À VIDA COM QUALIDADE; no segundo capítulo o Prof. Dias trabalha DA HUMANITAS AO DIREITO PRIMORDIAL À VIDA: DIREITO DE NASCER E VIVER, partindo principalmente do pensamento de Norberto Bobbio; no terceiro capítulo a Prof. Kassiane trabalha DIREITO À PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO E à INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA; e no quarto e último capítulo o Prof. Pe. Montagna trabalha A DIMENSÃO ÉTICA E SOCIAL DO AMOR, no pensamento do grande Santo Agostinho. Com sentimento de grande satisfação oferecemos aos leitores, pela Editora Humanitas Vivens o presente volume. 2 Cfr. Ibidem, p. 96. 14 CAPÍTULO I: PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO DIREITO À VIDA Prof. Ms. Juliana Rui Fernandes dos Reis Gonçalves 1 – O Conceito de vida 1.1 – Da etimologia ao conceito filosófico A palavra vida, como tantas outras, em cada língua tem sua forma de ser escrita. Derivada do grego ßo, escreve-se em latim e italiano como sendo vita; no inglês, life; no francês, vie e, no alemão, Leben. Mas, independentemente da forma como se escreve, indica o fenômeno que ocorre com os mais diversos seres por um determinado período de tempo, ou seja, do início ao seu término, a qual pode, ainda, transcender de acordo com a crença. Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, por vida, tem-se “1. conjunto de propriedades e qualidades graças as quais animais e plantas, ao contrário dos organismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em contínua atividade, manifestada em funções orgânicas tais como o metabolismo (2), o crescimento (1), a reação a 15 estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução (1), e outras; existência. 2. estado ou condição dos organismos que se mantêm nessa atividade desde o nascimento até a morte; existência; 3. a flora e/ou a fauna; 4. a vida humana; 5. o espaço de tempo que decorre desde o nascimento até a morte; existência;3, sendo, portanto, no sentido em que se analisará, uma atividade funcional peculiar aos animais, vegetais e ao homem. Na Antigüidade, os fenômenos da vida eram “caracterizados com base em sua capacidade de autoprodução, vale dizer, com base na espontaneidade com que os seres vivos se movem, se nutrem, crescem, se reproduzem e morrem, de um modo que, pelo menos aparente e relativamente, não depende das coisas externas”4. O filósofo grego Platão identificava vida à alma, já que ele “considerava própria da alma a capacidade de mover-se por si”5; Aristóteles entendia por vida “a nutrição, o crescimento e a destruição que se originam por si mesmos”6. Na idade média, São Tomás de Aquino entendia que vida significava “a substância à qual convém por natureza mover-se ou conduzir-se espontaneamente e de qualquer modo à ação”7, sendo a alma o seu princípio. 3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. O Dicionário Aurélio Eletrônico (Novo Dicionário Aurélio) ─ Século XXI. Lexicon Informática Ltda (Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira), 1999. Verbete: Vida. 4 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 1.001. 5 Ibid, p. 1.001. 6 Ibid, p. 1.001. 7 Ibid, p. 1.001. 16 Com Descartes e Hobbes foi que surgiu o conceito mecanicista de vida, comparando o homem e os organismos vivos em geral à máquina bem montada, onde se manteve, portanto, o sentido de autonomia separado da ligação com a alma que fora anteriormente tratado8. Leibniz, para quem o conceito de vida se faz de acordo com o princípio da física que diz que um corpo só se move se impelido por um corpo vizinho e em movimento, “considerava que a única teoria da V. compatível com esse princípio é a da harmonia preestabelecida, segundo a qual a V. consiste na concordância da ação das substâncias, preestabelecidas por Deus”9. Kant asseverava que a vida “é a capacidade de atuar segundo a faculdade de desejar”10. Hegel identificava vida com o “princípio que dá início e movimento a si mesmo”11, e Bergson entendia a fonte da vida como sendo a consciência criadora que extrai de si mesma tudo o que se produz. Extrai-se, portanto, que o conceito filosófico para vida demonstra uma idéia de poder de autonomia, de se autoregular, mover-se sem depender de coisa alguma, o que, para alguns, dependia, também, da alma (do latim animus), sendo por isso ligados. “A disputa entre vitalismo e mecanicismo versa sobre o seguinte: o mecanicismo afirma que a V. é devida a certa organização físico-química da matéria corpórea, enquanto o vitalismo considera que essa organização não é suficiente, e que a V. depende de um princípio de natureza espiritual”(Ibid, p. 1.001). 9 Ibid, p. 1.001. 10 Ibid, p. 1.001. 11 Ibid, p. 1.001. 8 17 1.2 – Conceito bioquímico Para a bioquímica, “vida é um processo químico envolvendo milhares de reações diferentes de forma organizada, as chamadas reações metabólicas, ou, mais simplesmente, metabolismo”12. 1.3 – Conceito biológico Tendo em vista que a vida está em constante evolução, os biólogos elaboraram alguns princípios com os quais entendem poder demonstrar os requisitos para se determinar a vida, sendo eles: 1) o fato de que todo organismo vivo tem que existir tanto no tempo quanto no espaço; 2) apresentar auto-reprodução ou se reproduzir em outro organismo; 3) armazenar informações sobre si próprio; 4) alternar-se por metabolismo, sendo capaz de transformar matéria em energia; 5) agir no seu próprio ambiente; 6) conter partes interdependentes, e 7) manter a estabilidade durante as mudanças das condições ambientais, evoluir e crescer ou expandir.13 12 ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Patrimônio Genético Humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Método, 2004. p. 116. 13 Conceito biológico de vida. Disponível em: <http://www.geocities.com/Eureka/3211/v– biol.htm>. Acesso em: 02/09/04, às 14:00 hs. 18 1.4 – Conceito jurídico Pode-se afirmar que boa parte dos juristas, pelo menos os aqui consultados, não tiveram a pretensão de estabelecer um conceito para se estabelecer o que seria vida, em sua respectiva ótica, prendendo-se mais em realizar uma análise do que esta representa dentro do ordenamento pátrio (para tanto, transcreve-se o que dizem alguns doutrinadores acerca do termo). José Afonso da Silva assevera: Não intentaremos dar uma definição disto que se chama vida, porque é aqui que se corre o grave risco de ingressar no campo da metafísica supra-real, que não nos levará a nada. Mas alguma palavra há de ser dita sobre esse ser que é objeto de direito fundamental. Vida, no texto constitucional (art. 5°, caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo que 19 interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida14. Segundo Pietro de Jesús Lora Alarcón, É uma preocupação constante do ser humano conhecer sua origem e sua essência. Desde o começo e até hoje, a pesquisa biológica e a filosófica, bem como aquelas realizadas em outras áreas do conhecimento para descobrir o espinhoso tema, foi acompanhada, de maneira natural, por conquistas do homem no plano jurídico para a proteção da sua vida. Isso significa que o conceito vida, no sentido assinalado por outras ciências distintas da Ciência Jurídica, concebe-se em termos jurídicos como a (sic) idéia de direito à vida, e ainda em temos de dever de respeito à vida do outro.(...) (...) Juridicamente, as sucessivas dimensões protetoras do direito à vida passaram a ser um ponto de referência sistêmico para a própria teoria da Constituição e do Estado. Assim, qualquer interpretação constitucional précompreende uma teoria dos direitos fundamentais. Reafirme-se, o foco constitucional desde sempre tem sido o ser humano. Logo, o homem ligado à sociedade e, por último, o homem cada vez mais limitado por uma sociedade de massas que cresce e se desenvolve marcada por desigualdades profundas.15 14 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 200. 15 ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. op. cit., p. 85. 20 Sendo assim, pode-se dizer que a vida é um processo por qual passa todo ser vivo e, em relação aos seres humanos, tem seu início com a concepção, perfaz-se por todo período que se dá entre aquele momento inicial até a morte, passando, ainda, durante esse processo, por diversas transformações de ordem física e psíquica, o que faz com que cada ser humano se torne mais diferente do que era no momento da sua concepção, tendo em vista que, desde esse momento, já é único. 2 – O direito à vida na legislação pátria 2.1 – (Breve) Análise do princípio constitucional da inviolabilidade do direito à vida Os direitos fundamentais constituem o “conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo de determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema jurídico do Estado de Direito”16, sendo, portanto, assim considerados na medida em que são reconhecidos e inseridos na Constituição e em face dela gerem conseqüências jurídicas, o que quer dizer 16 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 32. 21 que a interpretação das normas deverá ser feita de acordo com o que está ali inserido17. Segundo José Joaquim Gomes Canotilho, a positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados ‘naturais’ e ‘inalienáveis’ do indivíduo. É necessário assinalar-lhes a dimensão de Fundamental Rights colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais. Sem esta positivação jurídica, os << direitos do homem são esperanças, aspirações, idéias, impulsos, ou, até, por vezes, mera retórica política >>, mas não direitos protegidos sob a forma de normas (regras e princípios) de direito constitucional (Grundrechtsnormen).18 De acordo com a necessidade de positivação dos direitos fundamentais, José Afonso da Silva sustenta que as regras que exprimem direitos fundamentais correspondem a preceitos positivos constitucionais, os quais somente seriam considerados assim desde que inseridos na Constituição.19 Por outro lado, há aqueles que entendem que, em face da importância do que se dispõe nas regras que imprimem existência positiva aos direitos fundamentais, estas podem 17 ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora, op. cit., p. 77, observa sobre o descrito que “assumidos como direitos subjetivos, os direitos fundamentais são direitos de defesa perante os poderes estatais. Como elemento da ordem coletiva, traduzem uma competência negativa dos poderes estatais perante o status do indivíduo, ainda que uma positiva de respaldo à concretização desse mesmo status”. 18 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1999. p. 353. 19 SILVA, José Afonso da. op. cit., p. 48. 22 ser consideradas supra-estatais, tendo em vista o fato de que estas decorrem de uma ordem superior e são inerentes ao ser íntimo de cada homem, sendo repugnante pensar que estas, para serem reais, necessitem, antes, de serem dispostas em lei.20 Mas a prática tem-se demonstrado que esses direitos, tanto quando expressamente descritos no texto constitucional quanto decorrente destes, imprimem valores máximos, inerentes à pessoa, devendo, portanto, serem seguramente resguardados, já que estes direitos são, na sua essência, as bases condicionantes da formação do real Estado constitucional democrático. Como bem asseverado pela doutrina: Os direitos fundamentais integram, portanto, ao lado da definição da forma de Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a essência do Estado constitucional, constituindo, neste sentido, não apenas parte da Constituição formal, mas também elemento nuclear da Constituição material. Para além disso, estava definitivamente consagrada a íntima vinculação entre as idéias de Constituição, Estado de Direito e direitos fundamentais. Assim, acompanhando as palavras de K. Stern, podemos afirmar que o Estado constitucional determinado pelos direitos fundamentais assumiu feições de Estado ideal, cuja concretização passou a ser a tarefa permanente.21 20 MORAES, Guilherme Peña de. Direitos Fundamentais: conflitos e soluções. Niterói: Labor Juris, 2000. p. 19. 21 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 59. 23 Expressa a doutrina, ainda, acerca dos direitos fundamentais, que: (...) os direitos fundamentais constituem, para além de sua função limitativa do poder (que, ademais, não é comum a todos os direitos), critérios de legitimação do poder estatal e, em decorrência, da própria ordem constitucional, na medida em que ‘o poder se justifica por e pela realização dos direitos do homem e que a idéia de justiça é hoje indissociável de tais direitos’. (...) (...) os direitos fundamentais passam a ser considerados, para além de sua função originária de instrumentos de defesa da liberdade individual, elementos da ordem jurídica objetiva, integrando um sistema axiológico que atua como fundamento material de todo o ordenamento jurídico. 22 Essas normas, então, revelam as “necessidades básicas” inerentes a qualquer ser humano, tendo em vista que protegem seus bens mais importantes que se personalizam tornando mais justo o texto de lei, sendo, por isso mesmo, considerado o “núcleo substancial”23 de toda Constituição. Sua proeminência se deu, principalmente, após o advento da 2ª Guerra Mundial, em face das atrocidades nesta cometidas, principalmente contra judeus, tendo sido, de certa forma, uma resposta àquelas e uma tentativa de controle para evitar novos desmandos. 22 23 Ibid, p. 60/61. Ibid, p. 62. 24 Dentro da Constituição Federal de 1988, no rol de direitos do art. 5°. encontra-se grande parte dos direitos fundamentais assegurados constitucionalmente, mas não somente no artigo citado, bem como em outros (por exemplo, alguns incisos do art. 1°.) e em direitos decorrentes do disposto em tais artigos, cujos direitos não foram claramente especificados, como hoje se fala no direito de ser diferente ou à diferença, que decorre do disposto nos incisos XLI e XLII do art. 5°., os quais tratam da discriminação e do racismo. Mais especificamente, no caput do artigo citado, temse determinada, expressamente, a inviolabilidade do direito à vida, especificando, ainda, os parágrafos daquele mesmo artigo a sua aplicação imediata e a não exclusão de normas “decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.24 Teria, assim, sido plenamente assegurado o direito à vida a todos, sem se poder fazer qualquer exceção que já não estivesse naquele texto declarada. Para proteção desse direito, como dos direitos fundamentais em geral, em âmbito normativo, foi-lhes assegurada limitação material explícita ao poder de reforma constitucional inserido no art. 60, § 4°., inc. IV da CF/88, ou seja, o respeito às cláusulas pétreas, as quais têm como função “evitar a destruição ou a radical alteração da ordem constitucional” e, assim, “assegurar a integridade da Constituição, obstando a que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profunda 24 § 2°., do art. 5° da Constituição Federal. 25 mudança de identidade”. que: 25 Acerca da matéria, profliga-se a norma veiculada pela Emenda à Constituição tendente a (sic) abolir direitos fundamentais é reputada por materialmente inconstitucional (...), sendo cabível, inclusive, a impetração de mandado de segurança por quaisquer dos membros do Congresso Nacional, como forma excepcional de controle de constitucionalidade jurisdicional e preventivo, ante ao direito líquido e certo de não se submeterem à tramitação de Proposta de Emenda Constitucional que não encontre fundamento de validade na Constituição da República. Na jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o cabimento de mandado de segurança, cuja legitimação ativa é conferida a membro do Congresso Nacional, ‘com o objetivo de impedir a deliberação, em plenário, da Proposta de Emenda à Constituição’, tendo havido violação de limitação ao poder de reforma constitucional, porquanto a tramitação da referida proposta ‘ofende direito líquido e certo’ do impetrante, uma vez que ‘tem ele, na condição de parlamentar, o direito subjetivo de prevenir a deliberação congressual de tal proposta, que no seu entendimento ofende cláusula pétrea da Carta da República. 26 25 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 96/98. 26 MORAES, Guilherme Peña de. op. cit., p. 45/46, citando o julgamento do STF, MS n°. 22.449, Rel. Francisco Rezek, J. 15.03.1996, DJU 20.03.1996. 26 Pode-se dizer, portanto, que, em sendo a garantia do direito à vida inserido no texto constitucional pátrio no rol dos direitos fundamentais, como texto cimeiro, torna-o direito inviolável e não passível de exceções, não sendo possível que lei alguma, seja ela inserida no âmbito constitucional ou infra, venha a renunciar ou mesmo relativizar esse direito27, já que, do modo como se forma o ordenamento, segundo a pirâmide de Kelsen, a qual é seguida por todos os ordenamentos que têm na Constituição o seu texto hierarquicamente superior a todos os outros e ao qual aderiu também o Brasil, o mandamento constitucional deve ser seguido e respeitado em todas as leis ordinárias, principalmente no tocante aos direitos fundamentais. Em relação à garantia constitucional do direito à vida, aduz Canotilho que, ele “significa não apenas direito a não ser morto, mas também direito a viver28, no sentido do 27 CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos Jurídico-Penais da Eutanásia. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), 2001. p. 99, assevera sobre o assunto: “(...) a previsão constitucional do direito à vida como um direito fundamental, de cunho nitidamente garantista, impõe deveres ao Estado e aos particulares. De primeiro, resulta na obrigação concernente às demais pessoas de respeitá-lo, o que se traduz no dever de não realizar condutas – comissivas ou omissivas, dolosas ou culposas – que impliquem a sua destruição. De outro lado, ao Estado competem deveres muito importantes na consecução do exercício efetivo do direito à vida, com o escopo de que não seja vulnerado”. 28 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., p. 377, discorre ainda que o “direito à vida (CRP, art. 24.°) é um direito subjectivo de defesa, cuja determinabilidade jurídico-constitucional não oferece dúvidas, pois reconhece-se, logo a nível normativo-constitucional, o direito do indivíduo afirmar, sem mais, o direito de viver, com os correspondentes deveres jurídicos dos poderes públicos e dos outros indivíduos de não agredirem o ‘bem da vida’ (‘dever de abstenção’). Isto não exclui a possibilidade de neste direito coexistir uma dimensão protectiva, ou seja, uma pretensão jurídica à protecção, através do Estado, do direito à vida (dever de protecção jurídica) que obrigará este, por ex., à criação de serviços de polícia , de um sistema prisional e de uma organização judiciária. Todavia, o traço caracterizador do direito à vida é o primeiro – direito de defesa – e é esse traço caracterizador que, prima facie, justifica o enquadramento deste direito no catálogo de direitos, liberdades e garantias”. 27 direito a dispor de condições de subsistência mínimas e o direito a exigir das entidades estatais a adopção de medidas impeditivas da agressão deste direito por parte de terceiros”.29 No mesmo sentido é o posicionamento de Alexandre de Moraes, quando pondera: A Constituição Federal garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em prérequisito à existência e exercício de todos os demais direitos. A Constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de E, na p. 384/385, observa que “muitos direitos impõem um dever ao Estado (poderes públicos) no sentido de este proteger perante terceiros os titulares de direitos fundamentais. Neste sentido o Estado tem o dever de proteger o direito à vida perante eventuais agressões de outros indivíduos”. (...) “Diferentemente do que acontece com a função de prestação o esquema relacional não se estabelece aqui entre o titular do direito fundamental e o Estado (ou uma autoridade encarregada de desempenhar uma tarefa pública) mas entre o indivíduo e outros indivíduos. Esta função de protecção de terceiros obrigará também o Estado a concretizar as normas reguladoras das relações jurídico-civis de forma a assegurar nestas relações a observância dos direitos fundamentais (...)”. 29 Ibid, p. 375. 28 continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à sua subsistência.30 Ainda, acerca da matéria, aduz Pietro de Jesús Lora Alarcón: A proteção da vida humana pelo Direito é dialética. Nesta afirmação inicial não há duvidas nem inovação nenhuma. Mas, o que se deve frisar é que essa evolução se confunde com a evolução do próprio Direito e, particularmente, com a evolução do Direito Constitucional. Tal afirmação se comprova examinando que a preocupação constante da positivação constitucional, a partir da própria Carta Magna, passando pelas Declarações31 de Direitos, 30 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7ª. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2000. p. 61/62. 31 A preocupação com relação a deixar claro e escrito o direito primordial à vida foi concebida após o advento da 2ª Grande Guerra, com as atrocidades cometidas pelo nazismo/stalinismo, sendo o primeiro documento a demonstrar tal prerrogativa a Declaração Universal de Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948 criada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a qual, em seu art. 3°. dispõe que “todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa”. “Ainda nessa trilha, a imensa maioria dos pactos e convenções internacionais contêm menções ao direito à vida, com escassas diferenças de conteúdo. É assim que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 16 de setembro de 1966, assinala em seu art. 6.1 que ‘o direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito estará protegido pela lei. Ninguém será privado da vida arbitrariamente’. Também nesse passo, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), editada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) em 22 de novembro de 1969 prescreve que ‘toda pessoa tem direito a ter sua vida respeitada (...). Ninguém poderá ser privado da vida arbitrariamente’ (art. 4.1). Mencione-se ainda o Convênio Europeu para a proteção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, aprovado em 4 de novembro de 1950 pelo Conselho da Europa. O documento estabelece que ‘o direito de toda pessoa à vida está protegido por lei. Ninguém poderá ser privado de sua vida intencionalmente, salvo em execução de uma condenação que imponha a pena capital ditada por um tribunal ao réu de um delito para o qual a lei preveja essa pena (...). A morte não será considerada infligida com violação do presente artigo 29 por Constituições consideradas marcos na história jurídica do mundo como a Constituição soviética e a Constituição de Weimar e ainda, finalizando com documentos como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, é a proteção do direito à vida. Pode-se dizer que o conjunto positivado de liberdades e garantias de alguma maneira forma o desdobramento do direito a viver, seja direito a existir, direito a conviver, ou direito a viver protegido dos impactos e choques do convulsionado mundo contemporâneo.32 Isto demonstra que cabe ao legislador ordinário, na elaboração de leis, criá-las de acordo com o texto constitucional33 que, no caso, implica respeitar a quando se produza como conseqüência de um recurso à força que seja absolutamente necessário: a) em defesa de uma pessoa contra uma agressão ilegítima; b) para deter alguém conforme o direito ou para impedir a evasão de um preso legalmente detido; c) para reprimir, de acordo com a lei, uma revolta ou insurreição’ (art. 2.°)”. (CARVALHO, Gisele Mendes de. op. cit., p. 97). 32 ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. op. cit., p. 85. 33 “O fato de alguns institutos migrarem do Código (melhor: do direito civil) à Constituição indica que as coordenadas traçadas na Constituição devem ser seguidas por todo o aparelho regulamentador que lhe é inferior. Não basta que o legislador inferior passe a expedir normas que vão ao encontro da ordem constitucional. É essencial que mesmo as normas ditas inferiores já existentes sejam analisadas, interpretadas e aplicadas de acordo com o preceito constitucional. A Constituição passa a constituir-se como o centro de integração do sistema jurídico de direito privado. Assim é que as normas constitucionais de proteção à personalidade não devem ser vistas apenas como normas programáticas (portanto não dotadas de concretude). Ao contrário. Se todo o sistema jurídico gravita em torno da Constituição, tudo o que nela se contém forma e informa o direito ordinário. (...) A norma constitucional é parte integrante da ordem normativa, não podendo restringirse a mera diretriz hermenêutica ou regra limitadora da legislação ordinária. Aplicase (direta ou indiretamente, mesmo porque constituição também é norma) a Constituição ao caso concreto, dando-se vida à norma constitucional. A normativa constitucional não deve ser considerada sempre e somente como mera regra hermenêutica, mas também como norma de comportamento, idônea a incidir sobre o conteúdo das relações entre situações subjetivas, funcionalizando-as aos novos 30 inviolabilidade do direito à vida e, ainda, dentro da sistemática constitucional, entender que da garantia constitucional do direito protegido resulta o dever do Estado de adotar as medidas necessárias positivas a fim de proteger o efetivo exercício do direito fundamental em risco de violação por terceiros, ou seja, com a criação de normas protetivas do direito assegurado constitucionalmente34. 2.2 – Os artigos da Constituição Federal de 1988 que asseguram o direito à vida Na Carta Magna, há vários artigos que asseguram o direito à vida, mesmo que não seja de forma expressa como o disposto no art. 5°. citado35, mas que, da análise valores”. (CORTIANO JÚNIOR, Eroulths. Alguns apontamentos sobre os chamados direitos da personalidade. In: FACHIN, Luiz Edson. Repensando os fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Rio de Janeiro/ São Paulo: Renovar, 2000. p. 37/38 citando na parte em itálico Pietro Perlingieri na obra “Perfis do Direito Civil”). 34 ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. op. cit., p. 83 e 85, assevera que “ (...) o constitucionalismo teve, e tem, ainda, como eixo determinante, a proteção da vida do ser humano, isso significa que seus momentos de qualificação evolutiva são o reflexo de uma nova forma de entendimento da proteção da vida humana. Assim, as diversas maneiras de abordar essa proteção ocasionam o salto a uma nova dimensão protetora, que é exatamente o ponto em que o constitucionalismo avança e em que, por fim, as Constituições se aperfeiçoam. Em suma: as dimensões, ou como prefere N. Bobbio, as gerações de direitos fundamentais, são apenas modalidades novas de amparo da vida humana, por isso são a essência do movimento constitucionalista de hoje e de sempre”. 35 São estes os artigos da Constituição Federal mencionados: Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; 31 O art. 3º. dispõe como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização, fatores estes que têm levado diversas pessoas a óbito, principalmente crianças, tanto em razão da desnutrição e doenças que o primeiro pode causar como em razão dos altos índices de criminalidade que se tem registrado no Brasil. A fim de tentar amenizar a primeira situação, o governo nacional criou o Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza denominado “Fome Zero”, com o fito de financiar, por exemplo, a distribuição de alimentos as pessoas pobres da região Nordeste, entre outros programas como o bolsa-escola e vale-gás, os quais vieram a implementar o disposto no art. 79 introduzido pela Emenda Constitucional nº 31, de 14/12/00, o qual diz: Art. 79. É instituído, para vigorar até o ano de 2010, no âmbito do Poder Executivo Federal, o Fundo de Combate a Erradicação da Pobreza, a ser regulado por lei complementar com o objetivo de viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida. Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: II – prevalência dos direitos humanos; VI – defesa da paz; VII – solução pacífica dos conflitos; VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo. No art. 4º dispõe-se que o Brasil reger-se-á, nas suas relações internacionais, mediante a prevalência dos direitos humanos, da defesa da paz, da solução pacífica dos conflitos e do repúdio ao terrorismo e ao racismo, entre outros. Um país que tem esses princípios assegurados em seu texto constitucional, assim o faz, principalmente porque por meio desses meios assegura o direito à vida, posto que em todos os termos citados vê-se que há preponderância por ações humanitárias e pacíficas, as quais contribuem para a manutenção da vida como um todo. Como exemplo, só o fato de a norma constitucional pregar a paz e buscar soluções pacíficas para conflitos, pode-se interpretar como forma de salvar muitas vidas que poderiam ser cerceadas, caso houvesse uma guerra. Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; L – às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; 32 LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; § 1º. – As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. § 2º. – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Tendo em vista que no corpo do texto já se tratou do caput do art. 5°, passar-se-á diretamente à análise de seus incisos. Quanto à competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida pelo júri popular, entende-se esta como uma forma de coibir de forma mais expressiva tais crimes, os quais têm penas mais severas que outros tipos de crimes, a fim de tentar diminuir o número de delitos cometidos através do exemplo e da comoção social. A punição, por lei, de atos atentatórios aos direitos e liberdades fundamentais também busca a tutela da vida, já que a manutenção desses direitos acaba por coibir práticas que venham atentar contra esse bem. Assegura a norma constitucional o direito à vida do nascituro quando permite às presidiárias a permanência com seus filhos durante o período de amamentação e, estabelece, o mandado de injunção como meio processual assecuratório de defesa do regular exercício dos direitos e liberdades constitucionais. Art. 6°. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Ao assegurar, no art. 6°, o direito à saúde, a proteção à maternidade, à infância e a assistência aos desamparados, busca, novamente, a tutela da vida, resguardando-a, principalmente, em relação àqueles que mais necessitam dessa proteção, como, por exemplo, o nascituro, a criança e aqueles que não têm acesso à moradia e às condições mínimas para sobrevivência, entendendo o legislador como necessário assegurar-lhes direitos de defesa mais específicos, por se tratarem estes de pessoas mais necessitadas. Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; Na mesma linha de raciocínio do artigo anterior, o 7°, nos incisos retro citados, também tutela do direito à vida, resguardando aquelas pessoas mais sensíveis de sofrer lesão quanto a esse bem, sendo redundante na proteção à maternidade (o que 33 entende-se necessário, já que se trata da formação de uma nova vida, a qual, em relação a outras, acaba por ser uma das mais frágeis) e mais específico no tocante à infância. Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. O mesmo se repete no art. 203, com a proteção daqueles mais necessitados e da sociedade como um todo, ao proteger a família. Dispõe, ainda, especificamente, sobre a vida do idoso e do deficiente sem condições de se manter ou de ser sustentado pela família, dispondo que caberá ao Estado suprir essas necessidades, sem permitir, novamente, que a vida destes seja ameaçada pela falta de suprimentos. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. § 4º – A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. § 6º – As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas. Ao assegurar normas que buscam a preservação do meio ambiente equilibrado no art. 225, o faz com a intenção de criar condições de sobrevivência a todos os seres humanos, desta e de outras gerações, numa visão da natureza a partir do homem, a qual tem assegurado sua existência como meio de manter a subsistência da própria raça humana, dependente que é do meio ambiente. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 34 interpretativa de seu texto, vê-se a intenção legislativa de resguardar a vida36. Por outro lado, dentro do próprio art. 5°, § 1º – O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos: I – aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; VII – programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4º – A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º – A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 36 Acerca da matéria, aduz-se que: “No Brasil, resistiu-se ainda por longa data à outorga de proteção constitucional explícita ao direito à vida, muito provavelmente porque, como sem vida humana não seria possível o exercício dos demais direitos individuais, não se considerava necessária sua menção expressa no mais alto nível normativo. É assim que a Constituição Imperial de 1824 resguardava tão-somente ‘a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que têm (sic) por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade’ (art. 179). Mais tarde, a Constituição de 1891 manteve-se na mesma linha, não divulgando expressamente a tutela do direito à vida, mas resguardando aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, nos moldes da Carta anterior, ‘a inviolabilidade dos diretos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade’ (art. 72). Adiante, porém, prescrevia que a especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não excluía outras garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da forma de governo estabelecida e dos princípios nela consignados (art. 78), com o que restava tutelada a vida humana, base de todos os demais direitos. Nessa mesma trilha seguiu a Constituição de 1934 que, ademais da inviolabilidade dos direitos ‘concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade’ (art. 113), cuidava ainda de garantir outros direitos não expressos no texto constitucional que resultassem do regime e dos princípios nele adotados (art. 114). A Carta de 1937 não operou maiores modificações: o direito à vida continuou a não ser tutelado de modo explícito, em detrimento das garantias ao direito de liberdade, à segurança individual e à propriedade (art. 122). A vida humana só ganhou menção expressa nas Constituições a partir de 1946, quando a Lei Maior passou a assegurar, aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país ‘a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade’ (art. 141). Redação semelhante teve o art. 150 da Constituição de 1967, que também cuidou de elencar expressamente a vida como entre os direitos e garantias individuais. Esse preceito não foi alterado pelas sucessivas emendas constitucionais àquela Carta. 35 além do caput, há outros dispositivos diretamente relacionados com o direito à vida, que são: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; A inserção tardia do direito à vida de modo explícito no texto constitucional permite assinalar que o reconhecimento desse direito pelas Constituições tem, antes de tudo, um valor simbólico, porquanto é um direto inerente ao ser humano, que para existir não necessita seu reconhecimento expresso e que já dispõe de tutela na legislação ordinária, qual seja a lei penal. Mas não se esgota apenas nessa função simbólica, vez que ‘comporta ainda uma direta, efetiva e vinculante referência ao marco dentro do qual a vida humana deve ser protegida, gerando um autêntico dever jurídico para os destinatários da norma contida no referido preceito’”. (CARVALHO, Gisele Mendes de. op. cit.., p. 98/99). 36 e) cruéis; Além de encontrar-se no regramento anteriormente descrito, o direito à vida vem claramente disposto nos arts. 227 caput e 230 do texto constitucional: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. No inc. III do art. 5°, quando o texto constitucional determina que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, está, de certa forma, assegurando a manutenção do direito à vida, visto que tais formas de tratamento, no passado (e, com tristeza, pode-se dizer que até hoje isso ocorre, como o caso do oriental que morreu em uma cadeia, na cidade de São Paulo, após ser torturado para entrega de dinheiro), acabaram por exterminar diversas vidas humanas no Brasil e em todo mundo. O que dizer do nazismo de Hitler e da ditadura no Brasil. Vê-se, portanto, tal medida como meio assecuratório 37 do direito à vida. O inciso XLIII elenca como crimes inafiançáveis, insuscetíveis de graça ou anistia, crimes como a tortura, o tráfico, o terrorismo e os crimes hediondos, por estes atentarem diretamente contra a vida humana, já que, em todos eles, normalmente, o bem que é atingido acaba por ser este, e, ainda, determina no XLVII que não haverá pena de morte ou pena cruel, sendo este também interpretado como instrumento protetor da tutela da vida. Os artigos 227, 229 37 e 230 da Constituição Federal tratam do dever de resguardo da vida e da saúde da criança, adolescente e idoso pela família, sociedade e pelo Estado. Estes artigos vêm a complementar o dever geral de proteção da vida elencado no artigo 5°. outrora analisado, especificando a sua prioridade, especialmente em relação às pessoas ali contempladas, por se tratarem estas de figuras especiais que, por sua fragilidade, devem ter seu direito claro, posto que, nem mesmo assim, muitas vezes, vê-se que nenhum dos obrigados em relação ao dever de proteção e cuidado tem realizado bem esse papel. Pode-se, perfeitamente, perceber esta falha pelo sem número de crianças abandonadas pelas ruas das grandes cidades que vêm sendo constantemente abusadas (de todas as formas) tanto por seus pais, que, muitas vezes, delas se utilizam para auferir vantagens financeiras, quanto pela sociedade em geral e pelo Estado, que deixa de cumprir seu papel, quando não toma uma atitude prática e efetiva que ponha termo com essas situações. Vê-se, ainda, essa falha ao se constatar grande número de idosos deixados em asilos e nas ruas, sem qualquer auxílio financeiro ou emocional por parte de suas famílias, os quais ficam verdadeiramente abandonados, dependentes de qualquer ajuda que lhes possa ser oferecida 37 Citado em nota anterior. 38 por outros meios como a sociedade e o Estado. Mas este, para piorar, tem constantemente desrespeitado esses idosos, quando não lhes oferece condições mínimas de sobrevivência com as enxutas aposentadorias, as quais, após anos e anos de trabalho e contribuição à previdência social, não são devidamente remuneradas.38 Pode-se perceber, então, que em lei constitucional, buscou o legislador pátrio proteger direito à vida não somente de forma direta como expressado no art. 5°., mas, também, de forma indireta, determinando regras que impliquem a sua proteção, demonstrando sempre o valor que se dá a esse bem como primordial e essencial a todos, posto que somente a partir dele outros direitos são resguardados. Assegurar esse direito, constitucionalmente, ainda mais da forma como fora assegurado, demonstra a preocupação do legislador constitucional em não vê-lo infringido por qualquer meio, visto que se trata do maior bem que os seres humanos têm que é a vida e seu direito de exercê-la em qualquer situação. E se, apesar de toda essa proteção, mesmo assim, esse direito não é devidamente respeitado nem pela sociedade e tampouco pelo Estado, o qual deveria ser o seu maior “guardião”, imagine-se quando normas são estabelecidas que direta ou indiretamente violem esse direito, tutelando na contramão da Constituição, o que irá ocorrer? Essa é uma preocupação constante para aqueles que entendem a vida, em todas as suas formas, como o maior bem existente, a qual deve ser assegurada a todos os seres humanos, sem exceção. 38 Quando o são, já que muitos não a recebem em face das inúmeras irregularidades que pairam no sistema previdenciário e também por causa da burocracia que impera nos diversos órgãos governamentais. 39 2.3 − Os artigos da legislação civil que asseguram o direito à vida No Código Civil, têm-se alguns artigos que asseguram o direito à vida, os quais, semelhantemente à Constituição Federal, não se apresentam de forma expressa, mas que, da análise interpretativa de seu texto, vê-se a intenção legislativa de resguardar a vida. O primeiro artigo que defende a vida, paralelamente àquilo para o que foi criado, é o art. 2°. que estatui que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Este trata, especificamente, do começo da personalidade natural, tema que será posteriormente tratado, mas assegura direitos ao nascituro desde o momento inicial de sua vida, ou seja, a concepção. A ele assegura, então, o direito à vida, do qual derivam outros direitos especificados em outros artigos como o direito à filiação, à integridade física, a alimentos, à assistência pré-natal, a ter curador que zele por seus interesses, quando houver incapacidade dos genitores de receber herança ou doação e o direito de ser reconhecido como filho, entre outros. Em relação ao art. 15 que estatui que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”, entende-se doutrinariamente que o artigo foi criado exaltando, antes de qualquer coisa, o direito de escolha ou a autonomia do paciente de se submeter ou não a tratamento, já que os 40 profissionais da saúde deverão agir de forma que seja respeitada a vontade do paciente, ou de seu representante quando se tratar de incapaz, buscando sempre agir de acordo com o princípio da beneficência e da não-maleficência (os quais implicam buscar-se o bem-estar e evitar danos ao paciente). Mas, ao se realizar uma interpretação extensiva do artigo, vê-se que seu fim também é resguardar a vida e a saúde do paciente, o qual tem o direito de não se submeter a tratamentos que possam lhe cercear esse bem. Quanto ao art. 229 que expressa, em seu inciso III, que ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato que o exponha a perigo de vida, de demanda, ou de dano patrimonial imediato, ensina a doutrina que no inciso terceiro, resguardou-se, entre outros bens, a vida, desobrigando qualquer pessoa de testemunhar sobre fato que sabe, quando isto lhe implicar risco. Mas o risco, aqui, não se aplica apenas à vida do depoente, mas estende-se, também, ao seu consorte, parentes ou amigos.39 Têm-se, no art. 557, casos de possibilidade de revogação de doação realizada, em caso de tentativa de homicídio ou da ocorrência deste e, ainda, no caso de haver recusa em prestar alimentos ao doador que deles necessitava, tendo o donatário condições de fazê-lo. Estatuem os incisos citados: Art. 557. Podem ser revogadas por ingratidão as doações: I – se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele; 39 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 207. 41 IV – se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava. Cabe observar que a revogação, no caso do inciso I, somente poderá ocorrer quando o atentado contra a vida do doador for doloso, não cabendo, aqui, a figura do crime culposo ou o caso de legítima defesa, posto que, nestes, não se poderá revogar a doação. Mais uma vez, percebe-se a proteção da vida inserida no texto, visto que se busca retirar o prêmio recebido daquele que atenta contra a vida de quem o premiou. Analisando, extensivamente, pode-se até mesmo dizer que o artigo busca coibir que se atente contra a vida de alguém visando a obtenção de benefício financeiro, já que o agente poderia, mediante ameaça à vida, buscar a doação de bem patrimonial, o qual, por força deste artigo, acaba por ficar sem razão para fazê-lo. Com relação à questão dos alimentos, vê-se, aqui, também, a proteção da vida, já que todo ser humano necessita de alimentos para sua sobrevivência, contemplando o artigo a obrigatoriedade de se prestar alimentos àquele que deles necessita, quando se tem condições de fazê-lo (claro, que é específico a essa situação, já que não se está, neste artigo, tratando do dever geral de prestação de alimentos). Ao tratar do seguro de vida, estatui o art. 790: Art. 790. No seguro sobre a vida de outros, o proponente é obrigado a declarar, sob pena de falsidade, o seu interesse pela preservação da vida do segurado. 42 Parágrafo único. Até prova em contrário, presume-se o interesse, quando o segurado é cônjuge, ascendente ou descendente do proponente. A professora Maria Helena Diniz aduz sobre o de seguro de vida que: O seguro de vida terá por escopo a garantia, mediante pagamento de prêmio anual ajustado, de uma indenização a determinada pessoa, em razão de morte do segurado. (...) visa garantir a pessoa do segurado contra riscos a que estão expostas sua existência, sua integridade física e sua saúde, não havendo reparação de dano ou indenização propriamente dita, pois não se pretende eliminar as conseqüências patrimoniais de um sinistro, mas sim pagar certa soma ao beneficiário designado pelo segurado. (...) O seguro pode compreender a vida do próprio segurado ou a de terceiro; todavia, nesta última hipótese, dever-se-á justificar o seu interesse jurídico ou econômico pela preservação da vida que segura, sob pena de o seguro não ter validade se se provar a falsidade do motivo alegado. Dispensar-se-á tal justificação se o terceiro, cuja vida se pretende segurar, for descendente, ascendente, ou cônjuge do proponente, porque a afeição e o vínculo familiar revelam o natural interesse pela vida de qualquer 43 dessas pessoas. Todavia, tal presunção é juris tantum, prevalecendo até prova em contrário. 40 E o art. 948, quando trata da indenização dada pelo homicida a vítima estatui que: Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima. No início do inciso I, tem-se a proteção da vida e da saúde da vítima não fatal, devendo-se indenizar, em caso de haver despesas com tratamento médico e, no caso do inciso II, demonstra-se a proteção da vida, estendendo àquele que causou a morte o dever de sustento daquelas pessoas que dependiam do de cujus para sobreviver. De acordo com a Súmula 37 do STJ, serão cumuláveis as indenizações por dano material e moral que forem oriundas do mesmo fato e, pela Súmula 491 do STF, “é indenizável o acidente que causa a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado”.41 40 Ibid, 477. NERY JÚNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 329. 41 44 O art. 951 continua a tratar dos casos de indenização, ao estabelecer quando esta é devida pelo executor de atividade profissional: Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplicase ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho. Este artigo tem a intenção primeira de demonstrar a responsabilidade subjetiva dos profissionais da saúde, como médicos, enfermeiros, dentistas, farmacêuticos etc, a fim de que seja reparado o dano causado por um destes que, no exercício de sua profissão, cause a morte, ferimento ou inabilite o paciente por imprudência, negligência ou imperícia. Discorre a doutrina que, nestes casos, a prova deverá ser realizada pelo próprio autor da pretensão, havendo, na relação estabelecida entre o profissional e o paciente apenas uma obrigação de meio, que se demonstra por intermédio da tentativa de cura deste por meio da aplicação dos cuidados necessários para isso, sem, contudo, isso se efetivar em obrigação de resultado (a cura efetiva), só havendo este último, em casos como os das cirurgias estéticas, nos contratos de hospitalização, nos quais o “médico assume o dever de preservar o enfermo de acidentes, hipóteses em que sua responsabilidade civil será objetiva e não subjetiva”.42 Mas, vê-se, aqui, de qualquer forma, a mesma preocupação com a proteção da vida que foi inserida em outros artigos, já que se busca a prestação de serviço por profissional da saúde que seja voltada à prática 42 Ibid, p. 951. 45 efetiva de cuidados que possam preservar a saúde e a vida do paciente. 2.4 − Referências à legislação penal que asseguram o direito à vida Na legislação penal, há um capítulo específico que assegura o direito à vida, onde, de forma expressa, são descritos os atos que podem ser considerados condutas típicas, sendo às mesmas cominadas penas tanto de detenção como de reclusão. Este capítulo insere-se no Título I, que trata dos crimes contra a pessoa, sendo intitulado “dos crimes contra a vida”, o qual inicia-se no art. 121 sobre o homicídio simples, e vai até o art. 128, que trata do aborto43. Como em relação à matéria não se tem pretensão de análise, até porque o estudo sob o ponto de vista penal não faz parte do tema central desta dissertação, foram os artigos trazidos apenas para ilustrar e complementar, demonstrando que há uma preocupação constante do legislador pátrio em 43 Mas, ainda, dentro da parte especial do Código Penal, há diversos artigos que, indiretamente, tutelam a vida como os artigos referentes às lesões corporais (art. 129), da periclitação da vida e da saúde (arts. 130 a 136), sobre a rixa (art. 137), incêndio (art. 250), explosão (art. 251), uso de gás tóxico ou asfixiante (art. 252), inundação (art. 254 e 255), desabamento ou desmoronamento (art. 256), subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento (art. 257) e as formas qualificadas desses crimes (art. 258). Pode-se, ainda, perceber que na parte geral, o art. 61, no inciso II, letras “d” e ”h” dispõe sobre situações que sempre agravam a pena, as quais implicam, quando realizadas, prováveis danos à saúde e à vida tanto da coletividade quanto apenas em relação a determinadas pessoas. 46 dar proteção ao bem maior que é a vida humana44. Sendo assim, far-se-ão referências apenas aos artigos e, algumas vezes, comentários sucintos acerca do assunto tratado. São os artigos citados: Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) II – ter o agente cometido o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum; 45 Gisele Mendes de Carvalho pontua acerca do direito à vida: “O bem jurídico vida humana, erigido à categoria de direito fundamental pela Constituição Federal, constitui suporte indispensável para o exercício de todos os demais direitos, o que explica a especial proteção que lhe é outorgada pela lei penal. Exsurge como o primeiro e mais importante direito do homem e, embora se discuta essa afirmação no que tange à preponderância da autonomia e da liberdade individual, impõe observar que esses direitos se referem exclusivamente ao homem enquanto ser vivo, independentemente de qualquer reconhecimento pelo ordenamento jurídico”. (CARVALHO, Gisele Mendes de. op. cit., p. 96). 45 PRADO, Luiz Régis. BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Anotado e legislação complementar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 321, comentam acerca do inciso citado: “Relaciona-se, (sic) aqui, exemplificativamente, os meios de cometimento do crime, que caracterizam-se pela insidiosidade ou crueldade. Meio insidioso (veneno) é aquele capaz de iludir a atenção da vítima. Meio cruel (fogo, explosivo, tortura) é aquele que causa, desnecessariamente, maior sofrimento à vítima, “ou revela uma brutalidade fora do comum ou em contraste com o mais elementar sentimento de piedade” (Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, n. 38). Meio de que pode resultar perigo comum (fogo, explosivo) é o que pode atingir indeterminado número de pessoas ou coisas. Por razões óbvias, esta agravante não se aplica aos crimes de perigo comum, por integrá– los”. 44 47 h) contra criança, velho, enfermo ou mulher grávida; (Redação dada pela Lei nº 9.318, de 5.12.1996) (Vide Lei nº 10.741, de 2003).46 2.4.1 – Homicídio Do art. 121 ao art.123, têm-se como bem jurídico a vida humana, em geral, sendo considerado crime, em qualquer dos artigos citados, a ação humana que resulte na morte de outra pessoa, estando estabelecidas nos artigos citados, formas diferenciadas de cometimento que podem diminuir ou agravar a pena. 47 Ibid., p. 322, aduzem acerca do inciso II, h: “Considera-se, nas quatro hipóteses, a presumida menor capacidade de defesa dessas vítimas, além da perversidade e covardia do agente. Conseqüentemente, se trata de presunção juris tantum.(...) Enfermo é a pessoa doente, cuja resistência tenha sido diminuída pela enfermidade. Enfermo, no entanto, deve receber interpretação ampla, para abranger, por exemplo, os deficientes físicos e os portadores de moléstias, física ou mental”. 47 Homicídio simples Art. 121 – Matar alguém: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Caso de diminuição de pena § 1º – Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Homicídio qualificado § 2º – Se o homicídio é cometido: I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II – por motivo fútil; III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; 46 48 Vê-se, claramente, neste capítulo, a importância que o legislador pátrio dá à vida humana, prevendo os artigos citados nesta parte penas severas que podem chegar até 30 anos de reclusão. Nestes casos, entende a doutrina que a vida protegida é, aquela que se estabelece com o “início do parto, com o rompimento do saco amniótico. Antes do início do parto, o crime será de aborto”.48 Aduzem, ainda, os V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Homicídio culposo § 3º – Se o homicídio é culposo: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. Aumento de pena § 4º – No homicídio culposo, a pena é aumentada de um terço, se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos. (Redação dada pela Lei nº 8.069, de 13.7.1990) (Vide Lei nº 10.741, de 2003) § 5º – Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977) Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio Art. 122 – Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Parágrafo único – A pena é duplicada: Aumento de pena I – se o crime é praticado por motivo egoístico; II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. Infanticídio Art. 123 – Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena – detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. 48 PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 2 – parte especial, arts. 121 a 183. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 45. O autor assevera, sobre o crime de homicídio, que o “sujeito passivo é o ser humano com 49 doutrinadores que, para que se estabeleça a conduta típica, a qual consiste em matar alguém, nesses crimes, “é suficiente a vida, sendo indiferente a capacidade de viver”49, bastando, portanto, “para a caracterização do delito em tela, que o sujeito passivo esteja vivo”, não importando, dessa forma, “seu grau de vitalidade ou a existência ou não de capacidade de sobrevivência. A presença de condições orgânicas precárias que impeçam a continuidade da vida não afasta a configuração do delito”.50 E esta vida é manifestada por meio da respiração. Contudo, este não é um conceito absoluto, posto que se sabe vida. No homicídio, o sujeito passivo será também o objeto material do delito, pois sobre ele recai diretamente a conduta do agente. Observe-se que a destruição da vida intra-uterina configura o delito de aborto (art. 124, CP). De outro lado, a morte dada ao feto durante o parto perfaz, em princípio, o delito de homicídio. Se o sujeito ativo for a mãe, sob a influência do estado puerperal, tem-se identificado o crime de infanticídio (art. 123 CP). Infere-se daí que o delito de homicídio tem com limite mínimo o começo do nascimento, marcado pelo início das contrações expulsivas. Nas hipóteses em que o nascimento não se produz espontaneamente, pelas contrações uterinas, como ocorre em se tratando de cesariana, por exemplo, o começo do nascimento é determinado pelo início da operação, ou seja, pela realização da incisão abdominal. De semelhante, nas hipóteses em que as contrações expulsivas forem induzidas por alguma técnica médica, o início do nascimento será sinalizado pela execução efetiva da referida técnica ou pela intervenção cirúrgica (cesárea)”. 49 Contudo, há julgados no sentido de entender como homicídio privilegiado, ou seja, para o qual se impõe pena mais branda, casos que se refiram à eutanásia, quando o agente tem com a vítima estreitos laços de afeição, e, em face disto age por compaixão a pedido daquela, sendo entendido como valor moral, descrito no parágrafo, aquele “que se adeqüe aos princípios éticos dominantes, segundo aquilo que a moral média reputa nobre e merecedor de indulgência. O valor social ou moral do motivo deve ser considerado sempre objetivamente, segundo a média existente na sociedade, e não subjetivamente, segundo a opinião do agente”. (PRADO, Luiz Régis. BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p. 486). Cita-se, ainda, julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acerca da matéria: “Por motivo de relevante valor moral, o projeto entende significar o motivo que, em si mesmo, é aprovado pela moral prática, como, por exemplo, a compaixão ante o irremediável sofrimento da vítima (caso de homicídio eutanásico)” (TJSP – AC – Rel. Denser de Sá – RJTJSP 41/346) (Ibid, p. 492). 50 PRADO, Luiz Régis. op. cit., p. 46. 50 da possibilidade de “haver vida sem a presença dos movimentos respiratórios regulares (v.g. recém-nascido apnéico)”51, quando aquela será aferida mediante outros sinais vitais como, por exemplo, as pulsações cardíacas, sendo somente possível a prática desse delito enquanto houver a vida. Mas, como elucida o professor Luiz Régis Prado, a determinação do momento da morte, porém, é altamente controvertida. E isso porque a morte não se produz instantaneamente, mas é o resultado de um processo que afeta de modo gradual e progressivo os diferentes órgãos e tecidos do corpo humano. Para fins jurídico-penais não é possível aceitar um conceito de morte puramente biológico, mas imperiosa é a formulação de um conceito legal, que deverá necessariamente apresentar um conteúdo médico-valorativo. Sendo a morte um processo irreversível, “seu momento será determinado em função dessa peculiaridade, isto é, quando verificada a lesão irreversível e irrecuperável de alguma função vital do corpo humano”. Atualmente, médicos e juristas concordam que o momento da morte ocorre com a cessação irreversível das funções cerebrais. O critério da morte encefálica baseia-se na irreversibilidade da morte. Considera-se que uma lesão ou deterioração substancial do cérebro é totalmente irrecuperável e, por isso, irreversível, pois a medicina, hoje, não logra uma recuperação das funções do cérebro e a cessação destas conduz ao não funcionamento autônomo do organismo. O critério da morte encefálica – acolhido 51 Ibid, p. 46. 51 expressamente pela legislação pátria (art. 3°, Lei 9.434/97) – respeita as garantias de proteção da pessoa humana, já que “pressupõe a perda da consciência e de outras funções superiores, sem as quais o indivíduo não pode realizar sua condição de pessoa.52 Por outro lado, enquanto houver possibilidade de vida, mesmo que precária, é ela valorosa e irrenunciável para o Direito, sendo considerada mesmo um “bem jurídico de incontestável magnitude”53, porquanto “a garantia da vida humana não admite restrição ou distinção de qualquer espécie. Ou seja, protege-se a vida humana de quem quer que seja, independentemente da raça, sexo, idade ou condição social do sujeito passivo”.54 Pelo simples valor que cada vida humana alberga em si, deve ser resguardada de toda e qualquer violação de direito que possa vir afligí-la ou diminuí-la, não devendo nenhum ser humano agir de forma que venha a cercear a vida de outro. 52 Ibid, p. 45/46. Ibid, p. 66. 54 Ibid, p. 44. 53 52 2.4.2 − Aborto55 Tratam os artigos 124 a 128 do Código Penal acerca do delito de aborto, o qual tem como bem jurídico tutelado “a vida do ser humano em formação”56, protegendo-se “a vida intra-uterina, para que possa o ser humano desenvolver-se normalmente e nascer”.57 Nestes, em consonância com o regramento constitucional, busca-se a proteção integral do ser humano desde o momento de sua formação até o momento da sua morte, relatando o autor por último citado que “o direito à vida, constitucionalmente assegurado (art. 5.°, caput, CF), é inviolável, e todos, sem distinção, são seus titulares. Logo é evidente que o conceito 55 Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. Aborto provocado por terceiro Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos. Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Parágrafo único – Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. Forma qualificada Art. 127 – As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte. Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. 56 PRADO, Luiz Régis. BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p. 501. 57 PRADO, Luiz Régis. op. cit., p. 94. 53 de vida, para que possa ser compreendido em sua plenitude, compreende não somente a vida humana independente, mas também a vida humana dependente (intra-uterina)”.58 Para a medicina, o aborto59 é conceituado como sendo “a interrupção prematura do desenvolvimento e refere-se à expulsão de um embrião ou feto antes de se tornar viável – (sic) capazes de viver fora do útero”.60 Para este, a medicina o classifica em diferentes tipos, sendo eles: Ameaça de aborto (sangramento com a possibilidade de aborto) é uma complicação que ocorre em cerca de 25% das gravidezes clinicamente aparentes. A despeito de todos os esforços para impedir o aborto, cerca da metade destas gravidezes acaba em aborto (Filly, 1994). Aborto acidental é aquele que ocorre por causa de um acidente (p. ex., durante a queda de uma escada). Aborto espontâneo é aquele que ocorre naturalmente, sendo mais comum durante a terceira semana após a fertilização. Cerca de 15% das gravidezes identificadas terminam em aborto espontâneo, geralmente durante as primeiras 12 semanas. Aborto habitual é a expulsão espontânea de um feto morto, ou não viável, em três ou mais gravidezes consecutivas. 58 Ibid, p. 94. A palavra aborto, etimologicamente, significa malogro, sendo derivada do latim aboriri ou abortus (morrer, perecer). 60 MOORE, Keith L. PERSAUD, T. V. N. op. cit., p. 3. 59 54 Aborto induzido significa um nascimento induzido antes das 20 semanas (i.e., antes de o feto tornar-se viável). Este tipo de aborto refere-se a expulsão intencional de um embrião ou feto (p. ex., por curetagem a vácuo – remoção do concepto após dilatação por meio de uma cureta oca introduzida no útero e através da qual é feita a sucção). Aborto completo é aquele no qual todos os produtos do concepto são expelidos do útero. Aborto criminoso é o executado ilegalmente. Abortos induzidos legalmente, eletivos, justificáveis ou abortos terapêuticos, geralmente são induzidos por drogas ou curetagem por sucção. Alguns abortos são induzidos por causa da má saúde da mãe (física ou mental), ou a fim de impedir o nascimento de uma criança com deformações graves (p. ex., sem a maior parte do cérebro). Aborto frustrado é aquele no qual há retenção do concepto no útero após a morte do embrião ou feto.61 Nos crimes de abortamento, tem-se como sujeito passivo o “ser humano em formação (óvulo fecundado/embrião/feto), titular do bem jurídico vida”62, sendo resguardado em todas as etapas do seu desenvolvimento dentro do útero materno. Mesmo sendo um bem jurídico individual, há um interesse social protegido, o qual se “manifesta na proteção da vida do 61 62 Ibid., p. 3. PRADO, Luiz Régis. op. cit., p. 95. 55 produto da concepção”.63 Expõe a doutrina penal que “a mera interrupção da gestação, por si só, não implica aborto dado que o feto pode ser expulso do ventre materno e sobreviver ou, embora com vida, ser morto por outra conduta punível (infanticídio ou homicídio)”.64 Averba, ainda, que: Atualmente, com as modernas técnicas de reprodução assistida, não é possível sustentar tal relação de causa-efeito (interrupção da gravidez/ destruição do nascituro), pois pode o embrião ser transferido para outra mulher. Além disso, é bem possível a destruição de um dos embriões ou fetos – na hipótese de gravidez múltipla – sem a interrupção da gravidez do processo de gestação. De outro lado, também a expulsão do feto não é imperiosa para a configuração do aborto. Nos primeiros meses de gravidez, é possível que o embrião seja objeto de um processo de autólise, que termina com sua reabsorção pelo organismo materno. Ademais, pode o embrião passar por um processo de calcificação (litopédio) e permanecer no útero como um corpo anexo. Nesses casos, se exigível a expulsão do produto da concepção, não haveria aborto punível. Não será bastante também a morte do feto, se não resultar esta dos atos praticados ou dos meios utilizados para a interrupção da gravidez ou da própria imaturidade do feto, que não sobrevive à expulsão prematura provocada por aqueles atos ou meios. 63 64 Ibid, p. 95. Ibid, p. 96. 56 O aborto consiste, portanto, na morte dada ao nascituro intra uterum ou pela provocação de sua expulsão. O delito pressupõe, por óbvio, gravidez em curso. É indispensável a prova de que o ser em gestação se encontrara vivo quando da intervenção abortiva e de que sua morte foi decorrência precisa da mesma. Assim, a morte deve ser conseqüência direta das manobras abortivas realizadas ou da própria imaturidade do feto para sobreviver, quando sua expulsão for provocada prematuramente por aquelas manobras. O estágio da evolução do ser humano em formação não importa para a caracterização do delito de aborto.65 O aborto ocorre com a provocação da expulsão do concepto que se encontra no útero, independentemente da fase em que se encontra, havendo, doutrinariamente, uma classificação quanto ao tipo de aborto em relação ao tempo de gravidez, sendo chamado de ovular quando praticado até a oitava semana ou dois primeiros meses de gestação; embrionário, quando realizado até a 15ª semana ou até o terceiro/ quarto mês de gestação; fetal, quando ocorrer daquela data a diante, ou seja, a partir do quinto mês de gestação. Discute-se, doutrinariamente, acerca do exato termo inicial da gravidez, já que, com o início desta, se dá o ponto de partida para a prática do delito. Assevera-se que, “do 65 Ibid, p. 96. 57 ponto de vista biológico, o início da gravidez é marcado pela fecundação. Todavia, sob o prisma jurídico, a gestação tem início com a implantação do óvulo fecundado no endométrio, ou seja, com a sua fixação no útero materno (nidação)”.66 Por outro lado, há aqueles que entendem, como, Aníbal Bruno, Nélson Hungria, Damásio de Jesus, que o aborto se dá com a interrupção da gravidez, com ou sem a expulsão do produto da concepção, antes que esteja maduro, sendo este período aquele que vai desde a concepção (fecundação do ovo pelo espermatozóide) até o início do parto, e, por isso, para alguns, o aborto põe em risco, não somente a vida do feto, mas outros interesses que se encontram a ele ligados.67―68 Tema que se encontra, atualmente, em discussão é a questão do aborto eugênico de bebês com deformidades congênitas, mais especificamente no caso de fetos com anencefalia. Trata-se esta de uma “má-formação do tubo neural em que o feto não apresenta os hemisférios cerebrais, 66 Ibid, p. 97. RODRÍGUEZ DEVESA, José María. Derecho Penal español: parte especial, p. 77 apud PRADO, ibid, p. 94, nota 12 diz que: “o aborto lesiona ou põe em perigo diversos bens jurídicos. Em primeiro lugar está a vida do feto. Trata-se de uma vida humana na fase anterior a seu nascimento e a proteção outorga-se desde o momento mesmo da concepção. O aborto lesiona também o interesse do Estado em manter uma elevada quota de natalidade e põe, ademais, em perigo a vida ou a saúde da mãe. O ponto de vista determinante para sua inordinación sistemática deve ser a vida humana, por ser o de maior importância ética”. 68 “O aborto criminoso constitui um delito contra a vida, consistente na intencional interrupção da gestação, proibida legalmente, pouco importando o período da evolução fetal em que se efetiva (RJTJSP, 35:237). 67 58 uma condição popularmente conhecida como 'ausência de cérebro’”.69―70 Tal questão veio à discussão após ter sido impetrado junto ao Supremo Tribunal Federal pedido liminar que possibilitasse a realização de aborto em mulher grávida de feto anencéfalo, o que, de acordo com o voto do Min. Celso de Melo deveria ser permitido. Esta situação ainda está para ser analisada perante a Suprema Corte para que esta dê uma decisão final em relação a este tipo de aborto, devendo ser determinado por aquele tribunal se tal conduta continuará a ser crime ou não. Aqueles que são favoráveis a este tipo de aborto o defendem, alegando principalmente, que a manutenção de uma gravidez de um bebê que tem essa deformidade – e que por isto deverá morrer logo após o parto – é traumática para a mulher que a tem, ferindo a sua dignidade, já que esta não poderia gozar do privilégio de ser mãe, apesar de ter passado pela gravidez, não vendo – principalmente se comparado à questão da legalidade de aborto resultante de estupro – razão para não se descriminalizar essa conduta, 69 DINIZ, Débora. Gestação sem sentido. Jornal do Brasil em 29/07/2004, Disponível em: <http://brownzilians.het.brown.edu/noticias/news_item.2004– 07– 29.4415713734 > Acesso em: 13/10/2004, às 16:10 hs. 70 DI FRANCO, Carlos Alberto, Aborto e Democracia. O Estado de S. Paulo, 02/08/2004, p. A2, Disponível em: <http: www.oestadodesaopaulo.com.br>. Acesso em: 13/10/04, às 14:00 hs, ao discorrer sobre a anencefalia, apresenta os seguintes dados: “É uma malformação grave caracterizada por ausência dos ossos do crânio, exceto pelo osso frontal, e inexistência dos hemisférios cerebrais. O feto costuma ter uma sobrevida extra-uterina curta. A incidência é de 0,1 a 0,7 caso em cada mil nascidos, com predomínio do sexo feminino. Segundo dados do Ministério da Saúde, ocorrem no Brasil, em média, 616 mortes por ano. Atualmente, em países do norte da Europa é preconizado o uso do ácido fólico no primeiro trimestre da gestação para prevenir a anencefalia. O resultado, notável, indica uma redução de um terço na incidência da patologia. Alguns autores afirmam que o nãoaparecimento de defeitos no tubo neural chega a atingir 85%”. 59 porquanto naquele, em que o bebê é normal, é permitido e, neste, em que não é, proíbe-se a medida abortiva.71 Alegam, ainda, que por se tratar de uma criança sem cérebro ou partes dele, podem ser comparados àquelas pessoas com morte cerebral72, e, por isso, não se estaria falando em tirar sua vida, já que esta não existiria. Por outro lado, aqueles que entendem que o aborto não deve ser permitido em lei, o fazem com base, entre outras considerações, na garantia constitucional do direito à vida, elencando que ele não estabeleceria exceções e que mesmo os casos de aborto legal não teriam sido recepcionados pela lei maior.73 Ademais, Segundo Luiz Flávio Gomes: “Não existe razão séria (e razoável) que justifique a não autorização do aborto quando se sabe que o feto com anencefalia não dura mais que dez minutos depois de nascido. Aliás, metade deles já morre durante a gestação. A outra perece imediatamente após o parto. A morte, de qualquer modo, é inevitável. (...) Os que sustentam (ainda que com muita boa-fé) o respeito à vida do feto devem atentar para o seguinte: em jogo está a vida ou a qualidade de vida de todas as pessoas envolvidas com o feto mal formado. Se até em caso de estupro, em que o feto está bem formado, nosso Direito autoriza o aborto, nada justifica que idêntica regra não seja estendida para o aborto anencefálico. Lógico que a gestante, por suas convicções religiosas, pode não querer o aborto. Mas isso constitui uma decisão eminentemente pessoal (que deve ser respeitada). De qualquer maneira, não pode impedir o exercício do direito ao abortamento para aquelas que não querem padecer tanto sofrimento”. (GOMES, Luiz Flávio. Nem todo aborto é criminoso, Revista Jurídica Consulex eletrônica n° 191, Ponto Net, Categoria: Doutrina, Brasília: Editora Consulex, 2004). 72 CARVALHO, Gisele Mendes de. op. cit., p. 109 destaca na nota 22: “Em se tratando de recém-nascidos anencéfalos (criança nascida sem cérebro ou sem algumas de suas partes essenciais), se afigura ainda como impossível uma completa equiparação entre a ausência de cérebro e a morte encefálica, visto que é comum registrarem certa atividade bioelétrica comprovada por meio de EEG. Nessa trilha, os recém-nascidos anencéfalos não poderiam ser distinguidos de outras crianças portadoras de anomalias e enfermidades diversas, sendo-lhes aplicáveis as regras gerais de constatação da morte encefálica em seres humanos, ainda que evidente sua falibilidade nessa situação”. 73 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Como se faz um aborto. Disponível em: <http://jbonline.terra.com.br/papel/opiniao/2004/08/11/joropi20040811001.html>. Acesso em: 13/10/04, às 16:21, alega acerca da matéria: “Assisti a um programa de televisão em que uma obstetra, Dra. Marli Virgínia Lins e Nóbrega, ao falar do sofrimento do feto ou do bebê já formado, durante o abortamento, lembrou que, em alguns países, já se estuda a possibilidade de 71 60 questiona-se, doutrinariamente, se, em existindo legalmente a possibilidade do aborto eugênico, este não estaria apenas viabilizando outras formas de aborto, as quais também são consideradas ilegais. Em 19 de dezembro de 1992, na cidade de Londrina, fora permitido pelo juiz Dr. Miguel Kfouri Neto o abortamento de um bebê anencéfalo com 20 semanas de gestação; na mesma linha, em 4 de novembro de 1993, na cidade de São Paulo, o juiz Dr. Geraldo Pinheiro Franco autorizou o abortamento de um feto portador de acrania e anestesiá-los, antes da prática do ato, para que não sofram tanto, quando lhes for tirada a vida. No referido programa (Tribuna Independente, da Rede Vida), os pais de uma criança anencéfala – que não optaram pela antecipação da morte de seu filho, e sim por deixá-lo nascer e viver algumas horas – depuseram relatando que acompanharam o desenvolvimento da criança, por ultra-som, no ventre materno, e que seus gestos demonstravam, ao passar, nos primeiros meses de vida, as mãozinhas pela cabeça, que sentia a perda gradativa ou a má-formação de seu cérebro. (...) No caso dos anencéfalos, em que a autorização para a realização do aborto – segundo decisão do meu caríssimo amigo e brilhante jurista ministro Marco Aurélio de Mello – pode ser dada até o último dia da gravidez, está-se perante a seguinte absurda situação: matar a criança no ventre materno, em momento anterior ao parto, é permitido, não sendo tal ato de eliminação da vida considerado crime; já matar o anencéfalo um minuto depois do nascimento, é proibido e o ato é considerado criminoso. José Renato Nalini, presidente do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, no programa Caminhos do Direito e da Economia, promovido pela Academia Internacional de Direito e Economia (da qual o eminente ministro Marco Aurélio de Mello é um dos mais destacados acadêmicos), mostrou que, nos casos de aborto legal – para ele e para mim a lei penal não foi recepcionada pela Constituição de 1988, que garantiu o direito à vida sem exceções –, a interrupção da gravidez, teoricamente, pode ser realizada a qualquer momento, durante os nove meses de gestação, dependendo, exclusivamente, da decisão da mãe. O que vale dizer, a mãe está, inclusive, autorizada a realizar uma cesariana e a jogar o indesejado bebê no lixo, para ali morrer abandonado, tal como ocorre nos abortários americanos. Um último aspecto é de se realçar. A anencefalia pode ser parcial ou total, de tal maneira que, mesmo com os mais modernos equipamentos, não é possível garantir 100% de precisão diagnóstica, o que, de resto, acontece em todos os exames que dependem da habilidade do profissional que os realiza e elabora o laudo médico. Segundo o depoimento de uma aluna minha, em seu caso foi diagnosticada a anencefalia, e esse diagnóstico, felizmente, estava errado”. 61 enfalocele. Outros tantos foram os pedidos de interrupção da gravidez de fetos com este tipo de má-formação que foram autorizados (estima-se em cerca de três mil) pelo país alegando os juízes que possibilitaram o aborto que não havia violação da vida porque estes fetos, cientificamente, não teriam vida. Esta situação, segundo a professora Maria Helena Diniz, poderia abrir precedentes para haver outros pronunciamentos judiciais que permitam a prática do aborto por outros motivos que possam vir a se enquadrar em uma interrupção seletiva da gestação, ou até mesmo a liberação de outras práticas ainda mais absurdas do que esta. Em síntese, assevera: Se uma deficiência física ou psíquica fosse motivo para eliminar fetos, o que se deveria fazer com os que nasceram perfeitos e, por uma ironia do destino, contraíram enfermidades ou sofreram acidentes que os tornaram defeituosos? Matá-los? O aborto eugenésico é um retrocesso, pois não passa de uma eutanásia de seres humanos na fase intrauterina, que em nada se diferencia, como diz Paulo Eduardo Razuk, da matança de recém-nascidos imperfeitos praticada na era pagã em Esparta. Em Atenas, no ano de 466 a. C., promulgou-se a lei de exposição, pela qual se colocavam crianças deformadas numa mesa em praça pública até que alguém as adotasse. Se na Antigüidade grega procurou-se evitar que continuassem sendo mortas, não seria um contra-senso, ou um retrocesso, admitir o aborto eugênico em pleno século XXI? Não se pode 62 aceitá-lo em nome do humanitarismo porque estarse-ia com a eliminação de fetos deficientes acatando os princípios da eutanásia e da política da pureza racial. Admitir o aborto eugênico para eliminar fetos defeituosos e obter uma sociedade formada por pessoas fisicamente perfeitas conduziria a um holocausto, como o pretendido pelos nazifacistas. Se alguns países admitem isso, por que, então, o mundo tanto se orgulha da vitória sobre o nazismo, que não só preconizou como pôs em prática tais medidas seletivas? O aborto eugenésico é uma barbárie e um sintoma de desumanização, aliás, uma escalada para a instalação de câmaras de extermínio de recémnascidos defeituosos, para a eutanásia de deficientes físicos e mentais e para a eliminação de velhos não produtivos. Que tipo de motivos ‘caridosos’ os filhos não poderiam alegar para justificar a ‘boa ação’ de eliminar seus pais idosos e doentes? Urge amparar, proteger e respeitar a vida intra ou extra-uterina. Poder-se-ia, ainda, indagar: o aborto eugênico estaria motivado por um estado de necessidade, que o enquadraria como excludente de antijuridicidade? Parece-nos que não. Sacrificar embrião defeituoso para evitar que nele se gere um bem valioso como a vida humana, apesar de estar destinado irremediavelmente a morrer, não é conduta 63 legalmente amparada como causa de justificação do estado de necessidade.74 Feitas estas considerações, destaca-se que, após o estudo realizado nos textos apresentados e, em outros, vê-se a necessidade de dar prioridade à vida, não realizando o aborto do bebê anencéfalo. Pelos relatos, percebe-se que, apesar do sofrimento de se saber que o filho gerado padece de uma anomalia fatal, ainda assim, isso não legitimaria provocar a sua morte prematura. Ademais, pôde-se ver que, aqueles que optaram por manter a gravidez tiveram, de acordo com os dados analisados, menos danos psicológicos do que aqueles que optaram pelo aborto do bebê com anencefalia, eis que puderam “trabalhar” o luto e assim 74 DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 51/52. Continuando, nas págs. 53/54 faz os seguintes questionamentos acerca da matéria: “Como, então, estabelecer limites gestacionais a esse aborto seletivo? Seria possível efetuar um rol seguro, cientificamente, das patologias incuráveis que justificam a interrupção da gravidez? Se muitas moléstias consideradas incuráveis no momento do diagnóstico poderão ter cura dentro de alguns anos, como admitir o aborto seletivo? Em que medida o conhecimento médico poderia oferecer suporte científico para o aborto seletivo sem margem de erro no exame fetal? Seria a anencefalia razão suficiente para pôr fim ao feto e legitimar o aborto seletivo pelo simples fato de a vida estar fadada ao fracasso porque a criança não terá capacidade, se nascer, de dar continuidade à pouca vida que lhe resta? O aborto seletivo não seria, na verdade, uma forma de violência contra um ser indefeso, diante do fato de que a natureza apenas deixará sobreviver aquele que tiver condições autônomas de sobrevivência? Para que matar o anencéfalo na vida intra-uterina se poderá haver aborto espontâneo ou morte natural se nascer com vida? Para que, então, o aborto, que poderá trazer graves conseqüências à mãe? Não seria preferível um parto seguido de morte do anencéfalo a submeter a mãe a um aborto seletivo, que poderia provocar-lhe alguma seqüela? Seria possível ainda alegar que o prosseguimento da gravidez de feto anencéfalo poderia causar dano à higidez psíquica da gestante, situação que tornaria o aborto necessário? Parece-nos que não, uma vez que a vida da mãe não está em jogo, assim sendo, seria legítimo sacrificar alguém com o escopo de beneficiar outrem? Para que interromper a gravidez de anencéfalo ou de qualquer feto portador de moléstia grave e incurável? Ninguém é tão desprezível, inútil ou insignificante que mereça ter sua morte decretada, por meio de interrupção da gestação, uma vez que a natureza é sábia e se encarregará de seu destino se não tiver condições de vida autônoma extra-uterina”. 64 aceitar o ocorrido. Em vários estudos, demonstrou-se ser o aborto, como medida cirúrgica, causador de maiores danos ao físico da mulher do que a manutenção da gravidez do anencéfalo, a qual estudiosos da área afirmam não causar dano algum. Entende-se que deva ser grande o sofrimento daqueles que passam por esta situação, mas não se vê como o abortamento poderia simplificá-lo ou diminuí-lo; contudo, por outro lado, acredita-se que com o apoio especializado e a vivência do luto.75 Ressalta-se, aqui, que se chegou a esta conclusão após a análise de diversos documentos tanto contrários quanto a favor do abortamento nos casos de anencefalia, entendendose que tanto os argumentos contrários como os favoráveis têm razão em alguns pontos, os quais devem ser levados em conta ao se posicionar acerca do assunto, sendo os contrários ao abortamento os mais convincentes. Ressaltase, ainda, a questão que tem sido levantada pelos estudiosos de que a possibilidade em lei de se realizar tal aborto seria apenas a “porta de entrada” para a liberação de outros tipos de aborto, visto que grande parte daqueles que o defendem entendem que a mulher tem direito ao seu corpo, podendo escolher se deseja ou não manter a gravidez. Encerra-se a questão do aborto dentro da proteção ao bem jurídico vida pelo direito penal com a seguinte assertiva: É de enfatizar, todavia, que o reconhecimento do direito à vida como bem jurídico digno de tutela 75 A vivência do luto, segundo encontra-se comprovado na psicologia, é necessária para assimilar a morte, já que nele é que se “trabalha” na psiquê o início, o meio e o fim. Haveria, assim, maiores possibilidades do total restabelecimento dos envolvidos na situação. (Nota do autor) 65 penal independe de valorações sociais, uma vez que essa proteção deve existir sempre que presentes aqueles pressupostos bio-psicológicos, sem quaisquer considerações a respeito da perfeição física ou da viabilidade do ser humano, o que não supõe que as condições valorativas devam ser desprezadas (...).76 Ao direito penal cabe proteger o bem jurídico vida independentemente da sua viabilidade ou não, mas, simplesmente, pela sua condição de existência que, por si só, valora esse bem como valor a ser protegido a todo ser humano. 2.4.3 − Lesões Corporais Nos delitos de lesões corporais, o que se protege, em primeiro lugar, é a incolumidade da pessoa humana, ou seja, sua integridade física é psíquica. Não há, aqui, uma proteção direta ao bem jurídico vida, mas sim, uma proteção indireta, posto que a conduta punível é causar lesões em outrem buscando-se, assim, evitar que se ponha em risco a saúde ou mesmo a vida do ofendido. Isto fica mais claro na hipótese que se refere sobre a gravidade da lesão que põe em risco à vida. Contudo, assevera a doutrina que o perigo de vida não se presume, mas sim, deverá ser real, efetivo e atual, sem importar o local ou a extensão da lesão; contudo, ”é indispensável a ocorrência de processo patológico que sinalize perigo concreto de superveniência da morte do 76 CARVALHO, Gisele Mendes de. op. cit., p. 101. 66 ofendido, não sendo suficiente para tanto a mera ‘idoneidade genérica’ da lesão”77. 78 77 PRADO, Luiz Régis. op. cit., p. 131. Lesão corporal Art. 129 – Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Lesão corporal de natureza grave § 1º – Se resulta: I – incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias; II – perigo de vida; III – debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV – aceleração de parto: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos. § 2º – Se resulta: I – incapacidade permanente para o trabalho; II – enfermidade incurável; III – perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV – deformidade permanente; V – aborto: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos. Lesão corporal seguida de morte § 3º – Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. Diminuição de pena § 4º – Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Substituição da pena § 5º – O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa: I – se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior; II – se as lesões são recíprocas. Lesão corporal culposa § 6º – Se a lesão é culposa: Pena – detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano. Aumento de pena § 7º – Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 121, § 4º. (Redação dada pela Lei nº 8.069, de 13.7.1990) § 8º – Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977 e alterado pela Lei nº 8.069, de 13.7.1990) 78 67 2.4.4 − Periclitação da vida e da saúde Neste, o bem jurídico protegido é a saúde física da pessoa humana, sendo imprescindível para a configuração do delito descrito no artigo, que o agente causador do perigo esteja ciente de que poderá contaminar outrem. Também se vê, aqui, uma proteção indireta do bem jurídico vida, dado que o contágio de doença venérea prejudica a saúde e, em certos casos, pode mesmo levar a vítima à morte. 79 79 Perigo de contágio venéreo Art. 130 – Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. § 1º – Se é intenção do agente transmitir a moléstia: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. § 2º – Somente se procede mediante representação. Perigo de contágio de moléstia grave Art. 131 – Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Perigo para a vida ou saúde de outrem Art. 132 – Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui crime mais grave. Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998) Abandono de incapaz Art. 133 – Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos. § 1º – Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos. § 2º – Se resulta a morte: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. Aumento de pena 68 No artigo 131 do Código Penal, o bem jurídico protegido é a incolumidade física da pessoa humana, cuja saúde o artigo busca proteger de modo a não ser prejudicada em face de contaminação por moléstia grave por meio de outra pessoa que sabia que a tinha e com seu ato, teve a vontade de disseminá-la. Na época em que se começou a § 3º – As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço: I – se o abandono ocorre em lugar ermo; II – se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima. (Vide Lei nº 10.741, de 2003) Exposição ou abandono de recém-nascido Art. 134 – Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. § 1º – Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. § 2º – Se resulta a morte: Pena – detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Omissão de socorro Art. 135 – Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. Parágrafo único – A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte. Maus-tratos Art. 136 – Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena – detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa. § 1º – Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. § 2º – Se resulta a morte: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. § 3º – Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 8.069, de 13.7.1990). 69 falar sobre a AIDS (a qual, inicialmente foi chamada de “câncer gay”, tendo em vista que as pessoas que mais a apresentavam eram os homossexuais), não se sabia, ao certo, como se adquiria ou que se estava contaminado; então, várias pessoas acabaram sendo contaminadas por esse vírus por falta de conhecimento. Nos dias atuais, muito já se sabe acerca dessa doença, modo de evitá-la e até formas de não passá-la, grupos de alto risco etc. Se uma pessoa, por exemplo, sabendo que é portador dessa doença fatal, toma atitudes voluntárias buscando contaminar outras, incorre no crime acima disposto, uma vez que a intenção de transmitir a moléstia configura dolo específico do delito acima disposto. Tais doenças, muitas vezes, podem levar à morte da pessoa contaminada, vendo-se, assim, uma proteção indireta da vida humana no disposto. No tipo legal do art. 132 do CP, o bem jurídico tutelado é a vida e a saúde da pessoa humana, expostas a perigo direto e iminente, sendo, então, o direito à vida, aqui, também protegido. Este crime necessita, para sua configuração, de que o perigo seja em relação à pessoa ou pessoas determinadas, perfeitamente individualizadas (direto), e, ainda, que esteja prestes a acontecer (iminente). É considerado crime subsidiário, o qual fica subsumido a crime mais grave, já que se a vítima vier a morrer em decorrência da ação, passar-se-á a ter a conduta descrita no crime de homicídio culposo; se ocorrer lesão culposa, o delito será o do art. 132, visto que a pena deste é mais grave do que aquela disposta no crime de lesão culposa.80 Um exemplo desse crime é o caso da usuária de drogas que, conscientemente, permite que seus filhos fiquem expostos à 80 PRADO, Luiz Régis. BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit. , p. 132. 70 inalação de produto entorpecente81 ou, do médico, o qual permite a transfusão de sangue, sem que antes se realize o exame sorológico, sabendo das conseqüências que isso pode acarretar ao paciente.82 Entende a doutrina acerca da matéria, que, neste, também se tutela a vida e a saúde da pessoa humana, mais especificamente daqueles que não têm como defender-se do perigo de se encontrarem em abandono, oriundo este da violação do dever de guarda, assistência e proteção, podendo esse dever resultar tanto de lei quanto de contrato ou, ainda, da própria situação fática que deverá ser anterior à conduta delitiva. No artigo em questão, considera-se como possível sujeito passivo todo aquele que estiver sob a guarda ou assistência do agente, podendo ser deficiente, ébrio, enfermo ou infante, dispondo a doutrina que “a aferição da incapacidade da vítima para defender-se é questão a ser apreciada pelo juiz em cada caso concreto”.83 Sobre o disposto, aduz Luiz Régis Prado: A conduta típica consiste em abandonar o incapaz, expondo a perigo concreto sua vida ou saúde. Abandonar significa desamparar, deixar sem assistência a vítima, inapta a defender-se dos riscos resultantes da conduta do agente. Exige-se, em geral, o afastamento físico do incapaz, com quem o agente está ligado por vínculo especial de assistência. PRADO, Luiz Régis. op. cit., p. 160, cita o julgamento do TACRIM– SP – AC 1.083.267/1 – j. 27.01.1998 – Rel. Oldemar Azevedo – RT 753/625. 82 Ibid, p. 160, cita o julgamento do TACRIM– SP – AC – Rel. Penteado Navarro – RJD 13/108. 83 Ibid, p. 165. 81 71 O abandono importa deixar a pessoa desamparada ou sob o poder de quem não possa dispensar-lhe a assistência adequada, de modo a dar lugar a uma situação de perigo para sua incolumidade. A duração do abandono é indiferente. Pode ser temporário ou definitivo, desde que perdure por lapso temporal hábil a permitir o delineamento de uma situação de perigo para o bem jurídico protegido. 84 Neste, o bem jurídico tutelado é a vida e a saúde do recém nascido, sendo o sujeito ativo a mãe ou o pai que concebe filho fora do matrimônio para ocultar sua desonra, devendo, para se ter a configuração do crime em questão, sigilo quanto ao nascimento do filho ilegítimo, porque se este for de conhecimento público e ocorrer o abandono, configurar-se-á o crime previsto no art. 133, § 3.°, II do Código Penal que dispõe sobre o abandono de incapaz. Entende-se, ainda, como “indispensável para a caracterização do delito em tela, a existência – ainda que momentânea – de perigo concreto”85, o qual deverá “ser efetivamente demonstrado, não bastando a mera presunção da ocorrência do risco”86, não havendo a configuração do crime se o agente, após o abandono e por meio de medidas acautelatórias, tentar evitar que haja lesão à incolumidade do recém-nascido. Também no artigo sobre a omissão de socorro há a tutela da vida e da saúde da pessoa humana, sendo esse bem jurídico considerado indisponível, ou seja, ainda que a 84 Ibid, p. 165. Ibid, p. 176. 86 Ibid, p. 176. 85 72 vítima recuse ou dispense o auxílio, esse deverá ser buscado pelo agente junto à autoridade competente, sob pena de se configurar o delito descrito, a menos que a oposição realizada pelo sujeito passivo represente óbice intransponível ao auxílio. Cabe, ainda, salientar “que o dever de prestar assistência ou de solicitar o socorro da autoridade pública limita-se à preservação da vida ou da saúde alheias, não abarcando outros bens jurídicos eventualmente em perigo (v.g. patrimônio, honra etc.)”.87 Destaca-se, também, o fato de que “a situação de perigo não pode ter sido provocada – dolosa ou culposamente – pelo próprio sujeito ativo. Com efeito, se este deu lugar ao perigo, responderá por lesão corporal ou homicídio, restando a eventual omissão de socorro absorvida pelo delito mais grave”.88 Tutela-se, no art. 136, a vida e a incolumidade pessoal que se encontram “expostas a perigo pela privação de alimentação ou dos cuidados indispensáveis, pelo trabalho excessivo ou inadequado, ou pelo abuso dos meios correcionais ou disciplinares”.89 Para a configuração desse crime, “exige-se expressamente uma específica relação jurídica entre os sujeitos ativo e passivo, que se encontra sob sua guarda, vigilância ou imediata autoridade daquele (v.g. pais, tutores, curadores, professores, diretores de estabelecimento de ensino, enfermeiros, carcereiros etc.)”90, sob pena de, inexistindo essa relação, se configurar o crime disposto no art. 132 do CP que trata do perigo para a vida ou saúde de outrem. 87 Ibid, p. 183. Ibid, p. 184. 89 Ibid, p. 196. 90 Ibid, p. 196. 88 73 2.4.5 − Rixa91 Também no artigo que trata do crime de rixa há a tutela da vida e da saúde da pessoa humana, já que este, pela legislação, caracteriza-se como “crime de perigo para a incolumidade pessoal”92, buscando-se com a sua tipificação em capítulo próprio “a proteção da vida e da integridade corporal do ser humano, expostas a perigo pelo tumulto e confusão em que se digladiam três ou mais pessoas”.93 Por outro lado, busca-se, ainda, nesta tutela preservar a paz e a tranqüilidade públicas que se findam com a perturbação que se dá em razão da rixa, mas apenas de modo secundário, sem desviar-se, portanto, do bem jurídico verdadeiramente tutelado já especificado. 2.4.6 − Crimes contra a incolumidade pública Como asseverado no próprio título dessa parte, o bem jurídico tutelado é a incolumidade pública, sendo esta definida como “a segurança de todos os membros da 91 Rixa Art. 137 – Participar de rixa, salvo para separar os contendores: Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 2 (dois) meses, ou multa. Parágrafo único – Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo fato da participação na rixa, a pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. 92 Ibid, p. 207. 93 Ibid, p. 207. 74 sociedade, que têm sua vida, integridade pessoal e patrimonial sujeitas a acentuada probabilidade de lesão”94. 95 94 PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 3: parte especial, arts. 184 a 288. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 437. 95 Incêndio Art. 250 – Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. Aumento de pena § 1º – As penas aumentam-se de um terço: II – se o incêndio é: a) em casa habitada ou destinada a habitação; b) em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social ou de cultura; c) em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo; d) em estação ferroviária ou aeródromo; e) em estaleiro, fábrica ou oficina; f) em depósito de explosivo, combustível ou inflamável; g) em poço petrolífico ou galeria de mineração; h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta. Incêndio culposo § 2º – Se culposo o incêndio, é pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Explosão Art. 251 – Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. § 1º – Se a substância utilizada não é dinamite ou explosivo de efeitos análogos: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Aumento de pena § 2º – As penas aumentam-se de um terço, se ocorre qualquer das hipóteses previstas no § 1º, I, do artigo anterior, ou é visada ou atingida qualquer das coisas enumeradas no nº II do mesmo parágrafo. Modalidade culposa § 3º – No caso de culpa, se a explosão é de dinamite ou substância de efeitos análogos, a pena é de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos; nos demais casos, é de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Uso de gás tóxico ou asfixiante Art. 252 – Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, usando de gás tóxico ou asfixiante: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Modalidade Culposa Parágrafo único – Se o crime é culposo: 75 Há aqui, então, uma forma indireta de proteção da vida, já que se proibindo a ação do agente que se configure na conduta típica que é descrita nos artigos acima citados, como, por exemplo, a proibição de causar incêndio, tutela-se a vida daqueles que poderiam tê-la violada por meio daquela ação. Só que não se trata, neste, de situação direcionada a pessoa certa e determinada, mas sim a pessoas indeterminadas que podem ser lesionadas pela conduta do agente. Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Inundação Art. 254 – Causar inundação, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa, no caso de dolo, ou detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, no caso de culpa. Perigo de inundação Art. 255 – Remover, destruir ou inutilizar, em prédio próprio ou alheio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, obstáculo natural ou obra destinada a impedir inundação: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Desabamento ou desmoronamento Art. 256 – Causar desabamento ou desmoronamento, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Modalidade culposa Parágrafo único – Se o crime é culposo: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano. Subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento Art. 257 – Subtrair, ocultar ou inutilizar, por ocasião de incêndio, inundação, naufrágio, ou outro desastre ou calamidade, aparelho, material ou qualquer meio destinado a serviço de combate ao perigo, de socorro ou salvamento; ou impedir ou dificultar serviço de tal natureza: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Formas qualificadas de crime de perigo comum Art. 258 – Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço. 76 Posto isto, viu-se que em vários artigos do Código Penal, e não somente naqueles que diretamente tratam da tutela da vida (capítulo que trata “Dos crimes contra a vida”), a vida da pessoa humana é erigida a bem da maior proteção, de acordo com a sistemática imposta pelo art. 5°. da CF/88 que trata da inviolabilidade do direito à vida como bem supremo e primordial do ser humano. 3 – Do direito consagrado pela norma constitucional brasileira a viver com qualidade e seus desdobramentos A Constituição Federal, no seu art. 5°, determinou a inviolabilidade do direito à vida, dando a esta a segurança plena de que ninguém poderá ser violado nesse direito fundamental. Sedimentou, ainda, mais especificamente, no art. 225, o qual está inserido no capítulo que trata do meio ambiente, o direito à qualidade de vida, como se pode ver, a seguir: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1°. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: 77 (...) II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; (...) V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida e qualidade de vida e o meio ambiente; (...). Erigiu o legislador variantes de direitos fundamentais, das quais interessam à matéria em estudo as já elencadas, cuja descrição se entende ser necessária para melhor se definirem os parâmetros a serem seguidos pelo legislador infra-constitucional, no momento de criar as leis que ponham em prática o mandamento constitucional. Cabe, então, analisar o que se entende por qualidade de vida. A palavra qualidade, originária do latim qualitate, pode ter diversos significados, dos quais, vão-se buscar aqueles que mais tenham sentido em relação ao estudo desenvolvido. No Dicionário Novo Aurélio da língua portuguesa, por qualidade entende-se: 1. Propriedade, atributo ou condição das coisas ou das pessoas capaz de distingui-las das outras e de lhes determinar a natureza. 2. Numa escala de valores, qualidade (1) que permite avaliar e, conseqüentemente, aprovar, aceitar ou recusar, qualquer coisa: A qualidade de um vinho não se 78 mede apenas pelo rótulo; Não há relação entre o preço e a qualidade do produto. (...). 96 Vê-se dos significados destacados que a qualidade pode tanto ser atribuída a seres humanos como a coisas, apenas a primeira importando para a análise da questão em tela. Pode ser parâmetro, ainda, para avaliação de algo. Cabe, então, determinar, também, o que vem a ser valor. Do latim valore, por valor, entende-se a qualidade pela qual determinada coisa ou pessoa é estimável e a importância que lhe é dada, de antemão.97 Mas, esse seria um significado, dentre tantos outros, mais etimológico, tendo em vista que o que se busca para o presente estudo é algo mais relacionado a uma teoria acerca dos valores que tenha no ser humano o seu ponto central. Deste ponto de vista, pode-se dizer que não existem valores, em si, como entes ideais ou reais, existindo, contudo, bens que somente possuem valor, potencialmente, quando se encontram relacionados ao ser humano, com os seus interesses ou necessidades, posto que somente a este é possível reconhecer a aptidão de atribuir valor. Portanto, vê-se que somente deste modo aquilo que apenas valia, potencialmente, passa a adquirir um valor efetivo, graças à sua relação com o homem.98 E essa valoração, a qual só é possível ao ser humano, é necessária, quando se determina o que vem a ser qualidade, principalmente, em relação à idéia que se tem como central, no texto, que é aquela relacionada 96 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio. O Dicionário da Língua Portuguesa. Século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1.675. 97 Ibid, p. 2.044. 98 COHEN, Claúdio. SEGRE, Marcos. Breve Discurso sobre Valores, Moral, Eticidade e Ética. In: SIMPÓSIO ABORTO, 1994, Bioética – Revista publicada pelo Conselho Federal de Medicina, Brasília, v. 2, n. 1, p. 19-24, 1994, p. 21. 79 à qualidade de vida daquele (ser humano) na sua condição humana e social. Ligado o conceito de qualidade ao conceito de vida – entendendo-se esta a partir da conceituação apresentada por José Afonso da Silva, no início do trabalho, como um processo vital dinâmico, iniciado com a concepção e que se transforma, incessantemente, e se desenvolve a todo momento, até que mude de qualidade, deixando de ser vida para ser morte – entende-se a qualidade de vida, em um processo interpretativo, como um atributo de todos os seres humanos, capaz de distingui-los dos outros seres e de lhes determinar a natureza. Este processo se inicia com a concepção e perpassa por todo o seu desenvolvimento, e que faz com que o próprio ser humano, durante o seu processo vital, avalie a forma como passa e passará por este processo. É claro que nos primeiros momentos de vida e até, praticamente, a fase adulta, esse processo valorativo não é realizado pelo homem, conscientemente, haja vista que, para isso, necessário se faz que se tenha um mínimo de conhecimento para essa avaliação; mas, isso não diminui o valor que o ser humano carrega em si pela sua própria condição natural humana99, porquanto, se assim não fosse, 99 Acerca da proteção que se deve dar ao ser humano pela sua valoração como ser, Judith Martins-Costa, assevera: “(...) se, ao invés da relação entre a pessoa e os bens em primeiro plano (sic) estiver a pessoa humana valorada por si só, pelo exclusivo fato de ser ‘humana’ – isto é, a pessoa em sua irredutível subjetividade e dignidade, dotada de personalidade singular – , passa o Direito a construir princípios e regras que visam tutelar essa dimensão existencial, não-patrimonial, mas ligada fundamentalmente à proteção da pessoa e da personalidade humana e daquilo que é o seu atributo específico, a qualidade de ‘ser humano’”. (MARTINS-COSTA, Judith. A universidade e a construção do Biodireito. In: SIMPÓSIO A UNIVERSIDADE E A CONSTRUÇAO DO BIODIREITO, 2000, Bioética – Revista publicada pelo Conselho Federal de Medicina, Brasília, v. 8, n. 2, p. 229246, 2000, p. 234-235). 80 poder-se-ia dizer que todo ser humano que não tem consciência de si mesmo, que é o que ocorre com as crianças pequenas e os deficientes mentais, não teria direito a ter qualidade de vida ou à própria vida, em si mesma. Superada a análise do termo qualidade de vida, entende-se necessário vê-la a partir da conotação social que, hoje, ela implica, uma vez que, nos dias atuais, dela muito se tem falado como “grande aspiração da humanidade”.100 Nesse sentido, pode-se dizer que a aspiração de se ter qualidade de vida se relaciona, em muito, com o princípio da dignidade da pessoa humana elencado no inc. III, art. 1° da Constituição Federal de 1988, o qual é norteador desta e de todas as constituições que sejam textos basilares da formação de um Estado Democrático de Direito. Como bem ensina Flávia Piovesan, ao dizer que a Constituição de 1988, já no seu preâmbulo, “projeta a construção de um Estado Democrático de Direito, ‘destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (...)’”,101 o que, na sua visão, estaria consagrado no texto constitucional pátrio, mais especificamente nos arts. 1° e 3°, que tratam, respectivamente, dos elementos essenciais e objetivos da formação do Estado Democrático de Direito, destacando, entre todos os fundamentos albergados no art. 1°, o direito à cidadania e o princípio da dignidade da pessoa humana, os quais seriam os alicerces de formação deste Estado. Acerca 100 LINHARES, Paulo Afonso. Direitos fundamentais e qualidade de vida. São Paulo: Iglu, 2002, p. 17. 101 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 5ª. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 54, citando, em destaque, o texto do preâmbulo da Constituição de 1988. 81 destes, expõe que há, assim, “o encontro do princípio do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais, fazendo-se claro que os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático, tendo em vista que exercem uma função 102 democratizadora”. E continua, citando Jorge Miranda, quando diz que “a Constituição confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais”103, o que, segundo este autor, “repousa na dignidade da pessoa humana, ou seja, na concepção que faz a pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado”104, e, em sendo essa pessoa assim reconhecida, cabe ao Estado, então, de acordo com os objetivos propostos no art. 3° da Carta Magna, propiciar condições para a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária”105, garantindo o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, e, ainda, a promoção do bem de todos, independentemente da origem, raça, sexo, cor, idade. A qualidade de vida, nesse sentido, e como atributo intrinsecamente humano, se afirma pela garantia de que todas as necessidades do ser humano possam ser satisfeitas, a fim de que este possa viver, plenamente. E estas, em um Estado Democrático de Direito, como é o caso do Brasil, devem ser acolhidas no texto constitucional e efetivadas pelo governo por meio da implantação, real, de todos os direitos e garantias elencados no texto constitucional. 102 Ibid, p. 54. Ibid, p. 54. 104 Ibid, p. 54. 105 Ibid, p. 55, onde transcreve o inciso I do art. 3° do texto constitucional. 103 82 Contudo, cabe ressaltar, inicialmente, que os direitos fundamentais, apesar de serem, muitas vezes, apresentados como sinônimos de direitos humanos106, com estes não se confundem, posto que os primeiros, são aqueles direitos positivados na esfera do direito constitucional de cada Estado, enquanto, os segundos, são aqueles direitos resguardados por documentos de ordem internacional, os quais são conferidos a todos os seres humanos, tendo um caráter mais abrangente do que os primeiros, embora, também, mais impreciso. Porém, mesmo tendo essa distinção entre os dois direitos, eles ostentam relação muito próxima, tendo, mais recentemente, sido chamados de “direitos humanos fundamentais”, nomenclatura adotada no Brasil por Manoel Gonçalves Ferreira Filho107. Para este autor, os direitos fundamentais – os quais eram, inicialmente, conhecidos como “direitos do homem”, e já estavam consolidados no século XVII, tendo grande expansão, no século seguinte, ao se tornar “elemento básico da reformulação das instituições políticas”108 – não são conhecidos mais como direitos do homem, em razão, principalmente, do movimento feminista, com a conseqüente conquista de direitos pelas mulheres, as quais consideravam o nome anteriormente citado, de cunho “machista”. Em face desta situação, convencionou-se como politicamente correto chamar esses direitos de “direitos Ou, ainda, segundo Ingo Wolfgang Sarlet, como sinônimos de “direitos do homem”, “direitos subjetivos públicos”, “liberdades públicas”, “direitos individuais”, “liberdades fundamentais” ou de “direitos humanos fundamentais”. (SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 29). 107 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 6ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2004. p. 13. 108 Ibid, p. 14. 106 83 humanos” ou “direitos humanos fundamentais”, dos quais “direitos fundamentais são uma abreviação”.109 Explicita, ainda, o autor, que o fundamento desses direitos, para os adeptos do direito natural, é a natureza humana. Para aqueles que rejeitam essa doutrina como fundamento dos direitos humanos, estes estariam, por um lado, baseados “numa experiência comum às sociedades contemporâneas”, o que, Manoel Gonçalves Ferreira Filho considera insustentável, posto que, nem todas essas sociedades crêem nesses direitos e, ainda, sua prática, “é antes a negação que a afirmação desses direitos”.110 De outro lado, acreditam alguns que esses direitos “constituem um ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações”.111 Continuando seus ensinamentos, ele cita alguns autores que, segundo ele, dão fundamento à nomenclatura adotada em sua obra como “direitos humanos fundamentais”, a qual, embora apresentada de forma que possa parecer que nega qualquer diferenciação entre direitos fundamentais e direitos humanos, não tem essa função. O primeiro autor apresentado é Maurice Cranston, segundo o qual um direito humano por definição é um direito moral universal, algo que todos os homens em toda parte, em todos os tempos, devem ter, algo do qual ninguém pode ser privado sem uma grave ofensa à justiça, 109 Ibid, p. 14. Ibid, p. 31. 111 Ibid, p. 31. 110 84 algo que é devido a todo ser humano simplesmente porque é um ser humano.112 O segundo é F. G. Jacobs, o qual salienta três critérios relevantes para se reconhecerem os direitos humanos fundamentais: 1) o direito deve ser fundamental; 2) o direito deve ser universal, nos dois sentidos de que é universal ou muito generalizadamente reconhecido e que é garantido a todos; e 3) o direito deve ser suscetível de uma formulação suficientemente precisa para dar lugar a obrigações da parte do Estado e não apenas para estabelecer um padrão.113 E, por último, traz a opinião de Philip Alston, o qual apresenta alguns critérios para a inserção de direitos entre os direitos humanos no plano internacional e na ONU: – refletir um fundamentalmente importante valor social; – ser relevante, inevitavelmente em grau variável num mundo de diferentes sistemas de valor; – ser elegível para reconhecimento com base numa interpretação das obrigações estipuladas na Carta das Nações Unidas, numa reflexão a propósito de 112 113 Ibid, p. 68. Ibid, p. 68. 85 normas jurídicas costumeiras, ou nos princípios gerais de direito; – ser consistente com o sistema existente de direito internacional relativo aos direitos humanos, e não meramente repetitivo; – ser capaz de alcançar um muito alto nível de consenso internacional; – ser compatível, ou ao menos não claramente incompatível com a prática comum dos Estados; e – ser suficientemente preciso para dar lugar a direitos e obrigações identificáveis”.114 Ingo Sarlet, acerca da diferenciação da nomenclatura dos direitos fundamentais e dos direitos humanos, indo mais além, diz que os direitos humanos também não podem ser equiparados aos direitos naturais, uma vez que a positivação daqueles direitos em normas de direito internacional, já revelou “a dimensão histórica e relativa dos direitos humanos, que assim se desprenderam – ao menos em parte (mesmo para os defensores de um jusnaturalismo) – da idéia de um direito natural”.115 Completa, ainda esse autor seus ensinamentos ao dizer: 114 Ibid, p. 69. SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 32. Este autor, neste trecho, diz que essas idéias são, inicialmente, apresentadas por Norberto Bobbio, na obra “A Era dos Direitos”. 115 86 Todavia, não devemos esquecer que, na sua vertente histórica, os direitos humanos (internacionais) e fundamentais (constitucionais) radicam no reconhecimento, pelo direito positivo, de uma série de direitos naturais do homem, que, neste sentido, assumem uma dimensão pré-estatal e, para alguns, até mesmo supra-estatal. Cuida-se, sem dúvida, igualmente de direitos humanos – considerados como tais aqueles outorgados a todos os homens pela sua mera condição humana – mas de direitos nãopositivados.116 Robert Alexy117 entende como necessário para a efetivação dos direitos humanos, para o seu desenvolvimento em pleno vigor, que estes direitos sejam garantidos por meio de normas de direito positivo, o que pode ser demonstrado ao se incorporarem, como direito obrigatório, essas normas no catálogo de direitos fundamentais de uma Constituição; mesmo tratando-se de direitos que se distinguem, muitas vezes aqueles acabam por incorporar estes e, assim, são por meio destes positivados na esfera de cada Estado, tendo em vista que ambos os direitos têm entre si uma íntima relação e, por isso mesmo, podem ser incorporados pelos segundos para uma melhor efetivação. E isto é assim porque os Estados têm melhores condições, em razão de terem as instâncias necessárias, para dar efetividade a esses direitos, e, por isso mesmo, muitos direitos humanos integram o rol de direitos fundamentais 116 Ibid, p. 32. ALEXY, Robert. Teoria del discurso y derechos humanos. Traducción e introducción de Luis Villar Borda, Colombia: Universidad Externado de Colombia, 2001. p. 93 ss. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. 2ª. ed., Madrid: Centro de Estúdios políticos y constitucionales, 2001. p. 81ss. 117 87 (dizendo até alguns autores que todos os direitos fundamentais são direitos humanos, pelo simples fato de serem voltados, principalmente, para a proteção do ser humano, mesmo que não seja apenas na sua singularidade, mas, também, na sua coletividade), sendo permitido a cada Estado, em relação àqueles direitos humanos que não integram o rol de direitos fundamentais, mas apenas figuram em documentos internacionais, serem recepcionados por meio de instrumentos constitucionalmente consagrados que possibilitem essa inserção, como no Brasil onde se recebe como lei válida, também no direito interno, alguns tratados e convenções, como é o caso do Pacto de São José da Costa Rica. E, ainda, aduz Celso Lafer, acerca dos direitos humanos, quando trata da obra de vida de Hannah Arendt: Com efeito, no plano político o liberalismo trouxe, com a expansão geográfica do constitucionalismo, a positivação crescente das declarações de direitos pelo Direito Público dos Estados nacionais e, concomitantemente, um interesse internacional pela tutela dos direitos humanos, exemplificado pela proibição e repressão ao tráfico de escravos; pelo esforço de proteger os indígenas; pelo início da proteção internacional em matéria de condições de trabalho; pelo surgimento, com a Cruz Vermelha, do Direito Humanitário e, por intervenções das grandes potências, em prol de súditos perseguidos pelos próprios Estados de que eram nacionais.118 118 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 138. 88 Por outro lado, assevera este autor que apesar da intenção inicial de que, com a positivação dos direitos inseridos nas declarações advindas da Revolução Francesa e Americana, eles pudessem ter uma dimensão mais permanente e segura, isto não ocorreu, tendo em vista que esta função estabilizadora tornou-se uma variável em razão do tempo e espaço, ou melhor dizendo, em face das mudanças que ocorreram nas condições históricas, afirmando o autor que “é difícil, conseqüentemente, atribuir uma dimensão permanente, não-variável e absoluta para direitos que se revelaram historicamente relativos”.119 Contudo, ressalta que Hannah Arendt explicita que esses direitos, mesmo aqueles considerados inalienáveis como o direito à vida, a liberdade e a igualdade, “não eram evidências nem constituíam um absoluto transcendente”, representando, sim, “uma conquista histórica e política – uma invenção – que exigia o acordo e o consenso entre os homens que estavam organizando uma comunidade política”.120 E, em segundo lugar, no tocante aos direitos fundamentais, o aparecimento destes foi obra de todo um processo de luta por direitos, os quais evoluíram durante décadas, e ainda estão a se desenvolver. A primeira geração a aparecer, foi a daqueles direitos relativos à liberdade, os quais foram, basicamente, inspirados em institutos como a Declaração Francesa de 1789, a Constituição Francesa de 1791, a Declaração Estadunidense de 1776 e a Constituição Estadunidense de 1789, documentos estes que guardaram em seus textos 119 120 Ibid, p. 124. Ibid, p. 124. 89 noções básicas de direitos e garantias oponíveis ao Estado, e cuja interferência, de qualquer natureza ou modalidade, era vedada, no exercício de certas faculdades ou atributos pelo indivíduo.121 Essa pletora de direitos tinha o escopo de atingir a plenitude da dignidade humana e, nesse contexto, foi que aconteceu o surgimento do Estado Liberal, dado que, até então, o Estado era o maior opressor do povo que carecia de defesa contra ele. Acerca desses direitos, expõe Guilherme Braga Pena de Moraes que: Os direitos fundamentais próprios desta geração são caracterizados pelo estabelecimento, relativamente ao Estado, de um dever de abstenção, isto é, são direitos asseguradores de uma esfera de ação pessoal própria, inibidora da ação estatal, de modo que o Estado os satisfaz por um abster-se ou não atuar. Portanto, segundo a classificação dos direitos fundamentais quanto à prestação estatal, adotada por Pontes de Miranda, são direitos fundamentais negativos (aqueles que determinam um non facere ou uma prestação negativa por parte do Estado e o comprometimento, do organismo estatal, de assegurar a sua inviolabilidade, de maneira que são correlatos a obrigações de conduta passivas e a sua violação consiste, necessariamente, em uma atuação). 122 121 PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 72. MORAES, Guilherme Braga Peña de. Dos direitos fundamentais: contribuição para uma teoria. São Paulo: LTr, 1997. p. 70-71. 122 90 A idéia da necessidade de garantia desses direitos foi se tornando parte do contexto social, surgindo um segundo momento na sua história, nomeadamente, daqueles que fundamentaram uma segunda geração conhecida como dos direitos sociais e que se traduzem, principalmente, no conceito de igualdade. A atuação do Estado, agora, já não é mais de abstenção em relação aos cidadãos, mas, sim, de realizar algo concreto, efetivo, que venha a proporcionar melhores condições aos seus nacionais. Sobre os direitos de segunda geração, aduz o autor citado: Os direitos fundamentais típicos dessa geração são qualificados pela Constituição, com referência ao Estado, de um dever de prestação, ou seja, são direitos fundamentais satisfeitos por uma prestação ou fornecimento de um bem por parte do corpo estatal. Destarte, consoante a classificação dos direitos fundamentais quanto à prestação estadual123, são direitos fundamentais positivos (aqueles que determinam um facere ou uma prestação positiva por parte do Estado, decorrendo da classe e técnica da igualdade, acentuando-se na medida em que esta é obtida, de modo que são correlatos a obrigações de conduta ativas e sua violação consiste, obrigatoriamente, em uma atuação).124 Posteriormente a isso, nascem, ainda, os direitos de terceira geração, os quais transcendem a esfera do indivíduo 123 Os autores lusitanos empregam o termo estadual não só para se referir ao estadomembro de uma Federação, mas sim referindo-se ao Estado, para o qual, no Brasil, se utiliza o adjetivo estatal. (Nota do autor) 124 Ibid, p. 71. 91 ou de categorias específicas de pessoas e passam a abranger toda a comunidade. Estes são chamados de direitos de fraternidade ou solidariedade, outrora também conhecidos como direitos difusos125, e perfazem-se por intermédio de direitos como o direito ao desenvolvimento, à comunicação, a “um meio ambiente ecologicamente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e outros direitos difusos”.126 Aduz-se, em relação a eles: Os direitos de solidariedade ou fraternidade, cuja origem encontra-se no Direito Internacional, são dotados de cunho humanista e universalista, tendendo, contemporaneamente, a cristalizar-se, estando em vias de consagração no Direito Constitucional. É mister afirmar que a diferenciação entre direitos coletivos e direitos difusos reside na individualização do destinatário, posto que aqueles apresentam diversos destinatários individualizados, enquanto que estes possuem, como destinatários, uma coletividade sem individualização daqueles que a constituem.127 Consagradas essas três gerações de direito, no texto constitucional, completa-se, assim, a tríade liberdadeigualdade-fraternidade, a qual permite que a vida humana em comunidade ganhe novos contornos, ou seja, a de uma sociedade que busca qualidade de vida ou, melhor dizendo, uma vida com dignidade. 125 LINHARES, Paulo Afonso. op. cit., p. 89. MORAES, Alexandre de. op. cit., p. 58. 127 MORAES, Guilherme Braga Peña de. op. cit., p. 72. 126 92 Mas, em que consiste esse principio da dignidade da pessoa humana? Falar-se-á, então, do significado da palavra dignidade que mais se aproxima ao contexto do estudo. Do latim dignitas (o qual significa respeitabilidade, prestígio, consideração, estima, nobreza, excelência), por dignidade entende-se a qualidade moral que infunde respeito e a consciência do próprio valor, ou, ainda, o respeito aos próprios sentimentos e valores.128 Na mesma linha de raciocínio, pode-se conceituar dignidade, semanticamente, como “qualidade daquilo que é digno e merece respeito ou reverência”.129 Por outro lado, o princípio jurídico da dignidade da pessoa humana não pode ser conceituado de forma “fixista”, como bem ensina Edilsom Farias, eis que pode ser considerado “uma categoria axiológica aberta”130, que tem como fundamento jurídico, “num approach universalista, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, promulgada pela Organização das Nações Unidas – ONU”,131 a qual determina, em seu art. 1°, que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”.132 Contudo, pode-se dizer que há uma concordância doutrinária constitucional em se entender o princípio da dignidade da pessoa humana a partir da idéia de que a pessoa humana constitui um valor em si mesma, sendo dotada, portanto, de dignidade própria, a qual não 128 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. op. cit., p. 370. ALVES, Cleber Francisco. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: o enfoque da doutrina social da igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 109. 130 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. 2ª. ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2000. p. 61. 131 Ibid, p. 62. 132 Ibid, p. 62. 129 93 pode ser sacrificada em benefício de qualquer interesse coletivo. Em sendo assim, tendo em vista que “o Estado se erige sobre a noção de dignidade da pessoa humana, constitui uma de suas finalidades, propiciar a verificação das condições necessárias para que as pessoas tornem-se dignas”.133 Este princípio é “valor refundante”134 do ordenamento, considerando-se que é a partir deste princípio que se tem o indivíduo como limite e fundamento da formação do Estado Democrático de Direito, porquanto é a pessoa humana “a fonte e a base mesma do direito, revelando-se, assim, critério essencial de legitimidade da ordem jurídica”.135 Em relação à matéria, Ingo Wolfgang Sarlet observa Com o reconhecimento expresso, no título dos princípios fundamentais, da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático (e social) de Direito (art. 1°, inc. III, da CF), o Constituinte de 1987/88, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder 133 MORAES, Guilherme Braga Peña de. op. cit., p. 101. “Por isso é que, mais do que uma ‘vazia expressão’, como poderiam pensar os que estão ainda aferrados à concepção legalista estrita do ordenamento jurídico, a afirmação do princípio, que nos mais diferentes países tem sido visto como um princípio estruturante da ordem constitucional – apontando-se-lhe inclusive um valor ‘refundante’ da inteira disciplina privada – significa que a personalidade humana não é redutível, nem mesmo por ficção jurídica, apenas à sua esfera patrimonial, possuindo dimensão existencial valorada juridicamente na medida em que a pessoa, considerada em si e em (por) sua humanidade, constitui o ‘valor fonte’que anima e justifica a própria existência de um ordenamento jurídico”. (MARTINS-COSTA, Judith. op. cit., p. 235). 135 FARIAS, Edilsom Pereira de. op. cit., p. 57. 134 94 estatal e do próprio Estado, reconheceu expressamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o homem constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal.136 Expressa a tese exposta que o Direito existe para regular as relações humanas, cabendo ao Estado o papel de tutelar essas ações, possibilitando a todos a plena convivência em harmonia. O Estado é, nesse sentido, voltado para o bem comum, devendo estabelecer regras que protejam os valores que a sociedade elenca como importantes. Em sendo assim, o princípio da dignidade da pessoa humana tem esse papel de proteger o ser humano, já que ele traduz o valor da pessoa humana, assegurando um “minimum de respeito ao homem só pelo fato de ser homem, uma vez que todos os homens são dotados por natureza de igual dignidade e ‘têm direito a levar uma vida digna de seres humanos’”.137 Pietro de Jesús Lóra Alarcón, acerca da matéria pontifica: (...) merece menção especial na análise do nosso tema, pela sua estreita conexão com a defesa da vida humana, e por encontrar-se na cimeira da hierarquia de valores reconhecidos pela Constituição Federal, o 136 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 101. FARIAS, Edilsom Pereira de. op. cit., p. 60. Na p. 63, o autor assevera que “o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana refere-se às exigências básicas do ser humano no sentido de que ao homem concreto sejam oferecidos os recursos de que dispõe a sociedade para a mantença de uma existência digna, bem como propiciadas as condições indispensáveis para o desenvolvimento de suas potencialidades”. 137 95 princípio da dignidade da pessoa humana, colocado no art. 1.°, inciso III. Trata-se de um valor intangível, que dota de sentido o futuro leque de direitos fundamentais consagrados pelo constituinte, uma espécie de positivação suprema que concentra outros valores recolhidos pela Constituição, e que, por isso, ostenta uma força normativa superior dentro do ordenamento jurídico. Como em todo Estado Constitucional, no Estado brasileiro a salvaguarda dos direitos fundamentais não se expressa exclusivamente no âmbito legal, mas que a lei subordina-se aos direitos fundamentais da Constituição. É vedado, então, aos poderes constituídos, criar dispositivos legais que se contraponham aos direitos fundamentais. Contêm vícios de inconstitucionalidade os atos normativos que ofendam a dignidade da pessoa humana ou o direito à vida em quaisquer das suas manifestações.138 E, ainda, Gustavo Tepedino, manifesta-se acerca do princípio: A dignidade da pessoa humana constitui cláusula geral, remodeladora das estruturas e da dogmática do direito civil brasileiro. Opera a funcionalização das situações jurídicas patrimoniais às existenciais, realizando assim processo de verdadeira inclusão social, com a ascensão à realidade normativa de interesses coletivos, direitos da personalidade e renovadas situações jurídicas existenciais, 138 ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. op. cit., p. 177. 96 desprovidas de titularidades patrimoniais, independentemente destas ou mesmo em detrimento destas. Se o direito é uma realidade cultural, o que parece hoje fora de dúvida, é a pessoa humana, na experiência brasileira, quem se encontra no ápice do ordenamento, devendo a ela se submeter o legislador ordinário, o interprete e o magistrado.139 Pode-se dizer, portanto, que esse princípio põe o ser humano no centro das relações do direito e valoriza-o, de forma a que ele tenha valor pela simples condição de sua existência, e não mais em razão de outros bens que a ele possam estar atrelados. O Estado de Direito forma-se, então, voltado para proteção desse ser e suas ações devem ser para garantir que isso ocorra e, ainda, permitir que todo e qualquer ser humano possa alcançar a plenitude de seu desenvolvimento, sob o risco de que, se assim não fizer, o Estado possa perder sua legitimação na sua qualidade de Estado Democrático de Direito140. Como bem acentua Edilsom Farias: Vale dizer: que o respeito da dignidade da pessoa humana constitui-se em um dos elementos imprescindíveis para a legitimação da atuação do 139 TEPEDINO, Gustavo. Do sujeito de direito à pessoa humana. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 2, abr/jun. 2000, Rio de Janeiro: Padma, 2000. editorial. 140 Guilherme Braga Peña de Moraes ensina que, segundo a teoria de Jorge Miranda, “o Estado Democrático de Direito é conceituado como corpo estatal em que a organização e o exercício do poder político estão sujeitos a uma limitação material, através da norma jurídica, equivalente à divisão e organização dos Poderes do Estado e enumeração e asseguramento dos direitos fundamentais” e, ainda, que este Estado “possui os seus fundamentos elencados no art. 1° da Lei Magna, ou seja, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político”. (MORAES, Guilherme Braga Peña de. op. cit., p. 97 e 101.) 97 Estado brasileiro. Qualquer ação do Poder Público e seus órgãos não poderá jamais, sob pena de ser acoimada de ilegítima e declarada inconstitucional, restringir de forma intolerável ou injustificável a dignidade da pessoa. Esta só poderá sofrer constrição para salvaguardar outros valores constitucionais. 141 Em sendo assim, poder-se-ia dizer que o princípio da dignidade da pessoa humana, mesmo sendo valor base do ordenamento, não é absoluto, podendo sofrer restrição quando colidir com outro princípio fundamental, sendo esta situação resolvida por meio das regras estabelecidas para colisão de princípios, das quais tratará em capítulo próprio. Finalizando, pode-se, então dizer que o princípio da dignidade da pessoa humana é basilar para a construção da prerrogativa constitucional que dá o direito a se ter vida com qualidade, sendo esta possibilitada no seu exercício, apenas se, verdadeiramente, efetivados pelo Estado os direitos e garantias resguardados, constitucionalmente, que elencam deveres àquele em relação aos cidadãos. Contudo, cabe lembrar que o princípio da dignidade da pessoa humana tem por base o ser humano integral e valorado pelo simples fato de sua humanidade, ou seja, por sua condição humana de ser, não se podendo, portanto, excluir da proteção ser humano algum que se encontre em desenvolvimento. 141 Ibid, p. 63. 98 4 – Teorias sobre o início da vida 4.1 – Teoria natalista Os seguidores desta teoria asseveram que a personalidade somente se inicia com o nascimento com vida, sendo somente após este fato que a este ser humano seria possível dar proteção jurídica independentemente da mãe. Para esta corrente, o nascituro tem apenas expectativa de direitos, mas não direitos propriamente ditos. Sobre a matéria, afirma a Profª. Silmara J. A. Chinelato e Almeida que a teoria “natalista – encontra grande número de adeptos que afirmam que a personalidade civil começa do nascimento com vida, alicerçando-se na primeira parte do artigo 4°. Do Código Civil (...). Mencionada corrente não explica, no entanto, porque o mesmo artigo reconhece direitos e não expectativas de direitos ao nascituro (...)”.142 São adeptos dessa teoria Vicente Ráo143, João Luiz Alves144, Silvio Rodrigues145 e Eduardo Espínola146, entre outros. 142 ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato. Direitos de personalidade do nascituro. Revista do Advogado n. 38, dez/92, São Paulo: AASP – Associação dos Advogados de São Paulo, 1992. p. 22. 143 GONÇALVES, Suzana Valéria Galhera. Aspectos jurídicos da clonagem humana terapêutica sob o prisma dos direitos da personalidade. 2003. Dissertação (Mestrado) - Mestrado em Direito Civil, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2003. p. 81. 99 4.2 – Teoria concepcionista Para os adeptos desta teoria, a vida deve ser protegida desde a sua concepção147, independentemente da forma em 144 Ibid., p. 81. Ibid., p. 81. 146 Ibid., p. 81. 147 SILVER, Lee M. De volta ao éden: engenharia genética, clonagem e o futuro das famílias. tradução de Dinah de Abreu Azevedo, São Paulo: Mercuryo, 2001. p. 49/51. “Milhões de óvulos imaturos – chamados ovócitos – são armazenados nos ovários de uma mulher. Todo mês, aproximadamente, durante o período fértil de uma mulher, mensagens hormonais fazem com que um desses ovócitos amadureça e se torne um óvulo que tem condições de ser fertilizado. Quando se completa o processo de amadurecimento, o óvulo é liberado do ovário – um evento chamado ovulação. Ao deixar o ovário, o óvulo começa sua lenta jornada através da trompa de Falópio, onde permanece receptivo ao esperma por cerca de 20 horas. (...) Se houver uma relação sexual no período de um dia antes ou depois da ovulação, o esperma sobe pela trompa de Falópio em direção ao óvulo. O espermatozóide humano provavelmente não tem capacidade de ir realmente atrás do óvulo; esta é a razão pela qual os homens ejaculam 100 milhões ou mais desses gametas, quando todos, exceto um – no máximo – estão destinados a morrer. Pela pura força do número, um espermatozóide – por acaso – vai fazer contato com o óvulo. A própria célula do óvulo é circuncidada por uma cobertura de material elástico chamada zona pellucida, ou zona, abreviadamente. O óvulo é como uma bola flutuando num fluído dentro da esfera oca da zona. Quando um espermatozóide invade a zona que circunda o óvulo não-fertilizado, os dois se colam um no outro. A zona agora faz com que a extremidade da frente do espermatozóide libere uma essência concentrada de enzimas digestivas e, com o movimento para a frente impulsionado pelo seu flagelo, o espermatozóide percorre uma trilhazinha demarcada através da zona no fluído que fica entre a zona e a célula do óvulo. Assim se completa o primeiro passo da fertilização. Muitas vezes um punhado de espermatozóides chega a esse espaço isolado, ainda nadando por ali. Por acaso, um deles será o primeiro a se colar à membrana da célula do óvulo. Quando isto acontece, as células do espermatozóide e do óvulo começam o processo de fusão. Durante esse processo, uma pequena porção da membrana do óvulo estica-se para circundar o espermatozoidezinho, e o engole. O espermatozóide continua intacto e continua nadando, primeiro dentro do citoplasma do óvulo. Mas, depois de poucos minutos, seu flagelo e a membrana que circunda sua cabeça começam a se desintegrar. O segundo passo da fertilização se completa. 145 100 A fusão do óvulo e do espermatozóide desencadeia respostas rápidas para evitar a entrada de outro espermatozóide no óvulo; entre essas respostas, há um endurecimento da cobertura da zona para que outros espermatozóides não possam penetrar, e uma cortina elétrica em torno da membrana do óvulo, para que o espermatozóide que já está dentro da zona seja repelido pela superfície do óvulo. É claro que esses eventos não são instantâneos e, de vez em quando, um segundo espermatozóide penetra durante os segundos que são gastos para se levantar as barreiras. Esses óvulos duplamente fertilizados são sobrecarregados com material genético e não conseguem se desenvolver direito, e morrem depois de alguns dias. A fusão põe o óvulo fertilizado – agora chamado de zigoto – na rota lenta, mas segura, do desenvolvimento embrionário. E uma das primeiras tarefas que o óvulo assume é a redução pela metade do material genético da mãe. (...) enquanto isso, o núcleo que estava contido na cabecinha comprimida do espermatozóide está sofrendo uma lenta expansão e se tornando do mesmo tamanho que foi a contribuição do óvulo. Esses dois núcleos são efetivamente chamados de pronúcleos pelos cientistas, porque cada um contém apenas a metade do material genético encontrado nos núcleos normais de células somáticas. Portanto, não são núcleos completos, mas apenas os precursores de núcleos completos. Entretanto, contrariamente à crença popular, os dois pronúcleos nunca se fundem em um só. Em vez disso, durante a vida de um dia do zigoto, o material genético proporcionado por papai e mamãe permanece enclausurado em suas próprias esferas separadas. (...) O que realmente acontece é que os cromossomos nos dois pronúcleos se duplicam separadamente e depois cópias de cada um deles se juntam dentro dos núcleos efetivos formados depois da primeira divisão celular. É dentro de cada um dos dois núcleos presentes no embrião de duas células que se combina pela primeira vez um conjunto de quarenta e seis cromossomos humanos. Agora o processo de fertilização está completo”. Continua, nas págs. 61– 63, asseverando acerca da divisão celular, de forma mais específica: “No começo do segundo dia depois da fusão do óvulo e do espermatozóide, o embrião tem duas células. Cada uma dessas células se divide para produzir quatro e cada uma dessas se divide novamente para produzir um total de oito células, lá pela metade do terceiro dia. Embora o embrião tenha aumentado o número de suas células, ele não fez muito mais do que isso. Cada uma de suas oito células, quando separadas das outras, ainda tem o potencial de se tornar um embrião por si mesma e de formar uma vida humana separada. Com outra rodada de divisões celulares, produzindo dezesseis células no total, está iniciando o primeiro passo para fora da uniformidade. O embrião ainda se parece com uma bola, ou melhor, com uma amora microscópica. Mas as células do lado de fora são capazes de sentir sua posição em relação às células do lado de dentro e, em resposta, elas se diferenciam em células que eventualmente se tornarão a placenta e outros tecidos que funcionam para proteger o feto em crescimento. Quando os biólogos usam a palavra diferenciar, eles querem dizer tornar-se diferente. Quando uma célula se diferencia, ela se torna diferente da célula-mãe que lhe deu origem. Normalmente, a diferenciação causa uma redução no potencial de uma célula. Por exemplo: as 101 que esta ocorreu (seja in vivo ou in vitro), sendo o “nascimento com vida requisito apenas para a defesa de células orientadas para a placenta, que se formaram como a camada externa do embrião de dezesseis células, só têm o potencial de produzir outras células que se tornarão parte da placenta ou de outros tecidos localizados entre a mulher e seu feto. Estas células perderam o potencial de se transformarem em coração, em pulmão ou em qualquer outro tecido do feto em desenvolvimento. Depois que uma célula se diferencia, todas as células que descendem dela, assim como as descendentes de suas descendentes, também se manterão diferenciadas. Mas essas células ainda podem passar por outras diferenciações, com outras reduções em potencial. Por exemplo: na altura de quatro semanas de idade, um embrião contém células diferenciadas que têm o potencial de produzir apenas células sangüíneas. Com divisões celulares posteriores e diferenciação posterior, aparecem células que têm o potencial de produzir apenas glóbulos brancos ou glóbulos vermelhos, mas não ambos. São necessárias outras rodadas de diferenciação para converter os glóbulos brancos progenitores num tipo específico de glóbulo branco que segrega anticorpos ou outro tipo que engole bactérias invasoras. Neste ponto, depois de dezenas de rodadas de divisão celular, é atingido um estado de diferenciação terminal. Diferenciação e desenvolvimento andam juntos.O desenvolvimento de um organismo como um todo ocorre através da diferenciação de células individuais dentro dele. Células terminalmente diferenciadas podem expressar funções extremamente especializadas, como aquelas descritas acima para glóbulos brancos ou outras, como para produção dos pêlos corporais ou de unhas. A maior parte das células de nosso corpo é terminalmente diferenciada, inclusive todos os componentes microscópicos de órgãos complexos como os pulmões, o coração, os rins ou o cérebro. Mas sempre existirão algumas células, mesmo num adulto maduro, que ficam num estágio anterior de diferenciação. Essas células são chamadas de células-mãe. Elas continuam se dividindo para produzir, por exemplo, uma nova fonte de células de pele, de sangue ou de outros tipos especiais de células que devem ser regeneradas constantemente para você continuar vivo. Os biólogos moleculares têm agora uma compreensão sofisticada do que acontece dentro de uma célula quando ela se diferencia. Na realidade, a coisa mais importante é a que não acontece – uma célula diferenciada não perde nenhuma informação genética. Toda célula somática de seu corpo tem um conjunto completo de quarenta e seis cromossomos com todo o DNA que estava presente nos núcleos do embrião bicelular do qual você surgiu. Ora, se todas as células têm a mesma informação genética, por que elas não se parecem umas com as outras e não agem da mesma forma? A resposta é que cada célula é programada para usar apenas uma pequena parte da informação total para continuar viva e desempenhar as tarefas para as quais ela foi especialmente projetada através da evolução. As células que parecem diferentes umas das outras e se comportam de forma diferente umas das outras – como resultado da diferenciação – foram programadas para usar partes diferentes da mesma informação genética total. E, a cada passo da diferenciação, o programa da célula muda pelo menos um pouco”. 102 direitos patrimoniais do nascituro, e não de direitos pessoais, como o são os direitos da personalidade, dentre eles o direito à vida, à integridade física, à imagem, que merecem ser tutelados, mesmo antes do nascimento”. 148 Para eles, o art. 2° do Código Civil de 2002 (correspondente ao art. 4° do CC de 1916) não se refere a uma expectativa de direitos, quando os assegura ao nascituro desde a concepção, mas sim direitos que lhe são assegurados desde o momento em que foram concebidos149, devendo o nascimento com vida ser entendido como “enunciado negativo de uma condição resolutiva, isto é, o nascimento sem vida, porque a segunda parte do art. 4° do Código Civil, bem como outros dispositivos, reconhecem direitos (não, expectativas de direitos) e estados ao nascituro, não do 148 GONÇALVES, Suzana Valéria Galhera. op. cit., p. 82. Paulo José Leite Farias analisa a questão da seguinte maneira: “(...) procura-se analisar a clonagem humana à luz dos princípios norteadores da bioética (respeito às pessoas, beneficência e justiça) consagrados no Relatório Belmont que trata especificamente da adequação de pesquisas realizadas em seres humanos. Deve-se observar, entretanto, que há intima relação entre a análise jurídica efetuada e a análise ética em especial em matéria que se relaciona intimamente com o maior valor humano: a vida. No que se refere ao primeiro princípio ético – o do respeito às pessoas – (também chamado princípio da autonomia) o Relatório Belmont propõe, entre outras proposições, que as pessoas com autonomia diminuída devem ser protegidas. Assim, há uma exigência moral de se proteger aqueles com autonomia reduzida. Uma pessoa com autonomia é um indivíduo capaz de deliberar sobre seus objetivos pessoais e agir na direção desta deliberação. Todo ser humano deve ser amparado, no que se refere ao seu direito de existir. Nesse sentido, boa parte da doutrina à qual me filio defende que a personalidade civil começa na concepção, até no interesse de que se protejam os que têm sua autonomia reduzida. Para essa concepção, o <<nascituro>>, já existe como pessoa, sendo sujeito de direitos (conforme assegurado no Código Civil), tendo como direito constitucional prioritário, até para o exercício de outros, o de nascer com vida”. (FARIAS, Paulo José Leite. Limites éticos e jurídicos à experimentação genética em seres humanos: a impossibilidade da clonagem humana no ordenamento jurídico brasileiro. In: Jurisprudência Brasileira, JB 182, Curitiba: Juruá, 1998. p. 44.). 149 103 nascimento com vida, mas desde a concepção”.150–151 Assevera-se, ainda, acerca da matéria que “se a lei civil põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro, constitui-se o ser humano, que está sendo gerado, em um sujeito de direitos, merecedor de tutela jurídica, não podendo ser afastada a idéia de que o concepturo, como sujeito de direitos, é necessariamente portador de personalidade natural”. 152 Sérgio Ferraz, acerca da matéria, assim se posiciona: Uma coisa é indiscutível: desde o zigoto, o que se tem é vida, diferente do espermatozóide e do óvulo; vida diferente do pai e da mãe, mas vida humana, se pai e mãe são humanos. Pré-embrionária no início, embrionária, após, mas vida humana. Em suma, desde a concepção há vida humana nascente, a ser tutelada.153 150 ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato. Bioética e dano pré-natal. Revista Brasileira de Direito Comparado, Rio de janeiro: Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro, n° 17, 1999. p. 308. 151 A mesma autora anteriormente citada no texto que leva o título de Direitos de personalidade do nascituro. Revista do Advogado n. 38, dez/92, São Paulo: AASP – Associação dos Advogados de São Paulo, 1992. assevera, na p. 23, que “o nascimento com vida aperfeiçoa o direito que dele dependa, dando- lhe integral eficácia, na qual se inclui sua transmissibilidade. Porém, a posse dos bens herdados ou doados ao nascituro pode ser exercida, por seu representante legal, desde a concepção, legitimando-o a perceber as rendas e os frutos, na qualidade de titular de direito subordinado à condição resolutiva. Fundamentam o nosso entendimento os artigos 119, 1.186, 1.572, 1.778, todos do Código Civil e os artigos 877 e 878 do Código de Processo Civil, que cuidam da posse em nome do nascituro, como medida cautelar (ou processo de jurisdição voluntária, como preferem alguns processualistas)”. 152 SZANIAWSKI, Elimar. O embrião excedente: o primado do direito à vida e de nascer. Análise do art. 9° do Projeto de Lei do Senado n° 90/99. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 8, out/dez. 2001, Rio de Janeiro: Padma, 2000. p. 89. 153 FERRAZ, Sérgio. Manipulações biológicas e princípios constitucionais: uma introdução. Porto Alegre: Fabris, 1991. p. 47. 104 Alguns adeptos dessa corrente são Eduardo de Oliveira Leite154, Maria Helena Diniz155, Limongi França156, Pontes de Miranda157, André Franco Montoro158, Francisco dos Santos Amaral159 e Silmara Chinelato e Almeida160, Wanderlei de Paula Barreto161, entre outros. 4.3 − Teoria da personalidade condicional Os teóricos desta teoria entendem que a personalidade se inicia com a concepção, dependendo do nascimento com vida para sua tutela. Esta foi a teoria adotada no art. 3° do CC de 1916 e, também, no Esboço de Teixeira de Freitas, o qual, posteriormente, concluiu-se ser um dos defensores da teoria concepcionista. Cabe salientar que, neste período, ainda não se falava em direitos da personalidade, o que somente a partir da década de 1950 vem sendo estudado e foi totalmente incorporado pelo Direito pátrio. Dentre seus 154 LEITE, Eduardo de Oliveira. O direito, a ciência e as leis bioéticas. In: Santos, Maria Celeste Cordeiro Leite (org.). Biodireito – ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 109. 155 DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do Biodireito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 25. 156 AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 211. 157 DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 24. 158 GONÇALVES, Suzana Valéria Galhera. op. cit., p. 84. 159 DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 24. 160 ALMEIDA, Silmara Chinelato. op. cit., p. 23. 161 BARRETO, Wanderlei de Paula. Considerações acerca das pessoas no novo Código Civil. Revista de Ciências Jurídicas da Universidade Estadual de Maringá – Publicação Oficial do Curso de Mestrado em Direito, v. 2, n.1, jan/jun 2004, Maringá: Sthampa, 2004, p. 291/293; cp. Tb. Comentários ao Código Civil Brasileiro, vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 45-48. 105 defensores estão Washington de Barros Monteiro162 e Miguel Maria de Serpa Lopes163, entre outros. 4.4 − Teoria do embrião como pessoa em potencial Seus adeptos defendem que há duas espécies de vida, uma intra-uterina que se faz pelo método natural e outra que se forma na fertilização in vitro por métodos artificiais. O embrião, então, somente seria considerado pessoa em potencial se, estando no útero, chegasse à nidação; para aqueles que fossem criados na fertilização in vitro, e não fossem devidamente implantados, não se daria a prerrogativa de ser tratado como pessoa, mas somente como uma célula especializada. 4.5 − Teoria genético-desenvolvimentista Seus seguidores entendem que o embrião, até o décimo-quarto dia de seu desenvolvimento, não deve ser considerado pessoa, já que somente a partir dessa data é que se desenvolvem seus neurônios, sendo apenas um agregado de células antes de tal especialização. Esta teoria é 162 PUSSI, William Artur. A personalidade jurídica do nascituro. 2002. Dissertação (Mestrado) - Mestrado em Direito Civil, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2002. p. 86. 163 Ibid., p. 86. 106 defendida pelo Relatório Warnock, que entende que não há limitações ao uso de embriões em pesquisas científicas antes do período de quatorze dias. Contesta-se essa teoria com o fato de que o embrião sofre diversas mutações antes desse período, tão importantes quanto a formação da placa neural, não podendo ser esta a única razão para se considerar um embrião um ser humano. Sustenta-se, ainda, que “o conceito de pré-embrião, elaborado pela Comissão Warnock para caracterizar o concebido até o décimo-quarto dia após a fertilização in vitro, possui como único propósito ideológico garantir experimentações com seres humanos vivos”164. 164 SILVA, Reinaldo Pereira. Os direitos humanos do embrião. Análise bioética das técnicas de procriação assistida. Revista dos Tribunais, ano 88, vol. 768, out. 1999, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 86, nota 48, relata que o doutrinador italiano Angelo Serra identifica como sendo contraditório o prazo de 14 dias estabelecido pela Comissão Warnock, já que no capítulo 11 daquele se reconhece que “do ponto de vista biológico não se pode identificar um singular estágio do ciclo vital a que se possa dizer que não deve o embrião in vitro ser mantido vivo”, demonstrando, ainda, a opinião de Günter Rager, no artigo “Embrion-hombrepersona. Acerca de la cuestion del comienzo de la vida personal”. Cadernos de Bioética da Revista Trimestral de Cuestiones de Actualidad, Madrid, v. 8, n. 31, jul–set. 1997, p. 1.055/56 que diz “porquanto o conceito de pré-embrião pressupõe a idéia de que, no desenvolvimento do indivíduo, existe uma fase em que não existe o embrião. Isto não somente está em contradição com o fato de que o genoma humano, característico e individual, se constitui com a fecundação, mas também abre completamente a possibilidade da manipulação. O conceito de pré-embrião deveria ser retirado do vocabulário embriológico porque não se pode fundamentar objetivamente, porque sugere equívocos acerca do status do embrião durante as duas primeiras semanas de vida, e porque já estão bem definidos os estágios de desenvolvimento embrionário”. 107 2.4.6 − A adoção de uma teoria como base para desenvolvimento do estudo Finalizadas as citações das teorias mais relevantes e discutidas na doutrina nacional, cabe nesta dissertação posicionar-se no sentido de se desenvolver o texto de acordo com aquilo que se entende ser mais coerente, deixando, desde já, claro que se considera correta aquela teoria que protege todo ser humano desde a sua concepção. Como já exposto anteriormente, os defensores desta teoria entendem que uma nova vida se forma, desde o momento em que o espermatozóide adentra o óvulo, dando-se a concepção deste, formando um indivíduo que, desde o seu início, já é único165–166. Em sendo este um ser humano, seja ele 165 Segundo a Profª. Drª. Lygia da Veiga Pereira, Ph.D em Genética Molecular pelo Instituto Mount Sinai Medical Center de Nova York, Docente do Departamento de Biologia do Instituo de Biociências da USP e Membro do Centro de Estudos do Genoma Humano da mesma instituição, desde a 1ª célula de um ser já está contido um genoma inédito que determinará a forma e todas as características específicas do novo indivíduo, sendo que esses genes que dão as instruções da formação do ser em um ser humano, chegam a aproximadamente 30 mil, os quais determinarão desde a cor dos cabelos e olhos até o tamanho de órgãos. Esses genes são compostos pelo DNA que possui quatro letras A, C, G e T, sendo que cada instrução dele é um conjunto de milhares dessas letras, que vem parte da mãe (óvulo) e parte do pai (espermatozóide), criando um indivíduo único, diferente de todos os outros (PEREIRA, Lygia da Veiga. Clonagem, fatos e mitos. São Paulo: Moderna, 2002. p. 9 a 15.). No mesmo sentido, SILVER, Lee M. op. cit., p. 49: “Cada uma de suas células espermatozóide e óvulo contém apenas uma única edição do genoma humano dentro de apenas vinte e três cromossomos. Mas nunca a edição única é a mesma que aquela que você recebeu de sua mãe ou de seu pai. Em vez disso, logo no início do processo que leva à produção de cada gameta individual, suas edições maternas e paternas do genoma humano trocam aleatoriamente entre si páginas e capítulos inteiros de um modo muito preciso para que surjam edições inteiramente novas da enciclopédia. As novas edições têm todas os mesmos capítulos como anteriormente, mas cada uma é uma mistura aleatória do material genético de seu pai e de usa mãe. 108 concebido in vivo ou in vitro, ou seja, de forma natural ou artificial, merece proteção do ordenamento, já que o mandamus constitucional determina a garantia da inviolabilidade do direito à vida a TODOS os brasileiros, entendendo-se todos como mandamento não aberto a exceções. E apenas uma dessas edições se aloja em cada uma das células individuais de espermatozóide ou óvulo formadas em seu corpo ao final do processo. Cada espermatozóide, dos bilhões produzidos durante a vida de um homem, e cada óvulo produzido por uma mulher, possui uma composição diferente de material genético, uma mistura diferente das edições do genoma humano. É por esta razão que, com a exceção de gêmeos idênticos ou de uma criança produzida por clonagem, é impossível que um casal humano tenha dois filhos geneticamente idênticos”. 166 Acerca tema, observa o Prof. José Alfredo de Oliveira Baracho que: “Existe uma definição genética proveniente de Jean Dausser para o conhecimento das combinações de grupos sangüíneos, vinculando o assunto ao genoma. Cada homem é único, com a conciliação da unidade e da diversidade. A pessoa é uma individualidade biológica, um ser de relações psicossociais, um sujeito para os juristas. Entretanto, surge a questão dos valores que têm grande importância para os limites das pesquisas científicas. Esses estudos dedicaram-se ao exame da morte cerebral e do estado vegetativo crônico, após uma doença decorrente do traumatismo craniano. Certos dados são apresentados para a compreensão de que a vida começa, não pelo nascimento, mas pela concepção, em vista da fecundação do óvulo pelo espermatozóide. O dever de conhecimento deve respeitar situações, como o respeito ao homem, a sua liberdade e dignidade. A responsabilidade do pesquisador tem grande importância pelas conseqüências que decorrem das pesquisas emanadas dos trabalhos científicos”. (BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Vida humana e ciência: complexidade do estatuto epistemológico da bioética e do biodireito. Normas internacionais da bioética. Revista Forense, v. 362, jul/ago.2002, Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 77). 109 110 BIBLIOGRAFIA ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ABDELMASSIH, Roger. Aspectos gerais da reprodução assistida. In: SIMPÓSIO ASPECTOS GERAIS DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA, 2001, Bioética – Revista publicada pelo Conselho Federal de Medicina, Brasília, v. 9, n. 2, p. 15-24, 2001. AIETA, Vânia Siciliano. Princípios do direito à integridade do corpo humano. In: PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (Org.). 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Bobbio, escrevendo em 1981, afirmou que ao estado atual da consciência ética da Humanidade, tende-se a reconhecer ao indivíduo não somente o direito de viver – 147 que é um direito elementar e primordial do Homem – mas também o direito de haver o mínimo indispensável para viver167. O direito à vida é um direito que implica da parte do Estado, pura e simplesmente, um comportamento negativo: Não matar! Já o direito a viver implica da parte do Estado também um comportamento positivo, isto é, implica intervenção de políticas econômicas inspirados a princípios de justiça distributiva; e da parte dos “outros” também um comportamento positivo de sustentação, promoção e proteção solidária da vida, como valor primordial. Em outras palavras, hoje, reconhece-se ao Indivíduocidadão não somente o direito de não ser morto por nenhuma razão “não-natural”, mas também o direito de não morrer de fome. Bobbio ainda observou que basta enunciar os termos do problema para que se apresente às nossas mentes o grande problema da relação entre países ricos e países pobres, entre países que consomem o supérfluo e países que carecem do necessário, como um dos grandes problemas do século XX e também do nascente século XXI168. Cfr. IDEM, “I diritti dell’uomo e la pace” (1982), in TerAs, p. 95: Ho parlato del diritto alla vita, e dei diritti di libertà, e della loro incompatibilità con lo stato di guerra. Ora occorre aggiungere che allo stato attuale della coscienza etica dell’umanità, si tende a riconoscere all’individuo non soltanto il diritto di vivere (che è un diritto elementare e per così dire primordiale dell’uomo) ma anche il diritto di avere il minimo indispensabile per vivere. 168 Cfr. Ibidem, p. 96. 167 148 1.2. O “Mito” do Progresso. Bobbio observou que, ao final do séc. XVIII Immanuel Kant considerava que com o Iluminismo fosse iniciada a época na qual a Humanidade finalmente saíra da menor idade e podia, triunfalmente, caminhar rumo à própria emancipação com as forças da razão. Durante o séc. XIX, os defensores do progresso também consideraram que o “progresso” científico, social e moral caminhassem em igual passo. Mais precisamente, que o progresso científico fosse destinado a arrastar com sigo tanto o progresso social, quanto o progresso moral169. Quando, porém, no séc. XX, diante do início da Primeira Guerra e da hecatombe sem precedentes que a seguiu, a idéia mesma do progresso foi posta em dúvidas e dali derivou deprecação, escárnio e dessacralização daquilo que foi chamado o mito do progresso170. Segundo Bobbio caiu-se no excesso oposto. Da constatação que a animalidade do Homem, à qual o progresso técnico-científico havia fornecido meios sempre mais terríveis para destruir e matar, não só não era diminuída, mas, por causa destes meios, fora potencializada; formara-se a comum opinião que a idéia kantiana do Cfr. N. BOBBIO, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, pp. 633-634. 170 Cfr. G. SASSO, Tramonto di un mito, L’idea di progresso fra Ottocento e Novecento, Il Mulino, Bologna 1984. 169 149 progresso em direção ao melhor tivesse sido uma estúpida e perigosa ilusão171. Segundo Bobbio, o que efetivamente aconteceu no séc. XX não foi o fim, nem tão menos a interrupção do progresso, mas o fim da confiante convicção que o progresso técnico-científico e o progresso moral e o progresso civil caminhassem juntos; em uma palavra, fossem ligados entre eles e que a “luz” do saber não só tivesse dissipado as trevas da ignorância, mas também melhorado os costumes, elevado o Homem a uma mais consciente e durável moralidade172. Bobbio observou que a vontade de potência continua a dominar o Mundo com a mesma inevitabilidade e com a mesma força de atração numa época em que, do uso dos instrumentos de poder, pode nascer aquele apocalipse atômico, descrito com horror pelos especialistas173. De fato, a ciência é um imenso instrumento de poder; não torna poderosos os cientistas, mas cria instrumentos para aumentar a “potência” de quem é em condições de servir-se deles174. Segundo R. Levi Montalcini, autora da Introduzione, ao volume Dieci Nobel per il futuro, Scienza, economia, etica per il prossimo secolo, 1994, as capacidades Cfr. N. BOBBIO, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, p. 634. 172 Cfr. Ibidem, pp. 634-635. 173 Cfr. IDEM, “Il gioco della guerra” (1983), in TerAs, p. 208. 174 Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, pp. 642-643. 171 150 cognitivas investiram o Homem de um poder quase sobrehumano de controle do Globo terrestre; enquanto as capacidades emotivas permaneceram ao nível daquelas do Homem pré-histórico, e determinam a sua ação numa órbita sempre mais vasta e com um poder destrutivo continuamente crescendo. Ainda segundo Montalcini, não é o progresso científico, mas a mal orientada carga emotiva e a ausência de um sistema de valores que regule o comportamento do Homem, a serem responsáveis pelo estado de confusão que está à base da atual crise de valores175. Segundo Bobbio, as palavras da Montalcini são graves e, infelizmente, muito vagas. Se a culpa é da ausência de valores compartilhados, surge uma pergunta espontânea: quais são estes valores? Desta pergunta surge outra: existem valores compartilhados?176 Quanto ao caminho inexorável e irreversível da Humanidade em direção ao progresso, Bobbio que conheceu duas guerras mundiais, não teve aquela segurança kantiana. Ele aprendeu que a História humana é ambígua e pode ser interpretada em modos diferentes segundo a ótica do Cfr. R. LEVI MONTALCINI, “Introduzione”, in Dieci Nobel per il futuro, Scienza, economia, etica per il prossimo secolo, Marsilio, Venezia 1994, p. 25; N. BOBBIO, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, pp. 640-641. 176 Cfr. N. BOBBIO, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, p. 641. 175 151 intérprete e segundo o ponto de vista do qual o intérprete se põe177. Enquanto o progresso técnico-científico não cessa de suscitar admiração e entusiasmo, o progresso moral continua a propor as mesmas questões que propunha ha dois mil anos178. O progresso intelectual separado do progresso moral resultou, no século XX, na mais abominável carnificina jamais vista179. Por quanto Bobbio admirasse as grandes descobertas no campo da ciência, admirava com mais devota reverência a nobreza da consciência moral. Na História da Humanidade ele via resplendecer de “luz mais pura” o ato de solidariedade para com os oprimidos do que a descoberta de uma verdade científica; ou, pelo menos, parecia-lhe que uma verdade adquire tanto mais valor quanto mais é em função daquele ato solidário. Bobbio era convencido que a consciência moral não só nunca destruiria o Mundo, mas, se ele fosse ameaçado de destruição, a consciência moral o salvaria180. Não se pode mais acreditar no mito do progresso, ou seja, que o progresso da Ciência é a condição necessária e Cfr. N. BOBBIO, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, pp. 431-432. 178 Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, p. 640. 179 Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28. 180 Cfr. Ibidem, p. 29. 177 152 suficiente ao progresso político e moral da Humanidade181: o constante movimento em direção ao melhor182; a convicção que o progresso científico e o progresso moral, o progresso material e o progresso espiritual, caminhassem juntos183. 1.3. O Progresso Técnico e o Direito à Vida. Pode-se duvidar do progresso humano a partir de vários pontos de vista; pode-se sustentar que, sob certos aspectos, a História humana não progride; avança somente a zig-zag. Mas em relação à “quantidade” e à “qualidade” dos instrumentos de morte o progresso foi constante, contínuo, inexorável; com Bobbio podemos dizer triunfal184. O progresso técnico-científico, contrariamente à previsão das grandes filosofias da História do séc. XIX, não contribuiu ao aperfeiçoamento moral do Homem, mas somente – e só para uma parte da Humanidade – ao seu “melhoramento” material. Forneceu ao Homem instrumentos para exercitar, com maior “eficácia”, a sua vontade – ou delírio – de potência sobre o Mundo e sobre os Cfr. IDEM, Democrazia e scienze sociali” (1986), republicado com o título “Democrazia e conoscenza”, in TeGePo, p. 350. 182 Cfr. IDEM, “L’Europa della cultura” (1984), in DubScel, p. 194. 183 Cfr. Ibidem, p. 197; IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987), republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, pp. 115-116. 184 Cfr. IDEM, “La lancia e lo scudo” (1981), in TerAs, p. 205. 181 153 outros homens. Segundo Bobbio compreender o “porque” disto, não é fácil185. Existe quem vê a razão essencial da dissociação entre progresso do conhecimento e progresso moral no processo de secularização, onde nasceu a Ciência moderna: o saber científico não só não teria melhorado moralmente o Homem, mas, induzindo-o sempre mais a abandonar as crenças tradicionais, a não sentir-se mais sujeito a Deus, a crer-se único “senhor” e “construtor” do próprio destino, teria corrompido-o ainda mais186. No séc. XX, a violação do primeiro e fundamental imperativo moral – Não matar! – assumiu proporções tais fazendo antever próximo, senão já atual, o advento da idade do niilismo pré-anunciada por F. Nietzsche187. Os conflitos morais surgidos entre o progresso técnico-científico e o direito humano fundamental à vida são conflitos de valores e, portanto, de preferências e de escolhas últimas. Por exemplo, a construção da bomba de hidrogênio deve ser condenada porque é um mal em si mesmo, independente do fato que seja utilizada e do uso que dela se faça? Ou então, a construção desta bomba é coisa moralmente indiferente, porque é somente um instrumento e, como todos os instrumentos, pode servir tanto ao bem Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, p. 635. 186 Cfr. Ibidem. 187 Cfr. Ibidem, pp. 635-636. 185 154 quanto ao mal, segundo o modo e o fim para o qual é utilizado?188 Segundo Bobbio, tanto a primeira alternativa quanto a segunda remete a ulteriores juízos de valor: a primeira remete ao não-valor da violência e ao valor primordial da vida humana como condição para todos os demais valores, que justifica o princípio ético Não matar como sendo absolutus; a segunda, remete ao valor do justo e do injusto em base ao qual se julga sobre o valor ou não da vida humana.189 Nunca, como durante o século XX, em particular depois da Segunda Guerra, o tema dos direitos humanos fundamentais – em particular dos direitos à vida e a viver – foi novamente proposto à atenção da opinião pública mundial: um motivo de esperança, junto a tantos outros sinais contrários190. Portanto, observou ainda Bobbio, podemos afirmar que existem zonas de luz, sinais de progresso moral da Humanidade que não podemos ignorar. Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28. 189 Cfr. Ibidem: [...] al disvalore della violenza e al valore primordiale della vita umana come condizione di tutti i valori, […]. 190 Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, p. 432. 188 155 1.4. Evolução Histórica do Direito à Vida. 1.4.1. O Direito à Vida é um Direito Histórico? Em sede teorética, Bobbio sempre sustentou que os direitos humanos fundamentais são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, marcados por lutas pela defesa de novas liberdades contra velhos poderes; nascidos gradualmente, não todos de uma só vez e nem de uma vez para sempre191. Segundo Bobbio os direitos humanos nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento da potência do Homem sobre o Homem, conseqüência inevitável do progresso técnico-científico, ou seja, do progresso da capacidade do Homem de dominar a Natureza e os outros homens. Os direitos nascem também quando o aumento desta “Potência” comporta novas ameaças à liberdade do indivíduo humano; ou então quando consente novos remédios à sua indigência: ameaças que se contrapõem com 191 Para N. Bobbio os direitos do Homem como direitos históricos, nascidos na idade moderna das lutas contra o Estado absoluto, são uma das teses centrais do estudo, historicamente bem documentado, de G. PECES-BARBA MARTINEZ, sobre o lugar da História no conceito dos direitos fundamentais. Cfr. G. PECES-BARBA MARTINEZ, “Sobre el puesto de la Historia en el concepto de los derechos fundamentales”, a cura do Instituto de derechos humanos da Universidade Complutense de Madrid, in Anuario de derechos humanos IV (1986-1987), pp. 219-258. 156 pedidos de limites do poder; remédios que se provê com o pedido ao mesmo poder de interferências protetoras192. Segundo Bobbio, o conflito político por excelência é o conflito entre o poder de uns e as liberdades dos outros. “Poder” e “liberdade” são dois termos correlatos: numa relação intersubjetiva quanto mais se estende o poder de um dos sujeitos, tanto mais se restringe a liberdade do outro193. Aos pedidos de limites do poder do Estado correspondem os direitos de liberdade ou a um não-fazer da parte do Estado, que é chamada a primeira geração dos direitos. A este não-fazer da parte do Estado pertence o direito à vida, em sentido negativo: Não matar! Dito com outras palavras: Deixar viver! Às interferências protetoras da parte do Estado, correspondem os direitos sociais ou a um fazer positivo da parte do Estado, que é chamada a segunda geração dos direitos. A este fazer da parte do Estado pertence o direito à vida em sentido positivo, isto é, o direito a viver: Promover a vida; dar a todos os cidadãos as condições necessárias para viver. Por quanto os pedidos dos direitos possam ser dispostos cronologicamente em diversas fases, ou gerações, as suas espécies são sempre, em relação aos poderes Cfr. N. BOBBIO, “Introduzione” (1997), in EdD, pp. XIV-XV. Não a caso o primeiro grande documento do qual tem início a história moderna dos direitos humanos, cujo escopo é limitar um poder constituído, se chama Magna Charta Libertatum, 15 de Junho de 1215. Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, p. 643. 192 193 157 constituídos, somente duas: ou impedir os malefícios do Poder estatal, ou obter dele os seus benefícios194. 1.4.2. A Afirmação Histórica do Direito à Vida. Segundo Bobbio, a história da afirmação do direito humano fundamental à vida foi progressiva. A primeira etapa desse processo histórico transformou uma aspiração ideal num verdadeiro e próprio direito; num direito público subjetivo – direito em sentido forte – mesmo que somente no âmbito restrito de uma Nação, foi a sua constitucionalização através das declarações dos direitos inseridas nas primeiras Constituições liberais; depois, paulatinamente, nas Constituições liberais e democráticas que vieram à luz nos dois séculos sucessivos195. Bobbio observou que desde a primeira declaração dos direitos dos Estados Unidos da América, 1776, e daquela da Revolução francesa, 1789, às Cartas dos direitos das Constituições contemporâneas; o escopo principal dos primeiros artigos é sempre aquele de reconhecer ao Indivíduo-cidadão o poder de apropriar-se de novos espaços vitais de liberdade em relação aos poderes constituídos196. A segunda etapa desse processo de afirmação histórica dos direitos humanos fundamentais – neste caso se trata de uma evolução contínua e que ainda continua – foi a Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. XV. Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, pp. 437-438. 196 Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, p. 643. 194 195 158 sua progressiva extensão. Segundo Bobbio, a primeira forma de extensão aconteceu ao interno dos direitos de liberdade: particularmente do direito de viver. A segunda forma de extensão aconteceu na passagem do reconhecimento dos direitos civis àqueles dos direitos políticos, até a concessão do sufrágio universal; passagem que representou a transformação do Estado liberal em Estado democrático. A terceira forma de extensão, a mais incisiva, foi aquela que introduziu os direitos sociais, e assim transformou o Estado Democrático-liberal num Estado Democrático-social197. A terceira etapa desse processo de afirmação histórico dos direitos fundamentais à vida e a viver, foi aquela da sua universalização, que teve o seu ponto de partida na Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948. Tratou-se da transposição da sua proteção do Sistema nacional ao Sistema internacional, que pela primeira vez na História fez do indivíduo, naquela linha de pensamento individualista, um sujeito de direito internacional; e ofereceu-lhe a possibilidade – mesmo se mais hipotética que real – de pedir justiça a uma Instância Superior contra o próprio Estado198. Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, p. 438. 198 Cfr. Ibidem. 197 159 A quarta etapa desse processo de afirmação histórica dos direitos, atingida somente nos últimos anos do séc. XX, Bobbio a chamou de especificação do Sujeito dos direitos fundamentais à vida e a viver. A expressão habitual direitos do Homem à vida e a viver, era demasiadamente genérica. Diante desta expressão, vem espontânea uma pergunta: Direitos à vida e a viver de qual Homem? Quem é o sujeito destes direitos? Já ao início deste processo histórico da afirmação dos direitos fundamentais, distinguiram-se o Homem em “geral” e o Cidadão, no sentido que ao Homem-cidadão podiam ser atribuídos ulteriores direitos em relação ao Homem-genérico. Uma ulterior especificação se tornara necessária ao passo que emergiam novas pretensões; justificadas em base à consideração de exigências específicas de proteção, seja quanto ao gênero, seja quanto às várias fases da vida, seja quanto às condições, normais ou excepcionais, da existência e da vida humana199. Daqui, quanto ao gênero: por exemplo, o reconhecimento de direitos específicos em proteção e promoção da vida das mulheres. Quanto às diferentes fases da vida: por exemplo, o reconhecimento de direitos em proteção e promoção da vida das crianças e dos anciãos. Quanto às condições de vida: por exemplo, o reconhecimento de direitos em proteção e promoção da vida dos enfermos, dos excepcionais, dos enfermos de mente e assim por diante. 199 Cfr. Ibidem. 160 Apesar de ser um fenômeno novo, esta especificação do Sujeito dos direitos fundamentais à vida e a viver é o desenvolvimento da idéia originária do Homem-indivíduo, considerado em todos os seus aspectos como titular do direito fundamental por excelência; condição para todos os demais direitos, ou seja, de pretensões que lhe devem ser reconhecidas, nas suas relações com a Sociedade da qual faz parte, em vista de promover e proteger a sua vida200. 1.4.3. A Terceira Geração dos Direitos. Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados direitos da segunda geração emergiram os chamados direitos da terceira geração201. Jean Rivera, num artigo Sobre la evolución contemporánea de la teoria de los derechos de l’hombre, 1997202, compreende entre estes direitos da terceira geração, os direitos de solidariedade, o direito ao desenvolvimento, o direito à paz internacional, o direito a um ambiente protegido, o direito à comunicação. Bobbio observou que, depois desta enumeração, é natural perguntar-se se é ainda possível falar de direitos em sentido próprio ou não se trate simplesmente de aspirações ou desejos203. 200 Cfr. Ibidem, pp. 438-439. Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. XIV. 202 Cfr. J. RIVERA, Sobre la evolución contemporánea de la teoria de los derechos de l’hombre, citado por N. BOBBIO, “Introduzione” (1997), in EdD, p. XIV. 203 Cfr. IDEM, “Corrientes y problemas en filosofia del derecho”, in Anales de la cátedra Francisco Suarez 25 (1985), p. 193. 201 161 Os chamados direitos da terceira geração nasceram a partir de situações novas, antes nem mesmo imagináveis, que puseram em perigo e submeteram a novas restrições e a novas ameaças seja as liberdades tradicionais, seja a vida no seu curso natural do nascimento à morte, seja a segurança social. “Situações” novas produzidas pelo aumento do saber e das suas aplicações sobre a Natureza e sobre o Homem204. Por exemplo, o direito humano fundamental a viver num ambiente não poluído nasceu por causa da poluição atmosférica; portanto por causa do perigo à saúde pública proveniente da, sempre mais extensa e incontrolável, transformação da Natureza que o desenvolvimento das técnicas de exploração do solo e do subsolo tornou possível. Outro exemplo que Bobbio nos deu foi o direito à privacy: torna-se sempre mais exigente à medida que aumenta a capacidade de difusão da imagem e de informações do indivíduo humano205. 1.4.4. A Quarta Geração dos Direitos. À quarta geração dos direitos pertence o novíssimo direito que pretende proteger o patrimônio genético do Homem do amanhã. Não se pensa somente à vida do Homem de hoje, mas procura-se proteger e promover os direitos à vida e a viver das futuras gerações humanas, cuja sobrevivência é ameaçada pelo crescimento desmedido de armas sempre mais destrutivas. Hoje, com os incríveis Cfr. N. BOBBIO, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, p. 644. 205 Cfr. Ibidem. 204 162 progressos da engenharia genética que não se contenta somente de modificar a Natureza fora do Homem, mas pretende de modificar a estrutura genética mesma do Homem, essa proteção do seu patrimônio genético é sempre mais urgente. A resolução adotada pela Conferência Geral da UNESCO, em sua 30ª Sessão, 16 de Novembro de 1999, aprovou a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos. Este é o primeiro grande documento dos direitos da quarta geração, visando proteger o genoma humano que constitui a base da unidade fundamental de todos os membros da família humana bem como de sua inerente dignidade e diversidade. Em uma palavra, visando proteger o patrimônio da Humanidade, como declarou no seu artigo primeiro. Segundo Bobbio os direitos que foram exclusivamente humanos, por exemplo, o direito fundamental a viver sem maus tratos, será estendido a novos sujeitos não-humanos, como já o foram aos animais; antigamente considerados pela moralidade comum como sujeitos passivos, sem direitos206. Uma primeira tentativa de modificar este status dos animais é a Declaração Universal dos Direitos do Animal, da UNESCO, aprovada trinta anos atrás, em Paris, 15 de Outubro de 1978. Ainda podemos esperar muita novidade neste campo. Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987), republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 124. 206 163 Bobbio observou que uma coisa é a pretensão de haver um direito e outra coisa muito diferente é a sua satisfação. Ao mesmo passo que aumentam as pretensões de direitos, a sua proteção fica igualmente mais difícil. Os direitos sociais, da segunda geração, são mais difíceis de proteger do que os direitos de liberdade, da primeira geração. O mesmo vale para a terceira e quarta gerações dos direitos. Assim também a proteção internacional é mais difícil que a proteção interna, no próprio Estado. Poderíamos multiplicar os exemplos do contraste entre o ideal e o real dos direitos humanos fundamentais; entre as solenes declarações dos direitos fundamentais e a atuação das mesmas; entre a grandiosidade das promessas e a miséria das realizações no campo da proteção e promoção dos direitos. Porque Bobbio interpretou a vastidão que assumiu, atualmente, o debate sobre os direitos do Homem como um sinal do progresso moral da Humanidade, não será inoportuno repetir que este crescimento moral se mede não pelas palavras, mas pelos fatos207. Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, p. 439. 207 164 2. Significados Positivos do Direito à Vida. A expressão direito à vida referida ao Homem, na sua acepção mais comum, pode significar o fundamento jurídico constitucional, que na Sociedade de direito, assegura aos cidadãos a defesa da morte, do ferimento ou de atos nocivos à própria vida da parte de outros. É quanto entende o V mandamento do Decálogo: Não matarás! Significa também o direito do morrente a receber cuidados intensivos a fim de não perder a vida: direitos a que lhe venham postos a disposição, da parte da Sociedade, meios maiores de quanto comumente ofertado a quem não se encontra em perigo de morte. Direito à vida pode significar ainda o direito subjetivo a não dever pôr em perigo a própria vida, senão em casos gravíssimos previstos pela Lei ou pela moral comumente compartilhada. Para os funcionários como vigia do fogo, polícia, soldados, pessoal sanitário, são previstos standard especiais. Ainda pode significar o direito de um feto de receber o necessário para que possa chegar ao nascimento saudável. O respeito pelo feto, normalmente, toma formas mais ou menos absolutas, segundo que o Direito positivo ou a teoria moral, reconheçam nele um Homem ou não. Direito à vida também pode significar o direito de suicidar-se. Não mais submetido à punição pelos sistemas penais. Em sentido moral as posições vão da aprovação incondicionada, àquela sob condições especiais – que não 165 deixe em dificuldades extrema mulher e filhos, por exemplo; à rejeição total como na moral cristã, mesmo em situação extrema.208 O direito à vida do portador de handicap grave ou total, se não considerado ao momento do nascimento, tratase do direito de receber cuidados intensivos a fim de não perder a vida. Enquanto nascituro gravemente mal-formado ou ao menos inibido, o direito à vida implica o direito a cuidados especiais; por isto e para seu próprio ‘bem’ existe quem admite moralmente a sua eliminação. A maioria dos ordenamentos jurídicos protege o direito à vida para o nascido, enquanto em alguns casos reconhece o aborto terapêutico. 2.1. Convenções e Tratados Internacionais. As convenções e tratados internacionais, bem como as declarações e cartas sobre os direitos humanos, declaram este primordial direito à vida. Estas acepções comuns tomam uma particular coloração se o pensamento de fundo é aquele cristão. De um modo ou de outro a resposta é ligada à visão que se tem do sentido objetivo da vida humana. Cfr. F. COMPAGNONI, “Diritto alla vita”, in S. LEONE, - S. PRIVITERA (editores), Nuovo Dizionario di Bioetica, Roma 2004, 328. 208 166 2.1.1. Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, 1948. A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, resolução XXX, Ata Final, aprovada na IX Conferência Internacional Americana, em Bogotá, em abril de 1948, diz no artigo 1, usando a locução ‘ser humano’ também afirma este primordial direito à vida: Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa. 2.1.2. Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, 10 de Dezembro de 1948, reconhece no artigo 3 o direito à vida à universalidade dos homens: Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. 2.1.3. Convenzione Europea per la salvaguardia dei diritti dell'uomo e delle libertà fondamentali, 1950. A Convenzione Europea per la salvaguardia dei diritti dell'uomo e delle libertà fondamentali, assinada a Roma em 4 de Novembro de 1950, cujo texto coordenado com as emendas que ao Protocolo n. 11, assinado a Strasburgo, em 11 de Maio de 1994, entrado em vigor em 01 de Novembro de 1998, ao artigo 2, não usa nem Homem, nem Ser Humano, mas sim Pessoa. É a Pessoa o titular do 167 direito à vida, claro que entendida como significando todo Homem: 1. Il diritto alla vita di ogni persona è protetto dalla legge. Nessuno può essere intenzionalmente privato della vita, salvo che in esecuzione di una sentenza capitale pronunciata da un tribunale, nel caso in cui il delitto è punito dalla legge con tale pena. 2. La morte non si considera inflitta in violazione di questo articolo quando risulta da un ricorso alla forza resosi assolutamente necessario: a. per assicurare la difesa di ogni persona dalla violenza illegale; b. per eseguire un arresto regolare o per impedire l'evasione di una persona regolarmente detenuta; c. per reprimere, in modo conforme alla legge, una sommossa o una insurrezione.209 “1. O direito à vida de toda pessoa é protegido pela lei. Ninguém pode ser intencionalmente privado da vida, salvo que em execução de uma sentença capital pronunciada por um tribunal, no caso no qual o delito é punido pela lei com tal pena. 2. A morte não se considera infligida em violação deste artigo quando resulta de um recurso à força tornada absolutamente necessária: a) para assegurar a defesa de toda pessoa da violência ilegal; b) para executar uma prisão regular ou para impedir a evasão de uma pessoa regularmente detida; c) para reprimir, em modo conforme à lei, uma sublevação ou insurreição.” (Minha tradução) 209 168 2.1.4. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, 1966. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adotado pela Resolução n. 2.200 A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de Dezembro de 1966 e ratificado pelo Brasil, em 24 de Janeiro de 1992, no artigo 6, fala de um direito à vida inerente, não ao Homem, nem ao Ser Humano, nem à Pessoa, mas sim à Pessoa humana. Mesmo entendendo todos estes modos de qualificar o mesmo Ser dotado de humanitas, é-nos interessante notar certa evolução na concepção do Homem enquanto sujeito de direitos inalienáveis: § 1. O direito à vida é inerente à pessoal humana. Este direito deverá ser protegido pelas Leis. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida. §2. Nos países em que a pena de morte não tenha sido abolida, esta poderá ser imposta apenas nos casos de crimes mais graves, em conformidade com a legislação vigente na época em que o crime foi cometido e que não esteja em conflito com as disposições do presente Pacto; nem com a Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. Poder-se-á aplicar essa pena em decorrência de uma sentença transitada em julgado e proferida por tribunal competente. §3. Quando a privação da vida constituir crime genocídio, entende-se que nenhuma disposição presente artigo autorizará qualquer Estado-parte presente Pacto s eximir-se, de modo algum, 169 de do no do cumprimento de qualquer das obrigações que tenham assumido, em virtude das disposições da Convenção sobre a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. §4. Qualquer condenado à morte terá o direito de pedir indulto ou comutação da pena. A anistia, o indulto ou a comutação da pena poderão ser concedidos em todos os casos. §5. Uma pena de morte não poderá ser imposta em casos de crimes por pessoas menores de 18 anos, nem aplicada a mulheres em caso de gravidez, §6. Não se poderá invocar disposição alguma de presente artigo para retardar ou impedir a abolição da pena de morte por um Estado-parte no presente Pacto. 2.1.5. Convenção Americana de Direitos Humanos, 1969. A Convenção Americana de Direitos Humanos, adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre direitos humanos, em San José de Costa Rica, em 22 de Novembro de 1969, e ratificada pelo Brasil em 25 de Setembro de 1992; diz ao artigo 4: §1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. 170 §2. Nos países que não houverem abolido a pena de morte, esta só poderá ser imposta pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competente e em conformidade com a lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente. §3. Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido. §4. Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada a delitos políticos, nem a delitos comuns conexos com delitos políticos. §5. Não se deve impor a pena de morte à pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez. §6. Toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os caos. Não se pode executar a pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competente. 2.1.6. Convenção sobre os Direitos da Criança, 1989. A Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução n.º L. 44 (XLIV) da Assembléia Geral das 171 Nações Unidas, em 20 de Novembro de 1989, e ratificada pelo Brasil, em 20 de Setembro de 1990, diz no artigo 6: §1. Os Estados Membros reconhecem que toda criança tem o direito inerente à vida. §2. Os Estados Membros assegurarão ao máximo a sobrevivência e o desenvolvimento da criança. O problema se põe, hoje, como a Convenzione Europea per la salvaguardia dei diritti dell'uomo e delle libertà fondamentali, assinada a Roma, em 4 de Novembro de 1950, e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, 16 de Dezembro de 1966, o prospectam: sendo o direito à vida inerente à Pessoa, quem é portanto Pessoa? A convenção americana é a mais explícita: reconhece um direito à vida geral – não absoluto – ao fruto da concepção e proíbe a reintrodução da pena de morte nos países onde ela fora abolida. 2.2. Algumas Posições Atuais. As posições atuais são as mais antagônicas. Como exemplo, podemos citar as posições de Albert Schweitzer e de Peter Singer. Albert Schweitzer, o médico dos leprosos morto em 1964, que desenvolve o próprio pensamento partindo de uma experiência que pode ser formulada neste modo: Eu 172 sou uma vida que quer viver, estou em meio a uma vida que quer viver. A esta experiência corresponde uma norma que constitui o motivo inspirador da sua ética: Bem é manter, promover e levar ao seu mais alto valor a vida; Mal é aniquilar a vida, feri-la, impedi-la. Toda forma de cultura se funda sobre uma afirmação ética do Mundo e da vida, somente o Homem sabe superar os choques da vontade na luta pela existência, prestando a sua atenção e ajuda à sua vida e à vida alheia.210 A posição de Peter Singer, presente na sua Ética prática, nega que a vida do Homem tenha um particular valor em si. Ele diz que não concorda à vida de um feto valor maior do que aquele da vida de um simples animal a um nível semelhante de racionalidade, autoconsciência, consciência, capacidade de sentir, etc. Singer ainda diz que quando a vida de uma criança for tão penosa ao ponto de não valer a pena ser vivida, se não existem razões extrínsecas para manter a criança em vida como os sentimentos dos genitores, seria melhor matála. Matar um neonato com más formações não é moralmente equivalente a matar uma Pessoa, concluiu temerariamente ele211. Assim se comportavam gregos e romanos, as raízes da nossa civilização ocidental. Somente com o Cristianismo, por motivos sobrenaturais – destino eterno e criacionismo – foi introduzida a atual visão ocidental da intangibilidade do Cfr. F. COMPAGNONI, “Diritto alla vita”, in S. LEONE, - S. PRIVITERA (editores), Nuovo Dizionario di Bioetica, Roma 2004, 329-330. 211 Cfr. P. SINGER, Etica pratica, trad. it., Napoli 1989, cap. 4. 210 173 Homem. Porque, hoje, os pressupostos não são mais largamente compartilhados, portanto devemos deixar cair também a idéia da intangibilidade absoluta da vida humana? Com F. Compagnoni podemos tranqüilamente qualificar como extremistas as posições de Peter Singer.212 Um direito pressupõe sempre um seu portador, neste caso um sujeito humano, por isto se discute se o embrião é Homem, se o acéfalo nunca será Homem, ou se o desprovido de cérebro ainda é Homem. Um direito ainda requer que exista, de alguma parte um correspondente dever ao menos de deixá-lo exercitar passivamente; implica, portanto outros homens. O caso da eutanásia sob solicitação do doente irrecuperável é outra coisa: é a discussão sobre o direito de pôr fim ou fazer pôr fim à própria vida. Corresponder-lhe-ia o dever alheio de não contrastá-lo ou eventualmente de cooperar com ele.213 Tradicionalmente considera-se que não seja justo matar voluntaria e diretamente um Homem, a menos que não seja culpado de reatos gravíssimos, de imediato perigo à vida ou importantes bens alheios, ou na guerra. Estas situações excepcionais podem ser designadas como situações gravemente criminosas. Neste último caso a teoria se torna teoria da guerra justa e retorna em forma coletiva à proibição geral de matar. No entanto, não deve ser confundido o específico direito à vida de cada Homem com Cfr. F. COMPAGNONI, “Diritto alla vita”, in S. LEONE, - S. PRIVITERA (editores), Nuovo Dizionario di Bioetica, Roma 2004, 330. 213 Cfr. F. COMPAGNONI, “Diritto alla vita”, in S. LEONE, - S. PRIVITERA (editores), Nuovo Dizionario di Bioetica, Roma 2004, 330. 212 174 o dever geral de proteção e respeito da vida dos viventes ou também dos homens em geral.214 3. A Posição do Magistério Eclesiástico. Considero que a vida humana tem início no primeiro instante da fecundação do óvulo. A inviolabilidade da vida humana é o primeiro direito do Homem, para assegurar-lhe uma plena e absoluta proteção durante todo o arco da sua existência. Cfr. Ibidem; cfr. ainda S. LEONE, “Il diritto alla vita nella cultura mediterranea”, in Bioetica e Cultura 1 (1992) 53-66; G. GEMMA, “Vita (diritto alla)”, in Digesto delle discipline pubblicistiche, XV Torino 2000; S. ZANINELLI (ed.), Scienza, tecnica e rispetto dell’uomo. Il caso delle cellule staminali, Milano 2001; A. SCHWEITZER, Rispetto per la vita, Torino 1994; G. MATTAI, “Cultura della vita, Pace, Mediterraneo”, in Bioetica e Cultura 9 (1996) 89-94; C. CASINI, Diritto alla vita & ricomposizione civile, Milano 2001- S. CIPRESSA, “Il diritto alla vita come fondamento del bene comune”, in Anime e corpi 209/210 (2000) 241-247; M. COZZOLI, “La legge naturale a difesa della vita. Le ragioni e i limiti della difesa della vita”, in Orizzonte medico 3 (2001) 5-13. 214 175 3.1. Mater et magistra, 15 de Maio de 1961. João Pp. XXIII, na lit. enc. Mater et magistra, 15 de Maio de 1961, diz que A transmissão da vida humana foi confiada pela natureza a um ato pessoal e consciente, sujeito, como tal, às leis sapientíssimas de Deus: leis invioláveis e imutáveis, que é preciso acatar e observar. Por isso, não se podem usar aqui meios, nem seguir métodos, que serão lícitos quando se tratar da transmissão da vida nas plantas e nos animais. A vida humana é sagrada: mesmo a partir da sua origem, ela exige a intervenção direta da ação criadora de Deus. Quem viola as leis da vida, ofende a Divina Majestade, degrada-se a si e ao gênero humano, e enfraquece a comunidade de que é membro.215 3.2. Christifideles Laici, 30 de Dezembro de 1988 Na visão do Magistério Eclesiástico, trata-se de uma inviolabilidade que é o reflexo mesmo de Deus: dele derivam, em particular, os princípios que devem guiar a 215 Cfr. JOANNES Pp. XXIII, lit. enc. Mater et magistra, 15 de Maio de 1961, n. 192-193. 176 transmissão da vida e impedir todo perigo de manipulação genética216: O reconhecimento efetivo da dignidade pessoal de cada ser humano exige o respeito, a defesa e a promoção dos direitos da pessoa humana. Trata-se de direitos naturais, universais e invioláveis: ninguém, nem o indivíduo, nem o grupo, nem a autoridade, nem o Estado, pode modificar e muito menos eliminar esses direitos que emanam do próprio Deus. Ora, a inviolabilidade da pessoa, reflexo da inviolabilidade absoluta do próprio Deus, tem a sua primeira e fundamental expressão na inviolabilidade da vida humana. É totalmente falsa e ilusória a comum defesa, que, aliás, justamente se faz dos direitos humanos — como, por exemplo, o direito à saúde, à casa, ao trabalho, à família e à cultura, — se não se defende com a máxima energia o direito à vida, como primeiro e fontal direito, condição de todos os outros direitos da pessoa. A Igreja nunca se deu por vencida perante todas as violações que o direito à vida, que é próprio de cada ser humano, tem sofrido e continua a sofrer, tanto por parte dos indivíduos como mesmo até por parte das próprias autoridades. O titular desse direito é o ser humano, em todas as fases do seu desenvolvimento, desde a concepção até à morte natural, e em todas as suas condições, tanto de saúde como de doença, de perfeição ou de deficiência, de riqueza ou de miséria. 216 Cfr. PONTIFICIUM CONSILIUM PRO JUSTITIA ET PAX, I Diritti dell’uomo nell’insegnamento della Chiesa, da Giovanni XXIII a Giovanni Paolo II, a cura de G. FILIBECK, Città del Vaticano 2001, 527. 177 O Concílio Vaticano II afirma abertamente: ‘Tudo quanto se opõe à vida, como seja toda a espécie de homicídio, genocídio, aborto; à integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e de jovens; e também as condições degradantes de trabalho, em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis; todas estas coisas e outras semelhantes são, sem dúvida, infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que as padecem, e ofendem gravemente a honra devida ao Criador’. Ora, se a todos pertencem a missão e a responsabilidade de reconhecer a dignidade pessoal de cada ser humano e de defender o seu direito à vida, certos fiéis leigos são a isso chamados por um título particular: são os pais, os educadores, os agentes da saúde e todos os que detêm o poder econômico e político. Ao aceitar amorosa e generosamente toda a vida humana, sobretudo se fraca e doente, a Igreja vive hoje um momento fundamental da sua missão, tanto mais necessária quanto mais avassaladora se tornou uma ‘cultura de morte’. De fato, ‘a Igreja firmemente acredita que a vida humana, mesmo se fraca e sofredora, é sempre um dom maravilhoso do Deus da bondade. Contra o pessimismo e o egoísmo, que ensombram o mundo, a 178 Igreja está do lado da vida: e em cada vida humana ela consegue descobrir o esplendor daquele ‘Sim’, daquele ‘Amen’, que é o próprio Cristo (cf. 2 Cor 1, 19; Ap 3, 14). Ao ‘não’ que avassala e aflige o mundo, contrapõe esse vivo ‘Sim’, defendendo dessa maneira o homem e o mundo daqueles que ameaçam e mortificam a vida’. Pertence aos fiéis leigos, que mais diretamente ou por vocação ou por profissão se ocupam do acolher a vida, tornar concreto e eficaz o ‘sim’ da Igreja à vida humana. Nas fronteiras da vida humana abrem-se hoje novas possibilidades e responsabilidades com o enorme progresso das ciências biológicas e médicas, aliado ao surpreendente poder tecnológico: o homem, com efeito, é já capaz, não só de ‘observar’ mas também de ‘manipular’ a vida humana no seu início e nas primeiras fases de seu desenvolvimento. A consciência moral da humanidade não pode ficar alheia ou indiferente perante os passos gigantescos dados por uma força tecnológica que consegue ter um domínio cada vez mais vasto e profundo sobre os dinamismos que presidem à procriação e às primeiras fases do desenvolvimento da vida humana. Talvez nunca como hoje e neste campo, a sabedoria se revela como única ancora de salvação, para que o homem, na investigação científica e na aplicada, possa agir sempre com inteligência e com amor, isto é, no respeito, diria mesmo na veneração, da inviolável dignidade pessoal de todo o ser humano, desde o primeiro instante da sua existência. Isso acontece quando, usando meios lícitos, a ciência e a técnica se empenham na defesa da vida e na cura da doença, desde os inícios, recusando, no entanto, — 179 pela própria dignidade da investigação — intervenções que se tornem perturbadoras do patrimônio genético do indivíduo e da geração humana. Os fiéis leigos que, a qualquer título ou a qualquer nível, se empenham na ciência e na técnica, bem como na esfera médica, social, legislativa e econômica, devem corajosamente enfrentar os ‘desafios’ que lhes lançam os novos problemas da bioética. Como disseram os Padres sinodais, ‘os cristãos devem exercer a sua responsabilidade como donos da ciência e da tecnologia, não como seus escravos ... Em ordem a esses ‘desafios’ morais, que estão para serem lançados pela nova e imensa força da tecnologia e que põem em perigo, não só os direitos fundamentais dos homens, mas a própria essência biológica da espécie humana é da máxima importância que os leigos cristãos — com a ajuda de toda a Igreja — tomem a peito o enquadramento da cultura nos princípios de um humanismo autêntico, de forma que a promoção e a defesa dos direitos do homem possam encontrar fundamento dinâmico e seguro na sua própria essência, aquela essência que a pregação evangélica revelou aos homens’. É urgente que todos, hoje, estejam alertados para o fenômeno da concentração do poder, e, em primeiro lugar, do poder tecnológico. Tal concentração tende, com efeito, a manipular, não só a essência biológica, mas também os conteúdos da própria consciência dos homens e os seus padrões de vida, agravando, assim, a discriminação e a marginalização de povos inteiros.217 217 Cfr. JOANNES PAULUS Pp. II, adh. ap. post. Christifideles Laici, 180 3.3. Jornada Mundial da Paz, 1999. João Paulo Pp. II, na sua mensagem para a Jornada Mundial da Paz, 1999: No respeito dos Direitos Humanos o segredo da paz humana, 8 de Dezembro de 1998, afirma que primeiro entre estes direitos é o fundamental direito à vida.218 A vida humana é sagrada e inviolável desde a sua concepção ao seu natural tramonto. ‘Não matar’ é o mandamento divino que marca um extremo limite além do qual não é nunca lícito ir. A morte direta e voluntária de um Indivíduo humano inocente é sempre gravemente imoral.219 O Pontífice ainda afirma que o direito à vida é inviolável. Isto implica uma escolha pela vida. O desenvolvimento de uma cultura orientada neste sentido se estende a todas as circunstâncias da existência e assegura a promoção da dignidade humana em toda situação. Uma verdadeira cultura da vida, como garante o direito de vir ao Mundo a quem não é ainda nascido, assim protege os neonatos, particularmente as meninas, do crime de infanticídio. Igualmente, ela assegura aos portadores de handicap o desenvolvimento das suas potencialidades, e aos doentes e aos anciãos cuidados adequados. 30 de Dezembro de 1988, n. 38. 218 Cfr. IDEM, nunt. Nella prima Enciclica, 8 de Dezembro de 1998, n. 4. 219 Cfr. IDEM, lit. enc. Evangelium vitae, 25 de Março de 1995, 57. 181 Dos recentes desenvolvimentos no campo da engenharia genética emerge, o Pontífice alerta, um desafio que suscita profundas inquietudes. Para que a pesquisa científica neste âmbito seja a serviço do Homem, ocorre que o acompanhe a todo estágio a atenta reflexão ética; que inspire adequadas normas jurídicas a proteção da integridade da vida humana. A vida não pode nunca ser degradada a objeto.220 Escolher a vida, o Pontífice continua, comporta a rejeição de toda forma de violência: aquela da pobreza e da fome, que atinge tantos seres humanos; aquela dos conflitos armados; aquela dos desconsiderados danos do ambiente natural221. Em toda circunstância, o direito à vida deve ser promovido e tutelado com as oportunas garantias legais e políticas, porque nenhuma ofensa contra o direito à vida, contra a dignidade humana de cada indivíduo humano, é irrelevante222: O homem é chamado a uma plenitude de vida que se estende muito para além das dimensões da sua existência terrena, porque consiste na participação da própria vida de Deus. A sublimidade desta vocação sobrenatural revela a grandeza e o valor precioso da vida humana, inclusive já na sua fase temporal. Com efeito, a vida temporal é condição basilar, momento inicial e parte integrante do processo global e unitário da existência humana: um 220 Cfr. JOANNES PAULUS Pp. II, nunt. Nella prima Enciclica, 8 de Dezembro de 1998, n. 4. 221 Cfr. IDEM, lit. enc. Evangelium vitae, 25 de Março de 1995, n. 10. 222 Cfr. IDEM, nunt. Nella prima Enciclica, 8 de Dezembro de 1998, n. 4. 182 processo que, para além de toda a expectativa e merecimento, fica iluminado pela promessa e renovado pelo dom da vida divina, que alcançará a sua plena realização na eternidade (cf. 1 Jo 3, 1-2). Ao mesmo tempo, porém, o próprio chamamento sobrenatural sublinha a relatividade da vida terrena do homem e da mulher. Na verdade, esta vida não é realidade ‘última’, mas ‘penúltima’; trata-se, em todo o caso, de uma realidade sagrada que nos é confiada para a guardarmos com sentido de responsabilidade e levarmos à perfeição no amor pelo dom de nós mesmos a Deus e aos irmãos. A Igreja sabe que este Evangelho da vida, recebido do seu Senhor, encontra um eco profundo e persuasivo no coração de cada pessoa, crente e até não crente, porque se ele supera infinitamente as suas aspirações, também lhes corresponde de maneira admirável. Mesmo por entre dificuldades e incertezas, todo o homem sinceramente aberto à verdade e ao bem pode, pela luz da razão e com o secreto influxo da graça, chegar a reconhecer, na lei natural inscrita no coração (cf. Rm 2, 14-15), o valor sagrado da vida humana desde o seu início até ao seu termo, e afirmar o direito que todo o ser humano tem de ver plenamente respeitado este seu bem primário. Sobre o reconhecimento de tal direito é que se funda a convivência humana e a própria comunidade política. De modo particular, devem defender e promover este direito os crentes em Cristo, conscientes daquela verdade maravilhosa, recordada pelo Concílio Vaticano II: ‘Pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-Se de certo modo a cada homem’. De fato, neste acontecimento da salvação, revela-se à humanidade não só o amor 183 infinito de Deus que ‘amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único’ (Jo 3, 16), mas também o valor incomparável de cada pessoa humana. A Igreja, perscrutando assiduamente o mistério da Redenção, descobre com assombro incessante este valor, e sente-se chamada a anunciar aos homens de todos os tempos este ‘evangelho’, fonte de esperança invencível e de alegria verdadeira para cada época da história. O Evangelho do amor de Deus pelo homem, o Evangelho da dignidade da pessoa e o Evangelho da vida são um único e indivisível Evangelho. É por este motivo que o homem, o homem vivo, constitui o primeiro e fundamental caminho da Igreja.223 3.4. Familiaris Consortio, 22 de Novembro de 1981. Na adh. ap. post. Familiaris Consortio, 22 de Novembro de 1981, o mesmo Pontífice diz que De fato o progresso científico-técnico que o homem contemporâneo amplia continuamente no domínio sobre a natureza, não só desenvolve a esperança de criar uma humanidade nova e melhor, mas gera também uma sempre mais profunda angústia sobre o futuro. Alguns se perguntam se viver é bom ou se não teria sido melhor nem sequer ter nascido. Duvidam, 223 Cfr. JOANNES PAULUS Pp. II, lit. enc. Evangelium vitae, 25 de Março de 1995, n. 2. 184 portanto, da liceidade de chamar outros à vida, que talvez amaldiçoarão a sua existência num mundo cruel, cujos terrores nem sequer são previsíveis. Outros pensam que são os únicos destinatários das vantagens da técnica e excluem os demais, impondolhes meios contraceptivos ou técnicas ainda piores. Outros ainda, algemados como estão pela mentalidade consumista e com a única preocupação de um aumento contínuo dos bens materiais, acabam por não chegar a compreender e, portanto por rejeitar a riqueza espiritual de uma nova vida humana. A razão última destas mentalidades é a ausência de Deus do coração dos homens, cujo amor só por si é mais forte do que todos os possíveis medos do mundo e tem o poder de vencê-los. Nasceu assim uma mentalidade contra a vida (anti-life mentality), como emerge de muitas questões atuais: pense-se, por exemplo, num certo pânico derivado dos estudos dos ecólogos e dos futurólogos sobre a demografia, que exageram, às vezes, o perigo do incremento demográfico para a qualidade da vida. Mas a Igreja crê firmemente que a vida humana, mesmo se débil e com sofrimento, é sempre um esplêndido dom do Deus da bondade. Contra o pessimismo e o egoísmo que obscurecem o mundo, a Igreja está do lado da vida: e em cada vida humana sabe descobrir o esplendor daquele «Sim», daquele «Amém» que é o próprio Cristo. Ao «não» que invade e aflige o mundo, contrapõe este «Sim» vivente, defendendo deste modo o homem e o Mundo de quantos insidiam e mortificam a vida. A Igreja é chamada a manifestar novamente a todos, com uma firme e mais clara convicção, a vontade de promover, com todos os 185 meios e de defender contra todas as insídias a vida humana, em qualquer condição e estado de desenvolvimento em que se encontre. Por tudo isto a Igreja condena como ofensa grave à dignidade humana e à justiça todas aquelas atividades dos governos ou de outras autoridades públicas, que tentam limitar por qualquer modo a liberdade dos cônjuges na decisão sobre os filhos. Conseqüentemente qualquer violência exercitada por tais autoridades em favor da contracepção e até da esterilização e do aborto procurado, deve absolutamente ser condenada e rejeitada com firmeza. Do mesmo modo deve-se reprovar como gravemente injusto o fato de, nas relações internacionais, a ajuda econômica concedida para a promoção dos povos ser condicionada a programas de contracepção, esterilização e aborto procurado.224 3.5. Donum vitae, 22 de Fevereiro de 1987. A Congregatio pro Doctrina Fidei, na instr. Donum vitae, 22 de Fevereiro de 1987, diz que os valores fundamentais conexos com as técnicas de procriação artificial humana são dois: a vida do Ser Humano chamado à existência e à originalidade da sua transmissão no matrimônio. O juízo moral sobre 224 Cfr. JOANNES PAULUS Pp. II, adh. ap. post. Familiaris Consortio, 22 de Novembro de 1981, n. 30. Grifo meu. 186 tais métodos que de procriação artificial deverá, portanto ser formulado em referência a estes valores. A vida física, pela qual tem início a vicissitude humana no mundo, não exaure certamente em si todo o valor do Homem nem representa o bem supremo do Homem que é chamado à eternidade. Todavia constitui em certo modo o valor fundamental, próprio porque sobre a vida física se fundam e se desenvolvem todos os outros valores do Homem. A inviolabilidade do direito à vida do Ser Humano inocente do momento da concepção à morte é um sinal e uma exigência da inviolabilidade mesma do Homem, ao qual o Criador fez o dom da vida. A transmissão da vida humana é confiada pela natura a um ato pessoal e consciente e, como tal, sujeito às leis do Criador: leis imutáveis e invioláveis que vão reconhecidas e observadas.225 Segundo a doutrina antropológica ensinada pelo Magistério Eclesiástico, desde o momento da concepção a vida de todo Ser Humano vai respeitada em modo absoluto porque, sobre a Terra, ele é a única criatura que o Criador a quis por si mesma. Todo o seu ser leva a imagem do Criador. A vida humana é sagrada porque desde o início comporta a ação criadora de Deus e permanece para sempre numa relação especial com o Criador. Ninguém, em nenhuma circunstância, pode reivindicar a si o direito de destruir diretamente um Ser Humano inocente.226 225 Cfr. CONGREGATIO PRO DOCTRINA FIDEI, instr. Donum vitae, 22 de Fevereiro de 1987, n. 4. Grifo meu. 226 Cfr. CONGREGATIO PRO DOCTRINA FIDEI, instr. Donum vitae, 22 de Fevereiro de 1987, n. 5. 187 3.6. Jus Canonicum. No ordenamento canônico vigente encontramos normas de evidente defesa da vida. No c. 1041 do CIC 1983, quando determina as irregularidades para receber ordens, são evidentes a positivação e priorização deste primordial direito à vida: São irregulares para receber ordens: (...) 4.º quem tiver praticado homicídio voluntário, ou provocado aborto, tendo-se seguido o efeito, e todos os que tiverem cooperado positivamente; 5.º quem tiver mutilado a si próprio ou a outrem grave e dolosamente, ou tenha tentado suicidar-se; (...). Já o c. 762, § 1, do CCEO, diz: É impedido de receber as ordens sacras: (...); 4º quem cometeu homicídio voluntário ou então procurou um aborto conseguindo o seu efeito e todos aqueles que cooperaram positivamente com ele; 5º quem mutilou gravemente e dolosamente si mesmo ou a outro ou que tentou de tirar-se a vida; (...). Ainda quando no c. 1046 do CIC 1983, regulamentando a multiplicação das irregularidades e impedimentos, afirma: As irregularidades e impedimentos se multiplicam por causas diversas, mas não pela repetição da mesma causa, a não ser que se trate da 188 irregularidade por homicídio ou provocado, ao qual se seguiu o efeito. por aborto Já o c. 766 do CCEO, diz: Os impedimentos se multiplicam segundo as diversas causas suas, mas não pela repetição da mesma causa, a menos que não se trate do impedimento proveniente do homicídio voluntário ou então do aborto procurado, se segue o seu efeito. É também evidente o valor ímpar da vida humana quando o c. 1049 do CIC 1983, disciplinando os pedidos para se obter a dispensa das irregularidades e impedimentos, diz: §1. Nos pedidos para se obter a dispensa das irregularidades e impedimentos, devem ser mencionadas todas as irregularidades e impedimentos; contudo, a dispensa geral vale também para os que tiverem sido ocultos de boa fé, excetuadas as irregularidades mencionadas no cân. 1041, n. 4, ou outras levadas ao foro judicial; não vale porém para as ocultas de má fé. §2. Tratando-se de irregularidade por homicídio voluntário ou por aborto provocado, para a validade da dispensa deve-se indicar também o número de delitos. (...). Este c. 1049 do CIC 1983 é igual ao c. 768, do CCEO, § 2 que diz: 189 Se se trata de impedimento proveniente de homicídio voluntário ou então de aborto procurado, para a validade da dispensa deve ser expresso também o número dos delitos. O direito à vida ainda vem priorizado quando, no c. 1398, o CIC 1983 pune com a excomunhão latae sententiae, quem provoca aborto, effectu secuto: Quem provoca aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão “latae sententiae”. Já o c. 1450, do CCEO determina que seja punido com excomunhão maior também quem comete um homicídio: §1. Quem cometeu um homicídio, seja punido com excomunhão maior; o clérigo seja punido ainda com outras penas, não excluída a deposição. §2. No mesmo modo seja punido quem procurou um aborto conseguindo o seu efeito, firme permanecendo o c. 728, § 2.227 O c. 728, do CCEO, em seu § 2, determina: É reservado invés ao Bispo eparquial absolver do pecado de aborto procurado, se segue o seu efeito. E, por fim, o c. 1397, do CIC 1983, determina que seja punido quem comete homicídio, rapta ou detém com violência ou fraude, ou mutila alguém: 227 Minha tradução. 190 Quem comete homicídio, rapta ou detém alguma pessoa com violência ou fraude, ou a mutila ou fere gravemente, seja punido, conforme a gravidade do delito, com as privações e proibições mencionadas no cân. 1336; e o homicídio das pessoas mencionadas no cân. 1370 é punido com as penas aí estabelecidas. Tendo como pressupostos as reflexões acima apresentadas, podemos tratar especificamente do direito à vida, particularizando-o no direito de nascer do embrião. É o que faremos no próximo item. 4. O Direito de Nascer. Falando do primordial direito à vida, direito de nascer e de viver, não podemos deixar de dar particular atenção ao problema dos direitos do embrião. Começaremos considerando algumas das razões que são hoje apresentadas para negar que o embrião humano, ao menos nos seus mais precoces estágios de desenvolvimento, possua direitos humanos fundamentais. A razão principal para esta rejeição vem expressa, seja sustentando que o embrião nos seus primeiros estágios não é ainda uma Pessoa; seja afirmando que não é ainda um Ser Humano individual.228 Cfr. L. GORMALLY, “Diritti dell’embrione”, in S. LEONE - S. PRIVITERA (editores), Nuovo Dizionario di Bioetica, Roma 2004, 314. 228 191 4.1. O Embrião Humano é Pessoa? É amplamente sustentado que só a Pessoa humana possua direitos humanos fundamentais. A existência desta tese explica suficientemente a importância de negar que o embrião precoce seja um Homem, sujeito de direitos. Foram apresentadas quatro diferentes razões. 4.1.1. O Reconhecimento. Alguns dizem que o embrião não é considerado Pessoa porque não é recebido e reconhecido como tal pelos outros homens. Quando se diz isto o ser Pessoa é entendido como status conferido pelo reconhecimento ou pela percepção. Tal compreensão parece irracional, antes de tudo porque deixa indeterminado quem deva conferir personalidade mediante percepção e reconhecimento. A determinação de quem tenha a qualificação de Pessoa dependeria da identificação mediante alguns critérios específicos. Ainda deveria ser claro que nada de tão fundamental como o ser Pessoa – na medida em que é tão decisivo para a posse dos direitos – pode depender de um tipo de identificação, pode ser operado arbitrariamente. 4.1.2. Os Atributos Psicológicos. Outros dizem que o embrião não é Pessoa porque não possui os atributos psicológicos considerados necessários para ser tal. A objeção supõe que a Pessoa consista numa gama de faculdades atualmente expressas como a faculdade de entender, julgar, escolher, comunicar. Mas a Pessoa, assim definida, pode não ser a base para a posse dos direitos 192 humanos fundamentais, porque o exercício das faculdades racionais é adquirido em graus diferentes; e a extensão àquelas adquiridas não é correlatas com a idade ou outros fatores. Conseqüentemente, existe uma inevitável arbitrariedade no decidir quais faculdades sejam necessárias para que um “indivíduo” seja considerado Pessoa. Mas é incompatível com as nossas fundamentais intuições sobre a Justiça que nós decidimos quem seja sujeito de tal justiça, mediante uma escolha arbitrária. Assim a Pessoa – no sentido assumido pela objeção – não poderia ser o fundamento da posse de direitos humanos.229 A alternativa à arbitrariedade que atribui significado à expressão de algumas faculdades da Pessoa – ou ao respeito de certa gama de capacidades – deve ser o reconhecimento que a Justiça – com os direitos fundamentais a ela conexos – é devida aos seres humanos em virtude da sua Humanitas. A visão pela qual os homens devem ser tratados com Justiça só porque são seres humanos – humanitas vivens – é intrinsecamente racional e não somente um assunto de que temos necessidade para evitar arbitrariedades na determinação dos sujeitos da Justiça. É verdade que a dignidade distintiva e os valores da vida humana se manifestam na atuação de tais faculdades racionais pela quais os homens gozam de bens tais como a verdade, a beleza, a justiça, a amizade e a integridade; mas a vida humana não possui uma intrínseca bondade e dignidade Cfr. L. GORMALLY, “Diritti dell’embrione”, in S. LEONE - S. PRIVITERA (editores), Nuovo Dizionario di Bioetica, Roma 2004, 314-315. 229 193 simplesmente em virtude da atuação de tais faculdades psicológicas. Devemos reconhecer o bem e a dignidade da natura humana que é intrinsecamente ordenada à atuação de tal expressão – para a afirmação da verdade, por exemplo, antes que a desorientação da falsidade. Porque os seres humanos são assim ordenados, a nossa natureza possui uma radical capacidade de desenvolver as faculdades necessárias. Um Indivíduo humano, isto é, um indivíduo dotado de humanitas é uma Pessoa humana segundo a clássica compreensão do termo Persona: Substância individual de natureza racional230. Neste sentido do termo Pessoa, somente os homens possuem direitos humanos fundamentais. Se se possui a humanitas, possui-se uma capacidade radical que a longo termo possibilita adquirir faculdades racionais de primeira ordem. Ora, é claro que o embrião da espécie humana possui tal relevante capacidade.231 230 A. M. T. S. BOETHIUS, Liber De persona et duabus Naturis, 3, PL 64, col. 1345. Para aprofundar o pensamento de A. M. T. S. BOETHIUS, cfr. S. BATTAGLIA (a cura de), Il Boezio e l'Arrighetto nelle versioni del Trecento, Torino 1929; L. BIRAGHI, Boezio filosofo, teologo, martirea Calvenzano Milanese, Milano 1865; H. CHADWICK, Boezio, la consolazione della musica, della logica, della teologia e della filosofia, Bologna 1986; F. GASTALDELLI, Boezio, Roma 1974; L. OBERTELLO, Boezio e dintorni, ricerche sulla cultura altomedievale, Firenze 1989. 231 Cfr. L. GORMALLY, “Diritti dell’embrione”, in S. LEONE - S. PRIVITERA (editores), Nuovo Dizionario di Bioetica, Roma 2004, 315. 194 4.1.3. O Desenvolvimento Orgânico. Outros ainda dizem que o embrião não é Pessoa porque não adquiriu o desenvolvimento orgânico – desenvolvimento dos órgãos dos sentidos e do cérebro – considerados necessários para a vida pessoal. A partir deste ponto de vista o embrião precoce é uma entidade prépessoal que sofre uma mutação substancial ao se tornar Pessoa. Os proponentes desta visão não requerem em geral que o cérebro seja plenamente desenvolvido para que a mutação substancial tenha lugar. Bastaria, habitualmente, o desenvolvimento das estruturas neurais. Mas a este estágio o cérebro não é suficientemente desenvolvido para fornecer o suporte orgânico ao pensamento. Aceitar o desenvolvimento precoce do cérebro como suficiente indicação da mutação de substância significa aceitar que a existência de um precursor de desenvolvimento do neo-cortex forneça uma suficiente indicação. Mas um precursor de desenvolvimento existe desde a formação do embrião, dado que um normal embrião humano possui aquilo que é necessário para desenvolver um cérebro humano. Portanto, não parecem existirem boas razões para pensar que o embrião seja, antes, uma entidade pré-pessoal que se tornará Pessoa mediante uma mudança substancial.232 232 Cfr. Ibidem, 316. 195 4.1.4. O Caráter Epigenético. Dizem enfim, que o caráter epigenético do desenvolvimento biológico, isto é, o seu papel na formação dos novos traços e no emergir das novas características – nos impeça de concluir que o embrião precoce seja uma Pessoa. Mas esta observação se poderia considerar válida só na medida em que seja exposta como uma versão da primeira e da terceira objeção, nenhuma das quais resultou convincente.233 4.1.5. Os Gêmeos Monozigóticos. Entendendo a Pessoa humana como sinônimo de Indivíduo humano, enquanto sujeito de direitos e deveres, poder-se-ia demonstrar que os embriões não são pessoas mostrando que não são seres humanos individuais. Várias razões foram apresentadas para demonstrar esta posição. A primeira razão é que muitos consideram o fenômeno dos gêmeos monozigóticos como a mais decisiva demonstração para pensar que o embrião humano não possa ser uma entidade individual. Ao considerar esta evidência é importante distinguir entre gêmeos monozigóticos espontâneos e aqueles produzidos por uma manipulação experimental. Os gêmeos monozigóticos espontâneos não são comuns, mas notavelmente constante em todas as populações humanas, com uma taxa de 3.5 por 1.000 partes. Isto faz pensar que não seja devido a fatores ambientais, Cfr. L. GORMALLY, “Diritti dell’embrione”, in S. LEONE - S. PRIVITERA (editores), Nuovo Dizionario di Bioetica, Roma 2004, 316. 233 196 mas a fatores possivelmente genéticos internos ao concebido. Mas ainda mais sugere que só um pequeno percentual de concepções possua uma tendência ativa à gemelaridade. A tendência característica da maior parte é de desenvolver-se em indivíduos adultos e esta tendência é evidência de individualidade.234 Os gêmeos obtidos mediante manipulação experimental podem ser adotados como evidência contra uma individualidade orgânica em base a conceitos insustentáveis sobre a individualidade orgânica. O fenômeno da partenogênese natural que se encontra em numerosos insetos, répteis e pássaros demonstra que a individualidade orgânica não é incompatível com uma célula que faz parte de um organismo e que se torna outro organismo. A partenogênese, por quanto não aconteça naturalmente nos mamíferos, foi induzida neles. Ainda o núcleo das células somáticas das rãs e salamandras foi clonado. Ainda uma vez isto demonstra que as partes componentes daqueles que são claramente organismos individuais podem se tornar organismos individuais distintos.235 Os problemas nascem para a individualidade daquela pequena porcentagem de zigotos-embriões antecedentes. A estas perguntas, provavelmente, se pode responder melhor compreendendo o fenômeno como um exemplo de reprodução a-sexuada. Se isto é ou não a melhor abordagem, o ponto importante a reconhecer é que não existe razão para 234 235 Cfr. Ibidem. Cfr. Ibidem. 197 pensar que a maior parte dos concebidos humanos possua uma tendência ativa à gemelaridade. 236 Esta objeção comporta certo recurso à imaginação para convencer-nos de uma significativa descontinuidade ontológica no desenvolvimento do embrião. A gemelaridade não demonstra que exista uma radical descontinuidade entre o ovo inicial e os gêmeos univitelinos, que nos impeça de individuar uma continuidade de forma. Tal exercício de visualização não nos fornece uma prova decisiva para determinar se o desenvolvimento esteja intervindo ao interno de um organismo da mesma natureza.237 4.2. Estatuto Ontológico do Embrião Humano. Nenhuma destas importantes objeções comumente apresentadas contra a evidência que o embrião humano seja sujeito de direitos humanos fundamentais, portanto Pessoa é decisiva. Em suma, podemos dar por certo que: - existe um organismo individual precocemente unitário desde o início do processo de fertilização; a discussão sobre quando isto aconteça exatamente não vem aqui considerada; Cfr. L. GORMALLY, “Diritti dell’embrione”, in S. LEONE - S. PRIVITERA (editores), Nuovo Dizionario di Bioetica, Roma 2004, 317. 237 Cfr. Ibidem, 317-318. 236 198 - este organismo é caracterizado por uma capacidade dinâmica de desenvolvimento que é só adequadamente inteligível na perspectiva de atingir a meta da teleológica maturidade humana; - o desenvolvimento de um embrião normalmente constituído verso a maturidade humana é contínuo, não mostrando alguma evidência de mutações substanciais; - o caráter teleológico – não mecanicista – de tal desenvolvimento é ele mesmo escassamente inteligível se este organismo não é informado por um distinto princípio da Vida humana: a humanitas. Portanto, segundo L. Gormally é razoável concluir que o embrião precoce é uma Pessoa humana e, enquanto tal, sujeito de direitos humanos fundamentais. O que freqüentemente dificulta os membros da Comunidade científica de chegar a esta conclusão não é a dúvida sobre a individualidade humana do embrião, mas o reducionismo mecanicista que influencia a sua abordagem ao estudo de todas as formas de vida.238 No final das contas a disputa entorno ao estatuto ontológico do embrião humano é um debate moral sobre o reconhecimento que estamos dispostos a dar ao outro e ao seu bem.239 Cfr. L. GORMALLY, “Diritti dell’embrione”, in S. LEONE - S. PRIVITERA (editores), Nuovo Dizionario di Bioetica, Roma 2004, 318. 239 Cfr. F. VIOLA, Dalla natura ai Diritti. I luoghi dell’etica contemporanea, Roma - Bari 1997, 333; cfr. ainda F. PAGNONI, “Uno come noi: l’embrione umano”, in Anime e Corpi 186 (1996) 238 199 Os sustentadores moderados de ambas as concepções se encontram no convir que ao nascituro, e em particular ao embrião240, deva-se reconhecer uma tutela particular, porque 395-398; CBUCSC, “Contro la cosiddetta “riduzione” embrionale (Documento n. 2/1996)”, in Anime e Corpi 188 (1996) 813-817; V. DAVID, “Diritti dell’embrione. Analisi delle proposte di legge”, in Bioetica e Cultura 9 (1996) 95-110; IDEM, La tutela giuridica dell’embrione umano. Legislazione italiana ed europea, Acireale 1999; E. BALESTRERO, Il diritto alla vita prenatale nell’ordinamento internazionale. L’apporto della Santa Sede, Bologna 2001; M. LOMBARDI RICCI, Fabbricare bambini? La questione dell’embrione tra nuova medicina e genetica, Milano 1996; A. TARANTINO (editor), Culture giuridiche e diritti del nascituro, Milano 1997; A. ETOKAKPAN, “Lo statuto dell’embrione umano nel dibattito contemporaneo”, in Bioetica e Cultura 15 (1999) 79-88; A. BOMPIANI, “Quale tutela dell’embrione umano nella riflessione biogiuridica internazionale”, in Bioetica 1 (2001) 139-153; G. M. CARBONE, “Alcune osservazioni sull’individualità dell’embrione umano”, in Angelicum 4 (2001) 615-649; D. TETTAMANZI, “La dottrina cattolica sull’inizio della vita umana”, in Panoramica della sanità 42 (2001) 18-21. 240 Para os Direitos do embrião, cfr. F. PAGNONI, “Uno come noi: l’embrione umano”, in Anime e Corpi 186 (1996) 395-398; CBUCSC, “Contro la cosiddetta “riduzione” embrionale (Documento n. 2/1996)”, in Anime e Corpi 188 (1996) 813-817; V. DAVID, “Diritti dell’embrione. Analisi delle proposte di legge”, in Bioetica e Cultura 9 (1996) 95-110; IDEM, La tutela giuridica dell’embrione umano. Legislazione italiana ed europea, Acireale 1999; E. BALESTRERO, Il diritto alla vita prenatale nell’ordinamento internazionale. L’apporto della Santa Sede, Bologna 2001; M. LOMBARDI RICCI, Fabbricare bambini? La questione dell’embrione tra nuova medicina e genetica, Milano 1996; A. TARANTINO (editor), Culture giuridiche e diritti del nascituro, Milano 1997; A. ETOKAKPAN, “Lo statuto dell’embrione umano nel dibattito contemporaneo”, in Bioetica e Cultura 15 (1999) 79-88; A. BOMPIANI, “Quale tutela dell’embrione umano nella riflessione biogiuridica internazionale”, in Bioetica 1 (2001) 139-153; G. M. CARBONE, “Alcune osservazioni 200 ele não é uma coisa até quando deverá ser tratado como se fosse um Homem, ou seja, no modo com que convimos que devam ser tratados aqueles seres sobre os quais concordamos que sejam homens. Uma justificação comum pode ser a seguinte, apresentada pelo mesmo Comitato Nazionale di Bioetica: ... dal momento che ciascuno di noi è stato un embrione – ed è pure passato attraverso la fase ‘precoce’ del proprio sviluppo embrionale – non si può non sentire che l’embrione è un nostro simile, e trovare in questo fatto la ragione sufficiente per adottare un atteggiamento di rispetto e di cura nei suoi confronti.241 Segundo Francesco Viola não é necessário usar o ambíguo e difícil conceito de Pessoa basta servir-se do conceito Homem, conseqüentemente, da humanitas do embrião. Afirmar que aqui existe um embrião humano é suficiente para garantir um tratamento de respeito. Basta afirmar que existe nele a humanitas, que dá a este ser a sull’individualità dell’embrione umano”, in Angelicum 4 (2001) 615649; D. TETTAMANZI, “La dottrina cattolica sull’inizio della vita umana”, in Panoramica della sanità 42 (2001) 18-21. 241 COMITATO NAZIONALE PER LA BIOETICA, “Identità e statuto dell’embrione umano”, in Presidenza del Consiglio dei Ministri 27 de Junho de 1996, 18: “... do momento que cada um de nós foi um embrião – e ainda passou através da fase precoce do próprio desenvolvimento embrionário – não se pode não sentir que o embrião é um nosso semelhante, e encontrar neste fato a razão suficiente para adotar uma atitude de respeito e de cuidados em relação a ele.” (Minha tradução) 201 dignidade humana e a exigência de ser tutelado e explicitado.242 Portanto, não precisaríamos nem mesmo de discutir se o embrião é ou não Homem, sujeito de direitos e deveres; bastaria pôr-se a pergunta: Este embrião é um embrião humano? Ou seja, É dotado de humanitas, mesmo que apenas em seus elementos biogenéticos elementares? Se a resposta for Sim, como deve forçosamente ser então não precisamos mais discutir: os embriões humanos são titulares de direitos inalienáveis sim. Direitos oriundos do primordial “direito” de viver e nascer. Se não bastasse esta prova ontológica, podemos apelar para o complemento deste primeiro argumento, a prova teleológica da subjetividade do embrião. De fato, o erro, quando se reflete sobre o estatuto do embrião, ou sobre a sua titularidade de direitos, é pensar somente naquilo que ele “é”, ignorando aquilo que ele será ou está onticamente finalizado a ser se nenhum agente externo o impedir: a sua dimensão teleológica. Fixamo-nos em seu “ser” e esquecemos o seu teleológico “dever-ser”. Não é de um amontoado de células em processo de desenvolvimento que falamos: trata-se de uma realidade substancialmente humana, que pode ser, tanto ôntica quanto teleologicamente chamada Homem. Já que o embrião é um Indivíduo humano possui o direito de não ser intencionalmente impedido de atingir a sua maturidade biológica. O correspondente dever é 242 Cfr. F. VIOLA, Etica e metaetica dei diritti umani, Torino 2000, 209. 202 absoluto, isto é, não admite exceções. Isto significa que a experimentação terapêutica destrutiva sobre os embriões é absolutamente proibida pela sua própria natureza, enquanto incompatível com o reconhecimento da dignidade humana do embrião. O tratamento experimental do embrião é permitido só se finalizado a um benefício terapêutico para o próprio embrião que é submetido à experimentação e se os riscos que comporta são equivalentes ao potencial benefício em seu favor.243 Cfr. L. GORMALLY, “Diritti dell’embrione”, in S. LEONE - S. PRIVITERA (editores), Nuovo Dizionario di Bioetica, Roma 2004, 318; cfr. ainda CONGREGATIO PRO DOCTRINA FIDEI, instr. Donum vitae, 22 de Fevereiro de 1987, AAS, 80 (1988) 70-102; COMITATO NAZIONALE PER LA BIOETICA, “Identità e statuto dell’embrione umano, 22 giugno 1995 – Forum: Dalla bioetica alla biopolitica, il ‘caso embrione umana’ ”, in Rivista di Teologia Morale 4 (1996) 469-511; COMITATO NAZIONALE PER LA BIOETICA, “Identità e statuto dell'embrione”, in Anime e Corpi 186 (1996) 539568; COMITATO NAZIONALE PER LA BIOETICA, Identità e statuto dell'embrione umano, Roma 1997; COMITATO NAZIONALE PER LA BIOETICA, Il neonato anencefalico e la donazione di organi, Roma 1996; F. COMPAGNONI, “Uomo come noi: l’embrione umano”, in Anime e Corpi, 186 (1996) 539-568; V. DAVID, “Diritti dell’embrione. Analisi delle proposte di legge”, in Bioetica e Cultura 9 (1996) 95-110; CBUCSC, “Contro la cosiddetta ‘riduzione’ embrionale (Documento n. 2/1996)”, in Anime e Corpi 188 (1996) 813-817; V. DAVID, La tutela giuridica dell’embrione umano. Legislazione italiana ed europea, Acireale 1999; E. BALESTRERO, Il diritto alla vita prenatale nell’ordinamento internazionale. L’apporto della Santa Sede, Bologna 2001; M. LOMBARDI RICCI, Fabbricare bambini? La questione dell’embrione tra nuova medicina e genetica, Milano 1996; A. TARANTINO (ed.), Culture giuridiche e diritti del nascituro, Milano 1997; A. ETOKAKPAN, “Lo statuto dell’embrione umano nel dibattito contemporaneo”, in Bioetica e Cultura 15 (1999) 79-88; A. 243 203 Citando ainda o Magistério Eclesiástico, lembramos que tudo aquilo que é contrário à vida mesma, como toda espécie de homicídio, o genocídio, o aborto244, a eutanásia245 BOMPIANI, “Quale tutela dell’embrione umano nella riflessione biogiuridica internazionale”, in Bioetica 1 (2001) 139-153; G. M. CARBONE, “Alcune osservazioni sull’individualità dell’embrione umano”, in Angelicum 4 (2001) 615-649; D. TETTAMANZI, “La dottrina cattolica sull’inizio della vita umana”, in Panorama della santità 42 (2001) 18-21. 244 Para uma reflexão sobre o direito a nascer, direito fundamental de todo Ser humano gerado, SACRA CONGREGATIO PRO DOCTRINA FIDEI, decl. Quaestio de abortu, 18 de Novembro de 1974; cfr. também S. DI FRANCESCO, Il Diritto alla nascita, Roma 1952; S. ODER, Il diritto alla nascita nel progetto della riforma costituzionale polacca, Roma 1997. Sobre os direitos do Embrião, cfr. F. PAGNONI, “Uno come noi: l’embrione umano”, in Anime e Corpi 186 (1996) 395-398; CBUCSC, “Contro la cosiddetta “riduzione” embrionale (Documento n. 2/1996)”, in Anime e Corpi 188 (1996) 813-817; V. DAVID, “Diritti dell’embrione. Analisi delle proposte di legge”, in Bioetica e Cultura 9 (1996) 95-110; IDEM, La tutela giuridica dell’embrione umano. Legislazione italiana ed europea, Acireale 1999; E. BALESTRERO, Il diritto alla vita prenatale nell’ordinamento internazionale. L’apporto della Santa Sede, Bologna 2001; M. LOMBARDI RICCI, Fabbricare bambini? La questione dell’embrione tra nuova medicina e genetica, Milano 1996; A. TARANTINO (editor), Culture giuridiche e diritti del nascituro, Milano 1997; A. ETOKAKPAN, “Lo statuto dell’embrione umano nel dibattito contemporaneo”, in Bioetica e Cultura 15 (1999) 79-88; A. BOMPIANI, Quale tutela dell’embrione umano nella riflessione biogiuridica internazionale, Bioetica, 1 (2001) 139-153; G. M. CARBONE, “Alcune osservazioni sull’individualità dell’embrione umano”, in Angelicum 4 (2001) 615-649; D. TETTAMANZI, “La dottrina cattolica sull’inizio della vita umana”, in Panoramica della sanità 42 (2001) 18-21. 245 Cfr. CONGREGATIO PRO DOCTRINA FIDEI, decl. Iura et bona, 5 de Maio de 1980; cfr. também Il magistero sociale della Chiesa, Milano 1989; Dottrina sociale della Chiesa, Roma 1990; Th. 204 e o mesmo suicídio voluntário246; tudo aquilo que viola a integridade pessoal do Homem, como as mutilações, as torturas infligidas ao corpo e à mente247, as constrições psicológicas; tudo aquilo que ofende a dignidade humana, como as condições de vida subumanas, os encarceramentos arbitrários, as deportações, a escravidão, a prostituição, o mercado das mulheres e dos jovens, ou ainda as HERR, La dottrina sociale della Chiesa, Casale M. 1988; R. ANTONICH, - M. MUNARRIZ, La dottrina sociale della Chiesa, Assisi 1991; R. BINI, - E. BERTI (editores), Il comitato della dottrina sociale della Chiesa, Roma 1989; B. SORGE, Introduzione a “Il discorso sociale della Chiesa. Da Leone XIII a Giovanni Paolo II”, Brescia 1988; E. MONTI, Alle fonti della solidarietà. La nozione di solidarietà nella Dottrina Sociale della Chiesa, Milano 1999; M. TOSO, Chiesa e Welfare State. L’apporto dei Pontefici da Leone XIII a Giovanni Paolo II, Roma 1987; IDEM, Verso quale società? La Dottrina sociale della Chiesa per una nuova progettualità, Roma 2000; M. CUYAS I MATAS, Eutanasia. L’etica, la libertà e la vita, Casale Monferrato 1989; G. DAVANZO, Etica sanitaria, Milano 1991; F. G. ELIZARI, “Eutanasia: lenguage y concepto”, in Moralia 14 (1992) 145-175; V. SAVOLDI, Oltre l’eutanasia e l’accanimento. Politica, scienza, morale, Bologna 1991; X. THÉVÉNOT, La Bioeteca. Quando la vita comincia e finisce, Brescia 1990; P. VERSPIEREN, Eutanasia?Dall’accanimento terapeutico all’accompagnamento di morenti, Cinisello Balsamo 1985. 246 Para uma teoria do suicídio, cfr. H. DURKHEIM, H., Il Suicidio, trad. it., Torino 1969. 247 Cfr. AMNESTY INTERNATINAL, Medici e tortura, Roma 1997; IDEM, Tortura anni ’80, Trieste 1985; H. C. LEA, L’ingiustizia della giustizia. Storia delle torture e delle violenze legali in Europa, La Spezia 1989; A. MIGLIORINI, Tortura, inquisizione, pena di morte, Siena 1997; A. MITSCHERLICH, L’idea di pace e l’aggressività umana, Firenze 1972; J. MOLTMANN, Il Dio crocefisso, Brescia 1973; S. G. RILEY, Storia della tortura, Milano 1999; F. SIRONI, Persecutori e vittime, Milano 2001; P. VERRI, Osservazioni sulla tortura, Roma 1994. 205 ignominiosas condições de trabalho, com as quais os trabalhadores são tratados como simples instrumentos de lucro, e não como homens livres e responsáveis: todas estas coisas, e outras semelhantes, são vergonhosas248 e infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, ofendem gravemente a honra devida ao Criador. 249 O direito à vida, a nascer e a viver dignamente, está essencialmente ligado ao problema e ao direito da paz. Uma paz que exige, cada vez mais, o respeito rigoroso da Justiça 248 Cfr. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, cont. past. Gaudium et Spes, 7 de Dezembro de 1965, n. 27. Para aprofundar o tema ‘aborto’, cfr. A. AUTIERO, “Etica della vita prenatale”, in Rivista di Teologia Morale 68 (1985)31-46; “Aborto ripetuto spontaneo: aspetti scientifici e morali”, in Medicina e Morale 5 (1992) 889-890; Al di là del “non uccidere”, Milano 1989; C. CASINI, “Difesa della vita e memoria dei bambini non nati”, in Aggiornamenti sociali 2 (1992) 97-107; C. CASINI, - F. CIERI, La nuova disciplina dell’aborto, Padova 1978; A. FIORI, - E. SGRECCIA, Obiezione di coscienza e aborto, Milano 1978; J. KELLERHALS, - W. PASINI, Perché l’aborto, Milano 1977; S. ZAAMI, L’interruzione di gravidanza dell’Europa occidentale, Roma 1996. 249 Cfr. JOANNES PAULUS Pp. II, adh. ap. post. Christifideles Laici, 30 de Dezembro de 1988, n. 38. Para o tema do aborto, cfr. A. AUTIERO, “Etica della vita prenatale”, in Rivista di Teologia Morale 68 (1985)31-46; “Aborto ripetuto spontaneo: aspetti scientifici e morali”, in Medicina e Morale 5 (1992) 889-890; Al di là del “non uccidere”, Milano 1989; C. CASINI, “Difesa della vita e memoria dei bambini non nati”, in Aggiornamenti sociali 2 (1992) 97-107; C. CASINI, - F. CIERI, La nuova disciplina dell’aborto, Padova 1978; A. FIORI, - E. SGRECCIA, Obiezione di coscienza e aborto, Milano 1978; J. KELLERHALS, - W. PASINI, Perché l’aborto, Milano 1977; S. ZAAMI, L’interruzione di gravidanza dell’Europa occidentale, Roma 1996. 206 e, por conseguinte, a distribuição eqüitativa dos frutos do verdadeiro desenvolvimento.250 João Paulo Pp. II, na adh. ap. post. Christifideles Laici, 30 de Dezembro de 1988, nos apresenta alguns questionamentos inquietantes quando diz: Quem poderá contar as crianças não nascidas por terem sido mortas no seio das suas mães, as crianças abandonadas e maltratadas pelos próprios pais, as crianças que crescem sem afeto e sem educação? Em certos países populações inteiras são despojadas de casa e de trabalho, faltam-lhes os meios absolutamente indispensáveis para levar uma vida digna de seres humanos, e são privadas até do necessário para a sua subsistência. Enormes manchas de pobreza e de miséria, ao mesmo tempo física e moral, erguem-se ao lado das grandes metrópoles e ferem de morte grupos humanos inteiros.251 O Ser Humano possui um direito objetivo, primário, inalienável à existência. Trata-se de uma afirmação 250 Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, cont. past. Gaudium et Spes, 7 de Dezembro de 1965, n. 78; PAULUS Pp. VI, lit. enc. Populorum progressio, 26 de Março de 1967, n. 76: “Combater a miséria e lutar contra a injustiça é promover não só o bem-estar, mas também o progresso humano e espiritual de todos e, portanto, o bem comum da humanidade. A paz... constrói-se, dia a dia, na busca de uma ordem querida por Deus, que traz consigo uma justiça mais perfeita entre os homens”; cfr. JOANNES PAULUS Pp. II, lit. enc. Sollicitudo rei socialis, 30 de Dezembro de 1987, n. 26. 251 JOANNES PAULUS Pp. II, adh. ap. post. Christifideles Laici, 30 de Dezembro de 1988, n. 5. 207 universal, acessível a todos os homens e evidente. Este direito inalienável se funda sobre a humanitas de cada Homem, enquanto ontologicamente Pessoa.252 O direito natural do Homem consta, antes de tudo, do valor e da dignidade objetivos da existência humana; consta depois da fórmula normativa que enuncia tal valor e dignidade; consta enfim da faculdade jurídica ou capacidade a agir ou liberdade de operar conseqüentemente, que os homens possuam. A permanência na vida é, portanto para a criatura humana Direito Subjetivo, norma e direito natural, ínsito onticamente na sua condição humana. O Ser Humano, a partir da fecundação, tem um direito objetivo, primário, inalienável. Valor objetivo porque não fundado sobre o conhecimento que outros têm dele e não sobre seu reconhecimento privado da parte de homens ou público da parte de ordenamentos jurídicos; mas fundado invés sobre o ser mesmo do vivente humano, pelo qual a vida humana é, por si mesma, sagrada. Valor primário porque toda outra faculdade, norma, direito – relativos, por exemplo, à saúde, à honra e a todo outro bem – podem estar só se está este primeiro que concerne a vida. Valor inalienável, porque nem mesmo o seu próprio titular pode dispor dele e transferi-lo a outros, a seu arbítrio, 252 Cfr. D. COMPOSTA, Aborto e Diritto Naturale, Cristianità, 13 (1975). 208 o próprio direito à vida; patrimônio inerente à sua própria humanitas, da qual ele não pode dispor.253 O direito natural rendeu testemunho pelo consenso universal dos homens, pelas leis e os costumes de todos os povos, no âmbito de toda tradição religiosa: a vida humana inocente é um bem sacro; sua inviolabilidade – as suas únicas exceções são limitadas a períodos de extrema degradação moral e obscurantismo religioso – é lei conhecida pela recta ratio junto a todas as civilizações. O mandamento bíblico Não matar não é outra coisa que a sua formulação negativa, e por isto mesmo universal e universalmente cogente.254 A conclusão de tudo o que acima refletimos é realmente coativa. O Ser Humano desde o primeiro momento de o seu estabelecer-se no ser verifica em si o direito natural à vida segundo três níveis: - sob o prisma do valor ou da ordem jurídica natural, o feto humano possui autonomia de vida, não se pode afirmar que ele seja ordenado a um fim diferente daquele fundamental ao qual a natureza o ordena: permanecer no seu ser, no bem da vida, nem se pode afirmar que ele seja um injusto agressor, do qual, portanto seria lícito defenderse; - sob o prisma das normas de direito natural, a vida do feto é protegida pelo princípio ético-jurídico que prescreve o respeito da vida e veta de matá-lo; tal princípio, exatamente 253 Cfr. D. COMPOSTA, Aborto e Diritto Naturale, Cristianità, 13 (1975). 254 Cfr. Ibidem. 209 porque natural e universal, não pode ser ignorado pelos ordenamentos civis; uma lei positiva que subtraísse tutela jurídica ao feto ou até mesmo concedesse ações lesivas da sua existência, seria injusta e imoral; - sob o prisma dos direitos subjetivos ou faculdades originárias, o feto possui o direito a ser alimentado, assistido, protegido, levado à maturação e ao nascimento; como aquela de todo ser humano, a sua vida é inviolável; suprimi-la é verdadeiro homicídio: Conceptum in utero qui per abortum deleverit, omicida est255. Mantendo-se fiel a esta convicção o Direito Penal Canônico, no cânon 1398, do CIC 1983, pune com a excomunhão Latae Sententiae, quem provoca aborto, effectu secuto: Quem provoca aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão “latae sententiae”.256 5. O Direito de Morrer. O progresso no campo das tecnologias médicas faz sentir pesadamente a sua in-legível ambivalência; não devem ser excluídas antecipadamente situações-limites em STEFANUS Pp.VI, ep. “Consuluisti de infantibus”, 887-888, in DS 670; cfr. ainda D. COMPOSTA, Aborto e Diritto Naturale, Cristianità, 13 (1975). 256 Cfr. c. 1398, CIC 1983: “Qui abortum procurat, effectu secuto, in excommunicationem latae sententiae incurrit.” 255 210 que a aplicação de todos os meios terapêuticos a disposição resulte uma ofensa à dignidade humana do moribundo e ao seu direito inalienável de morrer em paz. O médico, diante deste drama, deve interrogar-se se uma obstinação terapêutica não deva ceder lugar a uma insistência terapêutica que seja consciente dos limites inerentes à condição humana. A questão se torna obsessiva dentro de um contesto sócio-cultural inclinado a marginalizar o fenômeno da morte e do sofrimento, porque centralizado no sucesso e na eficiência.257 5.1. Conceituação Terminológica. O termo eutanásia é polissêmico. São vários os significados emersos e alternados reciprocamente ao longo da História. No húmus do pensamento estóico eutanásia designa a morte como coroação de uma vida completa. Combina-se com a visão de uma morte cheia de honra e livre de toda constrição. Compete ao médico aliviar as dores, para tornar o morrer suportável.258 Cfr. K. DEMMER, “Eutanasia”, in S. LEONE, - S. PRIVITERA (editores), Nuovo Dizionario di Bioetica, Roma 2004, 455. 258 Para aprofundar o tema da eutanásia cfr. R. DWORKIN, Il dominio della vita. Aborto, eutanasia, e libertà individuale, Milano 1994; D. NERI, “Legalizzare l’eutanasia disaccordi empirici o morali?”, in Bioetica 2 (1993) 309-316; IDEM, Eutanasia, Valori, scelte morali, dignità delle persone, Roma - Bari 1995; I. ÁLVAREZ GÁLVEZ, La eutanasia voluntaria autónoma, Madrid 2002; R. BARCARO, 257 211 A palavra eutanásia se encontra na obra de Francis Bacon (1561-1626) De dignitate et augmentis scientiarum, 1605: ao centro da temática está a idéia de humanizar o ato de morrer atormentado. Eutanasia. Un problema paradigmatico della bioetica, Milano 1998; G. CAMPANINI, “Eutanasia e società”, in Morire si, ma quando?, s.l. s.d., 58-67; L. CICCONE, Eutanasia, problema cattolico o problema di tutti?, Roma 1991; L. CICCONE, Non uccidere, Milano 1984; G. CONCETTI, L’eutanasia, Aspetti giuridici, teologici, morali, Roma 1987; M. CUYAS I MATAS, Eutanasia, L’etica, la libertà e la vita, Casale Monferrato (AL) 1989; F. G. ELIZARI, “Eutanasia: lenguage y concepto”, in Moralia 14 (1992) 145-175; H. FRIEDLANDER, Le origini del genocidio nazista: dall'eutanasia alla soluzione finale, Roma 1997; G. HERRANZ, “Deontologia medica, eutanasia e medicina palliativa, Codigos de Ethica y Deontologia medica de Europa y America”, in Medicina e morale 1 (1998) 91-117; D. HUMPHRY, Eutanasia, Uscita di sicurezza, Milano 1993; H. M. KUITERT, “L’eutanasia in Olanda: una pratica e la sua giustificazione”, in Bioetica 2 (1993) 317-325; I. ORTEGA LARREA, Eutanasia, Roma 1996; B. PANNAIN (et alii), L’omicidio del consenziente e la questione “eutanasia”, Napoli 1988; G. PELLICCIA, L'eutanasia ha una storia?, Biella 1977; V. POZAIC, Eutanasia, Roma 1985; J. RACHELS, La fine della vita. La moralità dell’eutanasia, Torino 1990; S. REINER, E la terra sara' pura: Eutanasia, genocidio, sterilizzazione, infezioni artificiali: le atroci esperienze operate dai medici nazisti, Milano 1974; V. M. SANCHEZ VALER, El problema moral-religioso de la eutanasia, Lima 1951; V. SAVOLDI, Oltre l’eutanasia e l’accanimento. Politica, scienza, morale, Bologna 1991; A. TARANTINO, Il rispetto della vita. Aborto tutela del minore ed eutanasia, Napoli 1998; H. TEN HAVE, “L’eutanasia in Olanda: critiche e riserve”, in Bioetica 2 (1993) 326337; D. TETTAMANZI, Eutanasia, L’illusione della buona morte, Casale Monferrato 1985; P. VERSPIEREN, Eutanasia? Dall’accanimento terapeutico all’accompagnamento di morenti, Cinisello Balsamo 1985. 212 Competiu a Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) fazer-se porta-voz do direito de determinar a hora e a modalidade da própria morte, no caso de uma vida considerada inútil porque sufocada por sofrimentos extremos. Sobre a trilha do social-darwinismo delineado no século XX, o jurista K. Binding e o psichiatra A. Hoche em um famoso escrito conjunto, 1920, sustentavam o direito da sociedade de livrar-se do peso econômico de uma vida indigna de ser vivida, como no caso de homens doentes ou de grupos de pacientes a eles equiparados.259 Cfr. K. DEMMER, “Eutanasia”, in S. LEONE, - S. PRIVITERA (editores), Nuovo Dizionario di Bioetica, Roma 2004, 456. Para aprofundar o argumento dos direitos dos enfermos, cfr. G. DAVANZO, Etica sanitaria, Milano 1991; P. ALPA, “Salute (diritto alla)”, in Nuovissimo Digesto Italiano, Apendice, Torino 1986; G. FANTONI, - M. CRESPINA, Scuola ed ospedale: a tutela dei diritti del bambino malato, Roma 1993; D. GRACIA, Fondamenti di bioetica: sviluppo storico e metodo, Cinisello Balsamo (MI) 1993, parte 2°, cap. 9; S. LEONE, Salute, in G. CINA (et alii), Dizionario di Teologia Pastorale Sanitaria, Torino 1997; F. PLACIDI, Lineamenti sui diritti del malato, Torino 1997; F. MASCHIO, I diritti del malato, in P. CENDON, Trattato breve dei nuovi danni: il risarcimento del danno esistenziale: aspetti civili, penali, medico legali, processuali, Padova 2001, 873-897; A. BOMPIANI, “L’Italia e la ‘Dichiarazione di Amsterdam’ sui diritti dei pazienti”, in Medicina e Morale 1 (1998) 47-90. 259 213 5.2. Declaração Iura et bona, 5 de Maio de 1980. O ensinamento do Magistério Eclesiástico sobre a eutanásia pode ser resumido na decl. Iura et bona, 5 de Maio de 1980, da Congregatio Pro Doctrina Fidei: efetivamente, permanecendo sempre válidos os princípios afirmados neste campo pelos recentes Pontífices260 os progressos da medicina puseram em luz nos anos mais recentes novos aspectos do problema da eutanásia, que requerem ulteriores precisões a nível ético. O texto supõe uma antropologia teológica do sofrimento: sofrendo o cristão se conforma ao Cristo e é, portanto, desejável um encontro cônscio com o Ressuscitado na hora da morte. A decl. Iura et bona, 5 de Maio de 1980, diz ainda que na sociedade hodierna, na qual não raramente são questionados os valores fundamentais da vida humana, a modificação da cultura influi sobre o modo de considerar o sofrimento e a morte. A medicina aumentou a sua capacidade de curar e de prolongar a vida em determinadas condições, levantando alguns problemas de caráter moral. 260 Cfr. PIUS Pp. XII, Alloc. Vous vous présentez, 11 de Setembro de 1947; IDEM, all. Vegliare con sollecitudine, 29 de Outubro de 1951; IDEM, all. Arrivés au terme, 19 de Outubro de 1953; IDEM, all. Le XI Congrés, 24 de Fevereiro de 1957; cfr. ainda PIUS Pp. XII, all. Le Dr Bruno Haid, 24 de Novembro de 1957; PAULUS Pp. VI, Alloc. We have, 22 de Maio de 1974; JOANNES PAULUS Pp. II, alloc. Mi sia consentito, 5 de Outubro de 1979. 214 Conseqüentemente, os homens que vivem num tal clima se interrogam com angústia sobre o significado da estrema velhice e da morte, pedindo-se conseqüentemente se tenham o direito de procurar a si mesmos ou aos seus semelhantes a doce morte, que abreviaria a dor e seria, aos seus olhos, mais conforme à dignidade humana.261 A argumentação ética possui o seu centro de gravidade no princípio da proporcionalidade: o médico não é obrigado a combater a morte custe o que custar. O seu esforço terapêutico atinge o limite sempre que levaria a um prolongamento “insensato” da fase terminal. O moribundo detém o direito de não sofrer inutilmente. Um eventual ceder não é sinal de resignação e nem mesmo de derrota. É, ao invés, aceitação livre da própria limitação humana262: Dever-se-á, porém, em todas as circunstâncias, recorrer a todo remédio possível? Até agora os moralistas respondiam que não se é jamais obrigados ao uso dos meios extraordinários. Hoje, porém tal resposta, sempre válida em linha de princípio, pode parecer menos clara; seja pela imprecisão do termo, seja pelos rápidos progressos da terapia. Portanto alguns moralistas preferem falar de meios proporcionados e desproporcionados. Em todo caso, podemse avaliar bem os meios pondo em confronto o tipo de terapia, o grau de dificuldade e de risco que comporta, as “despesas” necessárias e as possibilidades de aplicação, com 261 Cfr. CONGREGATIO PRO DOCTRINA FIDEI, decl. Iura et bona, 5 de Maio de 1980, Introductio. 262 Cfr. K. DEMMER, “Eutanasia”, in S. LEONE, - S. PRIVITERA (editores), Nuovo Dizionario di Bioetica, Roma 2004, 456. 215 o resultado que se pode esperar considerando as condições do enfermo e das suas forças físicas e morais.263 A decl. Iura et bona veta, em absolutos, a eutanásia ativa, isto é, aquele tipo de intervenção que, pela intenção do agente como pela sua estrutura física, procura a supressão ou então a abreviação da vida. Considera-se, portanto, uma ação intrinsecamente desonesta, cuja malícia objetiva é independente de qualquer intenção dos coenvolvidos e de qualquer circunstância particular. 5.3. Eutanásia como Omissão. O significado do termo eutanásia se estende ainda à omissão da assistência devida, causando assim a morte. É a eutanásia passiva a assumir uma dimensão mais complexa. A sua forma direta designa renúncia a ulteriores esforços terapêuticos, medida sobre o princípio da proporcionalidade, enquanto a sua forma indireta tem lugar quando uma administração de analgésicos produza como efeito colateral, mesmo que em grau mínimo, uma abreviação da fase terminal. A linha de demarcação pode resultar muito sutil, mas isto não diminui a validade e a utilidade da distinção264. 263 Cfr. CONGREGATIO PRO DOCTRINA FIDEI, decl. Iura et bona, 5 de Maio de 1980, IV. 264 Cfr. K. DEMMER, “Eutanasia”, in S. LEONE, - S. PRIVITERA (editores), Nuovo Dizionario di Bioetica, Roma 2004, 457. 216 Etimologicamente a palavra eutanásia significou, na antigüidade, uma morte doce sem sofrimentos atrozes. Hoje não se refere mais ao significado originário do termo, mas à intervenção da medicina direcionada a atenuar as dores da doença e da agonia, às vezes mesmo com o risco de suprimir prematuramente a vida. 5.4. Eutanásia como Piedade. Ainda, o termo vem usado, em sentido mais estreito, com o significado de procurar a morte por piedade, a escopo de eliminar radicalmente os últimos sofrimentos ou de evitar a crianças anormais, aos doentes mentais ou aos incuráveis o prolongar-se de uma vida infeliz, talvez por muitos anos, que poderia impor certos ônus demasiado pesados às famílias ou à Sociedade. Enfim, por eutanásia se entende uma ação ou uma omissão que por sua natureza ou nas suas intenções procura a morte a escopo de eliminar toda dor. A eutanásia se situa, portanto ao nível das intenções e dos métodos usados.265 A decl. Iura et bona, acima citada, ainda diz que é necessário reforçar com toda firmeza que nada e ninguém pode autorizar a morte de um ser humano inocente,266 feto ou embrião que seja, criança ou adulto, velho, doente 265 Cfr. CONGREGATIO PRO DOCTRINA FIDEI, decl. Iura et bona, 5 de Maio de 1980, II. 266 Grifo meu. 217 incurável ou agonizante. Ninguém pode requerer este gesto homicida para si mesmo ou para outro confiado à sua responsabilidade, nem pode consenti-lo explicitamente ou implicitamente. Nenhuma autoridade pode legitimamente impô-lo nem permiti-lo. Trata-se de uma violação da Lex naturae, uma ofensa à dignidade humana, um crime contra a vida, um atentado contra a humanitas de todo Homem. Poderia também verificar-se que a dor prolongada e insuportável, razões de ordem afetiva ou diversos outros motivos induzam alguém a considerar de poder legitimamente pedir a morte ou procurá-la a outros. Bem que em casos deste gênero a responsabilidade pessoal possa ser diminuída ou por fim não subsistir, todavia o erro de juízo da consciência – talvez mesmo em boa fé – não modifica a natureza do ato homicida, que em si permanece sempre inadmissível. As súplicas dos enfermos muito graves, que às vezes invocam a morte, não devem ser entendidas como expressão de uma verdadeira vontade de eutanásia; elas são, quase sempre, pedidos angustiados de ajuda e de afeto.267 O médico, sendo defensor da vida, deve opor-se a qualquer pressão moral da parte do moribundo, dos familiares ou então da Sociedade para violar os limites acima traçados; diversamente, cairia a confiança pública no seu Ethos profissional. Este dever é a base não derrogável para a sua tarefa de aliviar as dores e de assegurar a capacidade comunicativa, vencendo o isolamento social. 267 Cfr. CONGREGATIO PRO DOCTRINA FIDEI, decl. Iura et bona, 5 de Maio de 1980, II. 218 O moribundo, da sua parte, deve sentir a proximidade física e afetiva do seu ambiente, em particular dos seus familiares. A experiência demonstra que o desejo externado de pôr fim à própria vida, muitas vezes, não é que um grito de desespero seguido à morte social já acontecida. Pede-se, portanto, a cooperação sensível e atenta de todos os coenvolvidos: o Direito a uma morte humanamente digna coenvolve a assistência na sua integralidade. Em caso de óbvia incurabilidade devem ser garantidos cuidados médicos básicos.268 5.5. Interrogativos em Aberto. Permanecem certos interrogativos abertos. O primeiro destes consiste na dificuldade em determinar os limites da reanimação e da manutenção em vida, especialmente no caso de coma profundo e presumivelmente definitivo. Ocorre seguir rigorosamente o axioma in dubbio pro vita? Ou então se abre certo espaço de ponderação em relação à fundada possibilidade de recuperação e da esperável qualidade da vida, que se liga pelo menos a um mínimo de capacidade comunicativa e a um tempo de sobrevivência a ser considerada seriamente? Junto ao bem individual, entra em jogo também o bem comum, porém em qualidade de critério secundário. Cfr. K. DEMMER, “Eutanasia”, in S. LEONE, - S. PRIVITERA (editores), Nuovo Dizionario di Bioetica, Roma 2004, 458. 268 219 Semelhantes problemas se põem quando se trata de decidir se um esforço terapêutico ou então de reanimação tenha sentido, vista a certeza médica de causar danos que obviamente superem os benefícios. Qualquer que seja a situação, a lógica da tutela da vida permanece invariável.269 6. A Pena de Morte. Se entendermos a vida do Homem, Indivíduo vivente dotado onticamente de humanitas, naturalmente destinado a atingir individual e comunitariamente a plenitude daquilo que ainda não é plenamente, como a fonte de suas possibilidades; então devemos pensar a pena de morte como violação deste primordial direito: promover e proteger a própria dignidade, ou seja, uma agressão à dignidade do Cfr. K. DEMMER, “Eutanasia”, in S. LEONE, - S. PRIVITERA (editores), Nuovo Dizionario di Bioetica, Roma 2004, 458; cfr. ainda CONGREGATIO PRO DOCTRINA FIDEI, decl. Iura et bona, 5 de Maio de 1980; COMITATO PRO LIFE DEI VESCOVI CATTOLICI STATUNITENSI, Nutrizione e idratazione: considerazioni morali e pastorali, L’Osservatore Romano, 11 de Dezembro de 1992, 5; M. CUYÀS, Eutanasia. L’etica, la libertà e la vita, Casale Monferrato 1989; G. DAVANZO, Etica sanitaria, Milano 1991; F. G. ELIZARI, “Eutanasia: lenguage y concepto”, in Moralia 14 (1992) 145-175; V. SAVOLDI, Oltre l’eutanasia e l’accanimento. Politica, scienza, morale, Bologna 1991; X. THÉVÉNOT, La Bioetica. Quando la vita comincia e finisce, Brescia 1990; P. VERSPIEREN, Eutanasia? Dall’accanimento terapeutico all’accompagnamento di morenti, Cinisello Balsamo 1985. 269 220 Homem que, mesmo se delinqüente em máximo grau, é teleologicamente destinado a realizá-la. O Magistério Eclesiástico vê como um sinal de esperança a sempre mais difundida aversão da opinião pública à pena de morte mesmo apenas como instrumento de legítima defesa social; em consideração das possibilidades de que dispõem uma moderna Sociedade de reprimir eficazmente o crime em modos que, enquanto tornam inofensivo aquele que o cometeu, não lhe tiram definitivamente as possibilidades de redimir-se. De fato, a pena de morte, chamada também de pena capital, aniquila no Indivíduo humano, em absoluto, toda e qualquer possibilidade de realização da sua humanitas nele individuada. Matar o delinqüente equivale a cometer um delito contra a sua própria essência. Não existem, portanto, causas plausíveis para que se possa aceitar ou defender ou propor como sanção humanamente aceitável a morte do delinqüente. Ela é e será sempre uma agressão, mesmo que instituída e constitucionalmente aceita pela pública autoridade. João Paulo Pp. II, na lit. enc. Evangelium vitae, 25 de Março de 1995, disse que em face (...) a legislações que permitiram o aborto e as tentativas, aqui e além concretizadas, de legalizar a eutanásia, surgiram em todo o mundo movimentos e iniciativas de sensibilização social a favor da vida. Quando estes movimentos, de acordo com a sua inspiração autêntica, agem com determinada firmeza, mas sem recorrer à violência, então eles favorecem 221 uma tomada de consciência mais ampla e profunda do valor da vida, fazem apelo e realizam um empenho mais decisivo em sua defesa. Como não recordar, além disso, todos aqueles gestos diários de acolhimento, de sacrifício, de cuidado desinteressado, que um número incalculável de pessoas realiza com amor nas famílias, nos hospitais, nos orfanatos, nos lares da terceira idade, e noutros centros ou comunidades em defesa da vida? A Igreja, deixando-se guiar pelo exemplo de Jesus, bom samaritano (cf. Lc 10, 29-37), e sustentada pela sua força, sempre esteve em primeira fila nestes confins da caridade: muitos dos seus filhos e filhas, especialmente religiosas e religiosos, em formas antigas e novas, consagraram e continuam a consagrar a sua vida a Deus, dando-a por amor do próximo mais débil e necessitado. Estes gestos constroem em profundidade aquela civilização do amor e da vida, sem a qual a existência das pessoas e da sociedade perde o seu significado humano mais autêntico. Ainda que ninguém os notasse, e ficassem escondidos aos olhos dos outros, a fé assegura que o Pai, que vê no segredo (Mt 6, 4), saberá não só recompensá-los, mas também torná-los desde já fecundos de frutos duradouros para todos. Entre os sinais de esperança, há que incluir ainda o crescimento, em muitos estratos da opinião pública, de uma nova sensibilidade cada vez mais contrária à guerra como instrumento de solução dos conflitos entre os povos, e sempre mais inclinada à busca de instrumentos eficazes, mas “não violentos”, para bloquear o agressor armado. No mesmo horizonte, se coloca igualmente a aversão cada vez mais difusa na 222 opinião pública à pena de morte – mesmo vista só como instrumento de legítima defesa social – , tendo em consideração as possibilidades que uma sociedade moderna dispõe para reprimir eficazmente o crime, de forma que, enquanto torna inofensivo aquele que o cometeu, não lhe tira definitivamente a possibilidade de se redimir. Também ocorre saudar favoravelmente a atenção crescente à qualidade de vida e à ecologia, que se registra, sobretudo nas sociedades mais avançadas, nas quais os anseios das pessoas já não estão concentrados tanto sobre os problemas da sobrevivência como, sobretudo na procura de um melhoramento global das condições de vida. Particularmente significativo é o despertar da reflexão ética acerca da vida: a aparição e o desenvolvimento cada vez maior da bioética favoreceu a reflexão e o diálogo – entre crentes e não crentes, como também entre crentes de diversas religiões – sobre problemas éticos, mesmo fundamentais, que dizem respeito à vida do homem.270 Apesar de o ensinamento tradicional da Igreja não excluir – suposto o pleno acertamento da identidade e da responsabilidade do culpado – a pena de morte, quando esta fosse a única via praticável para defender eficazmente do agressor injusto a vida de seres humanos;271 os métodos não cruentos de repressão e de punição são preferíveis enquanto 270 JOANNES PAULUS Pp. II, lit. enc. Evangelium vitae, 25 de Março de 1995, n. 27. 271 Cfr. Catechismus Catholicae Ecclesiae Autorictate Ioannis Pauli Pp. II Promulgatus, Roma 1992, n. 2267. 223 melhor respondentes às condições concretas do Bem comum e mais conforme a dignidade do Homem.272 O crescente número de países que adotam providências para abolir a pena de morte ou para suspender a sua aplicação é também uma prova do fato que os casos em que é absolutamente necessário suprimir o réu são ademais muito raros, senão até mesmo praticamente inexistentes: Nesta linha, coloca-se o problema da pena de morte, à volta do qual se registra, tanto na Igreja como na sociedade, a tendência crescente para pedir uma aplicação muito limitada, ou melhor, a total abolição da mesma. O problema há de ser enquadrado na perspectiva de uma justiça penal, que seja cada vez mais conforme com a dignidade do homem e, portanto, em última análise, com o desígnio de Deus para o homem e a sociedade. Na verdade, a pena, que a sociedade inflige, tem como primeiro efeito o de compensar a desordem introduzida pela falta. A autoridade pública deve fazer justiça pela violação dos direitos pessoais e sociais, impondo ao réu uma adequada expiação do crime como condição para ser readmitido no exercício da própria liberdade. Deste modo, a autoridade há de procurar alcançar o objetivo de defender a ordem pública e a segurança das pessoas, não deixando, contudo, de oferecer estímulo e ajuda ao próprio réu para se corrigir e redimir. Claro está que, para bem conseguir todos 272 Cfr. Ibidem; cfr. PONTIFICIUM CONSILIUM DE IUSTITIA ET PAX, Compendio della Dottrina Sociale della Chiesa, Città del Vaticano 2004, 221. 224 estes fins, a medida e a qualidade da pena hão de ser atentamente ponderadas e decididas, não se devendo chegar à medida extrema da execução do réu senão em casos de absoluta necessidade, ou seja, quando a defesa da sociedade não fosse possível de outro modo. Mas, hoje, graças à organização cada vez mais adequada da instituição penal, esses casos são já muito raros, se não mesmo praticamente inexistentes. Em todo o caso, permanece válido o princípio indicado pelo novo Catecismo da Igreja Católica: na medida em que outros processos, que não a pena de morte e as operações militares, bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e para proteger a paz pública, tais processos não sangrentos devem preferir-se, por serem proporcionados e mais conformes com o fim em vista e a dignidade humana.273 A crescente aversão da opinião pública à pena de morte e as várias providências em vista da sua abolição, ou seja, da suspensão da sua aplicação, constituem visíveis manifestações de uma maior sensibilidade moral.274 A Convenção Americana de Direitos Humanos, adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre direitos humanos, San José de Costa Rica, em 22 de Novembro de 1969 e ratificada pelo Brasil 273 JOANNES PAULUS Pp. II, lit. enc. Evangelium vitae, 25 de Março de 1995, n. 56. 274 Cfr. PONTIFICIUM CONSILIUM DE IUSTITIA ET PAX, Compendio della Dottrina Sociale della Chiesa, Città del Vaticano 2004, 221. 225 em 25 de Setembro de 1992, acima citada, diz no seu Artigo 4º, sobre o direito à vida: §1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. §2. Nos países que não houverem abolido a pena de morte, esta só poderá ser imposta pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competente e em conformidade com a lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente. §3. Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido. §4. Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada a delitos políticos, nem a delitos comuns conexos com delitos políticos. §5. Não se deve impor a pena de morte à pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez. §6. Toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os caos. Não se pode executar a 226 pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competente.275 Quero concluir este capítulo com uma citação da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, Resolução XXX, Ata Final, aprovada na IX Conferência Internacional Americana, em Bogotá, em Abril de 1948, no Artigo 1º, diz: Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa.276 275 Convenção Americana de Direitos Humanos, San José da Costa Rica, 22 de novembro de 1969, art. 4. 276 Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, Bogotá, abril de 1948, Art. 1º. 227 228 CAPÍTULO III: DIREITO À PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO E À INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA Prof. Ms. Kassiane Menchon Moura Endlich 1 CIÊNCIA, DIREITO E BIOÉTICA O primeiro passo para a popularização da ciência será a valorização do ser humano em todas as suas dimensões, devendo ser ressaltado que, para isso, o papel da educação e dos meios de comunicação é extremamente relevante. Da mesma forma, importante papel é o do direito, pois, se com sua tridimensionalidade277 garante a convivência social, também pode direcioná-la278. Destaca-se, então, que, diante do nível de desenvolvimento científico, especificamente no que tange ao genoma humano, “nunca foi tão necessária uma forma de controle com eficácia, mas que, obviamente, não obstrua a evolução científica em todos os campos, porém possa monitorá-la não de forma isolada, ao revés, com um suporte ao mesmo tempo ético, jurídico, político, econômico e social”279. Se o rápido desenvolvimento da biotecnologia deu-se basicamente em razão de sua interdisciplinariedade, eventual forma de controle sobre a mesma também deverá agir de forma interdisciplinar. 277 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1979. p. 65. 278 PEREIRA, Marcos Roberto. A possibilidade e a necessidade de resgate da perspectiva ético-científico. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: R. dos Tribunais, 2001. p. 209. 279 Ibid. p. 208. 229 Com base nesse raciocínio é que ganha relevo a bioética, uma disciplina capaz de acompanhar o desenvolvimento científico280. A bioética, ou “a ponte para o futuro” a que se referia Potter, constitui-se de uma ética aplicada às situações da vida, que seria, segundo o autor, o caminho para a sobrevivência da espécie humana. Para a efetivação dessa ciência da sobrevivência, desnecessário seria um conhecimento rigoroso da técnica, mas sim respeito aos valores humanos. A palavra “ponte” foi usada, então, porque a “bioética era vista como uma nova disciplina que construiria uma ponte entre ciência e humanidades, ou, mais explicitamente, uma ponte entre a ciência biológica e a ética [...]”281. Sendo a bioética um ramo do saber ético que objetiva a discussão e conservação dos valores morais de respeito à pessoa humana no que se refere às ciências da vida, está intimamente ligada ao direito, uma vez que todas as condutas morais do homem, em qualquer de suas atividades, são reguladas pelas normas jurídicas, de forma que somente com a chancela do direito se tornam juridicamente obrigatórios comportamentos éticos no campo das ciências da vida282. Registre-se que a bioética não pode ser estudada por uma perspectiva reducionista, mas sim interdisciplinar, pois envolve questões científicas, filosóficas, econômicas e jurídicas; dessa forma, ilusória é a idéia de que o direito pode se impor por si só na busca de um controle efetivo, desempenhando, assim, importante papel os comitês de ética. Eduardo de Oliveira Leite observa que “é da interferência dos dois mundos, o científico de um lado (leia-se biomédico) e o jurídico do outro, que, através de um processo lento, demorado e cauteloso, 280 DINIZ, Débora; GUILHEM, Dirce. O que é bioética. São Paulo: Brasiliense, 2002. p.12. 281 POTTER, Vans Rensselaer. Bioética global e sobrevivência. In: BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de; PESSINI, Leo (Org.). Bioética: alguns desafios. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002. p. 337. 282 LIMA NETO, Francisco Viera. Responsabilidade civil das empresas de engenharia genética: em busca de um paradigma bioético para o direito civil. Leme: Ed. de Direito, 1997. p. 46. 230 vão se determinando condutas, posturas e eventuais sanções aceitas por toda a comunidade humana”283. A temática bioética envolve o estudo de alguns dos temas/problemas objeto deste trabalho, tais como a intervenção no patrimônio genético, por meio de manipulação de ADN/ARN humanos e não-humanos, intervenções médicas na seleção natural, experiências com seres humanos, manipulações transespecíficas: híbridos e quimeras não-humanas, manipulação e combinação de ADN de espécies distintas284. Diante das possibilidades originadas pela biotecnologia, o papel do direito não se restringe apenas a estabelecer as conseqüências jurídicas, mas, principalmente, analisar os reflexos dessa atividade a partir de um prisma social e político, pois, conforme afirma Eduardo de Oliveira Leite, “o que é cientificamente possível é socialmente limitado”285. 283 LEITE, Eduardo de Oliveira. O direito, a ciência e as leis bioéticas. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: R. dos Tribunais, 2001. p. 117-118. 284 LIMA NETO, op. cit., p. 48. 285 LEITE, Eduardo de Oliveira. O direito, a ciência e as leis bioéticas. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: R. dos Tribunais, 2001. p. 112. Esclarece ainda o autor que “É forçoso reconhecer que o Direito deve se afastar das tendências maniqueístas que conduzem inexoravelmente aos radicalismos. Assim, de nada adianta ignorar os dados técnicos e sociais gerados pela ciência com vistas a manter, custe o que custar, a pureza de regras inadaptadas à realidade científica; igualmente, revela-se sem sentido a limitação do legislador ao mero papel de transmissor (ou adaptador) dos avanços científicos em regras jurídicas continuamente renovadas e adaptadas. Que o vazio jurídico existe não resta mais nenhuma dúvida. Cabe, pois, agora, aceitar o papel decisivo da ciência na construção do Direito [...] Em outras palavras, a intervenção do Direito visa esclarecer práticas que permaneceram muito tempo alijadas do processo jurídico e que precisam, mais do que nunca, do reconhecimento da ordem jurídica, não só pela garantia que este reconhecimento gera, mas e sobretudo porque legitimadas pelo Direito refletem valores dominantes da sociedade; porque o homem precisa de limites para administrar sua própria liberdade” (Cf. LEITE, 2001, p. 118119). 231 2 PRESSUPOSTOS DO DIREITO À PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO E À INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA A reflexão nesse campo deve levar em conta alguns pressupostos para a análise e avaliação das investigações e dos casos conflitivos, que surgem em decorrência dos elementos subjetivos e das apreciações pessoais que se referem à vida. Assim, o direito à proteção do patrimônio genético e à investigação científica deve pressupor o respeito à pessoa, o respeito ao conhecimento e à liberdade de investigação, a repressão à intenção de lucro, a generalização do benefício, a responsabilidade do investigador286, o respeito aos princípios bioéticos. 2.1 O respeito à pessoa Os avanços do conhecimento científico propõem duas definições do que seja o humano: a) uma genética, pois, apesar de todos possuírem basicamente as mesmas características genéticas, cada homem, considerado como ser da mesma espécie, à exceção dos gêmeos univitelinos, é único e irrepetível; b) uma nervosa, segundo a qual o que distingue os homens dos outros animais é a sua capacidade de raciocínio, ou seja, o cérebro 287. O reconhecimento do direito ao patrimônio genético e à investigação científica deve ter como pressuposto que a pessoa, além de se constituir de uma individualidade biológica, e de um ser com 286 MUÑHOZ, Miguel Moreno. El debate sobre las implicaciones científicas, éticas y legales del Proyecto Genoma Humano: aportaciones epistemológicas. 1996. 456 f. Tesis (Doctorado)–Facultad Filosofia e Letras, Universidad de Granada, Granada, 1996. p. 343-350. 287 MUÑHOZ, Miguel Moreno. El debate sobre las implicaciones científicas, éticas y legales del Proyecto Genoma Humano: Aportaciones epistemológicas. 1996. 456 f. Tesis (Doctorado)–Facultad Filosofia e Letras, Universidad de Granada, Granada Espanha, 1996. p. 343-350. 232 relações psicossociais e um sujeito para os juristas, aparece ainda como um valor, o que faz concluir que as investigações científicas (biológicas e médicas) devem respeitar os seres humanos, de forma que288: a) seja reprimida a experimentação com enfermos vegetativos crônicos, salvo se o experimento possa melhorar o seu estado, pois não são simples modelos experimentais; b) sejam vistas com restrição as experimentações com embriões; c) sejam respeitados e não sejam objeto de comércio os órgãos, os tecidos e as células, principalmente as que transmitem a vida (óvulo e espermatozóide) do homem, formam parte de sua pessoa, participam de sua dignidade. Diante de questões tão controversas, volta-se a destacar289 que qualquer proposta reguladora dessas situações não poderá se basear em critérios estritamente científicos, mas, sim, levar em conta uma ética racional universalista de requisitos mínimos, que possa defender os interesses de todos e, da mesma forma, possam ser aceitáveis e exigíveis por todos. O legislador deve ser sensível a esses aspectos fundamentais. 2.2 O respeito ao conhecimento e à liberdade de investigação A reflexão sobre esse pressuposto deve levar em conta, inicialmente, duas orientações: a) a que entende o conhecimento como primeiro dever do homem; b) a que vincula o dever do conhecimento a outros deveres: respeito ao homem, respeito à sua liberdade, respeito à sua dignidade290. 288 Ibid., p. 344. A este respeito ver terceiro capítulo (divisão n. 4), seção 4.5. 290 MUÑHOZ, Miguel Moreno. El debate sobre las implicaciones científicas, éticas y legales del Proyecto Genoma Humano: aportaciones epistemológicas. 1996. 456 f. Tesis (Doctorado)–Facultad Filosofia e Letras, Universidad de Granada, Granada, 1996. p. 345-346. 289 233 A primeira orientação refere-se à distinção entre a moral dos homens da ciência e a moral da maioria dos homens, sendo que a sociedade deveria ser submetida ao conhecimento científico, pois a ética do conhecimento é radicalmente distinta dos sistemas religiosos e utilitaristas. Em posição oposta, vem a segunda orientação, vinculando o dever do conhecimento ao respeito que o ser humano merece e ressaltando que, se estiverem em conflito o progresso científico e a integridade dos seres humanos, o primeiro deve ceder291. No que tange às pesquisas que envolvem manipulação genética, deve-se levar em conta o seguinte292: a) em bioética, o que não é científico não é ético, ou seja, o valor científico de um projeto é analisado levando-se em conta a credibilidade científica e se foi realizado por profissional competente, antes de ser submetido a um comitê de ética; b) tudo o que é científico não é necessariamente ético, e em razão disso o cientista tem a difícil tarefa de conjugar o respeito à pessoa e o respeito ao conhecimento, não podendo a investigação biológica e médica ser interrompida, pois é a única que pode permitir o tratamento e prevenção de enfermidades, tais como o câncer, as enfermidades genéticas, as enfermidades cardiovasculares, etc. Conclui-se, assim, que o conhecimento e a liberdade de investigação somente se legitimam se houver o respeito à pessoa humana. O desenvolvimento científico é necessário, porém deve ser utilizado para melhorar a condição de vida da espécie humana. 2.3 A repressão à intenção de lucro Atualmente, a maior parte das pesquisas tem sido realizada com investimento de capital privado. Os dados econômicos não devem, então, ser subestimados, e a luta contra as enfermidades deve ser priorizada. Em decorrência disso, a indústria das biotecnologias deve ter limitada a sua intenção de lucro, de modo a evitar práticas e comportamentos eticamente inaceitáveis, advindos da junção da 291 292 Ibid., p. 345-346. Ibid., p. 346-347. 234 corrupção e da miséria, levando a casos extremos como a venda de órgãos e tecidos, o aluguel de útero, a experimentação, em humanos em situação econômica e social precária, de novos fármacos cujos efeitos se desconhece. O corpo humano não pode ser objeto de comércio, quer em sua totalidade, quer em partes. Conclui-se que os aspectos éticos da pesquisa em genética humana devem levar em conta, além dos princípios já sedimentados na bioética, como a autonomia, a beneficência e a justiça, também o contexto social das pessoas envolvidas na pesquisa, pois não pode ser adotado o mesmo critério para as pesquisas realizadas nos países desenvolvidos e nos em desenvolvimento293. 2.4 A generalização dos benefícios Os investimentos em qualquer área têm como pressupostos, além dos lucros, também os benefícios que poderão proporcionar. Nos países de economia capitalista, o benefício é algo quase sagrado, sendo considerado o motor que move as empresas. A questão por ora se restringe a saber se esse deve ser também o objetivo prioritário das empresas dedicadas à saúde do ser humano e das enfermidades e suas conseqüências294. A esse respeito, Eliane S. Azevedo pondera que “A avaliação dos aspectos éticos da pesquisa em genética humana, no contexto de países em desenvolvimento, permite a identificação de três grandes capítulos: o primeiro, que pode ser intitulado ‘decisões em circunstâncias de pobreza’, examina desafios morais aos princípios da autonomia, beneficência e justiça nas investigações de ensaios clínicos, sendo a pesquisa genética ou não; o segundo aborda as questões éticas do não-atendimento às prioridades de saúde da população e do não retorno de benefícios para a população pesquisada; e, o terceiro, especialmente direcionado às implicações éticas da pesquisa genômica, destaca o poder conferido ao DNA de pessoas, povos e nações, isto é, o ‘DNA-poder’, examinado em suas amplitudes científica, política, estratégica e bélica” (AZEVEDO, Eliane S. Ética na pesquisa em genética humana em países em desenvolvimento. In: GARRAFA, Volnei; PESSINI, Leo (Org.). Bioética: poder e injustiça. São Paulo: Sociedade Brasileira de Bioética: Centro Universitário São Camilo: Edições Loyola, 2003. p. 323). 294 MUÑHOZ, Miguel Moreno. El debate sobre las implicaciones científicas, éticas y legales del Proyecto Genoma Humano: aportaciones epistemológicas. 1996. 456 f. 293 235 Nesse peculiar aspecto, a bioética situa-se em um terreno fronteiriço entre a política, a economia e a ciência. Isso porque nem sempre os benefícios visados pelas empresas de investigação científica identificam-se com as necessidades da população onde a pesquisa é realizada. Além disso, os recursos, mesmo públicos, que são disponibilizados para as investigações biomédicas não têm em vista as necessidades prioritárias daquela população295. Assim, a generalização dos benefícios obtidos com a pesquisa genética é pressuposto do direito à proteção do patrimônio genético, devendo as pesquisas serem desenvolvidas de acordo com a necessidade da população, visando resolver os mais urgentes problemas de saúde, e não apenas atender a interesses exclusivos das empresas. Ademais, a generalização dos benefícios inclui também o acesso da população aos produtos obtidos por meio da pesquisa. 2.5 A responsabilidade do investigador A responsabilidade do investigador deve levar em conta imperativos éticos e sociais, de forma que haja cumplicidade entre os próprios investigadores na orientação e nas conseqüências do seu trabalho. Isso pode ser realizado da seguinte forma: criação de comitês de ética dentro dos institutos e centros de investigação; exigência de que as investigações fronteiriças sejam conhecidas e avaliadas por comitês de ética qualificados antes de serem publicadas em revistas científicas; e, de que os pesquisadores tenham formação que os leve à reflexão profunda sobre as implicações de seu trabalho e de sua responsabilidade, com o fim de promover ações para tentar evitá-las. Tesis (Doctorado)–Facultad Filosofia e Letras, Universidad de Granada, Granada, 1996. p. 345-346. 295 A esse respeito Eliane S. Azevedo afirma que “a rede de forças que define as políticas científicas e, consequentemente, os objetivos de determinada pesquisa estão cada vez mais influenciados pelo poder de mercado, pelos interesses das indústrias farmacêuticas e de alimento, pela competitiva busca por prestígio entre os cientista, entre outras razões menos explícitas” (Cf. AZEVEDO, 2003, p. 327). 236 2.6 O respeito aos princípios bioéticos Não se deve olvidar que o direito à proteção do patrimônio genético humano e à investigação científica tem ainda, como pressupostos, os princípios bioéticos da autonomia, beneficência, nãomaleficência e justiça. O primeiro dos princípios, o da autonomia, refere-se ao respeito às pessoas, estando intimamente relacionado ao conceito de dignidade humana. É visto sob dois enfoques, quer significando que os indivíduos devem ser tratados como agentes autônomos (capazes de deliberar sobre seus objetivos pessoais), quer no sentido de exigirse proteção para aqueles que têm autonomia reduzida296. Pelo princípio da beneficência, busca-se um agir sem causar danos, ou seja, um comprometimento com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos. Por sua vez, o princípio da não-maleficência é uma garantia de que danos previsíveis serão evitados. Por fim, para o princípio da justiça, leva-se em conta a relevância social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos da pesquisa e o mínimo de ônus para os vulneráveis, garantindo assim igual consideração dos interesses envolvidos, sem perder o sentido de sua destinação sócio-humanitária297. Esses princípios, que regulamentam a eticidade da pesquisa, foram inseridos em várias declarações de direitos, inclusive na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, bem como constam da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – CNS. 296 FARIAS, Paulo José Leite. Limites éticos e jurídicos à experimentação genética em seres humanos: impossibilidade da clonagem humana no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jurídica, Curitiba, ano 13, n. 11, p. 85-89, 1997. 297 GEDIEL, José Antonio Peres. Tecnociência, dissociação e patrimonialização jurídica do corpo humano. In: FACHIN, Luiz Edson (Org.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro Contemporrâneo. Rio de Janeiro; São Paulo: Renovar, 2000. p. 57-85. Sobre os princípios bioéticos básicos vide também: DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva. p. 14 -16; DWORKIN, Ronald. El dominio de la vida: una discusión acerca del aborto, la eutanasia y la libertad individual. Barcelona: Editorial Ariel, 1994. p. 290-311. 237 3 BENS JURÍDICOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS IMPLICADOS NA PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO E DA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA Os notáveis avanços por que têm passado as ciências biomédicas durante os últimos anos têm suscitado a aparição de numerosos conflitos éticos, problemas complexos e difíceis para a sociedade. Registra-se, ainda, que, com as novas técnicas possibilitadas pela biomedicina, biogenética, bioinformática e genômica, têm surgido novos marcos de referência, que alteram violentamente os conceitos fundamentais sobre o que são a vida e a morte, a maternidade e a família, herança genética e eugenia, a liberdade e as emoções, e o que em essência é o próprio homem. Com efeito, as novas possibilidades geradas pela biotecnologia (terapia gênica, clonagem, hibridação, etc.) criam a necessidade de identificar quais valores do homem podem ser afetados, para então se poder assinalar quais são as carências, bem como decidir quanto aos instrumentos jurídicos que devem ser utilizados para uma adequada proteção. Devem ser assim identificados quais são os bens jurídicos que podem vir a ser afetados pela intervenção no genoma humano e a conseqüente alteração do patrimônio genético da humanidade. As possíveis intervenções, mesmo que incidam exclusivamente sobre os indivíduos, podem afetar toda a espécie humana, pois existem bens jurídicos que transcendem ao indivíduo, atingindo a espécie como um todo, em sua integridade, identidade, inalterabilidade e diversidade298. Ante a carência de proteção para a espécie humana, em relação às intervenções realizadas atualmente sobre o genoma, Carlos Maria Romeo Casabona considera como pressupostos para a apreciação dos bens jurídicos implicados os seguintes: 298 VIEIRA, Ricardo Stanziola; CARVALHO, Ester. A revolução biotecnológica e o genoma humano: algumas idéias de direito comparado sobre a proteção jurídica do patrimônio genético da humanidade. Disponível em: <http://www.sj.univali.br/RI/ Revista/6art2_stanziola_e_estr.html>. Acesso em 15 abr. 2005. 238 1) a inalterabilidade e intangibilidade do patrimônio genético não-patológico do ser humano (herança genética); 2) a identidade única e irrepetível do ser humano; 3) a dupla dotação genética; 4) a proteção da sobrevivência da espécie humana299. O bem jurídico, na lição do professor Dr. Luiz Regis Prado, “vem a ser um ente (dado ou valor social) material ou imaterial haurido do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual, reputado como essencial para a coexistência e o desenvolvimento do homem em sociedade [...]”300. Essa definição leva à conclusão de que o texto constitucional reconhece expressa ou implicitamente um valor extraído da realidade social, elevando-o à categoria de bem jurídico. Há que se esclarecer que os bens jurídicos têm como fundamento valores culturais que se baseiam em necessidades individuais ou coletivas. Nesse contexto, verifica-se que, com a evolução do Estado e com o reconhecimento de novos valores nos textos constitucionais, houve a expansão dos bens jurídicos constitucionalmente reconhecidos, principalmente no que tange aos direitos e garantias fundamentais. A expansão cada vez mais acentuada dos direitos e garantias fundamentais, segundo Adriana Diaféria, fez com que surgissem diversas classificações e conceituações, indicando algumas vezes até uma imprecisão semântica, não tendo contudo interferido na contextualização de seus objetivos301. É relevante destacar que as expressões comumentemente utilizadas como sinônimas, sem observar, contudo, uma precisão semântica, são “direitos do homem” e “direitos fundamentais”. Para Canotilho, os “direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos”; por sua vez, “direitos fundamentais são 299 CASABONA, Carlos Maria Romeo. Do gene ao direito. São Paulo: IBCCrim, 1999. p. 229. 300 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal de Constituição. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: R. dos Tribunais, 2003. p. 52-53. 301 DIAFÉRIA, Adriana. Clonagem: aspectos jurídicos e bioéticos. Bauru: Edipro, 1999. p. 45. 239 os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente”302. Com base nesse esclarecimento, pressupõe-se que os direitos do homem são os valores de caráter inviolável, intemporal e universal, e, por sua vez, os direitos fundamentais são aqueles reconhecidos como bens jurídicos, estando, porém, objetivamente vigentes em uma determinada ordem jurídica303. Os direitos fundamentais podem ser divididos em três304 dimensões305: 302 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 393. 303 A respeito da fundamentação dos direitos humanos, Robert Alexy esclarece que “Os direitos humanos somente podem desenvolver seu pleno vigor quando são garantidos através de normas de direito positivo, isto é transformados em direito positivo. Este o caso, por exemplo de sua incorporação como direito obrigatório no catálogo de direitos fundamentais de uma constituição (tradução da autora)” (ALEXY, Robert. Teoria del discurso y derechos humanos. Tradução de Luiz Villar Borda. Bogotá: Univesidad Externado de Colômbia, 2001. p. 93). 304 Por vezes os direitos fundamentais são divididos em quatro dimensões, pois existe a tendência de se reconhecer uma quarta dimensão dos direitos fundamentais centrada, segundo Canotilho, “na discussão internacional em torno do problema da autodeterminação, da nova ordem económica internacional, da participação no património comum, da nova ordem de informação”, o que acabou por gerar a idéia de uma nova geração de direitos, que inclui o direito à autordeterminação, ao patrimônio comum da humanidade, a um ambiente saudável e sustentável, à comunicação, à paz e ao desenvolvimento (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 386/387). Paulo Bonavides se posiciona favoravelmente ao reconhecimento da existência de uma quarta dimensão de direitos, em razão de ser o resultado da globalização dos direitos fundamentais, no sentido de sua universalização (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. p.526). Deve ser destacado, ainda, o entendimento de José Alcebíades de Oliveira Junior, que elenca uma quinta geração de direitos fundamentais, incluindose dentre eles “os direitos da realidade virtual, que nascem do grande desenvolvimento da cibernética na atualidade, implicando no rompimento das fronteiras tradicionais, estabelecendo conflitos entre países com realidades distintas, via Internet, por exemplo” (OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades. O desafio dos novos direitos para a Ciência Jurídica. In: ______; MORATO LEITE, José Rubens (Org.). Cidadania Coletiva. Florianópolis: Paralelo 27, 1996. p. 18). 305 O termo “dimensão” é utilizado por Paulo Bonavides e Ingo Wolfgang Sarlet em substituição ao termo “geração”. A preferência desses autores pelo termo “dimensão” deve-se ao processo cumulativo, de complementaridade entre os direitos fundamentais, e não de alternância, que pode dar a falsa impressão de substituição 240 a) a primeira dimensão refere-se aos direitos de liberdades, ou seja, aos direitos civis e políticos garantidos pelo texto constitucional; b) a segunda refere-se aos direitos de prestação (igualdade)306, direitos sociais, culturais e econômicos, e ainda aos coletivos e de coletividades; c) a terceira, pautada na fraternidade entre as nações, e com o objetivo de equilibrar o desenvolvimento e beneficiar toda a humanidade307, tem como exemplo o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação, estando incluído ainda nessa dimensão, segundo Adriana Diaféria, o direito ao progresso científico e tecnológico atrelado à integridade e à diversidade do patrimônio genético dos seres vivos308; Especial atenção é dada ao reconhecimento da dignidade humana e do direito ao livre desenvolvimento da personalidade como valores individuais do ser humano, valores esses que refletem seus efeitos sobre outros direitos fundamentais e liberdades públicas309. gradativa de uma geração por outra (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. p.525; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 47). 306 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 386. 307 Paulo Bonavides afirma que com o surgimento desses direitos acima mencionados, "um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta" (Cf. BONAVIDES, 1994, p.522). 308 DIAFÉRIA, Adriana. Clonagem: aspectos jurídicos e bioéticos. Bauru: Edipro, 1999. p. 51. Sobre a multidimensionalidade do biodireito veja também SILVA, Reinaldo Pereira e. Biodireito: a nova fronteira dos direitos humanos. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 92, n. 816, p. 62-93, outubro. 2003. 309 VIEIRA, Ricardo Stanziola; CARVALHO, Ester. A revolução biotecnológica e o genoma humano: algumas idéias de direito comparado sobre a proteção jurídica do patrimônio genético da humanidade. Disponível em: <http://www.sj.univali.br/RI/ Revista/6art2_stanziola_e_estr.html>. Acesso em 15 abr. 2005. 241 Especificamente no que tange à dignidade humana, sua elevação à categoria de fundamento do Estado democrático de direito constitui uma das maiores garantias diante dos avanços científicos e tecnológicos, em razão do surgimento de novas situações fáticas e novos direitos que necessitam de uma estruturação condizente. Com base nessas premissas, conclui-se que a maior parte dos valores de titularidade individual implicados pela intervenção no genoma humano foram reconhecidos como bens jurídicos nas Constituições modernas. Citam-se, assim, a vida humana, a integridade pessoal (física e mental), a liberdade de decisão ou autodeterminação e a intimidade. Os valores coletivos implicados pela intervenção no genoma humano podem ser elencados como: a) a inalterabilidade e intangibilidade do patrimônio genético; b) a identidade e irrepetibilidade características de todo ser humano; c) a dupla dotação genética; d) a sobrevivência da espécie humana310. Ressalta-se que, apesar de se constituírem em valores reconhecidos, inclusive pelas Declarações Internacionais de Direitos, nem todos estão reconhecidos como bens jurídicos pelas Constituições dos Estados, sendo que o reconhecimento por uma Declaração Internacional de Direitos não tem o condão de elevar um valor à categoria de bem jurídico. No que tange à investigação científica, deve ser esclarecido que ela aparece no cenário mundial atual como um interesse digno de proteção, porém contraposto em certas ocasiões a outros valores individuais ou coletivos. A investigação científica tem como pressuposto a liberdade de investigação, atendendo-se, assim, aos interesses do cientista e também aos interesses coletivos de promoção do progresso científico, em decorrência dos benefícios gerais que pode gerar para a sociedade, os quais também se constituem em valores reconhecidos como bens jurídicos em alguns Estados, especialmente nos Estados democráticos de direito. Observa-se, contudo, que o direito à proteção do patrimônio genético humano constitui-se em uma nova dimensão dos direitos, segundo Adriana Diaféria. Essa autora afirma ter o texto constitucional brasileiro concretizado esse direito no § 1º, inciso II, do 310 Ibid. 242 art. 225, que protege o meio ambiente, devido à integração de seus objetivos311. Essa interpretação da autora é realizada levando em conta que a manipulação do patrimônio genético é caracterizada como mais uma das formas de interferência humana no meio ambiente, no que se refere aos seres vivos. O fundamento para tal interpretação baseia-se no fato de que a tutela do patrimônio genético abrange três sistemas de seres vivos: a) o dos vegetais; b) o dos animais; c) o dos seres humanos312. Explica, ainda, essa autora que a proteção do patrimônio genético dos vegetais e animais está vinculada diretamente à idéia de diversidade biológica, estando, portanto, adequadamente protegidos pelo direito ambiental, por meio de uma principiologia e metodologia próprias para garantir a sadia qualidade de vida e o equilíbrio ecológico do ecossistema planetário313. Contudo, em relação aos seres humanos, emboram tenham a mesma estrutura biológica dos outros seres vivos, estando, portanto, seu patrimônio genético protegido pelo § 1º do art. 225 da Constituição Federal, a estes se aplica outra principiologia. Isso em razão das características inerentes à própria natureza do homem, vinculada à idéia de responsabilidade, prudência, integridade, diversidade, etc., conforme os referenciais bioéticos da autonomia, justiça, beneficência, que norteiam o desenvolvimento científico, ao contrário da idéia de prevenção, desenvolvimento sustentável, poluidor-pagador, participação, etc., que caracterizam o direito ambiental314. A tutela da diversidade biológica é considerada como de proteção mediata à vida humana, ao passo que ao tutelar as questões atreladas à manipulação genética de material humano visa-se à proteção do bem jurídico imaterial, de forma individualizada, gerando reflexos a toda a sociedade315. 311 DIAFÉRIA, Adriana. Clonagem: aspectos jurídicos e bioéticos. Bauru: Edipro, 1999. p. 52. 312 Ibid. 313 Ibid. 314 DIAFÉRIA, Adriana. Clonagem: aspectos jurídicos e bioéticos. Bauru: Edipro, 1999. p. 52-53. 315 Ibid., p. 53. 243 Conforme salientado quando da abordagem da natureza jurídica do patrimônio genético, ora pode-se falar em natureza jurídica de direito difuso, ora de direito individual da personalidade. Como conseqüência, pode-se chegar a situações em que poderão se confrontar: o direito individual de dispor do patrimônio genético e o direito coletivo de todos serem beneficiados com as técnicas da biotecnologia316; o direito coletivo de intangibilidade da espécie humana e o direito individual de dispor de seu patrimônio genético; e, ainda, o direito coletivo de todos serem beneficiados com o progresso científico e o direito coletivo de intangibilidade da espécie humana. Contudo, para a análise dos interesses conflitivos relacionados ao patrimônio genético e à investigação científica, necessária se faz uma abordagem sobre os valores consagrados nas Declarações Universais de Direitos e na Constituição Federal, o que será feito na secção seguinte. 4 O DIREITO À PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO E À INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA: UM ENFOQUE A PARTIR DOS VALORES CONSAGRADOS NAS DECLARAÇÕES UNIVERSAIS DE DIREITOS E NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Para orientar o progresso tecnológico para o bem do ser humano e evitar que sirva somente aos interesses econômicos ou políticos dos mais fortes, é preciso buscar a fundamentação para esses direitos nos referenciais éticos da justiça, da autonomia, da beneficência e da não-maleficência, bem como nos princípios do Estado democrático de direito. Nesta abordagem, assumem grande relevância as Declarações Internacionais de Direitos. Apesar de não serem elas dotadas de 316 Ibid. 244 imperatividade jurídica, devem ser reconhecidas como indicativos para uma conduta eticamente aceitável em âmbito internacional, além de representar um importante método de cristalização de novos conceitos e princípios gerais, que, uma vez adotados, passam a influenciar toda a formulação subseqüente do direito, seja na ordem jurídica interna, seja no plano internacional317. Contudo, antes da reflexão sobre os valores consagrados nas Declarações de Direitos e no texto constitucional, faz-se necessária uma abordagem sobre alguns dispositivos constitucionais de forma que sejam adotados parâmetros que atendam às exigências do Estado democrático de direito. Inicia-se, assim, analisando o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, que indica como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana. A noção de dignidade humana varia consoante as épocas e os locais, e é uma idéia-força atualmente admitida na civilização ocidental. Ela é a base dos textos fundamentais sobre direitos humanos, tanto que, no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, consta expressamente que "Os direitos humanos são a expressão direta da dignidade da pessoa humana, a obrigação dos Estados de assegurarem o respeito que decorre do próprio reconhecimento dessa dignidade". Isso gera implicações nos direitos econômicos, sociais, culturais, que são indispensáveis à concretização dessa dignidade. Essa noção de dignidade com característica comum a todos os seres humanos é relativamente recente, sendo por isso difícil fundamentá-la senão como reconhecimento coletivo de uma herança histórica de civilização, colocando-se a questão de saber se a dignidade humana não será o modo ético como o ser humano se vê a si próprio318. 317 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 1, n.2, p. 50-66, abr./jun., 1996. 318 O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida de Portugal, após várias reuniões para discutir “A Reflexão Ética sobre a Dignidade Humana”, elaborou um documento com a síntese das conclusões. Nessas conclusões afirma que: “[...] podemos talvez dizer que a abordagem actual da dignidade humana se faz sobretudo pela negativa, pela negação da banalidade do mal: é por se estar confrontado com situações de indignidade ou de ausência de respeito que se tem indício de tipos de comportamento que exigem respeito. Nesse sentido, ela é fundamental na definição dos direitos humanos, como 245 Nesse contexto, e tendo em vista o objeto de estudo do presente trabalho, pode-se afirmar que uma reflexão sobre o conceito de dignidade humana, nos seus aspectos éticos, filosóficos, biológicos e psicológicos, pode levar às seguintes conclusões319: A) reflexão ética: atualmente a sobrevivência da espécie humana está associada à sobrevivência da natureza; desse modo, alargando-se o conceito de dignidade, pode-se assegurar a continuidade dos seres humanos numa ética de responsabilidade pelo futuro, num alargamento não só da concepção do que é ser humano, mas também do que é a coletividade sem a qual o homem não subsiste: “o ser humano só advém na comunidade, mas esta alargouse, no espaço e no tempo, alargou-se ao normal e ao patológico, ao humano e ao não-humano, a esferas diferentes de vida, nomeadamente quotidiana, profissional, política”320. B) reflexão filosófica: o termo “dignidade humana” nada mais é do que o reconhecimento de um valor, ou seja, um princípio moral baseado na finalidade do ser humano e não na sua utilização como um meio. A dignidade humana baseia-se na própria natureza da espécie humana, a qual inclui, normalmente, manifestações de racionalidade, de liberdade e de finalidade em si, o que faz do homem um ente em constante desenvolvimento na procura da realização de si próprio321; na abordagem de novos problemas de bioética e nomeadamente de uma ética do ambiente, uma ética que implica também solidariedade, já que se a dignidade se relaciona com o respeito, as desigualdades sociais e económicas nas sociedades modernas fazem com que uma parte dessas sociedades não se possa respeitar a si própria. Devemos referir ainda o lugar que o homem se atribuiu a si próprio no âmbito dum mundo tecnicizado, que perdeu a ligação ao mundo sensível, ao mundo vivo, cometendo actos indignos contra a vida animal, vegetal. É neste contexto que o conceito de dignidade humana introduz um elemento de ordem e de harmonização no conflito das relações das comunidades humanas” (PORTUGAL. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Documento de Trabalho n. 26/CNECV/99. [Lisboa], 1999. p. 5) 319 Cf. conclusões extraídas do Documento de Trabalho n. 26/CNECV/99, 1999, p. 3-20. 320 Ibid., p. 6. 321 Para esse projeto de auto-realização exige-se, da parte de outros, reconhecimento, respeito, liberdade de ação e não instrumentalização da pessoa. Essa auto-realização pessoal somente será possível por meio da solidariedade ontológica com todos os membros da espécie. Tudo o que o ser humano representa é devido aos outros, em razão da transmissão de uma cultura, uma língua e uma série de tradições e princípios. Uma vez constituído por essa solidariedade ontológica da raça humana, o homem está inevitavelmente mergulhado nela, realizando-se a si próprio através da 246 C) reflexão biológica: é possível afirmar que existe uma dimensão ética na existência humana, ou seja, uma ética para a pessoa que vive no corpo, todavia o corpo não é portador de dimensão ética, mas, sim, a pessoa no seu corpo é que é portadora dessa dimensão. Para o corpo humano isolado, não há ética. Dessa forma, questiona-se: existe uma fundamentação biológica da dignidade humana? Para essa pergunta, a resposta é: sim e não. Sim, pois os mecanismos biológicos constituem o suporte indispensável para a existência da pessoa (atividades pensantes, volitivas, etc.). Não, na medida em que as capacidades de auto-realização na linha de um projeto pessoal não são determinadas especificamente por mecanismos biológicos conhecidos; D) reflexão psicológica: a dignidade é um conceito ético e não psicológico; assim, sua fundamentação se faz ao nível ético e a diferença que se encontra na análise da dignidade nessa perspectiva provém da diferença entre a consciência empírica que temos de dignidade e o seu ser. A consciência psicológica diz respeito à consciência empírica, à forma com que essa dignidade aparece para si próprio ou para os outros. A dignidade humana, em uma reflexão jurídica, poderia então ser considerada como o bem supremo, capaz de garantir não só a existência do Estado, mas sobretudo da história da evolução humana, por estar vinculada à construção ideológica, psicológica, religiosa e cultural que lhe dá suporte322. Atualmente, a dignidade humana, diante das situações complexas que tendem a impedir o equilíbrio individual e social, bem como em razão da necessidade de proteção a novas situações, deve ter o seu conceito alargado, possibilitando a inclusão de uma dignidade coletiva, ou uma dignidade da espécie humana. Há que se destacar neste momento a afirmação de Edelman, para quem a dignidade designa não o ser do homem, mas a humanidade do homem. Para esse autor, “se todos os seres humanos compõem a humanidade, é porque todos têm essa mesma qualidade de dignidade no ‘plano’ da humanidade”; diz-se, assim, que são todos humanos e dignos de sê-lo. “Colocada no centro de uma ordem jurídica, a humanidade, em vez de ordenar uma identificação, instrui relação e ajuda ao outro (Cf. Documento de Trabalho n. 26/CNECV/99. [Lisboa], 1999. p. 6) 322 DIAFÉRIA, Adriana. Clonagem: aspectos jurídicos e bioéticos. Bauru: Edipro, 1999. p. 54. 247 reconhecimento. Em duas palavras, se a liberdade é a essência dos direitos humanos, a dignidade é a essência da humanidade”323. A humanidade não se situa na dimensão dos direitos humanos, mas na dimensão de um direito supranacional, tal qual ocorre com a dignidade. A dignidade do indivíduo não pode ser alienada, renunciada, pois o homem não pode se excluir da humanidade324. Essa nova concepção de dignidade, proposta por Edelman, remete ao conceito alargado de dignidade a que se fez referência acima, levando à conclusão de que o conceito de dignidade é supraindividual, remete à espécie humana325. Não se deve, contudo, olvidar que no mundo científico, em que a manipulação genética se torna corriqueira, a dignidade deve funcionar como um espelho aos cientistas e pesquisadores, para que não se esqueçam da humanidade que também lhes é inerente326. Além da dignidade humana, outro bem jurídico que se encontra protegido no texto constitucional em seu art. 5º, caput, é o direito à vida. Esse bem jurídico é, no entendimento de Adriana Diaféria, objeto de um direito fundamental maior, vinculado a outros valores constitucionais, visando garantir a todos o devido cumprimento dos direitos e deveres individuais e coletivos, para o atendimento do direito à igualdade perante a lei. Assim, o respeito à vida pressupõe a manutenção da integridade da dignidade humana. Por sua vez, para que a dignidade exista, precisa da vida para se 323 EDELMAN, B. La personne en danger. Paris: PUF, 1999. p. 507-513 apud SANTOS, Laymert Garcia dos. Intervenção, descoberta e dignidade humana. In: CARNEIRO, Fernanda; EMERICK, Maria Celeste (Org.). Limite: a ética e o debate jurídico sobre acesso e uso do genoma humano. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000. p. 40. 324 SANTOS, Laymert Garcia dos. Intervenção, descoberta e dignidade humana. In: CARNEIRO, Fernanda; EMERICK, Maria Celeste (Org.). Limite: a ética e o debate jurídico sobre acesso e uso do genoma humano. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000. p. 40. Edelman a esse respeito afirma que “O homem não é livre para renunciar à sua qualidade de homem” (EDELMAN, B. La personne en danger. Paris: PUF, 1999. P. 512-513 apud SANTOS, Laymert Garcia dos. Intervenção, descoberta e dignidade humana. In: CARNEIRO, Fernanda; EMERICK, Maria Celeste (Orgs.). Limite: a ética e o debate jurídico sobre acesso e uso do genoma humano. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000. 325 SANTOS, op. cit., p. 41. 326 DIAFÉRIA, Adriana. Clonagem: aspectos jurídicos e bioéticos. Bauru: Edipro, 1999. p. 55. 248 manifestar, e para a propagação dos efeitos da dignidade devem ser garantidas saúde, educação, trabalho, lazer327. Volta-se a enfatizar que a democracia deliberativa e a opinião informada e não manipulada poderão contribuir para que a pesquisa científica seja utilizada para melhorar a qualidade de vida e promover a liberdade dos cidadãos. Uma das formas de se alcançar esse propósito é através da educação328, pois esta se constitui do melhor instrumento para se ter consciência do mundo e participar efetivamente do aprimoramento e desenvolvimento harmônicos e justos329. A Constituição Federal consagra ainda, em seu art. 170, o direito ao desenvolvimento da ordem econômica, com base no capital e no trabalho. Assim, a ciência e a tecnologia devem ser fomentadas, a fim de se adequarem aos moldes culturais e exigências sociais. Além disso, garante também a liberdade de pesquisa, quando em seu art. 218 estabelece que “O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas". O parágrafo primeiro do mesmo dispositivo constitucional é expresso, ao estabelecer que “A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências”. Por sua vez, o parágrafo segundo, abordando a finalidade para a qual é garantida a liberdade de pesquisa, dispõe que “a pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional”. Em âmbito internacional, a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e Direitos do Homem, em seu art. 12 “b”, reconhece que "a liberdade de pesquisa (...) procede da liberdade de pensamento". Essa é condição necessária, mas não suficiente, porquanto, para conduzir uma pesquisa verdadeiramente livre, é necessário garantir, da mesma maneira, também a liberdade de consciência e de religião. 327 Art. 6º da Carta Magna. Esse direito está garantido no art. 6º da Constituição Federal. 329 Cf. DIAFÉRIA, Adriana. Clonagem: aspectos jurídicos e bioéticos. Bauru: Edipro, 1999. p. 55. 328 249 A Declaração Universal sobre o Genoma Humano e Direitos do Homem reconhece a liberdade de investigação330, todavia essa liberdade deve respeitar o caráter único de cada indivíduo331; observar a necessidade de consentimento prévio, livre e informado do investigado; respeitar a confidencialidade de dados genéticos; garantir o acesso de toda pessoa aos progressos no campo do genoma humano332; respeitar a decisão da pessoa investigada de ser ou não informada dos resultados dos exames genéticos. Enfatiza ainda essa Declaração Universal a necessidade de os pesquisadores atuarem com responsabilidade333, solidariedade, difusão do conhecimento científico sobre o genoma humano e cooperação com os países em desenvolvimento334, de forma que as pesquisas e o conhecimento sobre o genoma humano sirvam para aliviar o sofrimento da humanidade, melhorar a saúde pública e beneficiar a todos, excluindo-se os fins não-pacíficos335. Outro ponto destacado na Declaração da Unesco por Gislaine Fátima Diedrich336 refere-se ao caráter interdisciplinar da investigação do genoma, suas aplicações e conseqüências, razão pela qual devem ser tomadas todas as medidas levando-se em consideração especialmente os campos ético, educacional, jurídico, social e econômico337. Além desses valores, a Constituição Federal traz, também, como direito fundamental, a proteção do patrimônio genético 330 Art. 12. Arts. 2º e 11. 332 Arts. 5º, 7º, 8º e 12. 333 Art. 13. 334 Arts. 17 a 19. 335 Arts. 12, 15 e 19. 336 DIEDRICH, Gislayne Fátima. Genoma humano: direito internacional e legislação brasileira. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.). Biodireito: Ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: R. dos Tribunais, 2001. p. 223. 337 Arts. 14, 16 e 20. Eduardo de Oliveira Leite, citando artigo publicado no jornal The Independent, afirma que "A legitimidade da ciência se apóia sobre fundamentos que lhe são próprios e que decorrem essencialmente da qualidade de pesquisa. A liberdade de pesquisa é, por vezes, considerada, notadamente nos países anglosaxões, como um princípio tão fundamental que justificaria uma autonomia total da ciência no seio da sociedade” (LEITE, Eduardo de Oliveira. O direito, a ciência e as leis bioéticas. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: R. dos Tribunais, 2001. p. 105). 331 250 humano338, em seu art. 225, § 1º, inciso II, determinando a preservação da integridade e da diversidade garantidas às gerações futuras. Verifica-se, assim, que tanto a proteção do patrimônio genético quanto a investigação científica encontram fundamento na Constituição Federal e nas Declarações Universais de Direitos. A investigação científica, no entanto, deve ser utilizada para alcançar o benefício comum da humanidade. 4.1 Princípios estruturadores do direito ao patrimônio genético e à investigação científica na legislação nacional A possibilidade de proteção ao patrimônio genético e à investigação científica vem encartada no texto constitucional, podendo ser extraída da interpretação de vários dispositivos. Conforme salientado alhures, a Carta Magna promulgada em 1988 apresenta textualmente o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República339, e o da inviolabilidade do direito à vida como primado dos direitos e garantias fundamentais340. Analisando-se o nexo lógico existente entre o texto constitucional e sua adequação em face da realidade social e aos valores vigentes na sociedade, pode ser dada uma dimensão mais significativa aos princípios essenciais e duradouros ali inseridos, de forma que a mobilidade social não propicie uma ruptura ao sistema constitucional organizado341. 338 Interpretação dada por DIAFÉRIA, Adriana. Clonagem: aspectos jurídicos e bioéticos. Bauru: Edipro, 1999. p. 57. 339 Art. 1º, III. 340 Art. 5º, caput. 341 COAN, Emerso Ike. Biomedicina e biodireito. Desafios bioéticos. Traços semióticos para uma hermenêutica constitucional fundamentada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade do direito à vida. In: SANTOS, Maria Celeste Leite (Org.). Biodireito: ciência da vida e novos desafios. São Paulo: R. dos Tribunais, 2001. p. 256-227. 251 Os valores reconhecidos como bens juridicamente tutelados pela Constituição Federal devem servir de critério para o legislador ordinário, para o Executivo e o Judiciário, e da mesma forma para toda a sociedade, como meio de concretizar os valores fundamentais ali contidos, exercendo uma função diretiva e integrativa. De tal sorte que o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado como fundamento da República, analisado conjuntamente com o da inviolabilidade do direito à vida, possibilita estabelecer a proteção jurídica da pessoa humana em face dos avanços biotecnológicos342. Portanto, o substrato de proteção do patrimônio genético e também do desenvolvimento científico provém da dignidade da pessoa humana, como princípio fundamental e absoluto, do qual decorrrem os preceitos da sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem-estar de todos343; da prevalência dos direitos humanos e cooperação entre os povos para o progresso da humanidade344; da não-submissão a tratamento desumano ou degradante; da inviolabilidade da consciência e livre expressão da atividade científica345; da saúde346; da ciência e tecnologia347; e da proteção do patrimônio genético e do meio ambiente348. Ante a análise desses preceitos, podem-se identificar e elencar os princípios constitucionais relacionados com o direito à proteção do patrimônio genético349: 342 COAN, Emerso Ike. Biomedicina e biodireito. Desafios bioéticos. Traços semióticos para uma hermenêutica constitucional fundamentada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade do direito à vida. In: SANTOS, Maria Celeste Leite (Org.). Biodireito: ciência da vida e novos desafios. São Paulo: R. dos Tribunais, 2001. p. 261. 343 Objetivos fundamentais segundo o art. 3º, I e IV, da Constituição Federal. 344 Princípios quanto às relações internacionais – art. 4º, II e IX da Constituição Federal. 345 Respectivamente art. 5º, III, VI e IX da Constituição Federal. 346 Art. 196 da Constituição Federal. 347 Art. 218, da Constituição Federal. 348 Art. 225 da Constituição Federal. 349 Princípios elencados por DIAFÉRIA, Adriana. Clonagem: aspectos jurídicos e bioéticos. Bauru: Edipro, 1999. p. 59-62; VIEIRA, Ricardo Stanziola; CARVALHO, Ester. A revolução biotecnológica e o genoma humano: algumas idéias de direito comparado sobre a proteção jurídica do patrimônio genético da humanidade. Disponível em: <http://www.sj.univali.br/RI/Revista6art2stanziolaeestr.html>. Acesso em 15 abr. 2005. 252 A) princípio da integridade (art. 225, § 1º, II da Constituição Federal): visa garantir a integridade do patrimônio genético, de forma que as manipulações em genes de seres humanos não interferiram na composição do material genético da espécie, quer por meio de melhoramento genético, quer pela hibridação ou quimerismo; B) princípio da identidade (art. 5º, X da Constituição Federal): assegura a identidade genética do ser humano, relacionando-a com a identidade pessoal e a limitação da tecnologia e da experimentação científica; C) princípio da não-discriminação (art. 3º, IV da Constituição Federal): assegura que nenhum ser humano poderá ser discriminado em razão de suas características genéticas; D) princípio da diversidade (art. 225, § 1º, II da Constituição Federal): garante a variedade da espécie humana, quer no seu aspecto biológico, quer no cultural, sendo tal diversidade indispensável para a evolução biológica e preservação da espécie350; E) princípio do respeito à dignidade humana (art. 1º, III, da Constituição Federal): por meio desse princípio, detidamente analisado acima, busca-se também impedir o reducionismo genético, ou seja, que as pessoas sejam reduzidas às suas características biológicas; F) princípio da não-disponibilidade econômica (art. 199, § 4º da Constituição Federal): impede que o patrimônio genético humano 350 Conforme esclarece o médico e biólogo François Jacob, "uma população composta por indivíduos geneticamente muito semelhantes se encontraria à mercê de um acidente: epidemia ou mudança brusca nas condições de vida. Todo esforço que visasse homogeneizar as propriedades biológicas dos indivíduos - seja querendo 'melhorá-los' pela eugenia, seja procurando valorizar uma propriedade como a aptidão para a matemática ou a corrida - seria biologicamente suicida e socialmente absurdo. Para o grupo e para a espécie, o que dá a um indivíduo seu valor genético não é a qualidade própria de seus genes. É que ele não tem a mesma coleção de genes que os outros. É que ele é único. O sucesso da espécie humana é devido, entre outras coisas, à sua diversidade biológica. É preciso, portanto, preservar cuidadosamente essa diversidade dos seres humanos. Ainda mais que a diversidade cultural, cujo papel no desenvolvimento da humanidade foi ainda mais importante que a diversidade genética, se vê hoje gravemente ameaçada pelo modelo que a civilização industrial impõe doravante " (JACOB, François. O rato, a mosca e o homem. Tradução de Maria de Macedo Soares Guimarães. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. p. 113-114). 253 seja objeto de especulação e ganho financeiro por parte das indústrias de biotecnologias; G) princípio da avaliação prévia ou princípio da precaução (art. 225, IV da Constituição Federal): estabelece que os potenciais riscos e benefícios de qualquer intervenção no genoma humano devem ser avaliados com antecedência; H) princípio do consentimento informado: a manifestação livre, espontânea e consciente da vontade é pressuposto obrigatório de qualquer pesquisa científica envolvendo intervenção no patrimônio genético; I) princípio da informação (art. 5° da Constituição Federal e Lei n. 8.078/1990 - Código de Defesa do Consumidor): o sujeito da pesquisa genética deve ser informado de forma a compreender com clareza os resultados esperados, bem como conscientizar-se das conseqüências que poderão advir de referida manipulação; J) princípio da confidencialidade (art. 5°, X, da Constituição Federal): as informações obtidas por meio de testes genéticos são estritamente confidenciais, não podendo ser divulgadas ou utilizadas por outra pessoa que não seja o detentor do material genético experimentado, salvo em caso de expressa autorização; L) princípio da prudência: para a garantia da dignidade humana, os pesquisadores devem agir com prudência quando da realização de experimentos científicos; M) princípio da responsabilidade: as atividades desenvolvidas por entidades de pesquisa relacionadas ao genoma humano são responsáveis pelos riscos decorrentes da intervenção sobre o patrimônio genético, independentemente de qualquer circunstância, em face da natureza da atividade desenvolvida. Essa responsabilidade pode ser estendida aos comitês de revisão ética e científica, quando o projeto passou pela aprovação destes; N) princípio da vulnerabilidade: (Lei n. 8.078/1990 - Código de Defesa do Consumidor, art. 170, V da Constituição Federal): refere-se ao estado da pessoa envolvida nas pesquisas, sendo que se houver uma redução da capacidade de autodeterminação, principalmente para consentir para a realização da pesquisa, esta não se legitimará; O) princípio da necessidade: a legitimação dos experimentos científicos depende da comprovação de sua real necessidade, quer 254 para o progresso da ciência, quer para proporcionar mais saúde e qualidade de vida para todos; P) princípio da igualdade (art. 5°, caput, da Constituição Federal): garante a todos não só o direito de acesso aos testes genéticos, mas também aos benefícios advindos das pesquisas, independentemente da origem geográfica, raça, etnia ou classe socioeconômica; Q) princípio da qualidade (art. 170, V, da Constituição Federal, Lei n. 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor): garante que as pesquisas sejam realizadas por empresas e profissionais capacitados e que sejam avaliadas por uma comissão de ética, bem como assegura que as atividades exercidas no material genético terão especificidade e sensibilidade adequadas351; R) princípio da liberdade de investigação (Arts. 170 e 218 da Constituição Federal): a ciência e a tecnologia devem ser fomentadas de forma que possam solucionar preponderantemente os problemas brasileiros. 4.2 Princípios universais do direito à proteção ao patrimônio genético e à investigação científica Ao se abordar o tema princípios universais de proteção ao patrimônio genético e à investigação científica, necessária se faz uma breve explanação sobre os direitos da espécie humana, que se referem ao direito à inviolabilidade da essência intrinsecamente humana, que tem a humanidade como espécie352. Conforme assevera Maria Dolores Vila-Coro353, “a titularidade do direito à identidade da espécie corresponde à humanidade, com abstração dos indivíduos que a constituem; transcende o tempo e o 351 Sobre esse assunto Cf. DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 376. 352 VILA-CORO, Maria Dolores. Introducción a la biojurídica. Madrid: Servicio Publicaciones Facultad Derecho, 1995. p. 234. 353 Ibid. 255 espaço; não é a soma dos direitos de seus membros, é independente dos mesmos; tem identidade própria”. Seu fundamento está na dignidade do humano como valor intrínseco e superior. O indivíduo tem dignidade por pertencer à espécie humana. Os direitos da espécie humana podem ser classificados, segundo Maria Dolores Vila Coro354, da seguinte forma: A) direito à permanência em seu ser específico ou princípio da identidade como espécie: corresponde ao direito de permanência como espécie humana, sem nenhuma interferência do homem que implique quer em união de gametas de espécies diferentes, quer no desenvolvimento de seres humanos fora do útero materno. Contrariam assim esse direito a hibridação, ou a fusão de gametas com os de outra espécie animal, bem como a chamada ectogênesis, ou seja, o desenvolvimento de ser humano fora do útero feminino e a implantação de um embrião humano no útero de outra espécie355. B) Direito ao equilíbrio e à diversidade natural da espécie humana: consiste no direito à não-interferência na ordem natural de evolução e conseqüentemente no equilíbrio natural das espécies. Contrariam esse direito a seleção de sexo, a criação de seres humanos idênticos – clonagem, a fusão de óvulos procedentes de duas mulheres, a seleção de caracteres genéticos com fins racistas356. Considerando que houve uma reformulação dos conceitos jurídicos e que hoje se pode entender, mesmo que simbolicamente357, que a humanidade é sujeito de direitos e que existem certos direitos que transcendem ao indivíduo singular, alcançando toda a espécie humana, a exemplo do direito ao patrimônio genético e do direito à investigação científica, que são considerados direitos difusos, houve a necessidade do reconhecimento de princípios universais como direcionadores da conduta dos Estados, principalmente dos Estados democráticos de direito. Em razão das possíveis influências da biologia molecular no futuro do homem, e com o fim de se proteger os direitos da humanidade, de garantir os direitos das gerações futuras, bem como o 354 VILA-CORO, Maria Dolores. Introducción a la biojurídica. Madrid: Servicio Publicaciones Facultad Derecho, 1995. p. 234. p. 235-236. 355 Ibid., p. 236 . 356 Ibid., p. 236-240. 357 Simbolicamente no sentido empregado no art. 1º da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos. 256 desenvolvimento científico e tecnológico, foram firmadas várias Declarações Universais de Direitos, que incorporaram aos seus textos princípios de bioética, além de limitações às pesquisas com o genoma humano e à investigação científica: A) Código de Nuremberg: Firmado em 1947 pelo Tribunal de Nuremberg (Tribunal de Guerra), tratou da relação ser humano e pesquisador, ressaltando a necessidade do consentimento voluntário, além do conhecimento sobre o assunto por parte daquele que iria sofrer a intervenção e a responsabilidade do pesquisador. Houve uma preocupação com o ser humano em seu aspecto individual, com ênfase aos resultados da pesquisa, que devem ser vantajosos para a sociedade358; B) Declaração Universal dos Direitos do Homem: Foi proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948, em razão do desprezo e do desrespeito pelos direitos do homem perpetrados por atos bárbaros durante a Segunda Guerra Mundial e que ultrajaram a consciência da humanidade359; C) Declaração de Helsinque (1964, 1983, 1997, 1999, 2001 e 2003): Elaborada pela Associação Médica Mundial, também enfatizou a importância do consentimento voluntário e informação do ser humano, além de declarar que os interesses do indivíduo prevalecem 358 DIEDRICH, Gislayne Fátima. Genoma humano: direito internacional e legislação brasileira. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: R. dos Tribunais, 2001. p. 218. 359 Por meio dessa Declaração, foram reconhecidos oito grandes valores éticojurídicos, quais sejam: paz e solidariedade universal; igualdade e fraternidade; liberdade; dignidade da pessoa humana; proteção legal dos direitos; justiça; democracia; dignificação do trabalho (HERKENHOFF, João Baptista. Os grandes valores ético-jurídico presentes na Declaração Universal dos DH. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/herkenhoff/livro1/ valores/valores.html>. Acesso em: 24 set. 2005). 257 sobre os interesses da ciência e da sociedade, ressaltando assim o aspecto individual, que se sobrepôs ao coletivo360. D) Relatório Belmont: Em 1978, a National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research publicou o Relatório Belmont, por meio do qual identificava três princípios bioéticos como fundamentais: o respeito pelas pessoas (autonomia); a beneficência e a justiça. Tal documento trouxe um novo enfoque ético de abordagem metodológica dos conflitos resultantes das pesquisas com seres humanos361; 360 DIEDRICH, Gislayne Fátima. Genoma humano: direito internacional e legislação brasileira. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.). Biodireito: Ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: R. dos Tribunais, 2001. p. 218. Todavia, deve ser considerado que, embora essa Declaração seja um documento da Associação Médica Mundial, os valores nela estabelecidos e os princípios nela contidos não "pertencem" a essa Associação, mas são igualmente valorizados pela comunidade mundial, incluindo as maiorias pobres e marginalizadas. Importante se faz esclarecer que, com a argumentação sofista de que os países pobres não têm mesmo acesso aos tratamentos ideais (O exemplo mais comum está relacionado ao acesso a medicamentos para o tratamento da AIDS) tem havido, nos últimos cinco anos, ação concertada e contínua visando reduzir os requisitos éticos preconizados na Declaração de Helsinque. A pressão surge por parte dos países desenvolvidos, em especial pelos Estados Unidos da América, que tentam estabelecer um duplo standard de tratamento, o que significa a existência de uma ética para os países desenvolvidos e outra para os países em desenvolvimento. Isso permitiria que em locais onde o acesso aos cuidados de saúde são precários os pesquisadores/patrocinadores se eximissem da responsabilidade de prover tratamento necessário para os voluntários da pesquisa, desde que explicitassem a priori essa possibilidade aos voluntários. Essa mudança facilitaria o direcionamento de projetos hoje considerados não-éticos nos países industrializados para os países periféricos, como é o caso do Brasil (GRECO, Dirceu Bartolomeu. As modificações propostas para o parágrafo 30 da Declaração de Helsinque 2000 diminuirão os requisitos relacionados ao acesso aos cuidados de saúde para os voluntários de ensaios clínicos. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 6, n. 4, p. 284290, 2003. Editorial Especial) 361 GARRAFA, Volnei; PRADO, Mauro Machado do. Mudanças na Declaração de Helsinki: fundamentalismo econômico, imperialismo ético e controle social. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 17, n. 6, p. 1489-1496, nov./dez. 2001. 258 E) Declaração de Valência sobre Ética e o Projeto Genoma Humano: Firmada em 1990, teve por preocupação o respeito à variedade genética e à dignidade humana. Por meio desse documento foi declarada a aceitação da terapia gênica das células somáticas para tratamento de enfermidades humanas específicas, repelindo, contudo, a terapia gênica de células germinativas362; F) Declaração de Bilbao sobre o Direito ante o Projeto Genoma Humano e Convênio sobre Direitos Humanos e Biomedicina: A Declaração de Bilbao sobre o Direito ante o Projeto Genoma Humano foi firmada em 1993, ressaltando o respeito à investigação científica e à interação entre direito e genoma humano363; G) Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos da Unesco : Também aprovada em 1997 buscou o reconhecimento de que o genoma humano está relacionado à dignidade humana, não podendo, por isso, os indivíduos serem reduzidos às suas características 362 DIEDRICH, Gislayne Fátima. Genoma humano: direito internacional e legislação brasileira. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.). Biodireito:ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: R. dos Tribunais, 2001. p. 220. 363 Em 1997, o Convênio sobre Direitos Humanos e Biomedicina dispôs a respeito do genoma humano, proibindo em seu art. 11º qualquer discriminação da pessoa em razão de seu patrimônio genético. Além disso, condicionou a realização de testes genéticos para identificação de doenças ou sua suscetibilidade a ela ao propósito da saúde ou da pesquisa ligada a essa finalidade e com assessoramento apropriado (art. 12º). O art. 13º permitiu a intervenção no genoma humano para finalidades terapêuticas de prevenção ou de diagnóstico (somente em células somáticas). No art. 14º permitiu-se, ainda, a escolha do sexo das futuras crianças, apenas para os casos em que haja risco de transmissão de sérias doenças hereditárias ligadas ao sexo (DIEDRICH, Gislayne Fátima. Genoma humano: direito internacional e legislação brasileira. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.). Biodireito: Ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: R. dos Tribunais, 2001. p. 222). 259 genéticas, não podendo ainda essa dignidade ser desrespeitada pela pesquisa e aplicação genéticas364; H) Declaração Ibero-latino-americana sobre Ética e Genética (Declaração de Manzanillo – 1996/1998): Firmada em 1996 e revisada em Buenos Aires em 1998, demonstra o ponto de vista de países com menor desenvolvimento científico e tecnológico, enfatizando a necessidade de “solidariedade entre os povos”365; I) Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos – UNESCO: Firmada em maio de 2002, tendo como objetivo velar pelo respeito e pela dignidade humana, pela proteção dos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, bem como pelo tratamento, utilização 364 Por meio dessa Declaração reconheceu-se o genoma humano como patrimônio da humanidade (art. 1º); garantiram-se, ainda, os direitos e liberdades fundamentais (Arts. 6º, 9º, 10º e 25º), além de evidenciar-se a preocupação com outros direitos individuais, tais como o respeito ao caráter único de cada indivíduo; o princípio bioético da autonomia; a possibilidade de a pessoa decidir ser ou não informada dos resultados de um exame genético e suas conseqüências; o sigilo das informações sobre os dados genéticos da pessoa identificada; o direito de indenização por dano causado à pessoa em razão de intervenção no seu genoma; o acesso de toda pessoa aos progressos no campo do genoma humano - Arts. 5º, 7º, 8º e 12º - (UNESCO. La Declaración Universal sobre el Genoma Humano y los Derechos Humanos: de los principios a la práctica. 2000). No que tange aos direitos da espécie humana, foi declarado nos arts. 1º, 2º e 18º que a diversidade humana deve prevalecer sobre as características, investigações e aplicações genéticas, além de reconhecer-se a liberdade de investigação que atenda à solidariedade, à difusão do conhecimento científico sobre o genoma humano, à cooperação com os países em desenvolvimento, de forma que essas pesquisas sirvam para aliviar o sofrimento da humanidade, melhorar a saúde pública e beneficiar a todos, excluídos os fins nãopacíficos Arts. 12º, 13º, 15º, 17º, 18º, 19º - (DIEDRICH, Gislayne Fátima. Genoma humano: direito internacional e legislação brasileira. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: R. dos Tribunais, 2001. p. 223). 365 PORTAL MÉDICO. Declaração Ibero-latino-americana sobre ética e genética. Declaração de Manzanillo de 1996, revisada em Buenos Aires em 1998. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/revista/bio2v6/deciberolatino.htm>. Acesso em: 24 set. 2005. 260 e conservação dos dados genéticos humanos. Estabeleceu os seguintes princípios: identidade da pessoa (art. 3º), singularidade dos dados genéticos (art. 4º), não-discriminação e não-estigmatização (art. 7º); consentimento na coleta de dados genéticos (art. 8º); direito de saber e de não-saber (art. 10º); privacidade e confidencialidade (art. 14º); compartilhamento dos benefícios (art. 19º) 366, etc.; J) Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos – UNESCO: Em 24 de junho de 2005, a Conferência Geral da Unesco, reunida em Paris, elaborou o texto final da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, assinada em Paris em outubro desse mesmo ano. Essa declaração demonstra claramente uma forte divergência de interesses entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Os primeiros pretendem reduzir o conceito de bioética para as questões biomédicas e biotecnológicas, tentando excluir ou minimizar as temáticas social e ambiental367. 366 UNESCO. Declaración Internacional sobre los datos genéticos humanos. Disponível em: <http://portal.unesco.org/shs/en/file_download.php/022084a4a592c5d4ef2e8dc2897 2c631DeclarationSp.pdf>Acesso em: 24 set. 2005. 367 Todavia, apesar dessa intransigente posição reducionista, na tentativa de flexibilizar os parâmetros éticos para as pesquisas com seres humanos, o texto final da Declaração Universal foi divulgado, e com forte intervenção dos países em desenvolvimento, especialmente os da América Latina foram inseridos os seguintes princípios universais: a dignidade humana (art. 3º), a beneficência, a autonomia e responsabilidade (art. 5º), o consentimento (art. 6º), o respeito pela vulnerabilidade e pela integridade humanas (art. 8º), a privacidade e a confidencialidade (art. 9º) , a igualdade, a justiça e a equidade (art. 10º), a não-discriminação e não-estigmatização (art. 11º), o respeito pela diversidade cultural e pelo pluralismo (art. 12º), a solidariedade e a cooperação entre os povos (art. 13º), a responsabilidade social e a saúde (art. 14), o compartilhamento dos benefícios (art. 15º), a proteção das gerações futuras e a proteção do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade (art. 16 e 17)(Cf. discussões apresentadas no “Foro de la Redbioetica/UNESCO”, no dia 31 de agosto de 2005 das 15h00 às 18h00 na “Sesión conjunta Redbioética – Sociedad Internacional de Bioetica (SIBI), em Foz do Iguaçu/PR, durante do VI Congresso Brasileiro de Bioética: Bioética, Meio Ambiente e Vida). Nesse forum Volnei Garrafa, então presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, esclareceu que “a principal intervenção brasileira no atual texto da declaração diz respeito ao reforço dado à inclusão da ‘Bioética Social’ e da ‘Bioética Ambiental’ no documento”. Segundo Volnei Garrafa “os países do hemisfério Sul necessitam defrontar-se com 261 5 ATITUDES LEGISLATIVAS PARA A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO Em razão dos riscos que a biologia molecular apresenta ao futuro do homem, reinvindica-se uma legislação firme para controlar e regulamentar a pesquisa científica e a utilização de novas técnicas nesse campo. Eduardo de Oliveira Leite ressalta que “nunca a intervenção de uma legislação foi tão desejada quanto atualmente, mas, contraditoriamente, temida pelos juristas, cientistas, médicos e moralistas que se preocupam com a multiplicação de situações totalmente fora das normas geradas por técnicas cada vez mais sofisticadas da manipulação da vida e da morte”368. Com base na inquietude desse autor, qual seja, a elaboração ou não de uma legislação específica para regulamentar um grupo de temas que devem encontrar resposta adequada, duas atitudes são possíveis: 1) a aplicação de normas gerais já existentes; 2) a elaboração de normas específicas sancionadoras que obtenham resultados mais precisos para as situações que se apresentam como novas e complexas. Entende-se, contudo, que tais valores merecem ser tratados no campo normativo com uma consideração especial, por meio de normas específicas. A tarefa de legislar, conforme bem assevera temas completamente diversos daqueles dos países desenvolvidos. O Brasil, que exerce importante liderança na região, deve defender que o conceito de Bioética seja aquele originalmente definido por Potter, em 1970, e posteriormente em 1988, com relação a uma 'Bioética global’”. Volnei considera que “O verdadeiro conceito para a qualidade da vida e para as questões éticas com ela relacionadas, somente pode ser construído a partir de uma visão ampliada da totalidade dos fenômenos vital e sanitário, incluindo os temas sociais, a biodiversidade e o próprio ecossistema como um todo”. 368 LEITE, Eduardo de Oliveira. O Direito, a ciência e as leis bioéticas. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: R. dos Tribunais, 2001. p. 116. 262 Salvador Darío Bergel, deverá considerar diversas circunstâncias que decorrem da natureza do tema, tais como369: A) A necessidade de promover um amplo debate na sociedade antes da elaboração normativa: conforme asseverado no capítulo anterior, é preciso abrir os espaços de diálogo e admitir que esses temas são muito relevantes para serem decididos sem o necessário debate e apenas por algumas pessoas, que podem estar defendendo interesses particulares370; B) O estreito vínculo que une o genoma humano com a bioética e também com os direitos humanos: o legislador, nessa tarefa, não pode esquecer os vínculos que unem a genética aos direitos humanos e à bioética, sendo que o ponto de intersecção entre esses ramos é o reconhecimento da dignidade humana como o centro das preocupações. A dignidade, porém, deverá ser entendida tanto no que se refere ao sujeito individualmente considerado quanto no que diz respeito à espécie humana e à vida bem vivida371; C) As particularidades que oferece a investigação científica sobre o tema: no campo das investigações científicas as novidades surgem em ritmo vertiginoso, sendo que a cada novo passo dado novas conseqüências jurídicas podem surgir, a exemplo da conclusão do Projeto Genoma Humano. Isso faz com que surja a necessidade de 369 BERGEL, Salvador Darío. Genoma humano. In: MEDRANO, Maria Muñoz de Alma (Coord.). Reflexiones en torno al derecho genomico. 1. ed. México DF: Universidad Nacional Autônoma do México, 2002. p. 54. 370 Afirma ainda o autor que “El poder cada vez mayor de la ciencia y de la tecnología precisa no sólo de una regulación jurídica sino también , y sobre todo, del rearme moral de la sociedad y la promoción de una cultura de la responsabilidad. Ello sólo se logrará con el diálogo abierto que respete el pluralismo propio de estas sociedades” (Cf. BERGEL, 2002a, p. 56). 371 Assim, dos princípios de direitos humanos reconhecidos nas Declarações Universais, podem depreender-se os que serão aplicados à genética humana: o respeito à dignidade e o valor do ser humano; o direito à igualdade perante a lei; a proteção das pessoas vulneráveis; o direito a não ser objeto de experimentação médica ou científica sem o livre consentimento; o direito à proteção da intimidade pessoal e familiar; o direito à liberdade de investigação. Além disso também devem ser considerados os princípios da bioética: autonomia, beneficência, justiça e não-maleficência). 263 novos debates sociais, bem como torna obsoletos alguns que estavam em andamento. Impõe-se assim um ritmo legislativo ágil, que se adapte a um processo que flui de forma incessante372. Outra circunstância que deve ser levada em conta é a influência da consciência moral da sociedade, que muitas vezes pode tender à proibição de determinada investigação sem uma melhor reflexão; D) A necessidade de respeitar e considerar em seus justos limites a liberdade de investigação: a liberdade de investigação não pode ser considerada um direito absoluto, visto que os avanços da genética e da biologia molecular tornam necessário certo grau de controle social. Porém, por ser a liberdade de investigação também um direito fundamental proclamado nas diversas Declarações de Direitos, deve-se impor uma atitude legislativa de prudência que busque harmonizar o respeito à liberdade de investigação e o controle social em casos extremos373; E) O valor jurídico dos instrumentos internacionais elaborados com relação a esse tema: dentre os diversos instrumentos internacionais sobre o tema, reconhece-se caráter jurídico à Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos da UNESCO, que foi aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, e ao Convênio para Proteção dos Direitos Humanos e à Dignidade Humana, com relação à aplicação da biologia e da medicina, aprovado pelos países do Conselho da Europa.374 Entende-se, ainda, que a Declaração Universal sobre 372 A tentativa de adaptação das normas jurídicas às evoluções da ciência é praticamente inviável, pois o processo legislativo, principalmente no Brasil, jamais conseguirá acompanhar a celeridade com que surgem as novidades oportunizadas pela investigação científica (n.a.). 373 A necessidade de controle poderá encontrar uma resposta adequada por meio de três condutas: autocontrole exercido pelos próprios investigadores; controles administrativos regulamentares; e controle sancionatório penal. Somente quando o autocontrole se demonstra ineficaz é que se deve recorrer ao controle administrativo e, somente como ultima racio, quando os dois primeiros forem inoperantes é que se deve recorrer à sanção penal. Conforme assinalado anteriormente a liberdade de investigação não é absoluta e deve ser analisada em conjunto com os demais valores expressos, quer na Constituição Federal, quer nas Declarações Universais de Direitos 374 Quanto a este último, cumpre esclarecer que é menos abrangente que o primeiro, e também se trata de um convênio elaborado entre os países do Conselho da Europa, todavia o art. 34 desse instrumento possibilita a incorporação de outros Estados que não sejam membros desse Conselho. 264 Bioética e Direitos Humanos, assinada durante a 33ª Conferência da UNESCO em Paris (outubro/2005), poderá ser utilizada como fonte375 para a elaboração normativa interna. Analisadas essas circunstâncias, o legislador poderá, mais uma vez segundo Salvador Darío Bergel, optar por duas posturas extremas: a) considerar esses problemas utilizando-se do arsenal jurídico disponível em um determinado sistema jurídico, em especial as normas de caráter geral e os princípios jurídicos; ou b) encarar decididamente a tarefa de regular os novos aspectos por meio da elaboração de figuras específicas, devendo ter consciência, nesse caso, do caráter provisório de tal regulamentação em face da celeridade com que evolui a ciência376. Por ser impensável uma elaboração legislativa específica para cada novidade científica, sugere o autor377 uma terceira opção conciliatória, qual seja, a elaboração de poucas normas específicas que possam solucionar os problemas com base nos princípios e normas gerais378. No caso específico da proteção do patrimônio genético, em razão das possibilidades de intervenção no genoma humano, os grandes princípios jurídicos devem servir de suporte para responder 375 Esclarece que Hector Gros Espiel entende que as declarações proclamadas pelo órgão supremo de uma organização intergovernamental, como é o caso da UNESCO, que possuam elementos especiais e que tenham sido adotadas em determinadas condições, bem como aceitas e aplicadas pela prática internacional, produzem efeitos jurídicos e podem ser fontes de direitos e obrigações (GROS ESPIEL, Hector. El Proyecto de Declaración Universal sobre el Genoma Humano y los Derechos Humanos de la persona humana, de la UNESCO. Revista de Derecho y Genoma Humano, Bilbao, n. 7, p. 131, 1997). 376 BERGEL, Salvador Darío. Genoma humano. In: MEDRANO, Maria Muñoz de Alma (Coord.). Reflexiones en torno al derecho genomico. 1. ed. México DF: Universidad Nacional Autônoma do México, 2002. p. 64. 377 Ibid. 378 Ao abordar a questão da legislação em matéria biomédica, Stela Marcos de Almeida Neves Barbas afirma que “A lei deve circunscrever-se ao indispensável. O que hoje é actual amanhã já não o será. A evolução das tecnologias processa-se a um ritmo alucinante. Uma legislação que pretenda abarcar todas essas técnicas tornarse-ia ‘perigosamente’ transitória e, talvez mesmo, utópica. (...) Legislar em matéria biomédica prende-se, necessariamente, com a concepção fundamental do Homem, e, por isso, assiste-se a um esforço em diversas áreas do conhecimento, medicina, biologia, sociologia, filosofia, direito, etc, a nível internacional e nacional, no sentido de encontrar as melhores soluções” (BARBAS, Stela Marcos de A. Neves. Direito ao patrimônio genético. Coimbra: Almedina, 1998. p. 50). 265 aos desafiantes riscos da genética e da biologia molecular, o que possibilitará a proteção por meio de poucas normas específicas379. Quais deveriam ser, então, as características dessas normas? Em primeiro lugar, Salvador Darío Bergel sugere que a Declaração Universal da Unesco sobre Genoma Humano e Direitos Humanos se consolide e imponha sua força jurídica por meio da conversão em um Convênio, vinculando os diversos países do sistema das Nações Unidas; em segundo lugar, a formulação de normas específicas deverá ser orientada por uma técnica legislativa clara, contendo definições precisas sobre os temas relevantes, sendo para isso necessário contar com o assessoramento de profissionais de diversos campos (biologia, genética, ética, etc.)380. Existem, no entanto, alguns temas que exigem resposta imediata, tais como as formas de manipulação genética que atentem contra a dignidade do ser humano; a proteção do cidadão ante o manejo de sua informação genética; a discriminação com fundamento na genética; a apropriação de material genético, incluindo o regime de acesso. Os demais temas, portanto, poderão esperar uma maior elaboração internacional e nacional381. Após analisadas as atitudes legislativas que devem ser tomadas para a proteção do patrimônio genético diante da possibilidade de intervenção no genoma humano, necessário se faz indicar a postura da legislação nacional (constitucional e infraconstitucional) sobre o tema. A Constituição Federal brasileira assegura, por meio de seus princípios, tanto a proteção ao patrimônio genético como a liberdade de investigação, conforme salientado anteriormente. Assim, além do reconhecimento da dignidade da pessoa humana como fundamento da República (art. 1º, III), consta expressamente a garantia do direito à vida (art. 5º, caput), e ainda: a) vedação de comercialização e manipulação de partes do corpo humano – art. 199, § 4º382; b) 379 BERGEL, Salvador Darío. Genoma humano. In: MEDRANO, Maria Muñoz de Alma (Coord.). Reflexiones en torno al derecho genomico. 1. ed. México DF: Universidad Nacional Autônoma do México, 2002. p. 65. 380 Ibid., p. 64-68. 381 BERGEL, Salvador Darío. Genoma humano. In: MEDRANO, Maria Muñoz de Alma (Coord.). Reflexiones en torno al derecho genomico. 1. ed. México DF: Universidad Nacional Autônoma do México, 2002. p. 64-81. 382 Art. 199, § 4º: “A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa 266 preservação da diversidade e integridade do patrimônio genético – art. 225, § 1º, II383; c) controle da produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente – art. 225, § 1º, V; d) nãodiscriminação (art. 3º, IV); e) identidade e integridade pessoal (art. 5º, X); f) privacidade e confidencialidade (art. 5º, X); g) liberdade de investigação (art. 170 e 218). A legislação infraconstitucional também aborda o tema: a) a Lei n.11.105, de 24 de março de 2005, que regulamenta os incisos II, IV e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, dentre outras disposições proíbe a manipulação genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano – art. 6º, III; e a clonagem humana (art. 6º, IV); b) a Lei n. 9.279/96 - Lei de Propriedade Industrial – não considera invenção o genoma humano, não sendo patenteável o todo ou parte dos seres vivos; c) a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – CNS –, que estabelece normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, incorporou os princípios básicos da bioética vistos anteriormente; d) além das Instruções Normativas 8 e 9, de 1997 do CNS, que cuidam da manipulação ou intervenção genética e clonagem em seres humanos. Verifica-se que no âmbito infraconstitucional, salvo nos casos de proibição expressa de utilização de determinadas técnicas, como a manipulação de células germinais e a clonagem, as demais somente são controladas por regulamentação alternativa, mediante os códigos de deontologia profissional e dos comitês de ética, por exemplo. Analisando essa forma de regulamentação, Eduardo de Oliveira Leite entende ser ela ineficaz, por estar desprovida de obrigatoriedade e de juridicidade, não abrindo espaço para recursos ante a ordem jurídica. Entende também que tal regulamentação tem campo de atuação limitado, restringindo-se exclusivamente ao órgão emissor da norma, sem respaldo do Poder Legislativo. Em razão disso, e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.” 383 Art. 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações; § 1º: para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] II. Preservar a diversidade e integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético. 267 a matéria exigiria imediata atuação de uma norma legal dotada de obrigatoriedade384. Conclui então o referido autor que deve haver uma rápida intervenção legal que se ajuste às novas conquistas tecnológicas. Essa legislação poderá e deverá ter a contribuição de estudos externos, pois somente assim estará imbuída da legitimidade que garanta a validez de sua inserção no meio social, objetivando a proteção da dignidade da pessoa humana385. Tem-se, assim, que os valores implicados na proteção do patrimônio genético, bem como na liberdade de investigação, constituem-se de valores reconhecidos tanto pela Declarações Universais de Direitos quanto pela Constituição Federal brasileira. Porém necessária se faz a intervenção legislativa, com base em amplos debates junto à sociedade, principalmente no que tange à aplicação de sanções administrativas e, como ultima racio, de sanções penais, sem contudo obstruir a evolução científica, que também é necessária para o integral desenvolvimento da pessoa humana. 384 LEITE, Eduardo de Oliveira. El derecho y la bioética: estado actual de las cuestiones en Brasil. Revista Acta Bioethica, Santiago, año VIII, n. 2. p. 271-281. 2002. 385 LEITE, op. cit., p. 281. Quanto à necessidade de intervenção do direito no campo das técnicas biomédicas esse autor afirma que “O direito seguramente deve intervir no campo das técnicas biomédicas para legitimar umas, para proibir ou regulamentar outras (traduziu-se)” (Cf. Leite, 2002, p. 269). 268 REFERÊNCIAS ALBANO, Lílian Maria José. Biodireito: os avanços da genética e seus efeitos éticos jurídicos. São Paulo: Atheneu, 2004. ALEXY, Robert. Teoria del discurso y derechos humanos. Tradução de Luiz Villar Borda. Bogotá: Univesidad Externado de Colômbia, 2001. AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. ______. O poder das ciências biomédicas: os direitos humanos como limites. In: CARNEIRO, Fernanda (Org.). A moralidade dos atos científicos. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999. AMEZÚA, Luis-Carlos. Los derechos fundamentales en la unión europea. Disponível em: <http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0 718-09502 004000100005&lng=es&nrm=iso&tlng=es>. 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São Paulo: Loyola, 2002. p. 137-162. 285 286 CAPÍTULO IV A DIMENSÃO ÉTICA E SOCIAL DO AMOR Prof. Ms. Leomar Antonio Montagna Como já vimos, para ser plenamente feliz, o homem precisa amar a Deus, numa entrega total de si mesmo; pois somente amando-O deste modo, se unirá a Ele, fruindo-O e, dessa forma, experimentará a verdadeira felicidade. No capítulo anterior, vimos que toda a moralidade Agostiniana tem como base a distinção entre as coisas a serem gozadas (amadas) e as coisas a serem usadas que, em última instância, é uma distinção entre os seres imutáveis ou superiores, nos quais devemos concentrar todo nosso amor, e seres mutáveis ou inferiores, dos quais devemos apenas nos utilizar em função das coisas superiores, e que a reta ordem do amor consiste em não amarmos as coisas inferiores em detrimento das coisas superiores. No que se refere ao homem individual, classificado entre os seres mutáveis, Agostinho não tem dúvida de que este não deve amar-se por si mesmo, mas amar a si mesmo em função de Deus. Entretanto, no mundo real, o homem não vive isolado, ele vive em sociedade, em relação concreta com os demais homens, seres, também, mutáveis. Daí surge a questão: como atender ao preceito bíblico de nos amarmos mutuamente? Devemos amar o nosso semelhante por ele próprio ou por outro fim? Se for por ele próprio, nós 287 estaremos gozando386 dele; se for por outro motivo, nós nos servimos387 dele. Partindo do mesmo preceito evangélico que justifica o amor do homem a si mesmo: “amarás o Senhor teu Deus de todo coração, de toda a alma e de todo entendimento e amarás o teu próximo como a ti mesmo”,388 Agostinho recomenda que devemos amar nossos semelhantes nas mesmas condições em que nos amamos a nós mesmos, ou seja, que amemos nossos semelhantes não por si mesmos, mas em função de Deus: “todo homem, enquanto tal, deve ser amado por causa de Deus”.389 Assim, pelo preceito evangélico do amor, Agostinho estabelece que é nosso dever amar ao próximo como a nós mesmos. E, mais do que isso, que esse amor deve ser universal; deve ser estendido a todos os homens: “todos devem ser amados de forma igual”,390 inclusive, “devemos amar até nossos inimigos”,391 pois “quem não vê que ninguém se exclui do preceito e a ninguém pode-se negar o Pode ser traduzido por fruir. “Fruir é aderir a alguma coisa por amor a ela própria” (A doutrina cristã I, 4). Fruir de Deus, em Agostinho, significa a interioridade espiritual, encontrar Deus dentro de si, entregar-se inteiramente ao Seu amor e unido a Ele, pela caridade, experimentar todo prazer que esta união pode lhe oferecer. Fruir de Deus é sentir Sua presença em nós a nos satisfazer plenamente; é, enfim, participar de seu Ser, de sua Bondade e de seu Amor. “É preciso permanecer junto a ele, aderir plenamente a ele, para gozarmos de sua presença” (A Trindade VIII, 4, 6). 387 Também, pode-se dizer usar. “Usar é orientar o objeto de que se faz uso para obter o objeto ao qual se ama, caso tal objeto mereça ser amado” (A doutrina cristã I, 4). 388 Mt 22, 37. 389 A doutrina cristã I, 28. 390 Ibid., I, 29 391 Id. 386 288 dever da misericórdia? Esse serviço foi estendido até a nossos inimigos pelo Senhor: ‘amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam’ (Mt 5,44)”,392 não por nós mesmos, nem por eles mesmos, mas por “querer, acima de tudo, que todos amem a Deus conosco”.393 Daí que, em A Cidade de Deus, Agostinho afirma: “a própria misericórdia que alivia o próximo não é, em absoluto, sacrifício, se não feita por amor a Deus”.394 E comenta: A esse Bem devemos ser conduzidos por aqueles que nos amam e conduzir os que amamos, para que, assim, se cumpram os dois preceitos (...) A quem sabe amar a si mesmo, quando lhe manda amar ao próximo como a si mesmo, que outra coisa se lhe manda senão, quando esteja ao seu alcance, encarecer a outrem o amor a Deus? Quem ama ao próximo como a si mesmo, outra coisa não quer senão ser feliz.395 Assim, a partir do duplo preceito evangélico, Agostinho aponta o amor ao próximo (a caridade) como força que dá movimento a toda socialização entre os homens. As relações humanas têm como sangue e energia o amor. O amor é a força motriz da vontade que culmina na liberdade para Deus, supremo Bem, para o qual tudo se dirige. Esse amor dirigido aos semelhantes, em função de Deus, é a caridade. Assim, pela caridade, Agostinho faz a ponte entre o homem individual e o homem social, pois a realização do amor em Deus exige a realização do amor entre os homens. Pela caridade, o amor assume uma 392 Ibid., I, 31. Ibid., I, 29. 394 A cidade de Deus X, 6. 395 Ibid., X, 3. 393 289 dimensão social, enquanto princípio de socialização do homem. A preocupação em ressaltar a dimensão social do amor fez com que, um ano antes de iniciar A Cidade de Deus (411-412), em carta ao senador Volusiano, respondendo às objeções deste ao Cristianismo, Agostinho apresentasse ao amigo o duplo preceito do amor, como única forma possível de se alcançar a paz temporal, ou concórdia, sendo esta, a finalidade imediata do Estado: Que discussões, que doutrina de qualquer filósofo que seja, que leis de qualquer Estado se podem de algum modo confrontar com os dois preceitos nos quais Cristo diz que se compreendia toda Lei dos Profetas: ‘Amarás o Senhor teu Deus com todo o coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente e amarás o teu próximo como a ti mesmo’? Nestas palavras se inclui a filosofia natural, visto que as causas todas de todos os elementos da natureza estão em Deus Criador; está compreendida a filosofia moral, uma vez que uma vida boa e honesta não de outra fonte recebe o seu sacrifício senão quando aquilo que é para se amar, a saber, Deus e o próximo, se ama como se deve; está incluída a lógica, pois a verdade e a luz da alma racional não são senão Deus; está contida também a salvação de um Estado louvável, pois não se funda nem se conserva melhor um Estado do que mediante o fundamento e o vínculo da fé e da sólida concórdia, a saber, quando se ama o bem comum, que na sua expressão mais alta e verdadeira é Deus mesmo, e n’Ele os homens se amam mutuamente com a máxima sinceridade, no momento que se querem bem por amor d’Aquele ao 290 qual não podem esconder o espírito com que amam.396 Assim, dentro do princípio da caridade, o amor a si mesmo e ao próximo em função de Deus gera a concórdia que, num plano social, é a base de uma sociedade justa. O amor próprio, ou o amor ao próximo em função de nós mesmos gera a soberba que, num plano social, é a base de uma sociedade injusta. Por isso, ao iniciar a análise da origem, natureza, desenvolvimento e fins das “duas cidades” em sua obra A Cidade de Deus, Agostinho começa por dizer: “Dois amores fundaram, pois, duas cidades, a saber: o amor próprio, levado ao desprezo de Deus, a terrena; o amor a Deus, levado ao desprezo de si próprio, a celestial. Gloria-se a primeira em si mesma e a segunda em Deus, porque aquela busca a glória dos homens, e tem esta por máxima a glória de Deus”397. Como se vê, pelo duplo preceito do amor, Agostinho faz da ordem social um prolongamento da ordem moral individual, pois a organização dos homens em sociedade (Estado), fundamentada na reta ordem do amor, não tem outra finalidade senão garantir a paz temporal, ou felicidade temporal imediata dos homens; mas tendo em vista a “paz eterna” ou “verdadeira felicidade” a ser alcançada em Deus. Neste sentido, podemos dizer que toda a moral, toda a sociologia, toda a política de Santo Agostinho não é senão a aplicação do primeiro de todos os mandamentos: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito”.398 Assim, a pedra angular sobre a qual está assentado todo o eudemonismo antropológico agostiniano é o desejo 396 Epístola 137, 5, 17. A cidade de Deus XIV, 28. 398 Mt 22, 37. 397 291 do homem de ser feliz, ou seja, a “vita Vera beata” que não é senão alcançar a vida eterna ou “verdadeira felicidade”. Esses “Fundamentos Ontológicos do Homem” vão nortear a vida social dos homens organizados em sociedade (Estado).399 Vamos, portanto, indicar que há uma continuidade entre o problema central do homem, a busca da “verdadeira felicidade”, e o problema do Estado, garantir a paz temporal ou felicidade temporal dos homens, com vista à “verdadeira felicidade”. A filosofia moral agostiniana constitui uma ampla e compreensiva síntese entre o caráter íntimo e pessoal do ético e a imersão do homem na vida universal da humanidade. 1. Ética social, prolongamento da moral individual Todos nós queremos ser felizes, mas ninguém consegue se imaginar feliz sozinho. O homem não consegue ser feliz sozinho, porque a sua natureza é intrinsecamente social, ele tem uma necessidade natural de conviver com os outros e a causa fundamental desta tendência é exatamente a “natureza comum que une todos os homens entre si”,400 isto é, os homens têm uma mesma origem, estão ligados por um parentesco comum: 399 A ética política de Agostinho é, também, coerentemente regida por este mesmo princípio. 400 Epístola 130, 6, 13. 292 Quanto ao homem, chamado, por criação, natural, a ocupar lugar entre os anjos e os irracionais, Deus criou apenas um (...) Deus fê-lo um e só, não para privá-lo da sociedade humana, e sim para encarecerlhe sempre mais a unidade social e o vínculo da concórdia, que aumentaria, se os homens não se unissem apenas pela semelhança da natureza, mas também pelos laços de parentesco.401 Não só por causa da unidade ontológica o homem sente necessidade de viver em sociedade, mas também por outros motivos: sobrevivência física, aquisição de bens, satisfação de carências psíquico-afetivas402 etc. Para Agostinho, o homem é um ser social por natureza, depende dos outros para nascer, crescer e viver. Sua humanidade estaria comprometida fora desta dimensão social. Seria racionalmente impensável viver isolado, ausente da convivência com os seus semelhantes, pois, dessa forma, não poderia ser feliz: “A vida do sábio é vida de sociedade”.403 Ao deixar sua família de origem, o homem forma uma outra família e, assim, as várias famílias, enquanto pequenas sociedades articuladas entre si, formam a cidade; e estas, unidas uma as outras, o estado ou país; e estes, a grande sociedade humana: Depois da cidade ou urbe vem o orbe da terra, terceiro grau da sociedade humana, que percorre os seguintes estágios: casa, urbe e orbe.404 Estendida pela terra toda e nos mais diversos lugares, ligada 401 A cidade de Deus XII, 21. “Que consolo melhor encontramos, entre as agitações e amargores da sociedade humana, que a fé sincera e o mútuo amor dos bons amigos?” (A cidade de Deus XIX, 8). 403 Ibid., XIX, 5 e XIX, 3,2. 404 Ibid., XIX, 7. 402 293 pela comunhão da mesma natureza, a sociedade dos mortais (...) Sociedade que com palavra genérica chamamos cidade deste mundo.405 Sendo uma exigência da natureza racional do homem viver em sociedade, então, para serem felizes, eles devem amar-se mutuamente e querer uns para os outros o mesmo bem que desejam para si próprios. Quando isso não for possível por amor recíproco, ao menos seja em razão da natureza comum que une todos os homens entre si.406 Reconhecendo a sua natureza social, o homem tem se utilizado da razão para estabelecer normas de vida que o conduzam à felicidade.407 Ele tem procurado uma conduta que ordene todas as partes do seu ser e lhe traga a paz 405 Ibid., XVIII, 2, 1. Cf. Epístola 130, 6, 13. 407 Agostinho trabalha esta questão em A Cidade de Deus, livro XIX. Nesta obra, vemos que, para preservar a ordem da paz na sociedade humana, é preciso obedecer algumas normas: não fazer mal a ninguém e socorrer a todos os que padecem necessidades. Sobre esta ordem que é condição indispensável para se obter a verdadeira paz, Agostinho fala de algumas normas. Estas normas obrigam a cuidar primeiro dos próprios familiares, assegurando, assim, a paz doméstica. O marido deve cuidar da esposa, os pais dos filhos, os patrões dos criados. Por outro lado, a reta ordem exige que aqueles que são objetos de tais cuidados prestem obediência aos que cuidam deles; assim, as mulheres devem obedecer aos maridos, os filhos, aos pais, os criados, aos patrões. Contudo, esta relação puramente natural estabelecida pela obediência é grandemente suavizada e enobrecida na casa do justo, que vive da fé. Pois, só na família cristã, os que parecem mandar são na realidade os servos dos outros: “Quem manda também serve àqueles que parece dominar. A razão é que não manda por desejo de domínio, mas por dever de caridade, não por orgulho de reinar, mas por misericórdia de auxiliar” (A cidade de Deus XIX, 14). 406 294 interior.408 Esta procura tem sido não apenas para criar uma moral individual, mas também para produzir uma ética que seja capaz de gerar a ordem e a paz entre os homens: “paz dos homens entre si e sua ordenada concórdia”.409 Ainda neste capítulo sobre a Dimensão Ética e social do Amor, desenvolvemos, mais adiante, alguns tópicos sobre as normas que conduzem à harmonia social, tais como: finalidade imediata do Estado terreno, a ordenada concórdia ou a paz temporal e, também, sobre a verdadeira justiça. 2. O amor enquanto fundamento ético de socialização do Homem Para Agostinho, o que está na base de todas as sociedades humanas, sejam quais forem, sem dúvida, é o amor. O amor é uma força capaz de unir os homens entre si, este os une em torno daquilo que amam. Quando consideramos algo como um bem supremo, nós o amamos e logo desejamos que os outros também se unam a nós neste amor, não propriamente por eles, mas por causa deste bem que elegemos como merecedor de nosso amor. Vejamos com Agostinho este exemplo: Nos palcos da iniqüidade, é um fato o espectador gostar, em especial, de um artista e julgar a arte dele como de grande valia ou ainda a considerar isso “Como não há ninguém que não queira sentir alegria, assim também não há ninguém que não queira ter paz” (A cidade de Deus XIX, 12). 409 Ibid., XIX, 13,1. 408 295 como o bem supremo. Igualmente, gosta de todos os que partilham dessa sua admiração. Não por causa desses admiradores, mas por causa do ídolo comum. E quanto mais o amor por aquele artista for ardente, tanto mais o admirador esforçar-se-á, por todos os meios a seu alcance, de o fazer admirar por muitos e desejará exibi-lo a uma grande platéia. Se encontrar alguém indiferente, estimula-lo-á quanto pode, com elogios ao artista de sua predileção. Se encontrar um que se oponha, aborrece-se veementemente com o menosprezo a seu favorito. Por todos os meios, procura reparar esse descaso.410 Toda sociedade humana, como vimos no exemplo citado por Agostinho, está fundada neste amor-desejo. Assim, o fundamento da vida social é, exatamente, o fato de os homens nutrirem desejos pelos mesmos objetos e pressuporem que a associação entre eles facilitará a sua aquisição. Para Agostinho, a avaliação do nível de uma determinada sociedade pode ser feita observando-se a qualidade dos objetos desejados pelos seus integrantes, isto é, pelo amor-desejo que os mantém unidos.411 Para que se cumpra esse amor-desejo em qualquer sociedade humana, é necessário que nela reine a paz, embora uma paz temporal comum aos bons e maus; pois ela 410 A doutrina cristã I, 29, 30. “O povo é o conjunto de seres racionais associados pela concorde comunidade de objetos amados, é preciso, para saber o que é cada povo, examinar os objetos de seu amor. Não obstante, seja qual for seu amor, se não é conjunto de animais desprovidos de razão, mas seres racionais, ligados pela concorde comunhão de objetos amados, pode, sem absurdo algum, chamar-se povo. Certo que será tanto melhor quanto mais nobres os interesses que os ligam e tanto pior quanto menos nobres” (A cidade de Deus XIX, 24). 411 296 é o maior bem da cidade.412 “Uma cidade é a dos homens que querem viver segundo a carne, a outra, a dos que querem viver segundo o espírito, cada qual em sua própria paz. E a paz de cada uma delas consiste em ver realizados todos os seus desejos”.413 Esta paz da cidade é de grande valor, porque é ela que garante aos cidadãos a posse e o usufruto dos objetos que eles amam e desejam. Cabe ressaltar que, para Agostinho, a paz temporal é fruto da justiça: “Onde não existe verdadeira justiça não pode existir comunidade de homens fundada sobre direitos reconhecidos”.414 Sobre este assunto, desenvolvemos, mais adiante, um tópico para fundamentar que a ordenada concórdia entre os homens ou paz temporal é a verdadeira justiça. 3. Amar o próximo: a plenitude e as expressões do amor-caridade A caridade é a perfeição do amor, pela qual o homem se entrega totalmente a Deus, mas Deus nada pede para si mesmo, já que não há nada que possamos lhe oferecer que O favoreça: “Não penses que dás algo a Deus. Deus não precisa de servos, mas são os servos que precisam de “E tão nobre bem é a paz, que mesmo entre as coisas terrenas e mortais nada existe mais grato ao ouvido, nem mais desejável ao desejo, nem superior em excelência (...) doçura da paz, ansiada por todos” (A cidade de Deus XIX, 11). 413 Ibid., XIV, 1. 414 Ibid., XIX, 21. 412 297 Deus”.415 Deus é Sumo Bem que de nenhum bem precisa e tudo o que Ele exige do homem é em vista de seu bem; ao contrário, tudo o que o homem oferece a Deus se reverte em benefício próprio,416 pois “Deus é aquele que quer ser amado não para obter para si alguma vantagem, mas para conceder aos que o amam uma recompensa eterna”.417 Como Deus nada quer para si, Agostinho nos diz que Deus quer que amemos aqueles que Ele ama: nós e nossos semelhantes: “A Deus nós o amamos por ele mesmo, e a nós mesmos e ao próximo por amor a ele”.418 Esta é uma questão fundamental, porque da sua compreensão depende o entendimento de toda a ética de Agostinho. Quanto a nós, já nos amamos naturalmente,419 resta-nos, pois, que amemos nossos irmãos por amor a Deus e nisso está a perfeição da caridade: “Todo homem deve ser amado por causa de Deus”.420 Portanto, o amor é perfeito quando chega ao nível da caridade fraterna421: Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão é mentiroso. Como provar que ele é mentiroso? Escuta: Pois quem não ama seu irmão a quem vê, a Deus que não vê, não poderá amar (1Jo 4, 20). Como assim? Quem ama a seu irmão, também ama a Deus? Sim, se ele ama a seu irmão, necessariamente também ama a Deus, que é o próprio amor.422 415 Comentário da 1ª Epístola de São João VIII, 14. A doutrina cristã I, 32,35. 417 Ibid., I, 29,30. 418 Epístola 130, 7, 14. 419 A doutrina cristã I, 26,27. 420 Ibid., I, 27,28. 421 Comentário da 1ª Epístola de São João VIII, 10 e 12. 422 Ibid., IX, 10. 416 298 Podemos concluir com Agostinho que, para amar a Deus, não precisamos buscá-lo muito distante de nós: “Se Deus é Amor, porque caminhar e correr às alturas dos céus ou às profundezas da terra à procura daquele que está junto de nós, se quisermos estar junto dele”.423 Como o amor de Deus, a nossa caridade deverá ser benevolente, gratuita e universal, pois Deus ama a todos com gratuidade e benevolência424, antes mesmo que existíssemos, conhecêssemos e O amássemos: “Ele nos amou em primeiro lugar”,425 criou-nos a Sua imagem e semelhança, amando-nos mais do que outras criaturas, dotando-nos de livre arbítrio426 tornou-nos partícipes de seu ser,427 de sua bondade e de sua felicidade: “Somente Deus é o bem que torna feliz a criatura racional e intelectual. Assim, embora nem toda criatura possa ser feliz (...) a que pode sê-lo não pode por si mesma, mas por Aquele que a criou”.428 Quando, por soberba, afastamo-nos Dele, não nos abandonou, ao contrário, continuou a nos amar e, usando de misericórdia para conosco, tudo fez para restaurar a nossa natureza decaída e devolver-nos a dignidade que, por nossa culpa, perdemos. Neste sentido, Deus é o modelo da caridade perfeita ou fraterna.429 Mesmo com todo esforço de ordenar sua vontade a fim de amar os outros com perfeita caridade, o homem, por suas próprias forças, não consegue, precisa pedir a ajuda da graça divina: “Rogai a Deus a graça de vos amar uns aos 423 A Trindade VIII, 7,11. Comentário da 1ª Epístola de São João VIII, 5. 425 Ibid., VII, 7 e VII, 9. 426 O livre arbítrio II, 18, 48. 427 A Trindade XIV, 8, 11. 428 A cidade de Deus XII, 1, 2. 429 Comentário da 1ª Epístola de São João IX, 3. 424 299 outros”.430 Esse jeito de amar, mais do que uma virtude, é o maior dom de Deus e, sem a caridade, nenhum outro dom de Deus nos leva até Ele.431 Este dom é o único e verdadeiramente necessário que o homem deve buscar antes de qualquer outra coisa. “A caridade é a própria essência de Deus”.432 Portanto, a caridade fraterna é o próprio Deus amando, em nós e através de nós, a todos os homens, ela é uma realidade tão interior quanto o próprio Deus. Cada um deve sempre examinar sua consciência e verificar se possui a caridade, uma vez que, exteriormente, as suas obras podem confundir-se com as do orgulho.433 Assim, se, para encontrar a Deus e contemplá-Lo, é necessário um processo de interiorização, para vivermos a perfeita caridade, precisamos, igualmente, acompanhar os movimentos do amor em nosso coração a fim de percebermos o que ele nos leva a amar.434 Para Agostinho, a caridade não pode enclausurar-se somente no nosso interior, pois é de sua natureza agir e expandir-se em ações de amor fraterno435. Quem a possui, ama interiormente a Deus com todas as suas forças, ao mesmo tempo em que, do mais profundo do seu coração, transborda um amor benevolente e gratuito em direção a todos os homens: “A caridade interior nunca se interrompe! As obras da caridade, porém, se exercem conforme as 430 Ibid., X, 7 A Trindade XV, 17,27; 18,32 e 19,36. 432 Ibid., XV, 17, 31. 433 Cf. Comentário da 1ª Epístola de São João V, 6 e VIII, 9. 434 Cf. Confissões XIII, 9, 10. 435 “Se quereis conservar a caridade, irmãos, guardai-vos sobretudo de pensar que ela seja sem iniciativa, sem atividade” (Comentário da 1ª Epístola de São João VII, 11). 431 300 exigências do tempo”.436 Nestas exigências do tempo, a caridade vai exteriorizar-se, mas a questão que se coloca é em direção a quem e de que modo? Primeiramente, Agostinho responde dizendo que: “todos têm direito ao nosso amor e caridade; isso é o mesmo que dizer que não existe ninguém que não tenha direito ao nosso amor”.437 Ele, de maneira especial, relaciona quatro tipos específicos de pessoas ou de próximos aos quais devemos expressar nosso amor-caridade: os parentes, os amigos, os pobres e os inimigos. Quanto ao modo, além de nos indicar o segundo mandamento: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”,438 ele preceitua: “Eis a regra da dileção: querer também para o outro o bem que se quer para si. E não querer para ele o mal que não se quer para si mesmo. E isso serve para todos os homens”.439 Neste sentido, devemos buscar para os outros todo bem que procuramos para nós mesmos; isto quer dizer que nenhum bem adquirido deveria ser possuído individualmente, ou melhor, todos os bens deveriam ser socializados. Entendido dessa forma, o simples cumprimento deste segundo mandamento já seria mais do que suficiente para tornar justa e igualitária qualquer sociedade humana. Dentro dessa compreensão de amar o próximo, de querermos para ele todo o bem que desejamos para nós, devemos também ajudá-lo a encontrar e possuir o seu Bem supremo; já que, só a fruição Dele lhe proporcionará a verdadeira felicidade, pela qual ele anseia, 436 Ibid., VIII, 3. Epístola 130, 6,13. 438 Mt 22, 39. 439 A verdadeira religião 46, 87. 437 301 tanto quanto nós.440 Assim, estaremos cumprindo plenamente o preceito de amar o próximo como a nós mesmos. 3.1. Amar o próximo – os parentes Para Agostinho, em primeiro lugar são os parentes os que têm direito a nossa caridade, porque Deus nos dotou, assim como aos irracionais, de uma afeição e de um amor instintivo por eles; de modo que, natural e socialmente, eles são o nosso próximo, mais próximo: “Em primeiro lugar está o cuidado com os seus, porque a natureza e a sociedade humana lhe dão acesso mais fácil e meios mais oportunos. Por isso, afirma o Apóstolo: Quem não provê aos seus, mormente se familiares, nega a fé e é pior que infiel”441 Embora devamos amar e fazer o bem a todos igualmente, em caso de nos depararmos com duas pessoas necessitadas, uma estranha e a outra um parente, e nossos recursos nos permitirem atender a apenas uma delas, é nosso dever socorrer, primeiramente, nosso parente. Em casos como estes, deve-se aceitar a proximidade de parentesco como se fosse algo determinado pela sorte: Todos devem ser amados de forma igual. No entanto, já que não podemos ser úteis a todos indistintamente, devemos atender de modo especial aos que estão mais “Devemos querer acima de tudo que todos amem a Deus conosco, e que toda ajuda que lhes dermos ou que deles recebermos seja orientada para essa única finalidade” (A doutrina cristã I, 29, 30). 441 A cidade de Deus XIX, 14. 440 302 ligados pelas circunstâncias concretas de tempo e de lugar, ou por quaisquer outras, de ordem diferente. Isso por assim dizer, como se fosse por sorteio. Deves considerar como determinado pela sorte o grau de proximidade que, por razão de circunstâncias temporais, te ligou a cada um deles, de modo mais estreito.442 Agostinho ressalta que o amor aos nossos parentes não se deve basear apenas na afeição natural própria dos laços consanguíneos, pois esta não é suficiente para mantêlo por muito tempo; prova disso é a situação de instabilidade em que se encontram nossas famílias. Assim, se quisermos que realmente a estabilidade e a paz reinem nelas, é necessário que amemos os nossos familiares com um amor que esteja acima dos vínculos carnais: “É porque, chamando-nos a recobrar a perfeição de nossa primeira natureza, a mesma Verdade nos admoesta a resistir aos liames carnais e ensina que ninguém é apto para o reino de Deus se não se desprender desses vínculos carnais”.443 Portanto, além deste amor natural, devemos amá-los em Deus, porque a união que nasce da “caridade é superior a todas as outras”.444 Assim, alcançaremos a tão sonhada harmonia familiar, que Agostinho chama de “a paz doméstica”445: somente quando amarmos os nossos parentes com verdadeira caridade. A doutrina cristã I, 28, 29. Em outro texto, Agostinho diz: “Como não pode aliviar a sorte de todos os homens, a quem ama igualmente, pensaria faltar à justiça se não atendesse de preferência aos que lhe estão mais unidos” (A verdadeira religião 47,91). 443 Ibid., 46, 88. 444 Ibid., 47, 91. 445 A cidade de Deus XIX, 14. 442 303 3.2. Amar o próximo – os amigos Para Agostinho, também, os amigos devem ser amados com caridade. Os amigos são aqueles a que estamos ligados, não necessariamente por laços consanguíneos, mas por afeição. Porém, não bastam somente os vínculos afetivos para manter uma verdadeira amizade, pois esta se manteria somente enquanto durarem as atenções, as ajudas e as gratidões mútuas. Na ausência desses elementos, a amizade tenderia a se enfraquecer e correria o risco de desaparecer. Portanto, a caridade deve ser o fundamento consistente na amizade para que ela permaneça inabalável e faça os amigos felizes: “Só não perde nenhum amigo aquele a quem todos são queridos n’Aquele que nunca perdemos”.446 Quando a amizade tem Deus como fundamento, independente de quaisquer desequilíbrios, ela continuará viva, porque cada um procurará antecipar-se em seu amor pelo outro, já que, aquilo que os une, além da afeição própria deste relacionamento, é a mútua caridade. Os verdadeiros amigos são aqueles que suportam todas as dificuldades próprias da amizade, sem se deixarem abater ou perecer, justamente porque a cultivam e a fundamentam no amor de Deus. Agostinho sempre buscou e quis viver entre verdadeiros amigos447, pois estes são os mais doces laços das relações humanas448 e são justamente eles que necessitamos ou devemos preservar: “Se possuímos 446 Confissões IV, 9, 14. “Qualquer que seja sua situação, o homem não pode considerar a vida amiga, se não tiver outro como amigo” (Epístola 130, capítulo 2, 4). 448 Cf. A cidade de Deus XIX, 8. 447 304 tais amigos, é preciso rezar para conservá-los. Se, porém, não os possuímos, é preciso orar para os conseguir”.449 3.3. Amar o próximo – os pobres Para Agostinho, os pobres devem ser amados com caridade. Eles, geralmente, não estão ligados a nós por vínculos naturais e afetivos. Além disso, a própria condição econômica, social, cultural e até física em que se encontram mais nos afastam do que nos aproximam deles. Portanto, se o nosso amor por eles for movido apenas por interesses deste tipo é sinal que, de fato, jamais os amaremos. Então, só a verdadeira caridade pode nos aproximar dos pobres e nos fazer reconhecer neles o próximo, a quem devemos amar como a nós mesmos. Quem ama a Deus pratica seus ensinamentos e passa a ver em cada ser humano, carente de misericórdia, o seu próximo.450 É diante dos pobres que somos provados se realmente amamos a Deus e demonstramos realmente o que move as nossas ações: “Pode haver obra mais manifesta da caridade do que atender aos pobres?”451 Provamos que encontramos a Deus e estamos em comunhão com Ele se amamos os pobres, caso contrário, resta-nos ainda uma última chance: fazer da misericórdia para com os indigentes e necessitados o nosso caminho mais 449 Epístola 130, 6, 13. A doutrina cristã I, 30, 31-32. 451 Comentário da 1ª Epístola de São João VI, 2. 450 305 seguro para o encontro com Deus. É a caridade que nos une a Deus. Agostinho assevera que não devemos desejar que sempre existam pobres a fim de que não nos falte esta oportunidade de salvação. Pensar assim seria o mesmo que admitir que a nossa misericórdia não é autêntica, visto que ela não brota da verdadeira caridade. Quem age movido pela caridade não aceita que nenhum homem lhe seja inferior, ao contrário, tudo faz para torná-los iguais. Assim, aquele que ama com perfeita caridade, não se contenta apenas em dar do que lhe sobra; uma vez que ela desperta nele uma nova inquietude, chamada fome e sede de justiça, que o leva a lutar para corrigir as desigualdades sociais: Na verdade, não devemos desejar que haja miseráveis para termos ocasião de realizar obras de misericórdia. Tu dás pão a quem tem fome, mas melhor seria que ninguém passasse fome, que não tivesse ninguém para dar! Vestes o que está nu. Aprouvesse ao céu que todos fossem vestidos e que essa necessidade não se fizesse sentir! Todos esses serviços, com efeito, respondem a necessidades. Suprimi as carências e as obras de misericórdia cessarão. E as obras de misericórdia cessarão, quer dizer que o ardor da caridade cessará? Mais autêntico é o amor que dedicas à pessoa feliz, que não precisa de teus dons (...) Isso porque, prestando serviço a um necessitado, talvez deseje te exaltar diante dele (...) Ele está carente, tu lhe dás parte de teus bens, e porque dás, tu te imaginas superior àquele a quem dás. Deseja, ao contrário, que ele te seja igual! Isso para que ambos estejam sujeitos Aquele a quem nada se pode dar.452 No sentido acima proposto, percebemos que “muitas coisas podem ser feitas sob a aparência do bem, mas que 452 Ibid., VIII, 5. 306 não procedem da raiz da caridade”.453 Nos relacionamentos humanos com aparência de caridade, também reside o egoísmo, e este consiste em querer o bem somente a si próprio, esquecendo-se do outro, mas também há a generosidade que é a doação de si ao próximo. Egoísmo e generosidade estão misturados no ser do homem: “Tratavase de um profundo desgosto pela vida, aliado ao grande medo de morrer. Quanto mais eu amava, creio eu, tanto mais odiava e temia a morte (...) tal era meu estado de espírito”.454 Portanto, se amamos a Deus, devemos nos aproximar dos pobres e não permitir que a mendicância os humilhe ainda mais; devemos devolver o que lhes pertence por direito, isto é, nosso supérfluo. O supérfluo dos ricos é o necessário dos pobres. Possuem bens alheios os que possuem bens supérfluos. Agostinho, quase no final da obra A Cidade de Deus, fala da paz temporal e da paz espiritual e afirma que o homem realiza a sua felicidade só quando há equilíbrio entre estas duas formas: Por paz temporal ele entende a satisfação das necessidades do homem; por paz espiritual, a da alma. Porém, ele acrescenta que não há paz espiritual sem a paz temporal. Com isto quer dizer que o fundamento, a base ou, melhor, a condição da paz espiritual é a paz temporal, isto é, a satisfação das necessidades materiais do homem. Santo Agostinho pergunta-se: o que é sobra? É o supérfluo. Então o versículo evangélico significa: daí aos pobres o supérfluo. Mas Santo Agostinho não pára 453 454 Comentário da 1ª Epístola de São João VII, 8. Confissões IV, 6, 11. 307 aqui: Há que dar aos pobres como se fossem cães, as sobras? Excessivamente cômodo, mas pouco cristão. Santo Agostinho analisa profundamente o conceito de supérfluo. Supérfluo em relação a quem? Todo homem não está só, vive em sociedade; quando o supérfluo define-se dentro da sociedade, então ele não é considerado em relação a mim, como se eu estivesse sozinho no mundo ou se pudesse isolar-me dos demais. O supérfluo é definido em relação a mim porque sou “socius”, membro pertencente a uma sociedade. Por conseguinte, para definir o meu supérfluo, aquilo que para mim é supérfluo, devo definir em relação ao outro, diz Santo Agostinho. Portanto, define-se assim: aquilo que é supérfluo para você, é o necessário para o outro. Definido assim, o supérfluo adquire uma enorme importância social, ou seja, cada homem deve definir o seu supérfluo não em relação a si, mas em relação à necessidade da sociedade em que vive.455 Agostinho adverte quanto ao orgulho e a ostentação que, muitas vezes, aparentemente, promovem ações em prol da justiça social e que, exteriormente, confundem-se com as ações da caridade.456 Devemos distinguir o seguinte: enquanto os que possuem a perfeita caridade buscam realmente a igualdade entre os homens, os que agem por ostentação e orgulho, apesar das aparências, de fato, não desejam esta igualdade, visto que, com a chegada dela, desapareceriam as suas oportunidades de autopromoção. Devemos querer que todos os homens sejam iguais, pois a 455 SCIACCA, Michele Federico. 2002. “Ora, muitos fazem isso por ostentação, não por dileção” (Comentário da 1ª Epístola de São João VI, 2). 456 308 busca sincera e ativa desta justiça social é uma das mais profundas expressões da verdadeira caridade. 3.4. Amar o próximo – os inimigos Agostinho refere que a verdadeira caridade leva a amar os nossos inimigos, pois eles também estão incluídos naquela categoria de próximo, de modo que amá-los é um dever dos que amam a Deus: “Homem algum, de fato, está excluído por aquele que nos disse de amar o próximo”.457 Somente estendendo o nosso amor até o próximo (inimigos) estaremos cumprindo plenamente o preceito da caridade. Agostinho mesmo afirma: Estende o teu amor aos que estão próximos, mas, na verdade, ainda não chames a isso estender. Porque é a ti mesmo que amas, quando amas os que te estão estritamente unidos. Estende o teu amor até aos desconhecidos que não te fizeram nenhum mal. E vai mais longe ainda. Chega até a amar os teus inimigos. Sem dúvida, é isso o que o Senhor te pede.458 Deus nos pede para amá-los, porque Ele é o próprio modelo supremo do Amor e nos convida a imitá-Lo em sua perfeição. Portanto, assim como Ele ama igualmente a toda pessoa humana, dando-lhes a vida e distribuindo, igualmente, a bons e maus, os dons da natureza, será A doutrina cristã I, 30, 31. “Devemos amar até os inimigos” (Ibid., I, 29, 30). 458 Comentário da 1ª Epístola de São João VIII, 5. 457 309 exatamente quando amamos até os nossos inimigos que O estaremos imitando em seu jeito de amar.459 Agostinho assevera que devemos amar os nossos inimigos, não porque nos odeiam, causam sofrimentos e nos fazem mal, não por esses motivos460, mas porque contemplamos neles algo de mais profundo, isto é, o fato de serem imagem e semelhança de Deus: “Como não haveria de ser invencível em seu amor, aquele que ama o homem como homem, isto é, como criatura feita à imagem de Deus”.461 Portanto, vamos amá-los não para que continuem sendo nossos inimigos, mas para que se tornem nossos irmãos e um dia possamos, juntos, desfrutar de Deus.462 Eles são nossos inimigos, porque estão distantes de Deus e ainda não O conheceram: Nós não os tememos, na verdade, visto que não podem nos tirar aquele a quem amamos. Mas nós nos compadecemos deles, porque nos odeiam, tanto mais quanto estão distantes do objeto de nosso amor. E se acaso voltassem a ele, necessariamente ama-lo-iam, como o Bem beatificante, e a nós, como coparticipantes de tão grande bem.463 Agostinho insiste que devemos alcançar a perfeição da caridade, não somente pelo nosso esforço humano, mas também pela ajuda divina; portanto, devemos pedir a Deus a graça de amar sempre e a todos. “Rogai a Deus a graça de 459 Ibid., IX, 3. “O que ama nele, não é o que cai sob seus olhos, ou sob os sentidos corporais. O que é preciso amar é a natureza humana perfeita ou em via de se aperfeiçoar, independentemente de suas condições carnais” (A verdadeira religião 46, 86. 89). 461 Ibid., 47, 90 462 Cf. Comentário da 1ª Epístola de São João VII, 10 e I, 9. 463 A doutrina cristã I, 29, 30. 460 310 vos amar uns aos outros. Rogai para estardes sempre abrasados do amor fraterno. Seja para com o que já é vosso irmão, seja para com o inimigo, afim de que se torne vosso irmão”.464 Para Agostinho, só o amor tem o poder de converter um inimigo num irmão: “Teu amor faz um irmão daquele homem que era teu inimigo (...) Ama-o com amor fraterno. Ainda ele não é um irmão, mas já o amas como se o fosse”.465 Enfim, para alcançarmos a perfeição da caridade, devemos preparar um espaço interior para ela, esvasiando o nosso coração do amor do mundo e enchendoo do amor de Deus. Assim, nascerá em nós a caridade fraterna que deverá ser sempre alimentada nesta perfeição: Há dois amores: o amor do mundo e o amor de Deus. Se o amor do mundo fixar residência em nós, o amor de Deus não poderá entrar. Que se afaste o amor do mundo e tenha morada em nós o amor de Deus. Não ames o mundo! Afasta de teu coração a má dileção do mundo, para o deixar encher-se do amor de Deus. És um vaso, mas ainda estás cheio. Derrama o que está em ti, para receberes o que não está.466 Agindo assim, tornar-nos-emos fortes o suficiente para, se necessário for, darmos a nossa própria vida por aqueles a quem amamos. 464 Comentário da 1ª Epístola de São João X, 7. Id. 466 Ibid., II, 8-9. 465 311 3.5. Amar o próximo – os frutos Para Agostinho, a caridade não gera benefícios apenas para os que são amados, ela também produz frutos maravilhosos na vida e no ser daqueles que amam, pois, se o que está na base de um relacionamento é a perfeita caridade, todos os envolvidos nele se beneficiam: “essa misericórdia, que exercemos para com um homem necessitado, Deus não a deixa sem recompensa”.467 Os maiores agraciados não são os que recebem da caridade alheia, mas sim aqueles que amam com caridade, ou seja, os que partilham, servem e doam-se aos outros, porque, se aceitamos que Deus é caridade, a lógica nos obriga a admitir que quem possui a caridade também possui a Deus. Quando o homem possui a Deus, torna-se plenamente livre, a ponto de Agostinho determinar: “Ama e faze o que quiseres”.468 Neste sentido, quando a raiz das ações é a caridade, não poderá surgir o mal469, mas somente o bem: Não se distingam as ações humanas a não ser pela raiz da caridade. Uma vez por todas, foi-te dado somente um breve mandamento: Ama e faze o que quiseres. Se te calas, cala-te movido pelo amor; se falas em tom alto, fala por amor; se perdoas, perdoa por amor. Tem no fundo do coração a raiz do amor: dessa raiz não pode sair senão o bem!.470 467 A Trindade XV, 17,28. Comentário da 1ª Epístola de São João VII, 8. 469 “Quando esvaziares o coração do amor terreno, haurirás o amor divino. E nele logo começa a habitar a caridade da qual nenhum mal pode proceder” (Ibid., II, 8). 470 Ibid., VII, 8. 468 312 Quando amamos dessa forma, somos realmente livres, porque a nossa vontade já não quer outra coisa senão o bem de todos aqueles que são o nosso próximo. Acrescentamos, com Agostinho, que a grande realização da caridade é a de tornar-nos semelhantes a Deus, já que ela nos faz capazes de amar os outros, não somente como a nós mesmos, mas do modo como Deus os ama. A caridade permite amá-los com o amor do próprio Deus; pois a caridade não é outra coisa senão Deus amando, por meio daqueles que acolheram o dom do seu Amor: “O Espírito Santo, que procede de Deus, quando é outorgado ao homem, inflama-o de amor por Deus e pelo próximo, sendo ele mesmo o Amor”.471 Para Agostinho, a questão da semelhança do homem com Deus tem dois aspectos. O primeiro diz respeito ao momento da criação, quando Deus faz o homem a sua imagem e semelhança; nesse sentido todo homem carrega dentro de si esta imagem divina. Um segundo momento é quando o homem, por sua livre vontade, deve esforçar-se para imitar o modo de amar de Deus; neste último aspecto, tornam-se semelhantes a Deus os que O buscam e O amam verdadeiramente. Este segundo momento é, na verdade, uma restauração do primeiro, visto que, ao assemelhar-se a Deus pela caridade, o homem não está fazendo outra coisa senão restaurando em si a imagem divina deteriorada pelo egoísmo. Assim, ao tornar-nos semelhantes a Deus, a caridade nos faz também filhos seus: “A caridade é o único sinal que distingue os filhos de Deus dos filhos do demônio”.472 Pois, assim como entre os homens é a semelhança física o que caracteriza alguém como filho de outrem; do mesmo modo, o sinal distintivo 471 472 A Trindade XV, 17, 31. Comentário da 1ª Epístola de São João V, 7. 313 dos verdadeiros filhos de Deus é, exatamente, a vivência da caridade. Embora muitos aleguem ser filhos de Deus, somente os que amam com caridade, de fato, o são. Portanto, se quisermos ser realmente felizes, não devemos perder tempo com amores particulares, egoístas e passageiros; ao contrário, amemos, sem reservas, a todos: parentes, amigos, inimigos e, especialmente, os pobres deste mundo. Seremos felizes nesta vida e por toda eternidade, se todas as nossas ações forem movidas pelo amor, mas não por qualquer amor, e sim por aquele que chamamos de amor fraterno ou de perfeita caridade. Para alcançar esta meta do amor eterno, precisamos nos amparar nos meios do poder temporal: a Justiça e o Estado. Passamos a descrever, nos itens seguintes, ainda dentro deste capítulo, como Santo Agostinho pensa estes meios em relação à dimensão ética e social do amor. 4. Fundamento da verdadeira justiça no estado: o amor Uma das quatro virtudes cardeais (ou cristãs) apresentadas por Agostinho é a justiça pela qual “nos uniremos com suma retidão ao bem ao qual com toda razão deveremos nos submeter”.473 Analisamos, agora, a importância do conceito de justiça no eudemonismo éticopolítico de Santo Agostinho, seus fundamentos e determinações. 473 Epístola 155, 1. 314 Para denunciar o estado de corrupção em que se encontravam os romanos, fruto dos vícios espalhados pelos deuses pagãos, e demonstrar que o Império Romano, por sua adesão aos cultos pagãos e promoção desses, já não podia ser mais chamado de República (ou Estado), Agostinho, num primeiro momento474, vai buscar em Cícero, tribuno romano, os argumentos necessários para afirmar que um dos elementos essenciais para que haja uma república é a Justiça, virtude que ele não encontra mais no Império Romano de seu tempo. Cícero, falando pela boca de Cipião, afirma: “República é coisa do povo, e povo não é um ajuntamento qualquer de indivíduos, mas uma associação de homens baseada no consenso do direito e na comunidade de interesses”.475 E coloca a justiça como fundamento da concórdia, ao dizer que “aquilo que no canto os músicos chamam de harmonia, na cidade é a concórdia, o mais suave e estreito vínculo de consistência em toda república; que sem justiça não pode, em absoluto, subsistir”.476 Assim, no dizer de Cícero: Só existe república, isto é, coisa do povo, quando a mesma é governada com honestidade e justiça, seja por um rei, seja por um grupo de nobres, seja ainda, pelo povo todo inteiro. Ao contrário, se tais governantes forem injustos, já não existe mais república, pois não existirá a coisa do povo (...) E o povo mesmo não seria mais um povo se ele fosse injusto.477 474 A cidade de Deus II, 21. A República I, apud A cidade de Deus II, 21. 476 Id. 477 Id. 475 315 No final de sua obra “A República”, Cícero lamenta a perda dos costumes antigos e as instituições dos antepassados que garantiam a continuidade da República romana: “por causa de nossos vícios, não por causalidade, da república nos fica o nome apenas, pois na realidade tempo faz que a perdemos”.478 Servindo-se das últimas palavras de Cícero, Agostinho comenta: “Se tais coisas fossem afirmadas depois da encarnação de Cristo, certamente não faltariam pagãos para atribuí-las à religião cristã!”.479 E vai mais além: “de acordo com as definições de Cícero, em que resumidamente consignou que era a república o que era do povo, nem mesmo ao tempo daqueles costumes e varões antigos, a romana jamais foi república, porque jamais conheceu a justiça”.480 Apesar de admitir que o que se chama de república romana foi mais bem administrada pelos antigos do que pelos de seu tempo. Assim como em Cícero, para Santo Agostinho, a justiça é a pedra angular da sociedade civil, pois, “desterrada a justiça, que é todo reino senão pirataria? Pois, também é punhado de homens, rege-se pelo poderio do príncipe, liga-se por meio de pacto de sociedade, reparte a presa de acordo com certas convenções”.481 No entanto, não podemos chamar a pirataria de República. Entretanto, para este, enquanto pensador cristão, a justiça não se encerra no puro conceito filosófico natural, mas adquire um sentido filosófico religioso, o qual tem uma estreita relação com a “verdadeira justiça”, cujo objetivo principal é o sumo bem do homem, ou a “verdadeira felicidade”, a ser alcançada em Deus. 478 Id. Id. 480 Id. 481 A cidade de Deus IV, 4. 479 316 Assim, apesar de concordar com Cícero que a justiça fundamenta o Estado, Agostinho vai além da visão ciceroniana (fundada no direito natural) e, dentro de uma perspectiva filosófico-religiosa, transforma a justiça em “verdadeira justiça”, fundamentada no princípio da “divina ordem”, ou lei eterna, cujo caminho para alcançá-la é o duplo preceito evangélico da “verdadeira caridade” (amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo). O conceito ciceroniano de justiça foi retrabalhado por Agostinho, inicialmente, em O Livre Arbítrio, no qual adquiriu um caráter religioso, tendo como fundamento o princípio da “divina ordem”. Enuncia ele: “Com efeito, nenhuma força, nenhum acontecimento, nenhuma catástrofe nunca conseguirá fazer com que não seja justo que todas as coisas estejam conformes a uma ordem perfeita”.482 Na referida obra, diante das interrogações apresentadas por seu interlocutor, Evódio, acerca da justiça praticada na sociedade (Cidade terrena), interpretada por este como lei (jus), Agostinho reconhece que existem, de fato, leis na sociedade. Entretanto, esclarece que devemos distinguir dois tipos de leis: A “lei temporal” e a “lei eterna”. A lei temporal é a lei dos homens, mutáveis e subordinados ao tempo; consequentemente, uma lei também mutável e sujeita a mudanças. A esta chamamos de “jus”, ou seja, “a lei que, embora justa, pode legitimamente ser mudada ao longo do tempo”.483 A outra, ao contrário, “é chamada Razão suprema de tudo, à qual é preciso obedecer sempre e em virtude da qual os bons merecem a vida feliz e os maus, vida infeliz, é ela o fundamento da retidão e das 482 483 O Livre Arbítrio I, 6, 15. Id. 317 modificações daquela outra lei que justamente denominamos temporal”.484 Essa é a lei eterna e imutável. Apesar de reconhecer que a lei temporal pode (ou não) ser justa, fica claro que esta, para ser justa, deverá submeter-se à lei eterna.485 Em outras palavras, a lei temporal (jus) não tem vida própria, ou não se constitui em um bem em si mesmo; ao contrário da lei eterna (verdadeira justiça) que se constitui em um bem em si mesmo (bem onto).486 Mais adiante, ainda em O Livre Arbítrio, Agostinho conclui o diálogo com Evódio, definindo que, “no tocante à justiça, que diremos ser ela senão a virtude, pela qual se dá a cada um o que é seu?”487 484 Id. “Na primeira, a temporal, só é justo e legítimo o que os homens para si tenham feito derivar da segunda, a eterna (...) aquela, em virtude da qual é justo que todas as coisas sejam inteiramente conformes à norma absoluta da ordem” (Id.). 486 Em outra oportunidade, em carta a Consêncio, Agostinho chega a identificar a Justiça com o próprio Deus, quando diz: “A justiça que vive em si mesma, sem dúvida, é Deus; essa vive imutavelmente. Assim como, porém, sendo ela a vida em si mesma, torna-se também a nossa vida, quando dela de qualquer maneira participamos, do mesmo modo enquanto justiça perfeita torna-se também nossa justiça, quando aderimos a ela vivamente. E seremos mais ou menos justos, conforme a nossa adesão a ela seja maior ou menor” (Epístola 120, 1). 487 O Livre Arbítrio I, 13, 27. Esse conceito reaparecerá, mais tarde, em A Cidade de Deus, quando, comentando acerca dos castigos eternos, por ocasião do juízo final, diz: “Não se deve, porém, negar que o fogo será, segundo a diversidade de merecimentos maus, para uns mais brando e para outros mais vivo, quer varie sua intensidade e violência segundo a pena merecida, quer arda por igual, mas nem todos lhe sintam por igual o sofrimento que causa” (A cidade de Deus XXI, 16), pois “a justiça é a virtude que dá a cada um o que é seu” (Ibid., XIX, 21). 485 318 Essa é a “verdadeira justiça”, “que faz com que o único e supremo Deus, segundo sua graça, impere à obediente cidade que não se sacrifique a ninguém senão a Ele”,488 pela qual “nos uniremos com suma retidão ao bem, ao qual, com toda razão, deveremos nos submeter”.489 Pois, “quando a alma está submetida a Deus, impera com justiça sobre o corpo e, na alma, a razão, submetida a Deus, manda com justiça a libido e as demais paixões. Portanto, quando o homem não serve a Deus, que justiça há nele?”490 E, para alcançarmos ou possuirmos a “verdadeira justiça”, Agostinho aponta a caridade, ou “verdadeira caridade”, como virtude pela qual escolhemos, com justiça, as coisas a serem fruídas e as coisas a serem utilizadas.491 Nisso reside o fundamento da “verdadeira justiça” que consiste em dar a Deus, “Sumo Bem”, todo o nosso amor, no qual se encontra a justa medida a todos os outros valores criados, concordando com a definição já vista anteriormente de que “a justiça não é, senão, a virtude pela qual se dá a cada um o que é seu”.492 A justiça “que submete no homem a alma a Deus, a carne à alma e, por conseguinte, a alma e a carne a Deus”,493 pois “somente quem criou o homem pode torná-lo bem-aventurado”,494 ou verdadeiramente feliz. 488 A cidade de Deus XIX, 23. Epístola 155, 1. 490 A cidade de Deus XIX, 2. 491 “A justiça não é outra coisa senão amar o que deve ser amado... O que, porém, devemos escolher como objeto mais digno de nosso amor, senão aquilo que é o melhor que podemos encontrar, isto é, Deus?” (Epístola 155). 492 O livre arbítrio I, 13, 27. 493 A cidade de Deus XIX, 4. 494 Epístola 155. 489 319 E este mesmo princípio ético-moral individual que recomenda que devemos amar a Deus sobre todas as coisas também recomenda que “cuidemos, pois, com todo esforço, de que cheguem a Ele também aqueles que amamos como a nós mesmos”,495 transformando-se em um princípio éticopolítico social, segundo o qual: “Como um só justo vive da fé, assim também o conjunto e o povo de justos viverão dessa fé que age pela caridade, que leva o homem a amar a Deus como deve e ao próximo como a si mesmo”,496 pois “uma coisa não é a ventura da cidade e outra do homem, pois toda cidade não passa de sociedade de homens que vivem unidos.497 Assim, ao introduzir o amor (ou a caridade cristã) como fundamento ético-político capaz de levar o homem e o Estado a alcançar a “verdadeira justiça”, Agostinho reformula o conceito de povo proposto por Cícero (fundado no direito natural), redefinindo-o como “o conjunto de seres racionais associados pela concorde comunidade de objetos amados”.498 Daí que, para sabermos o que é um povo, basta 495 Id. A cidade de Deus XIX, 23. 497 Ibid., I, 15. Por isso, um ou dois anos antes de começar a escrever A Cidade de Deus, em passagem já anteriormente citada, Agostinho interrogava o Senador Volusiano sobre “quais leis de qualquer Estado se podem de algum modo confrontar com os dois preceitos nos quais Cristo diz que se compreendia toda a Lei e os Profetas: ‘Amarás o teu Deus (...) Amarás o teu próximo (...) Nelas se encontra a salvação de um Estado digno de louvor, pois não se funda nem se conserva melhor o mesmo do que mediante o fundamento e o vínculo da fé e da sólida concórdia, a saber, quando se ama o bem comum, que na sua expressão mais alta e verdadeira é Deus mesmo, e n’Ele os homens se amam mutuamente com a máxima sinceridade” (Epístola 137). 498 A cidade de Deus XIX, 24. 496 320 examinarmos os objetos de seu amor.499 Por isso, no final do Livro XIV, de A Cidade de Deus, ao analisar a origem, a natureza, o desenvolvimento e os fins das duas cidades, Agostinho toma como medida o amor: Dois amores fundaram, pois, duas cidades, a saber: o amor próprio, levado ao desprezo a Deus, a terrena; o amor a Deus, levado ao desprezo de si próprio, a celestial. Gloria-se a primeira em si mesma e a segunda em Deus, porque aquela busca a glória dos homens, e tem esta por máxima a glória de Deus, testemunha de sua consciência.500 Ao colocar o amor como fundamento da justiça, Agostinho transforma não só o conceito de justiça, mas repensa a visão negativa que tinha do Império Romano. É por isso que, treze anos depois do que havia escrito no Livro II, Agostinho reaparece mais conciliador e, buscando um conceito próprio de povo, afirma: “O povo é o conjunto de seres racionais associados pela concorde comunidade de objetos amados”,501 reformulando parcialmente as afirmações negativas que fizera no início da obra (Livro II) acerca do Império Romano. Ele assevera: “Não diríamos que não é povo ou que seu governo não é República, enquanto subsista o conjunto de seres racionais unidos pela comunhão concorde de objetos amados (...) de acordo com isto, o povo romano é um povo e seu governo, República”.502 Os nossos costumes, diz Agostinho: “são julgados não pelo que cada um conhece, mas pelo que cada um ama; nem se tornam bons ou maus os costumes, senão pelos bons ou maus afetos” (Epístola 155). 500 A cidade de Deus XIV, 28. 501 A cidade de Deus XIX, 24. 502 Id. Ele já havia dito isso no Livro V, quando, servindo-se dos relatos de Salústio, afirma: “Os antigos e primitivos romanos, segundo 499 321 Entretanto, paralelamente a essa nova visão, Agostinho lamenta que, ao longo dos tempos, a República Romana se tenha corrompido. E, mais uma vez, retoma a sua posição de que a República Romana já não merece tal nome, pois não possui a “verdadeira justiça”, ao afirmar que, “em geral, a cidade dos ímpios, refratária às ordens de Deus, que proíbe sacrificar a outros deuses afora Ele, e, por isso, incapaz de fazer a alma prevalecer sobre o corpo e a razão sobre os vícios, desconhece a verdadeira justiça”.503 Agostinho conclui sua denúncia sobre a República Romana: A justiça consiste em que Deus mande no homem obediente, a alma no corpo e a razão nos vícios (...) e em que se peça a Deus a graça do merecimento e o perdão dos pecados e se dêem graças pelos favores recebidos”.504 Pois, “a verdade é que, se o homem não serve a Deus, a alma não pode com justiça imperar sobre o corpo, nem a razão sobre as paixões. E, se no homem individualmente considerado não há justiça alguma, que justiça pode haver em associação de homens composta de indivíduos semelhantes?”.505 Logo, “onde não existe semelhante justiça não existe tampouco a congregação de homens, fundada nos ensina e lembra a História, como outros povos (...) eram ávidos de louvor, liberais em dinheiro e queriam a glória imensa e riqueza honesta. Amaram-na com ardente amor, por ela quiseram viver e não vacilaram em morrer por ela. Pelo amor à liberdade, primeiro, depois pelo amor ao domínio, e pelo desejo de louvor e glória, levaram a cabo diversas façanhas” (Ibid., V, 12 ). 503 Ibid., XIX, 24. 504 Ibid., XIX, 27. 505 Ibid., XIX, 21. 322 sobre direitos reconhecidos e comunidades de interesses. E, se isso não existe, não existe o povo.506 5. Finalidade imediata do estado terreno: a ordenada concórdia ou a “paz temporal” Vimos anteriormente, quando da exposição do fundamento da justiça no Estado, que Agostinho apresenta um certo “vínculo da concórdia” como elemento determinante na concepção de Estado: “O que é, por outro lado, o Estado senão uma multidão de pessoas unidas entre si por um certo vínculo de concórdia?”,507 concórdia que não será alcançada sem a “verdadeira justiça”: “onde não existir verdadeira justiça não pode existir comunidade de homens congregados em concordes interesses”.508 E, como já visto, superando o conceito filosóficonatural ciceroniano de justiça, fundado no direito natural, transforma a justiça em um conceito filosófico-religioso, fundado no amor (a caridade): Então, para saber o que seja cada povo, deve-se ter em conta o que amam. Pois o povo é uma multidão de seres racionais associados pela concorde 509 participação nos bens que eles amam”, que não é senão o amor ou busca do bem comum: “um Estado 506 Ibid., XIX, 23. Epístola 138. 508 A cidade de Deus XIX, 21. 509 Ibid., XIX, 24. 507 323 louvável não se funda nem se conserva melhor do que mediante o fundamento da fé e da sólida concórdia, a saber, quando se ama o bem comum.510 Assim, fica evidente que a tarefa ou finalidade imediata do Estado terreno é proporcionar o bem comum, conforme atesta Agostinho, ao interpelar Ceciliano, Comissário imperial da África: “O que, porém, fazeis de bom em meio a tantas preocupações e fadigas, senão procurar o bem dos cidadãos? Com efeito, se não fazeis isto, então será melhor dormir noite e dia do que vigiar nas fadigas impostas pelo Estado, se estas não fossem de nenhum proveito para os cidadãos”.511 Isso leva a dizer que um dos fundamentos ético-políticos do Estado em Agostinho é a concórdia ou “paz temporal” que, por sua vez, enquadra-se em seu eudemonismo ético-político, uma vez que promover o bem comum é o mesmo que promover a paz ou felicidade temporal do homem. Além de identificar a concórdia ou “paz temporal” com o bem comum, Agostinho a classifica como o maior de todos os bens temporais a que os homens almejam, afirmando que: “tão grande, com efeito, é o bem da paz que, mesmo nos negócios terrenos e perecíveis, nada se possa ouvir de mais agradável, nada procurar de mais desejável, nada encontrar de melhor. Podemos dizer da paz o que dissemos da vida eterna, a saber, que é o fim de nossos bens”.512 Para Agostinho, a paz é um bem imanente à natureza humana. Todos a desejam: bons e maus513, com efeito, “a 510 Epístola 137. Epístola 151. 512 A cidade de Deus XIX, 11. 513 “Quem quer que repare nas coisas humanas e na natureza delas reconhecerá comigo que, assim como não há quem não queira ser 511 324 paz é aspiração última de toda natureza e de todos os homens, mesmo os maus”514 e, consequentemente, o maior bem temporal que um Estado pode proporcionar. A paz, diz Agostinho, “é o bem supremo da cidade”.515 Sendo a paz um desejo imanente a todos os homens, a vida social aparece como uma necessidade interior ao homem; está na própria natureza humana viver em sociedade. Ainda em estado de inocência, os homens haviam buscado companhia. Por isso Agostinho afirma que “nenhum animal é mais feroz por vício, nem mais social por natureza que o homem”.516 Agostinho acrescenta, ainda, que todos os homens aspiram à paz, e que ninguém pode ser tão perverso que não queira viver em paz. Até os animais ferozes que vivem solitários, que brigam pela sobrevivência e pela alimentação e evitam a companhia dos outros animais da mesma espécie, em determinadas épocas do ano, juntamse para a procriação e para proteger seus filhotes. Quanto mais o homem, que é racional, que sabe distinguir o bem do mal e que, levado pelas leis da sua natureza a formar sociedade, deverá conviver o mais pacificamente possível com todos.517 feliz, assim também não há quem não queira a paz” (A cidade de Deus XIX, 12). 514 Id. 515 Id. 516 Ibid., XII, 27. 517 Cf. A cidade de Deus XIX, 12. 325 6. Fundamento da ordenada concórdia ou paz temporal no estado: a verdadeira justiça Sendo a paz um bem natural almejado por todos os homens, bons e maus, Agostinho alerta-nos para os perigos na interpretação ou concretização deste tão sublime bem, pois muitos, por vontade ou livre arbítrio, subvertendo a “divina ordem”, constroem a paz a partir de interesses próprios e não tendo em vista o bem comum. 518 Para ele, a sociedade não cumpre a sua função, se nela não reinar a paz ou a ordenada concórdia, e esta não será possível enquanto não imperar a justiça entre os seus cidadãos. Neste sentido, a justiça é o fundamento da sociedade. Daí que, para evitar tal risco, Agostinho faz uma íntima relação entre a paz e a justiça, fundada no princípio da “divina ordem”, “que não é senão a virtude pela qual se dá a cada um o que é seu”.519 Assim, “a ordem é a disposição que às coisas diferentes e às iguais determina o lugar que lhes corresponde”.520 Da mesma forma que, ao falar da justiça, enquanto “justa associação de homens concordes”, Agostinho não está falando de uma justiça qualquer, mas da “verdadeira “Os maus combatem pela paz dos seus e, se possível, querem submeter todos, para todos servirem um só. Odeiam a justa paz de Deus e amam a sua própria, embora injusta. Impossível é que não se ame a paz, seja qual for” (A cidade de Deus XIX, 12). Mas “quem sabe antepor o reto ao torto e a ordem à perversidade reconhece que, comparada com a paz dos justos, a paz dos pecadores não merece sequer o nome de paz” (Ibid., XX, 12). 519 O livre arbítrio I, 13, 27. 520 A cidade de Deus XIX, 13. 518 326 justiça”. Também, ao relacionar a justiça com a concórdia, ele não está falando de uma concórdia qualquer, mas da “ordenada concordia”, ou seja, a paz temporal que garanta a justa ordem, aquela que “subordina as coisas somente às dignas, as corporais às espirituais, as inferiores às superiores, as temporais às sempiternas”.521 Seguindo esse princípio, Agostinho afirma que “a paz entre o homem mortal e Deus é a obediência ordenada pela fé sob a lei eterna. A paz dos homens entre si, sua ordenada concórdia. A paz da cidade, a ordenada concórdia entre os governantes e os governados”.522 Partindo do princípio de que a paz é o melhor de todos os bens temporais, quando fundamentada na justiça, Agostinho admite até a guerra como instrumento justo de realização da paz, ou ser a paz o verdadeiro fim da guerra, pois, “com efeito, os próprios amigos da guerra, apenas desejam vencer e, por conseguinte, anseiam, guerreando, chegar à gloriosa paz. O homem, com a guerra, busca a paz, mas ninguém busca a guerra com a paz”.523 Não que Agostinho defenda ser a guerra um bem em si mesma, mas que devemos fazer bom uso até das coisas más para alcançarmos o bem524, desde que em nome de uma causa justa, ou seja, as “guerras justas” são permitidas, mas só devem empreender-se por necessidade e para o bem da paz. Para que o Estado faça “guerra justa”, Agostinho apresenta o amor como princípio regulador; ou seja, que a 521 Epístola 140. A cidade de Deus XIX, 13. 523 Ibid., XIX, 12. 524 “A verdadeira virtude consiste, portanto, fazer uso dos bens e dos males e em referir tudo ao fim último, que nos porá na posse de perfeita e incomparável paz” (Ibid., XIX, 10). 522 327 mesma tenha como finalidade não a vingança e a maldade, mas o amor, ou o desejo de salvação do inimigo pecador: Se o Estado terreno observasse os preceitos de Cristo, nem mesmo as próprias guerras se fariam sem benevolência (...) Aquele, de fato, a quem se tira a possibilidade de fazer o mal é vencido com benefício dele mesmo. Assim, com tal espírito de misericórdia, se fosse possível, os bons fariam também as guerras, a fim de que, prevalecendo sobre as paixões licenciosas, fossem eliminados estes vícios que um justo governo deveria extirpar ou reprimir.525 E, mais uma vez, Agostinho adverte que a “guerra justa” não é um bem em si mesma. Ela é apenas um instrumento que nos leva à paz (bem comum), devemos usála em última necessidade: “A paz deve residir na vontade, e a guerra deve ser apenas uma necessidade, para que Deus nos livre da necessidade e nos conserve em paz!”.526 E, sempre dentro de seu espírito pacificador, recomenda antes o poder da palavra que o da guerra: “Mas, título maior de glória é matar a guerra com a palavra, antes de matar os homens com a espada; é procurar manter a paz com a paz e não com a guerra”.527 Como se vê, a “ordenada concórdia” está fundamentada na “verdadeira justiça” e esta, por sua vez, deverá estar assentada no princípio do amor. Mais uma vez, Agostinho apresenta o preceito da “verdadeira caridade”, expressão maior do amor ou do duplo preceito da caridade (amor de Deus e do próximo por causa de Deus) como caminho para se alcançar a “paz temporal” ou “ordenada concórdia”: “na falta da piedade ou da caridade, a paz deste 525 Epístola 138. Epístola 189. 527 Epístola 229. 526 328 mundo não passa de uma isca, um convite ou um reforço para a luxúria e a perdição”.528 O amor guarda a ordem do ser: “A piedade, pois, a saber, o culto do verdadeiro Deus, é útil para tudo: ela, de fato, nos ajuda a afastar ou avaliar as moléstias desta vida e nos conduz àquela vida de salvação em que não devemos mais sofrer nenhum mal, mas somente gozar do sumo e eterno Bem”.529 7. A Paz e a “guerra justa” na história Desde Santo Agostinho, a questão da guerra justa é um desafio constante, até hoje, para a teologia, para a moral e para a praxe política das Igrejas. A formulação clássica da doutrina medieval sobre a guerra justa, recordada pelo Catecismo da Igreja Católica, publicado em 1992,530 procede de Tomás de Aquino531 e de Santo Agostinho. São 528 Epístola 231. Epístola 155. 530 Embora o Catecismo da Igreja Católica desenvolva, nos parágrafos, 2.302 ao 2.317, toda uma teologia da paz: a paz é a tranqüilidade da ordem, não é somente ausência de guerra, não pode ser obtida sem o respeito pela dignidade das pessoas e dos povos, sem a prática da justiça e da caridade, ele ainda recorda os elementos tradicionais enumerados na assim chamada doutrina da “guerra justa”. 531 Tomás de Aquino, assim como Agostinho e outros teólogos medievais, considera a guerra justa último recurso da suprema autoridade, legitimamente constituída. A guerra é um meio para defender ou reconstruir a paz interna e externa, a ordem e a justiça. O fim da guerra e sua reta intenção não é o castigo do inimigo, mas o bem comum da paz e da justiça. Citando Agostinho diz: “Removida a 529 329 quatro as condições estabelecidas para que uma guerra possa ser considerada justa: 1ª) que seja declarada pela autoridade legítima; 2ª) que haja uma intenção e uma causa justas: instaurar a justiça, restaurar a paz, castigar os culpados e defender a comunidade dos ataques injustos; 3ª) que a guerra seja o último recurso, uma vez esgotadas outras formas de solução; 4ª) que haja proporção entre os meios a serem utilizados e o fim para conseguir.532 Atualmente, questiona-se esta doutrina clássica da guerra justa e cresce a convicção de que, no marco das armas nucleares, não há possibilidade de que nenhuma guerra possa ser justa; todas as guerras são injustas e injustificáveis. O Concílio Vaticano II condena, na sua Constituição Pastoral Gaudium et Spes (Alegria e Esperança - 1965), a defesa com o uso de meios nucleares de aniquilação de massa como crime contra Deus e os homens: “Pelo progresso das armas científicas, o horror e a perversidade da guerra cresceram sem medida. Com o emprego dessas armas, as operações bélicas podem causar destruições enormes e indiscriminadas, que portanto, ultrapassam de muito os limites da legítima defesa”. 533 O Papa João XXIII, em sua carta encíclica sobre a paz, Pacem in Terris (1963), declara: “no nosso tempo, que se vangloria de possuir a força atômica, é irracional continuar a considerar a guerra como meio apropriado para restabelecer justiça o que são os Reinos, senão grandes latrocínios?” (Tomás de Aquino, 1, II/2, q. 34; q. 40, art. 1). 532 Neste item, o Catecismo assim se expressa: “Que o emprego das armas não acarrete males e desordens mais graves do que o mal a eliminar. O poderio dos meios modernos de destruição pesa muito na avaliação desta condição” (CIC, 2309). 533 GS 80. 330 direitos feridos”.534 Esta encíclica marca a substituição da doutrina da guerra justa pela doutrina da paz justa, que é entendida como desenvolvimento social. A paz não pode mais ser definida a partir do conceito de guerra, mas se determina apoiando-se estritamente na tradição bíblica, como justiça em favor dos injustiçados socialmente, os pobres e famintos. Numerosos moralistas católicos resumem esta visão nos seguintes termos: “As armas nucleares exigem uma nova ética da paz em que as distinções tradicionais entre pacifismo e guerra justa deixem de ter vigência. A oposição, por princípio, a todas as guerras é, hoje, a única posição ética cristã e humana”.535 A nova ética tem uma proposta: a paz justa. Nesta, o trabalho pela paz se apresenta como indissociável da luta pela justiça e, por fim, da opção pelos pobres. A paz justa é a condenação sem reservas da corrida armamentista como loucura, injustiça, crime e erro contra os pobres. O contraste manifesto entre superprodução profusa de material de guerra e a multidão de necessidades vitais não satisfeitas (países em desenvolvimento, os pobres que vivem à margem da sociedade de bemestar) representa em si e por si uma agressão que pode tornar-se crime: mesmo quando não usadas, as armas matam, por seus altos custos536, os pobres ou os fazem passar fome.537 534 PT 127. Dicionário de Conceitos Fundamentais do Cristianismo. 1999, p.590. 536 Quanto aos gastos bélicos, o mundo começa a ficar indignado. Surgem instituições em defesa da paz em muitos países. “Essas instituições fazem pesquisas e divulgam dados que têm impacto sobre a opinião pública mundial. Por exemplo: para cada dólar que a ONU gasta em missões de paz, o mundo investe 2 mil dólares em guerra; 535 331 A busca da paz requer questionamento sobre as raízes dos atentados contra a paz em forma de guerra. Uma das raízes mais profundas costuma ser a diferença entre ricos e pobres e as assombrosas desigualdades socioeconômicas entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. A ética da paz tem sua base em uma ética da justiça, que implica a proposta de nova ordem econômica internacional igualitária e um modelo de desenvolvimento solidário com os povos do Terceiro Mundo e com os marginalizados do Quarto Mundo e o respeito da natureza como morada da humanidade. A proposta moral de uma paz justa não pode compartilhar com a moral judaica do Antigo Testamento que pede a Deus extermínio dos inimigos e fala de ‘guerra de Iahweh’, ou com a moral grega bélica, ou com a moral imperialista da paz romana, ou com a moral medieval das guerras justas, ou com a ética ilustrada e burguesa da paz, que considera a mesma como irrevogável mandato da razão prática, mas que defende também a guerra entendida como fator de promoção do progresso civilizador.538 Construir a paz é um dever de todos nós. Hoje, a guerra perde o apelo de ato heróico e passa a ser vista pelo em 1997 foram gastos 740 bilhões de dólares em armas, o que representa 1 milhão e 400 mil dólares por minuto; em 2003, o total mundial de gastos militares chegou a 960 bilhões de dólares, o que representa mais de US$ 30 mil (cerca de R$ 100 mil) por segundo! Esses e outros dados alimentam uma indignação nova, e a população mundial é convidada a tomar posição” (Texto Base da Campanha da Fraternidade – 2005 Ecumênica, 51). 537 Comissão Pontifícia Justiça e Paz – A Santa Sé e o desenvolvimento, 1977. 538 Dicionário de Conceitos Fundamentais do Cristianismo. 1999, p. 591. 332 seu lado trágico e desumano. Há que se construir uma cultura da paz. 8. Complemento: A “Paz justa” e o caráter social do Estado A paz é um valor, um dever universal e encontra seu fundamento na ordem racional e moral da sociedade que tem as suas raízes no próprio Deus, “fonte primária do ser, verdade essencial e bem supremo”.539 A paz não é simplesmente ausência de guerra e, tampouco, um equilíbrio estável entre forças adversárias, mas se funda sobre uma correta concepção de pessoa humana e exige a edificação de uma ordem segundo a justiça e a caridade.540 A paz é fruto da justiça, entendida em sentido amplo como o respeito ao equilíbrio de todas as dimensões da pessoa humana. A paz está em perigo, quando não se reconhece o que é devido ao homem enquanto homem, quando não é respeitada a sua dignidade e quando a convivência não é orientada em direção ao bem comum. Para a construção de uma sociedade pacífica e o desenvolvimento integral de indivíduos, povos e nações, são essenciais a defesa e a promoção dos direitos humanos. Quando não há paz, é essencial a busca das causas e, em primeiro lugar, as que se ligam a situações estruturais de injustiça, de miséria, de exploração, sobre as quais é 539 João Paulo II, Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz, 1982. 540 Cf. João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus, 51. 333 necessário intervir com o objetivo de removê-las: “Por isso, o outro nome da paz é o desenvolvimento. Como existe a responsabilidade coletiva de evitar a guerra, do mesmo modo, há a responsabilidade coletiva de promover o desenvolvimento”.541 Hoje, o atual sistema sócio-político-econômico mundial em vigor, de forma hegemônica, é internalizado em cada país e tende a destruir a democracia, liquidar com a ética e tornar supérfluos os parlamentos das nações.542 Sabese que todas as sociedades modernas e as democracias nasceram sustentadas pela tríade: cidadania, solidariedade e construção do bem comum. Mas esses valores estão sendo sistematicamente mudados por um outro sistema: o "deus do mercado", que é a liberalização, a desregulamentação e a privatização,543 em todos os campos da sociedade, não só na economia. A lógica fundamental que preside o processo atual e que quase não encontra resistências obedece à lógica do 541 Ibid., 52. “Domina cada vez mais, em muitos países americanos, um sistema conhecido como ‘neoliberalismo’; sistema este que, apoiado numa concepção economicista do homem, considera o lucro e as leis de mercado como parâmetros absolutos a prejuízo da dignidade e do respeito da pessoa e do povo. Por vezes, este sistema transformou-se numa justificação ideológica de algumas atitudes e modos de agir no campo social e político que provocam a marginalização dos mais fracos. De fato, os pobres são sempre mais numerosos, vítimas de determinadas políticas e estruturas freqüentemente injustas” (João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Ecclesia in América. São Paulo: Ed. Paulinas, 1999, p. 92, nº 56). 543 O ponto principal da desestatização consiste em vender empresas públicas aos capitalistas particulares, com o pretexto de reduzir a participação do Estado na economia, aumentar a eficiência e a rentabilidade das empresas. 542 334 capital. Essa lógica orienta-se, fundamentalmente, por valores e critérios identificados como referência exclusiva, fundados no individualismo (egolatria) e na concorrência. O processo hoje mundial, hegemonizado pelo capital, coloca a economia como eixo estruturador das relações mundiais. A lógica não é cooperativa, é competitiva. A crise reside em tomar os valores e os critérios dessa lógica como referências e critérios exclusivos daquilo que é bom, que é útil, que é desejável para toda a sociedade. Essa lógica está criando uma dupla cultura. A cultura da conquista: trata-se de conquistar novos mercados, conquistar posições, conquistar mais dinheiro, conquistar mais "status" pessoal; tudo é objeto de conquista, numa luta de todos contra todos, porque se trata de individualismo. É uma cultura, também, dos meios, dos instrumentos. O fim desse processo não é o ser humano, não são os povos. O fim é a acumulação cada vez mais crescente de bens e serviços, é a criação de riqueza e, por isso, o desenvolvimento da economia tem de ser viável, esquecendo que tudo isso, economia, mercado, mercadoria, é da natureza dos meios. São meios para atender a necessidades coletivas dos povos ou necessidades pessoais e individuais, porque esses são os fins. O ser humano não tem centralidade. A centralidade é ocupada pela busca acelerada e maximizada da riqueza. As pessoas são indivíduos e não pretendem mais viver juntas, mas buscam assegurar seu bem-estar material individual e maximizar sua utilidade individual. Em função disso, não se dá prioridade à solidariedade, à erradicação da pobreza, à luta contra as exclusões, contra o racismo, contra a xenofobia, mas ela é concedida à eficácia produtiva e à rentabilidade financeira em curto prazo. Essa lógica 335 dominante está destruindo os laços de sociabilidade e a possibilidade de uma real democracia.544 Em que reside a crise do capitalismo? Na ordem do capital, hoje, mundializada, tudo se transformou em mercadoria, desde o sexo à mística, até à mercadoria mais direta, como produção material de bens e serviços. Não há mais espaço para as dimensões da gratuidade e da sociabilidade. A crise é esta: a razão utilitarista, aproveitadora, acumuladora, está ocupando todos os espaços da sociedade. Na sociedade, na qual todos dizem "eu", em que há a guerra dos "eus", destroem os laços de sociabilidade. Portanto, a questão não é discutir se esse ou aquele procedimento é ético ou não; é discutir se este projeto é absolutamente antiético, porque ele se orienta por formas de relação de produção e de destruição e não de construção coletiva que implica a introdução de uma máquina de morte545 que atinge as sociedades, as classes, as pessoas, a 544 Tais conceitos, expostos acima, quando vivenciados no cotidiano social, traduzem-se no chamado darwinismo social que quer dizer desenvolvimento social baseado na luta e na seleção natural dos mais fortes sobre os mais fracos. É desta forma que o mercado - “sagrado” para os neoliberais nos divide entre “ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres”. E esse grande grupamento humano caminha à margem da própria cidadania, surgem então aqueles a que chamamos de excluídos. São os que estão fora das políticas públicas, não produzem para o sistema e não se enquadram nos padrões dominantes do sistema. 545 Para os “excluídos”, o sistema neoliberal preparou uma nova política: a morte. Seja pelo extermínio direto ou pela ausência de políticas básicas que garantam condições de vida. Este nefasto projeto político de morte visa eliminar este “excedente social”, sem lugar no mundo. São imigrantes, crianças, jovens, velhos, mulheres e homens que têm a morte como destino certo. Eles não são bonitos, não frequentam os shopping center, geralmente, são migrantes e 336 humanidade; que atinge a natureza, pilhada sistematicamente; e destrói o nosso futuro, o futuro comum da terra, como planeta, como casa comum, e a humanidade, como filhos e filhas da terra. Há quem diga que, se não superarmos a crise desse capitalismo selvagem, poderemos ir ao encontro do pior. Poderemos conhecer, quem sabe dentro da nossa geração ainda, o destino dos dinossauros, talvez possa haver uma devastação fantástica de seres vivos, humanos e não-humanos. Cidadania, solidariedade, bem comum eram os princípios fundadores da sociedade moderna que, desaparecidos, agora, importa resgatá-los. Quanto à cidadania, nas suas três dimensões já conhecidas: a cidadania civil: garantir os direitos, as liberdades básicas de falar, de se comunicar, de se expressar; a cidadania política: garantir os meios de participação do poder por partidos, sindicatos, imprensa etc.; e a cidadania social: garantir os meios de uma dignidade mínima para os seres humanos, em termos de trabalho, saúde, relação social, qualidade de vida. A realidade mostra alguns dados: 1,9 bilhões de pessoas vivem com menos de um dólar por dia e 2,8 bilhões vivem com menos de dois dólares por dia; isto é, para mais da metade da humanidade, a vida não é sustentável. Essa economia é uma máquina de morte que as tritura, que as devora. Os cálculos já foram feitos. O sistema hoje integrado da economia e da política funciona bem, e muito bem, para 1,6 bilhões de pessoas. Ocorre que somos mais de seis bilhões para os quais a vida é um purgatório ou um inferno. desabrigados, carregam a expressão de dor, da revolta e do sofrimento, não se enquadram nos nossos padrões. Para quem os vê, é difícil crer que haja vida por dentro deles. Para o sistema, eles são números. 337 Essa economia política é desastrosa para a humanidade, é absolutamente antiética, desde que a ética seja a forma de os seres humanos buscarem aquilo que é bom para todos, útil para as comunidades, que é desejável para estar conforme a natureza social do ser humano. Essa estratégia, hoje mundializada, impossibilita a democracia, destrói a ética. Um dos passos importantes dela é desacreditar o Estado e o mundo político, porque o Estado, e esta é a sua função, é o promotor e a garantia do bem comum. Hoje, é criticado e condenado, não o Estado burocrático ou Estado corrupto, mas o Estado em si, pura e simplesmente. Por quê? Porque ele impede, coloca barreiras à voracidade do capital e aos itinerários meramente individuais das pessoas que buscam o bem-estar individual; e também dos políticos que representam, finalmente, a coletividade. Então, procura-se desacreditar essas instâncias, desmantelar o Estado, tornar ridícula a política. Precisamos estar atentos às críticas contundentes e contínuas que são feitas ao Estado e ao mundo político por toda a mídia. Há uma segunda intenção, que não é só a busca do combate à corrupção, o que é legítimo, mas é a busca da invalidação do Estado e das políticas, para deixar o campo limpo à voracidade individualista. O bem comum é entendido assim: o interesse daquele que ganha, de forma individual, converte-se em interesse geral, em bem comum; mas não deixa de ser individual. É preciso reordenar as prioridades, isto é, submeter a economia à política e a política à ética. Hoje, a economia tem uma natureza perversa que contradiz toda reflexão filosófica e a reflexão social dos últimos dois mil anos. Desde Platão e Aristóteles, a economia era sempre, e a palavra, filologicamente, significa isto: o atendimento das necessidades da casa. A economia 338 não tem mais essa natureza. Transformou-se na técnica de enriquecimento linear e, cada vez mais crescente, às custas das classes e da natureza. A economia deve voltar a ser um capítulo da política, porque é na política que os seres humanos decidem as formas de produzir, as maneiras de distribuir e estabelecem os consensos de como, juntos, viver e sobreviver. A economia é da ordem dos meios e não da ordem dos fins. A política estabelece os fins para os cidadãos viverem em paz e alimentar a seguridade da sua existência coletivamente garantida. Entretanto a economia deve ser submetida à política e a política à ordem ética. A ética com aquela dimensão, aquele senso dos seres humanos de buscarem a justa medida, o comportamento reto que se adapta a nossa natureza de seres sociais e que faz com que nossa convivência não seja uma trégua e um processo de guerra de todos contra todos, mas seja a construção coletiva da paz, como algo perene nos seres humanos. Reafirmar a primazia do ético e do políticodemocrático sobre o financeiro-econômico. Isso se faz ao reforçar a fonte de todo o poder que pode controlar esses processos, que é reforçar a sociedade civil com todos os seus movimentos. O segundo ponto é promover novas formas de representação política. Não bastam os partidos, porque partido é sempre parte de algo. É preciso estabelecer uma nova ponte entre o Congresso, governo e sociedade, que mais e mais se organiza em mil movimentos para que haja novas formas de poder e antipoder. Que o poder se descentralize. Que o consenso não seja negociado e construído só dentro do Parlamento, mas seja continuamente 339 frutificado e amadurecido no diálogo com a sociedade civil e com todos os seus movimentos.546 Em terceiro, com esse novo diálogo, com essa interação do poder social com o poder político, pode-se garantir, postular e reforçar a busca do acesso a bens e serviços necessários e indispensáveis para uma vida minimamente digna a todos os cidadãos. Essa vida não vem por si mesma; vem por meio de muita pressão e negociação. Mediante a pressão e a negociação da sociedade com esse poder social e político, deve-se resgatar uma dimensão básica do Estado: a dimensão ética. O Estado não é só mecanismo de poder. Representa valores, sonhos e ideais que a sociedade quer ver realizados nos portadores de poder, que não devem ser corruptos, mas pessoas altamente éticas que apresentam, nas suas próprias vidas, nos seus percursos biográficos, na forma como manejam e gerenciam o poder, os valores da solidariedade, os valores éticos da colaboração e da transparência do poder. Hoje, com a recuperação do estatuto ético, o Estado ganha credibilidade. É necessário resgatar o caráter social do Estado, porque o próprio Estado, por sua natureza social, está sendo privatizado. Talvez ele seja a maior instituição que ainda 546 O caminho é a participação. Engajar-se nas organizações do movimento social, fortalecer a democracia participativa por meio de conselhos populares, incentivar a gestão coletiva governo e sociedade, rever os padrões e quebrar preconceitos. O grande desafio que temos pela frente é a busca da plena cidadania para todos e o resgate dos Direitos Humanos. Temos, também, que investir numa representação política que venha defender os interesses dos trabalhadores e dos mais pobres e fazer com que o Estado garanta a justiça, a dignidade e os direitos fundamentais da pessoa humana. É fundamental que se fortifiquem a consciência e a organização política. Só assim os direitos dos trabalhadores e dos cidadãos e cidadãs, em geral, podem ser respeitados. 340 não foi totalmente manipulada pelos interesses das grandes corporações multinacionais que o querem para garantir o mínimo de segurança e poderem circular dentro dos espaços econômicos. Recuperar o caráter social do Estado, isto é, que as políticas sociais do Estado não sejam relegadas a um só departamento: à Comunidade Solidária. Que as políticas sociais sejam imperativo e presença em todos os Ministérios, em todas as políticas, porque o Estado é instância delegada do poder popular e do poder social.547 Se a luta por essa sociedade que quer mais ética é resgatar o sentido da democracia como solidariedade e como busca do bem comum, hoje, globalizado, e de uma cidadania mais integrada, ela não é só desejável, mas é possível e produz frutos. Ela inviabiliza as artimanhas dos poderosos que, de costas à humanidade, reúnem-se para defender privilégios, estabelecer políticas que garantam os seus ganhos e continuam sacrificando e martirizando mais da metade da humanidade. Não é impossível que os caminhos sejam abertos para resgatarmos a democracia com o sentido de cidadania plena, com sentido ético nas relações sociais, com horizonte aberto em que não sejamos condenados a ser lobos uns dos outros, mas que possamos ser cidadãos concidadãos, filhos e filhas da alegria, e não condenados a viver e a sofrer num vale de lágrimas. Enfim, a paz justa é aquela que possibilita a segurança, a tranquilidade e a unidade. O trabalho pela paz se apresenta como indissociável da luta pela justiça e, por fim, da opção pelos pobres. A busca da paz requer questionamento sobre as raízes dos atentados contra a paz em forma de guerra. E a raiz, pelo menos, uma das raízes 547 Cf. BOFF, Leonardo. 2000. 341 mais profundas costuma ser a assimetria entre ricos e pobres, as assombrosas diferenças socioeconômicas entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Por consequência, a ética da paz tem sua base em uma ética da justiça que implica a proposta de nova ordem econômica internacional igualitária e um modelo de desenvolvimento solidário com os povos do Terceiro Mundo e os marginalizados do Quarto Mundo e o respeito da natureza como morada da humanidade.548 9. Instrumento garantidor da ordenada concórdia ou paz temporal no estado: o poder temporal O poder temporal, para Agostinho, é um dos elementos essenciais para preservação da “ordenada concórdia” ou “paz temporal” e está fundamentado no princípio da “verdadeira justiça”, ou da “divina ordem”,549 ou seja, que haja a subordinação das coisas inferiores (os mandados) às superiores (aos que mandam). Assim, no caso da paz doméstica, por exemplo, Agostinho afirma que é justo que “mandem os que cuidam, como o homem à mulher, os pais aos filhos, os patrões aos criados e 548 Cf. Dicionário de conceitos fundamentais do cristianismo. 1999, p. 590-591. 549 Princípio segundo o qual é justo que se “subordine as coisas somente às dignas, as corporais às espirituais, as inferiores às superiores, as temporais às sempiternas” (Epístola 140). 342 obedeçam quem é objeto de cuidados, como as mulheres aos maridos, os filhos aos pais, os criados aos patrões”.550 Mais do que isso, a “verdadeira justiça” justifica também o uso do poder como força coercitiva (castigo), como punidora dos que desrespeitam a justa ordem, ou a “ordenada concórdia” entre os homens, segundo a qual, além de ser justo que uns mandem e outros obedeçam, é também justo que se castigue o infrator; isto é, aquele que não quer obedecer ao que manda: “se em casa alguém turba a paz doméstica por desobediência, é para sua própria utilidade corrigido com a palavra, com pancadas ou com qualquer outro gênero de castigo justo e lícito admitido pela sociedade dos homens, para reuni-lo à paz de que se afastara”.551 Não que o castigo seja um bem em si mesmo, mas um instrumento da justiça, pelo qual se aplica o princípio de “dar a cada um o que é seu”.Então, “o jugo da fé impõe-se com justiça ao pecador”.552 E entre os castigos sociais admitidos pela sociedade, e justamente aplicados para preservação da “ordenada concórdia”, está a escravidão. Agostinho não justifica a escravidão como um direito natural, como o fez Aristóteles. Deus não criou os homens para que dominassem seus semelhantes, mas somente os animais. Se a escravidão existe, deve ser vista como um castigo infligido à humanidade por conta de seus pecados. 550 A Cidade de Deus XIX, 14. O mesmo princípio da justiça doméstica seria aplicado à cidade, fazendo da família um protótipo do Estado: “A casa deve ser o princípio e o fundamento da cidade. Por isso (...) deve a ordenada concórdia entre os que mandam e os que obedecem relacionar-se com a ordenada concórdia entre os cidadãos que mandam e os que obedecem” (Ibid., XIX, 16). 551 Ibid., XIX, 16. 552 Ibid., XIX, 15. 343 Assim, quando os vencedores transformam seus vencidos em servos, ou seja, numa classe socialmente inferior, isso acontece por merecimento do pecado.553 Agostinho assevera que as relações de poder devem ter, como princípio, a caridade, sem a qual o poder não será justo, isto é, “que não mande por desejo de domínio, mas por dever de caridade, não por orgulho de reinar, mas por misericórdia de auxílio”.554 Para Agostinho, a legitimidade do poder está na sua relação com Deus, do qual provém todo poder: “Não há autoridade que não venha de Deus”,555: Se, por conseguinte, se rende culto ao Deus verdadeiro, servindo com sacrifícios sinceros e bons costumes, é útil que os bons reinem por muito tempo e onde quer que seja. E não o é tanto para os governantes como para os governados. Quanto a eles, a piedade e a bondade, grandes dons de Deus, lhes bastam para felicidade verdadeira, que, se merecida, permite a gente viver bem nesta vida e conseguir depois a vida eterna.556 Agostinho faz uma estreita relação entre o uso do poder e a caridade, ao dizer que “nada é mais feliz para as coisas humanas que o fato de virem a obter o poder, por “A primeira causa da servidão, é, pois, o pecado, que submete um homem a outro pelo vínculo da posição social. Por natureza o homem não é escravo, mas por causa do pecado a escravidão penal está regida e ordenada por lei, que manda conservar a ordem natural e proíbe perturbá-la” (Id.). 554 A cidade de Deus XIX, 14. 555 Rm 13, 1. 556 A cidade de Deus IV, 3. 553 344 bondade de Deus, homens que vivem bem, dotados de uma verdadeira piedade”.557 Já em 390, muito antes de escrever A Cidade de Deus, Agostinho, apesar de elogiar o amor patriótico do pagão Nectário, governador de Calama, preocupado “em deixar, ao morrer, sua pátria incólume e florescente”,558 lamentava faltar-lhe o preceito da “divina caridade”, a única capaz de garantir a “verdadeira felicidade” dos cidadãos que não é senão levá-los a alcançar a pátria celeste. Ele diz: Também pelos serviços prestados à pátria terrena, se fizeres com amor vero e religioso ganharás a pátria celeste (...) deste modo, proverás, de verdade, ao bem de teus concidadãos a fim de fazê-los usufruir não da falsidade dos prazeres temporais, nem da funestíssima impunidade da culpa, mas da graça da felicidade eterna. Suprimam-se todos os ídolos e todas as loucuras, convertam-se as pessoas ao culto do verdadeiro Deus e a pios e castos costumes; e então verás a tua pátria florir não segundo a falsa opinião dos estultos, mas segundo a verdade professada pelos sábios, quando esta pátria, em que nasceste para vida mortal, será uma porção daquela pátria para a qual se nasce não com o corpo, mas pela fé, onde, após o inverno cheio de sofrimentos Ibid., V, 19. E acrescenta: “Quem não é cidadão da cidade eterna, que em nossas Sagradas Letras chama-se cidade de Deus, é mais útil à cidade terrena quando tem, pelo menos, essa virtude que se carece dela. Os verdadeiramente piedosos, que à vida moral unem a ciência de reger os povos, constituem verdadeira bênção para as coisas, se, por misericórdia de Deus, gozam do poder. Tais homens, sejam quantas forem as virtudes que podem ter nesta vida, atribuem-nas à graça de Deus” (Id.). 558 Epístola 90. 557 345 desta vida, florescerão na eternidade que não conhece ocaso (...), pois o amor mais ordenado e mais útil pelos cidadãos consiste em levá-los ao culto do sumo Deus e à religião. Este é o amor verdadeiro e pio da pátria terrestre, que te fará merecer a pátria celeste.559 Como se vê, para Agostinho, todas as instituições da sociedade, dentre elas, o poder, têm por fim último fazer arder no coração do homem o desejo expresso no PaiNosso: “Venha a nós o vosso reino”. Por isso, visto que amar a Deus e amar os homens é a mesma coisa, é necessário que as instituições sociais sejam moldadas pela caridade. Concluindo, pode-se afirmar que a ética agostiniana realiza-se à medida que se realiza a ordem moral, isto é, o amor. Orientando-se pela razão, o homem pode conhecer o bem, mas a vontade pode rejeitá-lo, porque, embora pertencendo ao espírito humano, a vontade é uma faculdade diferente da razão, tendo uma autonomia própria em relação à razão, embora seja a ela vinculada. A razão conhece e a vontade escolhe, podendo escolher, inclusive, o irracional, ou seja, aquilo que não está em conformidade com a razão, por exemplo, evitando fazer o bem e praticando somente o mal. Portanto, para vivermos bem, precisamos aspirar ao desejo da paz e da tranquilidade. Agostinho ensina a invocar o nome de Deus para conseguir essa tão sedenta paz: Senhor Deus, concede-nos a paz, tu que tudo nos deste. Concede-nos a paz do repouso, a paz do sábado, uma paz sem ocaso. Essa belíssima ordem das coisas muito boas, uma vez cumprindo o seu 559 Epístola 104. 346 papel, toda ela passará; porque terão tido um amanhecer e uma tarde.560 560 Confissões XIII, 35, 50. 347 348 CONSIDERAÇÕES FINAIS Santo Agostinho foi um pensador que conseguiu ser, ao mesmo tempo, poeta, filósofo, teólogo e sábio. Suas obras permanecem atuais, embora os séculos que nos separam delas. Seus ensinamentos filosóficos e suas virtudes são exaltados por muitos: “Pelo gênio agudíssimo, pela riqueza e sublimidade de doutrina, pela santidade da vida e pela defesa da verdade, ninguém ou certamente pouquíssimos, de quantos floresceram desde o início do gênero humano até hoje, podem ser comparados a ele”561. Todo o esforço intelectual e pastoral de Agostinho foi o de mostrar que a força da Razão e da Fé leva o homem a conhecer mais sobre a totalidade do ser humano. Os primeiros séculos do cristianismo representam um momento forte da relação fé e razão, principalmente, quando os cristãos entraram em contato com o pensamento filosófico grego, período das grandes questões teológicas e momento de desestruturação dos antigos valores que sustentavam a sociedade no Império Romano. Santo Agostinho se destaca neste ambiente e foi o grande baluarte da fundamentação filosófica do cristianismo até a Idade Média. O caminho da sua conversão é bastante conhecido por seus próprios escritos, evidenciados, principalmente, no primeiro capítulo desta obra.562 Mas é, sobretudo, mediante 561 Pio XI, Encíclica Ad salutem humani generis. Apud, João Paulo II. Carta Apostólica Augustinum Hipponensem: pelo 16º centenário da conversão de Santo Agostinho. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 5. 562 As que ele escreveu no retiro de Cassicíaco antes do batismo (A vida feliz, Contra Acadêmicos e Solilóquios) e principalmente Confissões. 349 as célebres Confissões, obra que é, ao mesmo tempo, autobiografia, filosofia, teologia, mística e poesia, e, na qual, homens sequiosos da verdade e cônscios dos próprios limites se encontraram e se encontram a si mesmos. Também hoje, as Confissões de Santo Agostinho estimulam e comovem não só os crentes; também aquele que não tem fé, mas está à procura de uma certeza que, pelo menos, permita-lhe compreender a si mesmo, as suas aspirações profundas e os seus tormentos. A conversão de Santo Agostinho, dominada pela necessidade de encontrar a verdade, tem muito a ensinar aos homens de hoje, com frequência, tão desorientados ante o grande problema da vida.563 Aquela harmonia constante entre fé e razão vivida na Idade Média se vê ameaçada na época moderna que marca um período de progressiva separação entre a fé e a razão, atingindo seu apogeu com o iluminismo e teve como consequência a deformação da razão, levando-a a se tornar uma “razão instrumental ao serviço de fins utilitaristas, de prazer e de poder”.564 Como resultado desta caminhada histórica do homem, evidencia-se, hoje, que tudo aquilo que sustentava nossa forma de viver está em plena deterioração no que tange à religião, à economia, ética, sociologia e política; as mudanças são cada vez mais bruscas. Nesta crise de civilização cultural, não se fortalece a tradição e cada pessoa se vê chamada a criar um projeto de vida muito particular. Percebe-se, então, que a tentativa da humanidade de criar uma cultura nova e racional, rejeitando toda e qualquer ligação entre fé e razão e entre Deus e os homens, ou seja, tirar Deus como possibilidade, princípio e fim, 563 Cf. João Paulo II. 1986, p. 7. João Paulo II. Carta Encíclica Fides et Ratio. São Paulo: Paulinas, 1998, nº 47. 564 350 gerou uma cultura de morte, sem horizonte e sem sentido. Nesse sentido, pode-se dizer que não haverá encontro com a verdade para aquele que se detém apenas nos estreitos limites da razão e despreza a fé como possibilidade de transcendência. A razão, por si só, não alcança a plenitude do mistério. Santo Agostinho, com o auxílio do pensamento platônico, libertou-se do conceito da vida material obtido do maniqueísmo: “Instigado por esses escritos a retornar a mim mesmo, entrei no íntimo do meu coração sob tua guia (...) Entrei e, com os olhos da alma (...) e acima de minha própria inteligência, vi uma luz imutável”.565 Foi esta luz imutável que lhe abriu os horizontes imensos do espírito e de Deus. Compreendeu que em relação à grave questão do mal, que constituía o seu grande tormento,566 a primeira pergunta a ser feita não era de onde ele provém, mas que coisa é,567 e intuiu que o mal não é uma substância, mas uma privação do bem.568 Deus, portanto, concluía ele, é o criador de todas as coisas e não existe substância alguma que não tenha sido criada por Ele.569 Ele também compreendeu que o pecado se origina da vontade do homem, uma vontade livre e defectível: “era eu quem o queria, e ao mesmo tempo era 565 Confissões, VII, 10, 16. “Minha juventude cheia de vícios estava morta. Caminhava para a maturidade, e quanto mais avançava em anos, tanto mais vergonhosamente me deixava contaminar pelas coisas vãs” (Confissões VII, 1, 1). 567 “Eu pesquisava mal a origem do mal, e não enxergava o mal que havia na própria busca” (Confissões VII, 5, 7). 568 “Em ti o mal não existe de forma alguma; e não só em ti, mas em quaisquer criaturas tomadas em sua universalidade. Porque, fora da tua criação nada existe que possa invadir ou corromper a ordem por ti estabelecida” (Confissões VII, 13, 19). 569 Cf. Confissões VII, 12, 18. 566 351 eu quem não o queria: sempre eu. Não tinha uma vontade plena, nem decidida falta de vontade; daí a luta comigo mesmo, deixando-me dilacerado”.570 Agostinho, a partir dessa experiência, tem consciência de que os maiores obstáculos no caminho para a verdade não são de ordem teórica, mas de ordem prática, isto é, de ordem moral: “Admirava-me de agora amar a ti, e não a um fantasma em teu lugar. Mas, ao mesmo tempo, eu não era estável no gozo do meu Deus. Atraído por tua beleza, era logo afastado de ti por meu próprio peso, que me fazia precipitar gemendo por terra. Esse peso eram os meus hábitos”.571 Compreendeu, então, que uma coisa é conhecer a meta e outra alcançá-la, deduz, assim, que o homem não pode salvar-se a si mesmo, tão pouco no âmbito intelectual: tem que começar pela fé na autoridade da Palavra de Deus, para que a inteligência, liberta dos erros, assim como o coração do orgulho e da soberba, possa logo exercitar sua razão no caminho da verdade revelada. Foi, então, nas cartas de Paulo, que ele descobriu Cristo Mestre, como sempre o tinha venerado, mas também Cristo Redentor, Verbo encarnado, único Mediador entre Deus e os homens. Agostinho vê o esplendor da filosofia, era a filosofia do Apóstolo Paulo que tem Cristo como centro, poder e sabedoria de Deus, e que tem outros centros: a fé, a humildade, a graça; a filosofia que, ao mesmo tempo, é sabedoria e graça, pela qual se torna possível não só conhecer a pátria, mas também alcançá-la.572 Para Agostinho, todos os homens querem ser alegres e felizes, mas a verdadeira alegria só vem de Deus. A carne 570 Ibid., VIII, 10, 22. Ibid., VII, 17, 23. 572 Cf. Confissões VII, 21, 27. 571 352 e seus apelos, a matéria, podem levar o homem a confundirse e a fazer aquilo que pode fazer, mas não aquilo que realmente quer fazer. Deus é a felicidade, porque é a verdade. E a alegria reside na verdade. Esta é uma só e Deus é a sua fonte. O homem deve invocar a Deus, mas este já habita nele. Para voltar a encontrar a verdade, tem de purificar sua alma, livrando-se, principalmente, do orgulho e da soberba, das comoções da carne, seguindo exemplo de Jesus Cristo, que foi, ao mesmo tempo, Deus e homem, verbo imortal e carne perecível. Este morreu para salvar o homem do pecado original. Depois da experiência com a Palavra de Deus, Agostinho reconduz toda sua doutrina e toda sua vida cristã à caridade, entendida como adesão à verdade para viver na justiça.573 A caridade constitui a alma de tudo, o centro de irradiação, a mola secreta do organismo espiritual. Na caridade, ele pôs a essência e a medida da perfeição cristã, como foi exposto no segundo e terceiro capítulos desta obra, nos quais se constatou que o sentido da existência humana passa pela vertente do mistério do amor: “Meu peso é o amor; por ele sou levado para onde sou levado”.574 Conforme Agostinho, o amor é o peso do coração capaz de fazê-lo inclinar-se para um lado ou para outro e cujo objeto da busca é sempre o bem, não no sentido moral, mas no sentido ontológico, isto é, o bem comum. O fim último dessa tendência amorosa do homem é a felicidade, isto é, o gozar do bem supremo, que é gozar do próprio Deus. “Fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti”.575 573 Cf. A Trindade VIII, 7, 10. Confissões XIII, 9, 10. 575 Ibid., 1, 1, 1. 574 353 Quanto a isso, todos concordam que todos os homens querem ser felizes, mas nem todos estão de acordo em que consiste a felicidade: nos prazeres, nas vanglórias, no poder, na fama, em Deus. Santo Agostinho ensina, portanto, que o amor em si é neutro e que pode ser bom ou mau, segundo seja ordenado ou desordenado. E ele será ordenado ou não, segundo se coloque ou não às exigências objetivas da ordem real e ontológica dos bens. Esta ordem consiste na primazia absoluta de Deus, que é o Bem Supremo. Pode-se concluir, então, que o amor ordenado é o amor que ama a Deus acima de todas as coisas, pelo mesmo Deus, a todos os demais e, portanto, de acordo com sua lei. É desordenado o amor que coloca acima de Deus algum bem criado, por amá-lo fora ou em contradição com as leis de Deus. Mas o que ama com amor ordenado, e somente este, tem a lei divina interiorizada no seu coração, gravada de tal maneira que, para ele, e só para ele, vale a máxima de Agostinho: “Ama e faze o que quiseres”.576 É, pois, na filosofia e teologia do amor que Santo Agostinho fundamenta a sua concepção filosófica e teológica da história. Quando, nA cidade de Deus, ele apresenta toda a história da humanidade como a história da luta entre duas cidades, a cidade de Deus e a cidade do mundo ou dos homens, as quais estariam constituídas, fundamentalmente, por dois amores: “Dois amores fundaram, pois, duas cidades, a saber: o amor próprio, 576 Comentário da Primeira Epístola de São João 7, 8. 354 levado ao desprezo a Deus, a terrena; o amor a Deus, levado ao desprezo de si próprio, a celestial”.577 Portanto, sem a graça de Deus, o amor humano, necessariamente, volta-se, ilicitamente, sobre as criaturas, sob o peso da herança de Adão. Para Agostinho, é a morte de Jesus Cristo, Filho de Deus, na cruz, a que, abrindo as portas da graça celestial, torna possível o amor humano por cima de todos os seus próprios limites existenciais, fazendoo participar, pela fé e pela esperança da caridade divina: “Porque Deus é Amor”.578 Pelo amor pode-se chegar a uma atitude ética para com os outros. Este é o primeiro passo para o altruísmo e a fraternidade social, cujo resultado é a harmonia no convívio entre as pessoas. 577 578 A cidade de Deus 14, 28. 1João 1, 8. 355 356 REFERÊNCIAS Primárias AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona, 354-430. A doutrina Cristã: manual de exegese e formação cristã. Trad. e not. Nair de Assis Oliveira; rev. H. Dalbosco e P. Bazaglia. São Paulo: Paulus, 2002. 284 p. (Patrística; 17). ______. A Cidade de Deus: contra os pagãos. Trad. Oscar Paes Leme. Bragança Paulista: Universitária São Francisco, 2003. v. 1, v. 2. (Coleção pensamento humano). ______. Cartas a Proba e a Juliana: direção espiritual. 2. ed. Trad. e not. Nair de Assis Oliveira, rev. E. Gracindo. São Paulo: Paulus, 1987. 100 p. (Série Espiritualidade). ______. A Trindade. 2. ed. Trad. e int. Agustinho Belmonte; rev. e not. Nair de Assis Oliveira. São Paulo: Paulus, 1994. 726 p. (Coleção patrística). ______ Confissões. 2. ed. Trad. Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo: Paulus, 1997. 450 p. 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Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. 302 p. 366 OS AUTORES: Prof. Ms. Juliana Rui Fernandes dos Reis brasileira, Gonçalves, casada, advogada; atualmente é professora universitária da Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR. Tem experiência na área da Bioética e do Direito, com ênfase em Direito de Família e Sucessões, Biodireito, Direitos Difusos, Filosofia Jurídica, Ética na Advocacia, Sociologia e Antropologia Jurídica, Ciência Política e Teoria Geral do Direito. 2003 – 2005: Mestrado em Direito; Universidade Estadual de Maringá, UEM, Brasil. Título: O Direito à vida e o direito de um viver melhor um conflito de direitos fundamentais, Ano de Obtenção: 2005. Orientador: Wanderlei de Paula Barreto. Bolsista da: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Palavras-chave: vida humana; embriões excedentes; células-tronco; qualidade de vida; direito à vida. Grande área: Ciências Sociais Aplicadas / Área: Direito / Subárea: Direito Privado / Especialidade: Direito Civil. 367 Grande área: Ciências Sociais Aplicadas / Área: Direito / Subárea: Direito Privado / Especialidade: Biodireito. Grande área: Ciências Sociais Aplicadas / Área: Direito / Subárea: Direito Público. Setores de atividade: Educação superior. 2006 – 2007: Especialização em Bioética. na Universidade Estadual de Londrina, UEL, Brasil. Título: Uma visão bioética das pesquisas com célulastronco. Orientador: Dr. Lourenço Zancanaro. 2000 – 2000: Especialização em Direito Tributário. (Carga Horária: 440h); no Instituto de Ciências Sociais do Paraná IBEJ Cursos Jurídicos Ltda. 1999 – 1999: Especialização em Direito. (Carga Horária: 882h); na Escola da Magistratura do Paraná - Coordenadoria de Maringá. 1998 – 1998: Especialização em Direito. (Carga Horária: 640h); na Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Paraná. 1994 – 1998: Graduação em Bacharelado em Direito; na Universidade Estadual de Maringá, UEM, Brasil. 368 Prof. Dr. José Francisco de Assis DIAS, Brasileiro, nasceu a 16 de Março de 1964, em Umuarama-Pr; estudou Filosofia no Instituto Filosófico N. S. da Glória, Maringá-Pr (1983-1985); e Teologia no Instituto Teológico Paulo VI, Londrina-Pr (1986-1989); obteve a Licenciatura Plena em Filosofia na Universidade de Passo Fundo-RS (1996). É mestre em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano (1990-1992), com a monografia "DE ACQUISITIONE BONORUM", Na Legislação Particular da Diocese de Umuarama-PR; É mestre em Filosofia pela mesma Pontifícia Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano (2004-2006), com a monografia "CONSENSUS OMNIUM GENTIUM", O Problema do Fundamento dos Direitos Humanos no Pensamento de Norberto Bobbio (1909-2004); É doutor em Direito Canônico também pela Pontifícia Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano (2003-2005), com a tese DIREITOS HUMANOS, Fundamentação Ontoteleológica dos Direitos Humanos, com especialização em Filosofia do Direito; É doutor em Filosofia pela mesma Pontifícia Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano, com a tese NÃO MATAR! 369 O Princípio Ético Não Matar como 'Imperativo Categórico' no Pensamento de Norberto Bobbio (1909-2004). Publicou também: - DIREITOS HUMANOS, Fundamentação Onto-teleológica dos Direitos Humanos, Unicorpore, Maringá-PR 2005, ISBN: 978-85-98897-04-2, 461 p. - CONSENSUS OMNIUM GENTIUM, O Problema do Fundamento dos Direitos Humanos no Pensamento de Norberto Bobbio (1909-2004), Humanitas Vivens, SarandiPR 2008, 2ª Edição, ISBN: 978-85-61837-00-6, 206 p. - NÃO MATAR! O Princípio Ético Não Matar! no Pensamento de Norberto Bobbio (1909-2004), Humanitas Vivens, Sarandi-PR 2008, ISBN: 978-85-61837-02-0, 378p. - DÍZIMO: FÉ COMPROMETIDA, Análise CanônicoPastoral do Sistema do Dízimo, Humanitas Vivens, SarandiPR 2009, ISBN: 978-85-61837-14-3, 248 p. - DIREITOS HUMANOS Introdução à História dos Direitos Humanos, Humanitas vivens, Sarandi-PR 2009, ISBN: 97885-61837-19-8, 297 p. - NORBERTO BOBBIO Introdução ao Pensamento de Norberto Bobbio (1909-2004), Humanitas vivens, SarandiPR 2009, ISBN: 978-85-61837-21-1, 188 p. - GUERRA E PAZ O Problema da Guerra no Pensamento de Norberto Bobbio (1909-2004), ISBN 978-85-61837-174, 170 p. - PENA DE MORTE E ABORTO PROCURADO O Problema da Pena de Morte e do Aborto Procurado no Pensamento de Norberto Bobbio (1909-2004), Humanitas Vivens, Sarandi-PR 2009, ISBN 978-85-61837-20-4, 176 p. - VALOR PRIMORDIAL, A Vida Humana como Valor Primordial no Pensamento de Norberto Bobbio (1909370 2004), Humanitas Vivens, Sarandi-PR 2009, ISBN 978-8561837-18-1, 302 p. - HUMANITAS VIVENS, Fundamentação Ônticoteleológica dos direitos humanos, Humanitas Vivens, Sarandi-PR 2009, ISBN 978-85-61837-22-8, 589 p. 371 Prof. Ms. Kassiane Menchon Moura Endlich É Mestre em Tutela dos Direitos Supraindividuais, pela Universidade Estadual de Maringá. Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá Diretora do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná - Campus Maringá; Professora de graduação e pós-graduação em direito. 372 Prof. Pe. Leomar Antonio MONTAGNA possui Mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR; Curso de Especialização, ênfase em Ética, também, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR; Pós-Graduação em História do Pensamento Brasileiro pela Universidade Estadual de Londrina UEL; Reconhecimento de Graduação em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE; Graduação em Teologia pelo Instituto Teológico Paulo VI de Londrina; Graduação em Ciências: Licenciatura de 1º Grau pela Fundação Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Mandaguari FAFICLEM e Curso de Graduação em Filosofia pelo Instituto Filosófico Arquidiocesano de Maringá IFAMA. Presbítero da Arquidiocese de Maringá, Pe. Leomar Antonio Montagna, atualmente, é Assessor da Pastoral Universitária, Diretor e Professor do Curso de Licenciatura em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Câmpus Maringá; Professor convidado da Faculdade Missioneira do Paraná (FAMIPAR) de Cascavel; Assessor e Professor da Escola Teológica Para Cristãos Leigos da Arquidiocese de Maringá. Membro do Conselho Editorial da Editora Humanitas Vivens LTDA – Editora On-line; PUBLICOU esta mesma obra em uma primeira edição on-line pela Editora Humanitas Vivens LTDA, disponível no site www.humanitasvivens.com.br. 373 Autor do volume Como ler Agostinho, que será publicado na coleção Como ler os Pensadores, da Editora Humanitas Vivens LTDA, coordenada pelos professores Claudinei Luiz CHITOLINA e José Francisco de Assis DIAS. Autor de vários artigos para revistas e jornais, palestras e cursos de breve duração. Na área de Filosofia, atua, principalmente, nos seguintes temas: Filosofia, Ética, Filosofia Política, Santo Agostinho, História da Filosofia e História do Pensamento Brasileiro e Latino-americano. Na área de Teologia tem experiência em Moral Social e Doutrina Social da Igreja. 374 375 376 No presente volume, os autores trabalham alguns temas fundamentais para a ética da vida humana; cada um, dentro de suas áreas de interesse, aborda um problema urgente para os nossos dias. No primeiro capítulo a Prof. Juliana trabalha o PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO DIREITO À VIDA E O DIREITO À VIDA COM QUALIDADE; no segundo capítulo o Prof. Dias trabalha DA HUMANITAS AO DIREITO PRIMORDIAL À VIDA: DIREITO DE NASCER E VIVER, partindo principalmente do pensamento de Norberto Bobbio; no terceiro capítulo a Prof. Kassiane trabalha DIREITO À PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO E à INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA; e no quarto e último capítulo o Prof. Pe. Montagna trabalha A DIMENSÃO ÉTICA E SOCIAL DO AMOR, no pensamento do grande Santo Agostinho. Com sentimento de grande satisfação oferecemos aos leitores, pela Editora Humanitas Vivens o presente volume. 377