9. Recomendações para Tratamento da Anemia no Paciente

Propaganda
9. Recomendações para Tratamento da Anemia no
Paciente Pediátrico
Clotilde Druck Garcia e Maria de Fátima Santos Bandeira
RECOMENDAÇÃO 9.1.
DIAGNÓSTICO DE ANEMIA
RECOMENDAÇÃO 9.3.
SUPLEMENTAÇÃO DE FERRO
9.1.1. O diagnóstico de anemia na população
pediátrica com DRC, independente do estágio da doença,
deve obedecer aos critérios diagnósticos recomendados
para a população pediátrica geral (Evidência B).
9.1.2. Início de investigação para diagnóstico e
tratamento da anemia em crianças e adolescentes com
DRC:
• Níveis de hemoglobina menor que 11,0g/dL em
crianças e adolescentes em qualquer estágio da DRC
(Evidência B).
• Níveis de hemoglobina menor que 12,0g/dL em
crianças nos primeiros anos de vida (Opinião).
9.1.3. Em todos os pacientes com DRC, outras
causas de anemia devem ser investigadas sempre que não
houver compatibilidade dos índices hematimétricos e a
taxa de filtração glomerular (Evidência B).
9.3.1. Pacientes com DRC estágios 1 e 2 deverão
receber suplementação de ferro para manter os níveis de
ferritina sérica e saturação de transferrina dentro dos
valores da população geral.
9.3.2. Pacientes com DRC estágios 3 e 4:
• com hemoglobina maior que 11g/dL, deverão receber
suplementação de ferro para manter os níveis de
ferritina sérica maior que 100ng/mL e saturação de
transferrina maior que 20%.
• com hemoglobina menor que 11g/dL, deverão receber
suplementação de ferro para manter os níveis de
ferritina sérica maior que 200ng/mL e saturação de
transferrina maior que 20%.
9.3.3. Pacientes com DRC em estágio 5 (em
tratamento conservador ou em programa de diálise
peritoneal e hemodiálise) deverão receber ferro para
manter os níveis de ferritina sérica maior que 200ng/mL
e saturação de transferrina maior que 20%.
9.3.4. A administração de ferro deverá ser interrompida quando ferritina sérica maior que 500ng/mL e
saturação de transferrina maior que 40% (Opinião).
• Pacientes que apresentem deficiência funcional de
ferro (ferritina maior que 500ng/mL e saturação de
transferrina menor que 20%) e resposta inadequada
aos MEEs poderão receber ferro intravenoso em
doses pequenas e fracionadas (Evidência B).
9.3.5. Via de administração do ferro:
• Os pacientes com DRC em estágios 1 e 2 com ferritina
e saturação de transferrina abaixo dos valores da
normalidade poderão receber inicialmente suplementação de ferro por via oral.
• Nos pacientes com DRC em estágios 3 a 5, incluindo
pacientes em diálise peritoneal, com ferritina menor
que 100 ng/mL e saturação de transferrina menor que
20%, a reposição de ferro deverá ser feita preferencialmente por via intravenosa.
• Pacientes com DRC em programa de hemodiálise
deverão receber suplementação de ferro por via
intravenosa (Evidência A).
RECOMENDAÇÃO 9.2.
MONITORIZAÇÃO DOS PARÂMETROS
HEMATIMÉTRICOS
A monitorização da concentração de hemoglobina
e do “perfil” de ferro deverá ser feita em todo paciente
com DRC (Evidência B).
9.2.1. Os pacientes que não estejam em tratamento
para anemia devem ser avaliados, no mínimo, semestralmente (Opinião).
9.2.2. Os pacientes que estejam recebendo MEEs
e/ou suplementação de ferro devem ser avaliados quanto
à hemoglobina mensalmente e ao perfil de ferro trimestralmente (Opinião).
9.2.3. A amostra de sangue para avaliação do perfil de ferro deve ser coletada preferencialmente após uma
semana da administração de ferro.
9.2.4. Uma avaliação completa da anemia deve
ser feita sempre que ocorrer uma queda inesperada da
concentração de hemoglobina (Opinião).
28
9.3.6. A administração intravenosa de ferro
deverá ser feita sob supervisão médica, em ambiente
adequado devido à possibilidade de reação de
hipersensibilidade.
9.3.7. A infusão intravenosa de ferro poderá ser feita
em “bolus”, lentamente, para aqueles em hemodiálise.
9.3.8. A infusão intravenosa deverá ser feita na
diluição adequada e em velocidade tanto mais lenta
quanto maior a dose administrada por aplicação.
RECOMENDAÇÃO 9.4.
USO DE MEDICAMENTOS ESTIMULADORES DA
ERITROPOIESE
9.4.1. Os MEEs devem ser considerados em todos os
casos de pacientes com DRC que apresentem hemoglobina
abaixo de 11g/dL, quando outras causas de anemia foram
excluídas e os estoques de ferro estiverem adequados
(Evidência A).
9.4.2. A dose e a freqüência de uso dos MEEs devem
ser determinadas pela hemoglobina inicial do paciente, pela
velocidade de aumento da hemoglobina, características
clínicas do paciente e classe do medicamento (Tabela 1).
9.4.3. A via preferencial de administração de MEE
é a subcutânea, sendo que a via intravenosa favorece por
conveniência os pacientes em hemodiálise (Evidência A).
9.4.4. A pressão arterial, o acesso vascular e a
adequação da diálise devem ser atentamente avaliados
em pacientes em uso de MEE, principalmente até que a
hemoglobina alvo seja atingida (Evidência B).
9.4.5 Crianças com cistinose ou oxalose devem
receber MEEs objetivando redução da necessidade
transfusional (Opinião).
RECOMENDAÇÃO 9.5.
FAIXA IDEAL DE HEMOGLOBINA
9.5.1 O nível alvo de hemoglobina para crianças
e adolescentes em tratamento com MEEs deve ser entre
11 e 12g/dL em qualquer estágio da DRC (Recomendação).
Tabela 1. Distribuição dos valores médios de hemoglobina
(desvio-padrão) em adolescentes segundo sexo e estágio de
maturação sexual.
Maturidade sexual
Masculino
Feminino
I + II
11,96 (0,28)
12,17 (0,18)
III
12,91 (0,31)
12,57 (0,17)
IV+V
13,35 (0,24)
12,47 (0,17)
Total
12,79 (1,72)
12,43 (1,23)
Fonte: Rev. Bras. Epidemiologia, 2006; 9(4): 454-61)
9. Recomendações para Tratamento da
Anemia no Paciente Pediátrico
9.5.2. Os níveis de hemoglobina não devem
ultrapassar 13g/dL (opinião)
9.5.3. Pacientes com anemia falciforme devem
manter hemoglobina entre 7 e 9g/dL.
RECOMENDAÇÃO 9.6.
TERAPÊUTICA ADJUVANTE
9.6.1. A suplementação de vitamina C, Vitamina
E, Vitamina B6, carnitina, andrógeno, estatina e pentoxifilina não deve ser feita como adjuvante a MEE e ferro
para o tratamento da anemia na DRC.
9.6.2. A reposição com ácido fólico e vitamina
B12 é recomendada apenas em casos de deficiências
destas substâncias (Evidência B).
RECOMENDAÇÃO 9.7.
TRANSFUSÃO
9.7.1. A transfusão deve ser considerada quando à
hemoglobina é inferior a 7g/dL ou na dependência do
quadro clínico (Opinião)
9.7.2. O volume a ser transfundido deve ser de
10ml/kg.
RECOMENDAÇÃO 9.8.
ANEMIA PÓS-TRANSPLANTE
9.8.1 O diagnóstico de anemia após o transplante deve
seguir os critérios considerados em pacientes com DRC
9.8.2. Todo paciente transplantado renal sem
recuperação da concentração de hemoglobina nas primeiras oito semanas ou com queda dos valores de hemoglobina deve ser investigado (Evidência B).
9.8.3. No paciente transplantado, uma avaliação
clínico-laboratorial da anemia deve ser realizada antes
de iniciar o tratamento com MEE. Além do estoque de
ferro e da função renal, fatores específicos do transplante
devem ser considerados (Evidência C).
9.8.4. O tratamento da anemia com
suplementação de ferro e uso de MEE deve seguir a
diretriz de tratamento da anemia na DRC (Opinião).
JUSTIFICATIVA
A anemia é a principal anormalidade hematológica
da insuficiência renal e representa papel importante na
J Bras Nefrol Volume 29 - nº 4 - Supl. 4 - Dezembro de 2007
morbidade de crianças renais crônicas. Em adultos, ela se
desenvolve quando a taxa de filtração glomerular atinge
60ml/min/1,73m2 1.Em crianças, a relação entre o grau de
anemia e a progressão da DRC é pouco estabelecida. A
anemia pode ocorrer em 31% dos pacientes em estágio 1
a 93% daqueles em estágio 4 e 5, acometendo, de forma
moderada ou grave, a quase totalidade das crianças com
DRC2,3.
Na doença renal crônica, a perda progressiva da
massa renal resulta em menor produção de eritropoetina e
conseqüente falta de estímulo para a medula óssea, determinando a anemia hipoproliferativa. A Eritropoetina Recombinante Humana (ERHu) representou um sucesso
terapêutico inconteste na correção da anemia da DRC
4,5,6, embora um grande percentual de pacientes ainda não
usufrua a totalidade dos benefícios desta medicação7,8.
A Organização Mundial de Saúde define anemia
como hemoglobina menor que 11g/dL em crianças entre
6 meses e 6 anos e menor que 12g/dL em crianças de 6 a
14 anos9. Valores médios de hemoglobina um pouco
maiores são observados na Tabela 210.
O NKF - DOQI sugere que haja a investigação e
tratamento da anemia quando valores de hemoglobina
forem inferiores ao percentil 5 da tabela da National
Health and Nutrition Examination Survey III
(NHANES)11. A quantificação da anemia deverá ser feita
preferencialmente através da hemoglobina e não do
hematócrito, uma vez que este depende do Volume Corpuscular Médio (VCM) e da contagem total de eritrócitos
e está mais sujeito a erros. As amostras sanguíneas, estocadas por mais de oito horas, resultam em edema das
hemácias, aumentando falsamente o hematócrito, enquanto a hemoglobina, nas mesmas condições, permanece
constante.
O momento para o início do tratamento da anemia
não deve ser definido somente pelos níveis de hemoglobina, mas devem ser considerados os potenciais benefícios na melhora da qualidade de vida, performance
escolar e desenvolvimento neurocognitivo11. Ao contrário
da população adulta, as crianças e adolescentes apresentam variadas necessidades metabólicas, de crescimento e desenvolvimento de acordo com o sexo e faixa
etária.
Tabela 2. Distribuição dos valores médios de hemoglobina (e
faixa de variação) em crianças
Faixa etária
Níveis médios
Faixa de
de Hb (g/dL)
0-3 meses
12
9.5
6m a 6 anos
12
10.5
7 a 12 anos
13
11
(Adaptada de BEHRMAM e KLIEGMAN, 2000).
variação
14.5
14
16
29
A avaliação clinica e laboratorial da anemia inclui
a busca diagnóstica e tratamento prévio de todos os fatores coadjuvantes na sua fisiopatogenia que vão representar impedimentos à resposta plena a MEE, como: deficiência de ferro, estados inflamatórios, infecções agudas,
perdas sanguíneas, hiperparatireoidismo, deficiência de
folato e intoxicação pelo alumínio. Para aqueles em tratamento dialítico, a dose de diálise adequada pode melhorar
a anemia e favorecer a resposta ao MEE.
A deficiência de ferro pode resultar de carência
nutricional, má-absorção pelo trato gastrintestinal ou de
perdas sanguíneas continuadas. À medida que a doença
renal avança, os níveis séricos de eritropoetina diminuem
e o ferro, liberado do ciclo de sobrevida da hemácia, se
acumula no sistema reticuloendotelial, compensando uma
possível deficiência de ferro causada pela anorexia.
Quando o paciente inicia tratamento hemodialítico, as constantes perdas sanguíneas excedem a capacidade de absorção do ferro e a anemia ferropriva se
sobrepõe, agravando aquela já existente. Uma deficiência funcional de ferro ocorre em estados inflamatórios
agudos ou crônicos, em que há um bloqueio na liberação
do ferro do sistema reticuloendotelial e no transporte
pela transferrina, resultando em diminuição da eritropoiese. Nestes casos, o ferro sérico e a saturação da
transferrina diminuem, porém a ferritina sérica aumenta.
Este bloqueio só é corrigido com a reversão do estado
inflamatório15.
A avaliação laboratorial dos estoques de ferro
precede e acompanha todo o tratamento com MEE. Estoques adequados de ferro são pré-requisitos para uma
eritropoiese efetiva. A suplementação de ferro, via parenteral, é fundamental para crianças em hemodiálise16, enquanto a via oral pode ser utilizada naquelas em estágios
DRC 3 e 4 e em diálise peritoneal. O ferro parenteral pode
ser necessário para aquelas em diálise peritoneal quando
os estoques de ferro baixos são causa de resposta
inadequada a MEE (Opinião).
A recomendação para uso de ferro oral é de
6mg/kg/d, com, no máximo, 150 a 300mg de ferro
elementar ao dia, dividido em duas a três tomadas17,18
2 horas antes ou 1 hora após quelantes de cálcio e alimento para maximizar a absorção gastrointestinal11,19.
Em situações nas quais a ferritina encontra-se elevada, maior que 800ng/mL, porém com saturação de
transferrina inferior a 25%, há deficiência funcional de
ferro (mobilização inadequada do ferro em estoque). A
conduta em aplicar ferro venoso nesta situação pode
resultar em pronto aumento da hemoglobina20. A avaliação de estados inflamatórios, através de marcadores como a Proteína C Reativa (PCR), pode diagnosticar uma
deficiência funcional de ferro.
30
Atenção especial, no nosso meio, é acompanhar os
períodos em que há interrupção do fornecimento de ERHu
e suspender a administração de ferro, evitando sobrecarga.
A definição da hemoglobina objetivada na população pediátrica, em tratamento com MEEs, deve levar
em consideração os benefícios como melhora na atividade
física, na qualidade de vida, no rendimento escolar e no
desenvolvimento neurocognitivo. A faixa ideal da
hemoglobina para pacientes em tratamento com MEEs,
na maioria das recomendações mundiais, deve ser entre
11 e 12g/dl11,21,22.
Os pacientes com anemia falciforme devem
manter hemoglobina entre 7- 9g/dL. Na população adulta
a hemoglobina não deve ultrapassar 13g/dL pela
evidência de aumento do risco cardiovascular (Diretriz 5).
Embora em crianças não haja estudos semelhantes, o
grupo de trabalho do KDOQI recomenda manter a
hemoglobina máxima de 13g/dL.
O tratamento com MEE está disponível em todo o
país, através de fornecimento pelos órgãos competentes,
para a totalidade dos pacientes em diálise com indicação
deste tratamento. É fundamental atentarmos para as
recomendações publicadas, com o objetivo de obter as
melhores respostas proporcionando aos pacientes os
benefícios da correção da anemia. Critérios regionais
possibilitam a distribuição para os pacientes em estágios
3 e 4. Todos os esforços possíveis devem ser feitos para
que as crianças em tratamento conservador possam
receber MEE, minimizando assim os danos da anemia na
função cardíaca e no crescimento.
Vários estudos de farmacocinética evidenciaram
uma maior duração da ação dos MEEs, utilizando a via
subcutânea e mesma eficiência, com doses 30%-50%
menores que as intravenosas23,24. Outros estudos não
demonstraram diferenças significativas entre as duas vias,
especialmente quando a suplementação de ferro foi
amplamente usada23. Embora a via subcutânea seja
preferencial para pacientes em diálise peritoneal e em fase
pré-diálise, a intravenosa é a mais confortável para aqueles
em hemodiálise11,25,26. A administração subcutânea deve
ser feita na região da coxa e no braço. A via intraperitoneal
não é recomendada25. A freqüência de administração é
variável dependendo da farmacocinética do MEE. A
administração de eritropoetina para pacientes em hemodiálise deve ser duas a três vezes/semana e uma a duas vezes /
semana para aqueles em diálise peritoneal. Em crianças em
diálise peritoneal ambulatorial contínua ou automática, a
dose total semanal pode ser feita em uma única aplicação
com resultados semelhantes. Doses únicas semanais ou a
cada dez dias em crianças em pré-diálise, ou naquelas com
falência crônica do enxerto, estão associadas à correção da
anemia. Quando a hemoglobina objetivada for alcançada e
9. Recomendações para Tratamento da
Anemia no Paciente Pediátrico
mantida, os intervalos de administração devem ser aumentados.
As crianças necessitam de doses maiores de MEE
que adultos para o mesmo grau de anemia, uma vez que a
depuração da droga é maior neste grupo etário. Esquemas
variados de doses semanais foram publicados, abrangendo
valores entre 50 e 300U/kg/semana, reportadas em crianças
em hemodiálise e em diálise peritoneal. A maioria responde
a doses entre 100 e 200U/kg/semana e aquelas com menos
de 5 anos de idade recebem doses maiores que 300U/kg
/semana29 .
A Darbepoetina alfa é análogo da ERHu com
atividade biológica três vezes maior, pela duração da ação
nos agentes estimuladores da eritropoiese. Trabalhos em
crianças demonstram que a aplicação a intervalos quinzenais produz efeitos semelhantes aos da ERHu com doses
entre 0,25-0,75microg/kg/semana30,31.
Doses superiores a 300U/Kg de peso por semana
podem ser necessárias em algumas crianças portadoras de
oxalose e cistinose.
A necessidade de doses mais altas de ERHu para
obter resposta eritropoética desejada impõe a investigação
de outras causas como hiperparatireoidismo, diálise
inadequada ou processos inflamatórios crônicos.
O aumento do PTH é uma complicação freqüente na
insuficiência renal crônica. O hiperparatireoidismo tem sido
associado à anemia em pessoas com função renal normal e
pode agravar a existente em pacientes renais crônicos. A
fibrose da medula óssea reduz o compartimento precursor
eritróide, interferindo na eritropoiese e bloqueando a ação da
ERHu. Alguns trabalhos têm demonstrado melhora da
anemia após paratireoidectomia ou após tratamento com
análogos da vitamina D. Rao e col, utilizando histomorfometria óssea, comprovaram a maior necessidade de ERHu,
na dependência da gravidade do hiperparatireoidismo, da
extensão da fibrose medular, do volume osteóide e da superfície ocupada por osteoclastos35.
A diálise inadequada é outra causa de diminuição
da resposta à ERHu. A prescrição da diálise deve ser
revista, procurando atingir os marcadores de qualidade já
citados anteriormente. Outras modalidades dialíticas que
melhoram a anemia, como diálise prolongada ou diálise
diária, devem ser cogitadas.
Os processos infecciosos agudos e crônicos, estados
inflamatórios, doenças autoimunes e neoplásicas interferem
na resposta à ERHu, por alterações no metabolismo do ferro
(mobilização inadequada do ferro ligado à ferritina) e pelo
aumento das citoquinas pró-inflamatórias: fator de necrose
tumoral e interleucina-1 na medula óssea. Essas citocinas liberam interferon alfa e beta que inibem a eritropoiese in vivo
e in vitro 36. Sitter e colaboradores estudaram dois grupos de
pacientes adultos em diálise peritoneal, utilizando solução de
J Bras Nefrol Volume 29 - nº 4 - Supl. 4 - Dezembro de 2007
diálise ultrapura e com 100UFC/mL e mediram níveis de
interleucina-6, PCR e doses de ERHu. Os níveis de
interleucina-6 e PCR eram iguais no início do estudo, porém,
ao final de três, seis e 12 meses, ambos aumentavam no
grupo com solução de diálise com 100UFC/mL. A dose de
ERHu foi significativamente maior também neste grupo,
comprovando o papel da inflamação crônica na resposta
inadequada à ERHu37.
A PCR é um marcador de doença inflamatória e
deve ser incluída entre testes rotineiros para detectar
precocemente uma resposta inadequada à ERHu. Pacientes que apresentam PCR superior a 20mg/L necessitam de doses de MEE maiores38. As peritonites e infecções de cateteres representam as mais freqüentes causas
de infecção em crianças em diálise. Estes eventos são
acompanhados por diminuição da hemoglobina até resolução do processo infeccioso. Os procedimentos cirúrgicos também são acompanhados de redução da hemoglobina no período pós-operatório e recomendamos aumentar a dose de MEE e a hemoglobina na fase pré-operatória para evitar transfusões sanguíneas.
Algumas drogas têm sido implicadas na diminuição
da resposta ao MEE: inibidores da ECA e agentes imunossupressores. Os inibidores da ECA diminuem a síntese de
eritropoetina em pacientes com DRC provavelmente devido
ao aumento do fluxo sanguíneo renal, melhora da
oxigenação e redução da produção de eritropoetina. A ciclosporina parece reduzir a secreção de eritropoetina e a
azatioprina destrói eritrócitos recém-formados dentro da
medula óssea antes de sua maturação. A azatioprina e o micofenolato mofetil podem causar anemia associada à leucopenia e trombocitopenia39.
As crianças com idade inferior a 5 anos que fazem
uso de micofenolato mofetil apresentam mais anemia que
escolares e adolescentes40. Estas interferências, entretanto, têm pouca repercussão na resposta clínica, sendo compensadas por aumento das doses do MEE.
As crianças com oxalose e cistinose apresentam
anemia resistente aos MEEs e podem receber doses
superiores a 12.000U/sem com o objetivo paliativo de
reduzir a necessidade transfusional. As portadoras de
cistinose apresentam depósitos de cistina na medula
óssea, ocupando compartimento eritróide e respondem
mal o MEE. O tratamento com cisteamine reduz os níveis
intracelulares de cistina e deve ser iniciado antes de dois
anos de idade para evitar a perda de função renal41.
Outras causas que podem influir na resposta ao
MEE incluem: desnutrição, deficiência de vitaminas (B6,
B12), folato e de carnitina. Alguns trabalhos têm demonstrado a associação entre albumina baixa e má resposta aos
MEEs. As crianças em diálise, freqüentemente, apresentam graus variados de desnutrição, especialmente aquelas
31
Tabela 3. Níveis de PTH de acordo com o estágio da DRC
Estágio da
DRC
2
3
4
5
TFG* (ml/min/1,73m2)
Nível sérico de PTH
60-89
30-59
15-29
<15 ou diálise
35-70 (opinião)
35-70 (opinião)
70-110 (opinião)
200-300 (evidência)
em diálise peritoneal. A anorexia causada pela doença
crônica, as alterações do paladar e estados depressivos
contribuem para isso. Lactentes podem precisar de
gastrostomia para suplementações alimentares.
A deficiência de vitaminas ocorre em crianças renais
crônicas pelas dietas inadequadas, absorção prejudicada por
outras medicações e pelas perdas na diálise. A vitamina B6
está envolvida na biosíntese do heme e pode estar deficiente
no eritrócito, mesmo com níveis plasmáticos normais.
Nestes casos, a suplementação, via oral, de 100-150mg/sem
é necessária. A deficiência de vitamina B12 é rara e decorre
de perdas pela diálise, em longo prazo, especialmente em
pacientes que usam membranas de alto fluxo.
A deficiência de folato como resistência ao MEE foi
examinada em um estudo em que se observou que crianças
e adolescentes que receberam acido fólico apresentaram
melhor resposta do MEE42. A deficiência de carnitina é observada em adultos e crianças renais crônicas e parece estar
relacionada ao tempo em tratamento dialítico. Doses orais
de L- carnitina não demonstram benefícios como tratamento
adjuvante da anemia43.
REFERÊNCIAS
1. Levin A, Thompson CR, Ethier J et al: Left ventricular mass
index increase in early renal disease: impact of decline in
hemoglobin. Am J Kidney Dis 1999;34:125-34.
2. Neu AM, Ho PL, McDonald RA et al. Chronic dialysis in
children and adolescents. The 2001 NAPRTCS annual
report. Pediatr Nephrol 2002; 17: 656-63.
3. Wong H, Mylrea K, Feber J, Drukker A, Prevalence of
complications in children with chronic kidney disease
according to KDOQI. Kidney Int 2006;70:585-90
4. Eschbach JW, Egrie JC, Downing MR, Browne JK, Adamson
JW. Correction of the anemia of ESRD with rHuEpo. Results
of combined Phase I and II clinical trial. New Engl J Med
1987;316:73-8.
5. Winearls CG, Oliver DO, Pippard MJ, Reid C, Downing MR;
Cotes MP. Effect of Human Erythropoietin derived from
recombinant DNA on the anemia of patients maintained by
chronic hemodialysis. The Lancet 1986;22:1175-8.
6. Eschbach JW, Abdulhadi MH, Browne JK, Delano BG,
Downing MR, Adamson JW.Recombinant Human
Erythropoietin in anemic patients with end-stage renal
disease. Results of a phase III multicenter clinical trial.
Annals Int Med 1989;111:992-1000.
32
9. Recomendações para Tratamento da
Anemia no Paciente Pediátrico
7. Frankenfield, D. for the ESRD Core Indicators Workgroup.
Anemia management of adult hemodialysis patients in the
US: Results from the 1997 ESRD Core Indicators Project.
Kidney Int 2000;57:578-89
25. Besarab A, Flaharty KK, Erslev AJ. Clinical pharmacology
and economics of recombinant human erythropoietin in endstage renal disease: The case for subcutaneous
administration. J Am Soc Nephrol1992;2:1405-16.
8. Pisoni RL, Bragg-Gresham JL, Young EW et al. Anemia
management and outcomes from 12 countries in the Dialyisis
Outcomes and Practice Patterns Study. (DOPPS). Am J
Kidney Dis 2004;44:94-111.
26. Eschbach JW. The current concepts of management in
chronic renal failure: impact NKF-DOQI. Semin Nephrol
2000;20:320-9.
9. Beutler E, Waalen J. The definition of anemia what is the
lower limit of the blood hemoglobin concentration. Blood
2006;107:1747-50.
27. Scharer K, Klare B, Braun A. et al. Treatment of renal anemia
by subcutaneous erythropoietin in children with preterminal
chronic failure. Acta Paediat 1993;82:953-8.
10. Behrmam RE, Kliegman R. Nelson Textbook of Pediatrics 16
ed - WB Saunders Company – 2000.
28. Reddingius R, Schroder C, Koster A. et al. Pharmacokinetics of
recombinant erythropoietin in children treated with continuous
peritoneal dialysis. Eur J Pediatr 1994;153:850-4.
11. K/DOQI NATIONAL KIDNEY FOUNDATION (2006) III
Clinical Practice Recommendations for anemia in chronic
Kidney disease in children. Am J Dis 2006;47(Supl 3)
-S86-S108.
29. North American Pediatric Renal transplantation Cooperative
Study Register Report NAPRTCS 2004. Disponível em
https://emmes.com/study/ped/annnlrept.
12. Frankenfield DL, Neu AM, Warady, BA et al. Anemia in
pediatric hemodialysis patients: Results from the 2001 ESRD
Clinical Performance Measures Project. Kidney Int 2003;
64: 1120-4.
13. Movilli E, Cancarini G, Zani R. Adequacy of dialysis reduces
the doses of recombinant erythropoetin independently from
the use of biocompatible membranes in haemodialysis
patients. Nephrol Dial Transplant 2001;16:111-4.
14. Dialysis Outcomes Quality Initiative: DOQI becomes K/DOQI
and is Updated. Am J Kidney Dis 2001 – v 37, pp.179-194.
15. Jacobs A. Iron metabolism. In: Weatherall, D.J.; Ledingham,
J.G.G.; Warrel, D.A. Oxford Textbook of Medicine, Oxford
University Press, 1988, pp. 19-79.
16. Leijn E, Monnens LA, Cornelissen EA. Intravenous iron
supplementaion in children on hemodialysis. J Nephrol 2004;
17:423-6.
17. Schroder CH. The management of anemia in pediatric
peritoneal dialysis patients. Guidelines by an ad hoc
European committee. Pediatr Nephrol 2003;18:805-9.
18. Van Damme-Lombaerts R, Herman J: Erythropoietin
treatment in children with renal failure. Pediatr Nephrol
1999;13:148-52.
19. Bothwell TH, Pirzio-Biroli G, Finch CA: Iron absorption. I.
Factors influencing absorption. J Lab Clin Med 1958;51:24-36.
20. Coyne DW, Kapoian T : et al the DRIVE STUDY GROUP
Ferric Gluconate is Highly Efficacious in Anemic
Hemodialysis Patients With High Serum Ferritin and Low
Transferrin Saturation: Results of the Dialysis Patients’
Response to IV Iron with Elevated Ferritin (DRIVE) Study. J
Am S Nephrol 2007;18:975-84
21. European Best Practice Guidelines for the management of
anemia in patients with chronic renal failure: Targets
Nephrol Dial Transplant 2004;19 (Supl 2),
22. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Nefrologia para a
condução da anemia na Insuficiência renal Crônica. J Bras
Nefrol 2000;22 (Supl.5).
23. Reddingius R, Schroder C, Koster A et al. Pharmacokinetics
of recombinant erythropoietin in children treated with
continuous peritoneal dialysis. Eur J Pediatr 1994;153:850-4.
24. Belsha CW, Brewer ED, Berry PL. Better response to
erythropoietin (Epo) in chronic pediatric PD vs. HD patients:
subcutaneous (SC) route or lower serum parathyroid
hormone (PTH) or both. Perit Dial Intern 1991;11:18a.
30. De Palo T, Giordano M, Palumbo F et al. Clinical experience
with Darbepoetin alfa (NESP) in children undergoing dialysis.
Pediatr Nephrol 2004;19:337-40.
31. Andre JL, Desch Nes G, Boudailliez B et al. Darbepoetin,
effective treatment of anaemia in paediatric patients with
chronic renal failure Pediatr Nephrol 2007; 22:708-14.
32. Gillepsie RS, Wolf FM. Intravenous iron therapy in pediatric
hemodialysis patients: a meta-analysis. Pediatr Nephrol
2004;19:662-6.
33. Coyne D. Challenging the boundaries of anemia
management : a balanced approach to IV iron and EPO
therapy. Kidney Int 2006;69:S101 S3-S8.
34. Koshy SM. Geary DF. Anemia in children with chronic kidney
disease. Pediatr Nephrol 2007.
35. Rao DS, Shih M, Mohini R. Effect of serum parathyroid
hormone and bone marrow fibrosis on the response to
erythropoietin in uremia. New Engl J Med 1993;328:171-5.
36. Goicoechea M, Vasquez MI, Ruiz, MA et al. Intravenous
calcitriol improves anemia and reduces the needed for
erythropoietin in hemodialysis patients. Nephron1998;78:23-7.
37. MacDougall IC, Cooper AC. Erythropoietin resistance: the
role of inflammation and pro-inflamatory cytokines. Nephrol
Dial Transplant 2002;17:(suppl 11)39-43.
38. Sitter T, Bergner A, Schiffl H. Dialysate related cytokine
induction and response to recombinant human erythropoietin
in hemodialysis patients. Neprol Dial Transplant 2000;15:
1207-11.
39. Aroldi A. Musculoskeletal, ocular and hematological
complications. In: Kahan B.D.; Ponticelli, C. Principles and
practice of renal transplantation Martin-Dunitz Ltd 2000, pp.
711-14.
40. Bunchmann T, Navarro M, Broyer M et al. The use of
mycophenolate mophetil suspension in pediatric renal
allograft recipients. Pediatr Nephrol 2001;16:978-84.
41. Gahl WA, Reed, GF, Thoene JG. et al. Cysteamine therapy
for children with nephropathic cistinosis. N Engl J Med 1987;
316:971-7.
42. Bamgbola OF, Kaskel F. Role of folate deficiency on
erythropoietin resistance in pediatric and adolescent patients
on chronic dialysis. Pediatr Nephrol 2005; 20:1622-9.
43. Lilien MR, Duran M, Quak. J.M. et al. Oral L-carnitine does
not decrease erythropoietin requirement in pediatric dialysis.
Pediatr Nephrol 2000;15:17-20.
Download