ISSN: 2236-3173 A BIOÉTICA E SEUS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS Vitor Condorelli dos Santos1 Giane Macedo dos Santos2 RESUMO O presente artigo científico trata da análise dos princípios reitores da bioética, através da pormenorização de cada um dos postulados essenciais à essa ciência. Neste estudo deu-se ênfase à dignidade da pessoa humana e à questão da autonomia da vontade como pilares da solução dos mais variados conflitos bioéticos porventura instaurados. Palavras-chave: Bioética; Princípios; Direitos Fundamentais. 1 INTRODUÇÃO As raízes do nascedouro da bioética foram marcadas por um despertar de estudiosos de multiplas ciências, dentre as quais merecem destaque a antropologia, a filosofia, a teologia, a jurídica, a sociologia e a engenharia genética. Tal diversidade de influências justifica a divergência doutrinária acerca da consolidação da bioética como uma ciência autonoma. Neste ínterim, destaque-se que cada área de conhecimento, consoante suas prórpias premissas, passou a confrontar tanto a forma exteoriorpada com que a medicina fora aplicada durante o nazismo quanto o desenvolvimento desmedido das técnicas cientificas que 1 Advogado. Membro da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-SE. Membro da Asociación Argentina de Derecho Constitucional [Buenos Aires/Argentina]. Especialista em Direito Constitucional Aplicado pela Universidade Gama Filho [RJ]. Mestre em Bioética e Direito pela Universidad Del Museo Social Argentino [UMSA]. Doutorando em Direito Constitucional pela Pontificia Universidad Católica Argentina - UCA/BsAs. Coordenador Adjunto do Curso de Direito da Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe [FANESE]. Membro do Conselho Científico da Revista Eletrônica do Instituto Sergipano de Direito do Estado - REIDESE. Membro do Conselho Editorial da Revista Eletrônica de Direito Aplicado - REDAP. Professor Adjunto da Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe [FANESE] nas disciplinas Ciência Política e Teoria do Estado, Direito Constitucional, Direito Processual Constitucional e Hermenêutica Jurídica. Professor de Cursos Preparatórios para Carreiras Jurídicas. Professor de Cursos de Pós-Graduação na Área Jurídica. 2 Acadêmica do 10º semestre do Curso de Bacharelado em Direito da Fanese. Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe - Fanese - Sergipe Revista do Curso de Direito - Vol. 3 – Nº 1 – Dezembro/2013 ISSN: 2236-3173 sucederam esse período na história da humanidade, fatores que motivaram a definição de princípios comuns a todos os campos da ciência, a fim de publiciza-los à sociedade civil e cientifica. Os princípios são criados como uma forma de universalisar critérios. Eles se erguem depois de se ter consolidado todo um regramento, no qual os direitos e deveres, o lícito e o ilicito já estão delineados, estando carentes apenas de um guia norteador que possa ser aplicado de forma geral. Por seu turno, as exceções levam à discussão e redefinição da norma, cuja reformulção deve ser sedimentada nos princípios basilares, os quais, apesar de se apresentarem com cunho marcadamente norteador, visam ofecer segurança e direção, dentro da moralidade e da ética estabelecidas. É fato notório que existem diferentes correntes quanto à carcaterização da bióetica e, por consequência, os princípios delineados podem variar conforme a linha de pesquisa desenvolvida. No presente estudo, dada a pertinência ao enfoque escolhido, seram abordados os princípios de maior prevalência na Doutrina, extraídos da pena de Diniz3 ; Sá 4e Shaefer5: 2 PRINCÍPIOS BIOÉTICOS EM ESPÉCIE 2.1 Princípio da Beneficência Esse princípio visa à aplicação da medicina de forma ética, sempre no intuito de possibilitar o melhor tratamento ao paciente, seja no aspecto físico ou mental; de forma a diminuir ou eliminar os riscos, evitando ao máximo possíveis danos ao paciente e ampliando as probabilidades de resultados positivos. 2.2 Princípio da Não Maleficência Está previsto no art. 5º, inciso III, da Constituição Federal do Brasil, e prevê a necessária garantia à integridade física e moral do paciente. Ele versa sobre a 3 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 8ª Ed. São Paulo. Saraiva, 2011. p. 21 SÁ, Maria de Fátima Freire de. Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 17. 5 SHAEFER, Fernanda. Biodireto em discussão. Curitiba: Juruá, 2011. p. 35. 4 Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe - Fanese - Sergipe Revista do Curso de Direito - Vol. 3 – Nº 1 – Dezembro/2013 ISSN: 2236-3173 vedação, ao médico, de aplicar condutas que possam piorar/agravar o estado de saúde do doente, seja no ato da conduta seja no que se refere a riscos futuros. Sendo assim, toda conduta deve ser moral e legalmente justificada, cujo fim esperado deve ser o de preservar a vida. Vale destacar que para os doutrinares esse princípio, assim como o da beneficência, deve ser interpretado como uma forma de reconhecimento da dignidade da pessoa humana, sendo um dos pilares que estabelece uma relação direta entre a Bioética e o Código de Ética que regula a atividade médica. 2.3 Princípio da Autonomia Tal princípio estabelece que a vontade do paciente deve ser respeitada em detrimento da opinião ou vontade de quem quer seja. Portanto, é direito do paciente ser cientificado de todo e qualquer tratamento a ser ministrado, bem assim seus possíveis riscos e sequelas, sempre se resguardando ao direito de recusá-lo. A plena efetividade desse princípio se dá quando existe a troca de informação, numa comunicação aberta entre médico e paciente, na qual todas as possibilidades de tratamento são apresentadas e discutidas, idealizando-se os possíveis resultados positivos ou negativos e os riscos inerente à conduta a ser escolhida. Essa discussão exige do médico um grande desprendimento, pois cabe a ele explicar a técnica e manifestar seu posicionamento, de modo que o paciente e/ou familiares se sintam em condições de tomar a decisão de forma consciente e segura. A aplicação desse princípio é um direto do paciente e está assegurado no art. 5º, inciso XIV da Constituição Federal do Brasil. Saliente-se que a vontade do paciente pode ser transmitida por ele próprio ou por seu representante legal, quando aquele estiver impossibilitado de fazê-lo, destacando-se que o médico tem livre arbítrio para aplicar ou não determinado tratamento, conforme Loureiro: O médico deve comprometer-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos ao paciente. Mas não esta obrigado a fazer o que o paciente ou seu responsável lega quer, ele pode se negar a Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe - Fanese - Sergipe Revista do Curso de Direito - Vol. 3 – Nº 1 – Dezembro/2013 ISSN: 2236-3173 realizar o tratamento se contrario às suas convicções e ao seu valores pessoais. 6 2.4 Princípio da Justiça (ou da Equidade) Intenta garantir o acesso universal e igualitário ao serviço de saúde, de forma justa sem qualquer distinção de qualquer natureza, sendo indiferente sua condição social e/ou econômica. É a idéia de disponibilidade do serviço de forma despersonalizada, com divulgação em massa, de modo a se fazer chegar a informação de forma equânime a quem carece. É oferta de uma assistência na qual tanto os riscos quanto os benefícios são igualmente esclarecidos e distribuídos, respectivamente. Importante destacar que a equidade inerente a esse princípio fundamenta-se na perspectiva da aplicação da ciência em benefício e de forma indistinta a todos, respeitando porém as necessidade individuais de cada um na oferta de condutas adequadas. Objetiva dar à ciência médica sua devida importância, sendo imprescindível que o acesso não se limite a alguns, sob a alegação de que o avanço técnico-científico tem custo elevado, impossibilitando o acesso aos menos abastado, como usualmente ocorre no Brasil. Insta destacar que a aplicação desses princípios ao caso concreto pode ensejar conflitos, que devem ser resolvidos mediante o bom senso, aplicando-se a conduta mais justa possível, de forma a se garantir o direito fundamental da dignidade da pessoa humana, previsto tanto no ordenamento jurídico pátrio como na Declaração Universal dos Direitos Humanos Segundo Shaefer7: “a incompatibilidade é uma tendência natural, que decorre da evolução social e cultura pela qual passa a sociedade versus o ordenamento jurídico estabelecido seja nos mais evoluídos ou os mais conservadores.” A bioética é uma ciência de contornos amplos, cujos objetivos são pautados em princípios sólidos e bem estruturados, facilitando a sua compreensão e aplicação. 6 L LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães. Introdução ao biodireito. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 29. 7 Id. Ibid., p. 23. Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe - Fanese - Sergipe Revista do Curso de Direito - Vol. 3 – Nº 1 – Dezembro/2013 ISSN: 2236-3173 3 A AUTONOMIA DA VONTADE À primeira vista pode parecer estranho a abordagem de um princípio do direito civil, normalmente utilizado na regulação de contratos, quando do enfrentamento de uma questão aparentemente díspar. Entretanto, a relação médicopaciente, paulatinamente, passou a ser interpretada também como uma relação contratual e até de consumo, na qual as partes tem interesses, deveres e obrigações. O que diferencia a relação em estudo das demais é que em nenhum outro tipo de contrato firmado, o humanitarismo e a confiança recebem um grau de importância tão elevado. Isto se deve aos delicados aspectos envoltos na celeuma: a saúde, a vida e a espera do fim. Por conta disto, a interação entre os envolvidos deve ser a mais transparente possível, fulcrada numa total e inabalável boa-fé. Sendo assim, é sensato que o profissional médico, quando do atendimento do doente, informe os riscos e as consequências que da conduta podem resultar, assim como é direito do paciente aceitar os riscos integral ou parcialmente ou mesmo não aceitar. Afinal é a dignidade de um ser humano que está em discussão, razão pela qual aceitar tratamentos agressivos ou de eficácia duvidosa, experimental ou mesmo com o objetivo de apenas protelar o inevitável, seria o mesmo que abrir mão de uma garantia constitucional nos moldes do art. 5º, inciso III da Constituição do Brasil de 1988, in verbis: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; Que se destaque a aplicabilidade dos princípios da beneficência e da não maleficência, segundo os quais caberá ao médico sempre decidir pelo melhor para o seu paciente, decisão nem sempre fácil: Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe - Fanese - Sergipe Revista do Curso de Direito - Vol. 3 – Nº 1 – Dezembro/2013 ISSN: 2236-3173 Quem deve decidir? Um problema fundamental na relação médico-paciente é o da tomada de decisão, principalmente no que se refere aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos a serem adotados. O dilema que geralmente se impõe nas várias situações é: a decisão deve ser do médico, preparado na arte de curar e que melhor conhece os convenientes e os inconvenientes de cada conduta, ou seja, aquele que sabe mais? Ou do paciente, porque é o dono do seu próprio destino e, portanto, deve decidir o que quer para si?8 Por outro lado não menos complexo, a bioética apresenta também o princípio da autonomia, o qual preconiza que o médico deve respeitar a vontade do paciente em detrimento a qualquer outra, e apenas faculta ao medico aplicá-la ou não. Como é possível se observar, o que deveria contribuir no esclarecimento, parece dificultar a compreensão do tema em análise. Afinal, como resolver o impasse? A autonomia de vontade a que se refere a doutrina é do paciente ou do médico? Apesar da aparente confusão ou ambiguidade quanto à interpretação desse princípio - principalmente quando confrontadas garantias constitucionais, princípios da bioética e a liberalidade do profissional médico previsto no código de ética medica -, é importante que se tenha em mente que o elemento mais importante no tratamento é o paciente. O médico, apesar de ter uma importância relevante no resultado, não é o elemento central na preservação da vida, cabendo a ele apenas a condução do processo e não a decisão de como e quando esse processo deve ter fim. Desse modo, retoma-se o significado de autonomia da vontade, que, de forma simplória, significa o direito que individuo tem de decidir sobre seus interesses, o livre arbítrio, a escolha para decidir o que entende ser melhor para si. É o pleno exercício de sua capacidade civil, assegurada no ordenamento jurídico brasileiro, que lhe faculta o direito de decidir sobre o seu próprio destino, desde que não cause danos a terceiros, sob pena de ter que repará-los. A autonomia em 8 MUÑOZ, Daniel Romero; FORTES. Paulo Antonio Carvalho. Revista Iniciação a Bioética. Disponível em <http://www.portalmedico.org.br/biblioteca_virtual/bioetica/ParteIIautonomia.htm >. Acesso em: 20 mar. 2014. Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe - Fanese - Sergipe Revista do Curso de Direito - Vol. 3 – Nº 1 – Dezembro/2013 ISSN: 2236-3173 muitos casos está diretamente relacionada a uma forma de se fazer assegurar a sua dignidade: O respeito pela autonomia da pessoa conjuga-se com o princípio da dignidade da natureza humana, aceitando que o ser humano é um fim em si mesmo, não somente um meio de satisfação de interesses de terceiros, comerciais, industriais, ou dos próprios profissionais e serviços de saúde. Respeitar a pessoa autônoma pressupõe a aceitação do pluralismo ético-social, característico de nosso tempo.9 Em países nos quais essa temática já está pacificada, como é caso da Argentina, o legislador criou normatização específica para sacramentar o direito de escolha do paciente em aceitar ou não os tratamentos propostos, sendo exigido para tanto um manifestação prévia. A referida norma, em seu artigo 1º prevê o direito de autodeterminação do paciente no tocante ao poder de escolher, se quer ou não sujeitar-se ao tratamento.10 Por outro lado, em países como o Brasil, essa temática ainda não está pacificada, seja na sociedade em geral, seja no universo jurídico, acadêmico e/ou cientifico. Apesar de pregarem o princípio da autonomia da vontade, quando o objeto desse envolve questões que dizem respeitos à liberdade de morrer, por quaisquer das técnicas em discussão, seja cientifica, seja ética ou juridicamente, o que ganha força são questões que envolvem a moral a ética e os preceitos jurídicos sob a os mais diversas óticas, em detrimento da vontade do paciente. 4 CONCLUSÃO A bioética é um campo relativamente novo da ciência, que ainda desperta divergência doutrinária tanto em relação à sua abrangência, quanto à sua independência. Diante das proposições expostas e, principalmente, pelos princípios analisados, é possível afirmar que a bioética tem como fundamento preservar a 9 Cf. MUÑOZ, Daniel Romero; FORTES. Paulo Antonio Carvalho. Revista Iniciação a Bioética. Disponível em <http://www.portalmedico.org.br/biblioteca_virtual/bioetica/ParteIIautonomia.htm >. Acesso em: 20 mar. 2014. 10 Ley 26.742, modifícase la Ley N° 26.529 que estableció los derechos del paciente en su relación con los profesionales e instituciones de la Salud. Sancionada: Mayo 9 de 2012.Promulgada de Hecho: Mayo 24 de 2012. Disponível em: <http://www.perfil.com/docs/leyes_26742_26743.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2014. Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe - Fanese - Sergipe Revista do Curso de Direito - Vol. 3 – Nº 1 – Dezembro/2013 ISSN: 2236-3173 dignidade da pessoa humana, realidade que se traduz pela integração entre diferentes campos da ciência convencional e moderna, centradas no estudo do ser humano nas suas mais diversas formas. REFERÊNCIAS DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 8ª Ed. São Paulo. Saraiva, 2011. L LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães. Introdução ao biodireito. São Paulo: Saraiva, 2009. Ley 26.742, modifícase la Ley N° 26.529 que estableció los derechos del paciente en su relación con los profesionales e instituciones de la Salud. Sancionada: Mayo 9 de 2012.Promulgada de Hecho: Mayo 24 de 2012. Disponível em: <http://www.perfil.com/docs/leyes_26742_26743.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2014. MUÑOZ, Daniel Romero; FORTES. Paulo Antonio Carvalho. Revista Iniciação a Bioética. Disponível em <http://www.portalmedico.org.br/biblioteca_virtual/bioetica/ParteIIautonomia.htm>. Acesso em: 20 mar. 2014. SÁ, Maria de Fátima Freire de. Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. SGRECCIA, Elio. Manual de bioética- fundamentos e ética biomédica.3. ed. São Paulo: Loyola, 2009. SHAEFER, Fernanda. Biodireto em discussão. Curitiba: Juruá, 2011. Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe - Fanese - Sergipe Revista do Curso de Direito - Vol. 3 – Nº 1 – Dezembro/2013