CAPÍTULO e50 - Harrison Brasil

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CAPÍTULO
e50
Intoxicação e Overdose
verdosee por
Fármacos ou Drogas
ogas
Mark B. Mycyk
DIAGNÓSTICO
Embora a intoxicação possa assemelhar-se às outras doenças, o
diagnóstico correto frequentemente pode ser estabelecido com base
©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
Intoxicação e Overdose de Fármacos ou Drogas
EPIDEMIOLOGIA
Nos EUA, ocorrem anualmente mais de 5 milhões de exposições tóxicas. A maioria é aguda e acidental (involuntária), envolve um único
agente, ocorre em casa, produz pouca ou nenhuma toxicidade e afeta
crianças com menos de 6 anos de idade. Os compostos farmacêuticos
estão envolvidos em 47% das exposições e em 84% das intoxicações
graves ou fatais. As exposições involuntárias podem resultar da utilização inadequada das substâncias químicas no ambiente de trabalho
ou em áreas de lazer; de erros de leitura dos rótulos; da identificação
errônea das substâncias químicas sem rótulos; da automedicação desinformada e de erros posológicos cometidos por enfermeiras, pais,
farmacêuticos, médicos e pacientes idosos. Com exceção do uso recreativo do etanol, as tentativas de suicídio (autodestruição deliberada) são as causas mais comuns das exposições intencionais. O uso recreativo dos fármacos vendidos com e sem prescrição por seus efeitos
psicotrópicos ou eufóricos (uso abusivo) e a autoadministração de
doses excessivas (uso indevido) têm incidências crescentes e também
podem causar intoxicações involuntárias.
Cerca de 25% das exposições exigem avaliação clínica de profissionais de saúde e 5% de todos os casos necessitam de internação
hospitalar. As intoxicações são responsáveis por 5 a 10% de todas as
remoções em ambulâncias, consultas nos setores de emergência e internações em unidades de terapia intensiva. Até 30% das internações
psiquiátricas são causadas por tentativas de suicídio com overdoses.
Em geral, a taxa de mortalidade é baixa, ou seja, menos de 1% de todas as exposições. Essa taxa é muito maior (1 a 2%) entre os pacientes
hospitalizados por overdose intencional (suicídio), que representam a
maioria dos casos de intoxicações graves. O paracetamol é o fármaco
mais comumente implicado nas intoxicações fatais. Em geral, o monóxido de carbono é a causa principal das mortes por intoxicação,
mas isto não está refletido nas estatísticas dos hospitais ou centros de
intoxicação porque os pacientes com esse tipo de intoxicação geralmente estão mortos quando são encontrados e são diretamente encaminhados aos médicos legistas.
CAPÍTULO e50
O termo intoxicação refere-se ao desenvolvimento de efeitos adversos dosedependentes depois da exposição a substâncias químicas,
fármacos ou outros xenobióticos. Parafraseando Paracelso, a dose faz
o veneno. Em quantidades excessivas, substâncias que normalmente
são inócuas, como o oxigênio e a água, podem causar efeitos tóxicos.
Por outro lado, em doses pequenas, substâncias comumente consideradas tóxicas (como o arsênico e o cianeto) podem ser ingeridas
sem efeitos deletérios. Embora a maioria dos venenos produza efeitos dosedependentes previsíveis, pode haver variabilidade individual
significativa no que se refere à resposta a uma dose específica, em
consequência de polimorfismos, indução ou inibição enzimática em
presença de outros xenobióticos, ou tolerância adquirida. A intoxicação pode ser local (p. ex., pele, olhos ou pulmões) ou sistêmica,
dependendo da via de exposição, das propriedades químicas e físicas
do tóxico e do seu mecanismo de ação. A gravidade e a reversibilidade da intoxicação também dependem das reservas funcionais do
indivíduo ou do órgão-alvo, que são influenciadas pela idade e por
doenças preexistentes.
na história, no exame físico, nas análises laboratoriais e toxicológicas rotineiras e na evolução clínica característica. A história deve
incluir a hora, a via, a duração e as circunstâncias (localização, eventos simultâneos e intenção) da exposição; o nome e a quantidade de
cada fármaco ou droga, substância química ou ingrediente envolvido; a hora de início, o tipo e a gravidade dos sintomas; a hora e o
tipo das primeiras intervenções terapêuticas efetuadas e as histórias
clínica e psiquiátrica.
Em muitos casos, o paciente está confuso, comatoso, inconsciente da exposição, ou é incapaz ou não deseja admitir o fato a uma outra
pessoa. As circunstâncias suspeitas incluem doença súbita e inexplicável em um indivíduo ou um grupo previamente saudável; história
de transtornos psiquiátricos (principalmente depressão); alterações
recentes do estado de saúde ou financeiro, ou dos relacionamentos
sociais; e início da doença enquanto trabalhava com substâncias
químicas, ou depois de ingerir alimentos, bebidas (principalmente
etanol) ou fármacos. Os pacientes que adoecem logo depois de chegarem de outro país ou depois de serem presos por atividades criminosas devem ser suspeitos de “enchimento ou empacotamento do
corpo” (ingestão ou ocultação de drogas ilícitas em alguma cavidade
do corpo). Os familiares, os amigos, os paramédicos, a polícia, os farmacêuticos, os médicos e os empregadores podem fornecer informações relevantes e devem ser interrogados quanto aos hábitos, os passatempos, as alterações comportamentais, os fármacos disponíveis e
os eventos antecedentes. As buscas realizadas nas roupas, nos pertences e no local em que o paciente foi encontrado podem revelar um
bilhete suicida ou um frasco de drogas ou substâncias químicas. O
código impresso nos comprimidos e o rótulo dos produtos químicos
podem ser utilizados para identificar os ingredientes e o potencial
tóxico de um veneno suspeito por meio da consulta a um texto de referência, a um banco de dados informatizado, ao fabricante ou a um
centro regional de informações sobre intoxicação (800-222-1222). As
exposições ocupacionais exigem uma revisão de todos os formulários
de dados sobre segurança dos materiais (MSDS, do inglês Material
Safety Data Sheets) do local de trabalho.
O exame físico deve ser focado inicialmente nos sinais vitais, no
sistema cardiopulmonar e no estado neurológico. O exame neurológico deve incluir a documentação de anormalidades neuromusculares como discinesia, distonia, fasciculações, mioclonias, rigidez e
tremores. Além disso, o paciente deve ser examinado em busca de indícios de trauma e doenças preexistentes. Os sinais neurológicos focais não são comuns nas intoxicações e sua presença deve levar à investigação de uma lesão orgânica do sistema nervoso central (SNC).
O exame dos olhos (para detectar nistagmo e avaliar o diâmetro e a
reatividade das pupilas), do abdome (quanto à atividade intestinal e
ao volume da bexiga) e da pele (para queimaduras, bolhas, cor, temperatura, umidade, úlceras de pressão e marcas de punções) pode revelar anormalidades úteis ao diagnóstico. Quando a história não está
clara, todos os orifícios devem ser examinados para detectar sinais
de queimaduras químicas e pacotes com drogas. O odor do hálito ou
dos vômitos e a cor das unhas, da pele ou da urina podem fornecer
indícios diagnósticos importantes.
O diagnóstico de intoxicação nos casos de etiologia desconhecida baseia-se principalmente no reconhecimento de alguns padrões.
A primeira etapa é avaliar o pulso, a pressão arterial, a frequência respiratória, a temperatura e o estado neurológico e classificar o estado
fisiológico geral do paciente em estimulado, deprimido, discordante ou normal (Quadro e50.1). Também é fundamental avaliar e reavaliar frequentemente um conjunto completo de sinais vitais. A aferição da temperatura central é particularmente importante, mesmo
nos pacientes difíceis ou agressivos, porque a elevação da temperatura é o indicador mais confiável de uma intoxicação com prognóstico
desfavorável ou de abstinência de drogas. A etapa seguinte é considerar as causas subjacentes ao estado fisiológico e tentar identificar
um padrão fisiopatológico ou síndrome tóxica (toxíndrome) com
base nos dados observados. A avaliação da gravidade dos distúrbios
fisiológicos (Quadro e50.2) é útil nesse sentido e também à monitoração da evolução clínica e da resposta ao tratamento. A última etapa
50-1
QUADRO e50.1
Diagnóstico diferencial das intoxicações com base no estado fisiopatológico
Estimulado
Deprimido
Discordante
Normal
Agentes que atuam no sistema
nervoso simpático:
Simpaticolíticos:
Asfixiantes:
Exposição atóxica
Agonistas ␣2-adrenérgicos
Gases inertes
Doença psicogênica
Alcaloides do esporão do centeio
Antagonistas ␣1-adrenérgicos
Gases irritantes
Bombas-relógio tóxicas
Hormônios tireoidianos
Antidepressivos cíclicos
Indutores da metemoglobina
Inibidores da monoaminoxidase
Antipsicóticos
Inibidores da citocromo-oxidase
Anticolinérgicos
Metilxantinas
Bloqueadores do canal de cálcio
Inibidores da fosforilação oxidativa
Carbamazepina
Simpaticomiméticos
Bloqueadores do receptor da
angiotensina
Anticolinérgicos:
Indutores de AMAG:
Álcool (cetoacidose)
PARTE XVIII
Agentes antiparkinsonianos
Bloqueadores ␤-adrenérgicos
Etilenoglicol
Alcaloides da beladona
Glicosídios cardíacos
Ferro
Antidepressivos cíclicos
Inibidores da ECA
Metanol
Antiespasmódicos
Colinérgicos:
Anti-histamínicos
Agonistas muscarínicos
Antipsicóticos
Agonistas nicotínicos
Cogumelos e plantas
Inibidores da acetilcolinesterase
Miorrelaxantes
Intoxicação, Overdose de Drogas e Envenenamento
Alucinógenos:
Canabinoides (maconha)
Cogumelos
Fenciclidina e análogos
Opioides:
Salicilato
Tolueno
Síndromes do SNC:
Absorção lenta:
Formadores de concreções
Cápsulas de fenitoína sódica de
liberação prolongada
Comprimidos de liberação
prolongada
Pacotes de drogas
Comprimidos com revestimento
entérico
Difenoxilato-atropina
Estricnina
Opioides
Inalação de hidrocarbonetos
Salicilatos
Analgésicos
Isoniazida
Antiespasmódicos GI
Lítio
Heroína
Reações extrapiramidais
Glicosídios cardíacos
Síndrome neuroléptica maligna
Lítio
Síndrome serotonínica
Metais
Sedativo-hipnóticos:
LSD e análogos
Álcoois
Mescalina e análogos
Anticonvulsivantes
Agentes ativos na membrana:
Valproato
Distribuição lenta:
Salicilato
Barbitúricos
Amantadina
Barbitúricos
Benzodiazepínicos
Anestésicos locais
Benzodiazepínicos
Miorrelaxantes
Antiarrítmicos
Etanol
Outros agentes
Etilenoglicol
Antidepressivos cíclicos
Opioides
Precursores do GABA
Glicosídios cianogênicos
Anti-histamínicos
Sedativo-hipnóticos
Produtos com GHB
Indutores da metemoglobina
Antimaláricos do grupo da
quinolina
Inseticidas organofosforados
Síndromes de abstinência:
Simpaticolíticos
Antipsicóticos
Carbamazepina
Opioides (alguns)
Orfenadrina
Valproato
Metabólito tóxico:
Metanol
Paracetamol
Paraquat
Tetracloreto de carbono
Toxinas dos cogumelos
Bloqueadores do metabolismo:
Antineoplásicos
Antivirais
Colchicina
Hipoglicemiantes
Imunossupressores
Inibidores da MAO
Metais
Salicilato
Varfarina
Nota: ECA, enzima conversora da angiotensina; AMAG, acidose metabólica com anion-gap; GHB, ␥-hidroxibutirato; GI, gastrintestinal; SNC, sistema nervoso central; LSD, dietilamida do ácido lisérgico;
GABA, ácido ␥-aminobutírico; MAO, monoaminoxidase.
é tentar identificar o agente envolvido com base nas anormalidades
físicas ou laboratoriais típicas ou relativamente específicas de uma
substância tóxica. A diferenciação das toxíndromes com base no estado fisiopatológico está descrita na tabela e50.1.
As elevações da frequencia do pulso, da pressão arterial, da frequencia respiratória, da temperatura e da atividade neuromuscular
caracterizam o estado fisiopatológico estimulado: intoxicações por
agentes simpáticos, antimuscarínicos (anticolinérgicos) e alucinógenos e abstinência de drogas (Quadro e50.1). A Quadro e50.2 descreve
50-2
outras manifestações clínicas. A midríase, uma marca característica
de todas as síndromes tóxicas causadas por estimulantes, é mais
acentuada nas intoxicações por antimuscarínicos (anticolinérgicos),
porque a reatividade pupilar depende da atividade muscarínica; nas
intoxicações por agentes simpáticos (p. ex., cocaína), as pupilas também estão dilatadas, mas há alguma reatividade à luz. A toxíndrome antimuscarínica (anticolinérgica) também pode ser diferenciada
pela ocorrência de pele ruborizada, quente e seca; redução dos ruídos
peristálticos; e retenção urinária (Quadro e50.1). Outras síndromes
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QUADRO e50.2 Gravidade da estimulação e da depressão
fisiológicas com as intoxicações e a abstinência de drogas
Estimulação fisiológica
Ansioso, irritável, trêmulo; sinais vitais normais; pode haver
sudorese, rubor ou palidez, midríase e hiperreflexia
Grau 2
Agitado; pode haver confusão ou alucinações, mas consegue
conversar e seguir instruções; sinais vitais ligeira ou
moderadamente aumentados
Grau 3
Delirante; fala ininteligível, hiperatividade motora
incontrolável; sinais vitais moderada ou acentuadamente
aumentados; podem ocorrer taquiarritmias
Grau 4
Coma, convulsões, colapso cardiovascular
Depressão fisiológica
Acordado, letárgico ou adormecido, mas pode ser
despertado pela voz ou por estímulos táteis; consegue
conversar e seguir instruções; pode estar confuso
Grau 2
Responde a estímulos dolorosos, mas não à voz; pode falar,
mas não conversar; atividade motora espontânea presente;
reflexos do tronco encefálico preservados
Grau 3
Não responde aos estímulos dolorosos; atividade motora
espontânea ausente; reflexos do tronco encefálico
deprimidos; tono motor, respiração e temperatura reduzidas
Grau 4
Não responde aos estímulos dolorosos; reflexos do
tronco encefálico e respirações ausentes; sinais vitais
cardiovasculares reduzidos
de estimulação aumentam a atividade simpática e causam sudorese,
palidez e aceleração da atividade intestinal com graus variáveis de
náuseas, vômitos, desconforto abdominal e, ocasionalmente, diarreia. Os graus relativo e absoluto das alterações dos sinais vitais e a
hiperatividade neuromuscular podem ajudar a diferenciar as síndromes tóxicas causadas por estimulantes. Como os agentes simpáticos
estimulam o sistema nervoso periférico de maneira mais direta que
os alucinógenos ou a abstinência de drogas, elevações acentuadas
dos sinais vitais e isquemia dos órgãos sugerem intoxicação por estas
substâncias. Entre as anormalidades que ajudam a sugerir um fármaco em particular ou uma classe específica como causa da estimulação fisiológica estão bradicardia reflexa associada aos estimulantes
␣-adrenérgicos seletivos (p. ex., descongestionantes), hipotensão
causada pelos estimulantes ␤-adrenérgicos seletivos (p. ex., fármacos
usados no tratamento da asma), isquemia periférica provocada pelos
alcaloides derivados do esporão-do-centeio (ergotamina), nistagmo
rotatório desencadeado pela fenciclidina e pela cetamina (os únicos
estimulantes fisiológicos que provocam esta anormalidade) e retardos da condução cardíaca desencadeados por doses altas de cocaína e
alguns agentes anticolinérgicos (p. ex., anti-histamínicos, antidepressivos tricíclicos e antipsicóticos). Convulsões sugerem uma etiologia
simpática, um agente anticolinérgico com propriedades ativas nas
membranas (p. ex., antidepressivos tricíclicos, orfenadrina, fenotiazinas) ou uma síndrome de abstinência. A monitoração rigorosa da
temperatura central é fundamental aos pacientes com estimulação
fisiológica do grau 4 (Quadro e50.2).
Reduções da frequência do pulso, da pressão arterial, da frequência respiratória, da temperatura e da atividade neuromuscular
indicam um estado fisiopatológico deprimido causado pelos agentes simpaticolíticos “funcionais” (substâncias que reduzem a função cardíaca e o tono vascular, assim como a atividade simpática),
agentes colinérgicos (muscarínicos e nicotínicos), opioides e agentes sedativos-hipnóticos GABAérgicos que atuam por meio do ácido ␥-aminobutírico, ou GABA (Quadros e50.1 e e50.2). A miose
também é comum e mais acentuada nas intoxicações por opioides e
colinérgicos. Essa última síndrome é diferenciada das outras toxíndromes depressoras pela presença de sinais e sintomas muscarínicos
e nicotínicos (Quadro e50.1). Depressão cardiovascular grave sem
depressão significativa do SNC sugere um agente simpaticolítico de
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Intoxicação e Overdose de Fármacos ou Drogas
Grau 1
CAPÍTULO e50
Grau 1
ação direta ou periférica. Por outro lado, nas intoxicações por agentes opioides e sedativo-hipnóticos, as alterações dos sinais vitais são
secundárias à depressão dos centros respiratórios e cardiovasculares
do SNC (ou à hipoxemia subsequente) e anormalidades significativas
destes parâmetros não ocorrem até que haja redução expressiva do
nível de consciência (depressão fisiológica de grau 3 ou 4, Quadro
e50.2). Outros indícios sugestivos da etiologia da depressão fisiológica são arritmias cardíacas e distúrbios da condução (causados por
agentes antiarrítmicos, antagonistas ␤-adrenérgicos, bloqueadores
dos canais de cálcio, glicosídios digitálicos, propoxifeno e antidepressivos tricíclicos), midríase (secundária aos antidepressivos tricíclicos,
alguns antiarrítmicos, meperidina e difenoxilato-atropina), nistagmo
(associado aos hipnótico-sedativos) e convulsões (causadas por agentes colinérgicos, propoxifeno e antidepressivos tricíclicos).
O estado fisiopatológico discordante caracteriza-se por sinais
vitais e anormalidades neuromusculares discordantes ou mistas,
conforme são observadas nas intoxicações por gases asfixiantes, síndromes do SNC, fármacos ativos nas membranas e substâncias que
provocam acidose metabólica anion-gap (AMAG) (Quadro e50.1).
Nessas condições, os pacientes têm manifestações de estimulação
e depressão fisiológicas simultaneamente ou em diferentes fases da
sua evolução clínica. Por exemplo, os agentes ativos nas membranas
podem causar coma, convulsões, hipotensão e taquiarritmias simultâneas. Alternativamente, os sinais vitais podem estar normais, mas o
paciente pode apresentar alterações do estado mental ou se mostrar
nitidamente doente ou sintomático. Nos estágios iniciais, alterações
profundas dos sinais vitais e do estado mental sugerem intoxicação
por um agente asfixiante ou ativo nas membranas; a ausência destas
anormalidades sugere um indutor de AMAG; e disfunção neuromuscular acentuada sem anormalidades significativas dos sinais vitais
indicam uma síndrome do SNC.
Parâmetros fisiológicos e exame físico normais podem estar associados à exposição a um agente atóxico, às doenças psicogênicas
ou às intoxicações por “bombas-relógios tóxicas”, ou seja, substâncias
que são absorvidas e distribuídas lentamente para seus locais de ação,
precisam ser ativadas metabolicamente ou interrompem processos
metabólicos (Quadro e50.1). Hoje, como muitos fármacos são formulados em apresentações para administração 1 vez/dia por razões
de conveniência e adesão dos pacientes, as “bombas-relógio tóxicas”
são cada vez mais comuns. O diagnóstico de uma exposição atóxica
depende de que a identidade do agente seja conhecida ou que a exposição a uma bomba-relógio tóxica tenha sido excluída e que o intervalo decorrido desde a exposição seja maior que o maior período
conhecido ou previsto entre a exposição e a toxicidade máxima.
Doenças psicogênicas (medo de ser envenenado, histeria coletiva)
também podem ocorrer depois de uma exposição atóxica e devem
ser consideradas quando os sintomas são incompatíveis com a história de exposição. Reações ansiosas resultantes de uma exposição atóxica podem causar estimulação fisiológica branda (Quadro e50.2) e
ser indistinguíveis das causas tóxicas (Quadro e50.1), caso não sejam
realizados exames complementares ou o paciente não seja observado
por um intervalo apropriado.
A avaliação laboratorial pode facilitar o diagnóstico diferencial.
A AMAG acentuada é mais comum com as intoxicações graves por
metanol, etilenoglicol e salicilatos, mas também pode ocorrer com
qualquer intoxicação que cause insuficiência hepática, renal ou respiratória, convulsões ou choque. Na maioria dos casos, a concentração sérica do lactato é baixa (menor que a anion-gap) no primeiro
caso e alta (quase igual a anion-gap) no segundo. Uma anion-gap
anormalmente baixa pode ser causada por níveis sanguíneos altos de
brometo, cálcio, iodo, lítio, magnésio ou nitrato. A diferença osmolal
acentuada – diferença entre a osmolalidade sérica (medida pela depressão do ponto de congelamento) e a osmolalidade calculada com
base no sódio, na glicose e na ureia sanguínea > 10 nmol/L – sugere a
existência de um soluto de baixo peso molecular como a acetona, um
álcool (benzílico, etanol, isopropanol, metanol), um glicol (dietileno,
etileno, propileno), um éter (etílico, glicólico), ou um cátion (cálcio,
magnésio) ou açúcar (glicerol, manitol, sorbitol) não dosado. Cetose
sugere intoxicação por acetona, álcool isopropílico ou salicilato, ou
50-3
PARTE XVIII
Intoxicação, Overdose de Drogas e Envenenamento
50-4
cetoacidose diabética. A hipoglicemia pode ser causada por intoxicações por bloqueadores ␤-adrenérgicos, etanol, insulina, hipoglicemiantes orais, quinina e salicilatos, enquanto a hiperglicemia pode
ocorrer nas intoxicações com acetona, agonistas ␤-adrenérgicos,
cafeína, bloqueadores do canal de cálcio, ferro, teofilina ou N-3-piridilmetil-N’-p-nitrofenilureia (PNU, Vacor). A hipopotassemia pode
ser causada por bário, agonistas ␤-adrenérgicos, cafeína, diuréticos,
teofilina ou tolueno; hiperpotassemia sugere intoxicação por um
agonista ␣-adrenérgico, um bloqueador ␤-adrenérgico, glicosídios
cardíacos ou flúor. A hipocalcemia pode ocorrer com as intoxicações
por etilenoglicol, flúor e oxalato.
O eletrocardiograma (ECG) pode ser útil ao estabelecimento rápido do diagnóstico. Bradicardia e bloqueio atrioventricular podem
ocorrer nos pacientes intoxicados por agonistas ␣-adrenérgicos,
antiarrítmicos, betabloqueadores, bloqueadores do canal de cálcio,
colinérgicos (carbamatos e inseticidas organofosforados), glicosídios
cardíacos, lítio, ou antidepressivos tricíclicos. Os prolongamentos
do QRS e do intervalo QT podem ser causados por hiperpotassemia, vários antidepressivos e outros fármacos ativos nas membranas
(Quadro e50.1). Taquiarritmias ventriculares podem ocorrer nas
intoxicações por glicosídios cardíacos, fluoretos, agentes ativos nas
membranas, metilxantinas, simpaticomiméticos, antidepressivos e
fármacos que causam hiperpotassemia ou potencializam os efeitos
das catecolaminas endógenas (p. ex., hidrato de cloral, hidrocarbonetos alifáticos e halogenados).
Os exames radiológicos também podem ser úteis ocasionalmente. O edema pulmonar (síndrome do desconforto respiratório agudo,
ou SDRA) pode ser causado por intoxicações por monóxido de carbono, cianeto, opioides, paraquat, fenciclidina, sedativo-hipnóticos
ou salicilato; por inalações de gases, fumaças ou vapores irritantes
(ácidos e álcalis, amônia, aldeídos, cloro, sulfeto de hidrogênio, isocianatos, óxidos metálicos, mercúrio, fosgênio, polímeros); ou por
anoxia, hipertermia ou choque prolongado. A pneumonia de aspiração é comum nos pacientes em coma ou com convulsões e depois
da aspiração de destilados do petróleo. A existência de condensações
radiopacas nas radiografias do abdome sugere a ingestão de sais de
cálcio, hidrato de cloral, hidrocarbonetos clorados, metais pesados,
pacotes de drogas ilícitas, compostos iodados, sais de potássio, comprimidos com revestimento entérico ou salicilatos.
Em alguns casos, as análises toxicológicas da urina e do sangue
(e ocasionalmente do conteúdo gástrico e das amostras de substâncias químicas) podem confirmar ou excluir a suspeita de intoxicação.
A interpretação dos resultados laboratoriais requer o conhecimento
dos testes qualitativos e quantitativos realizados para a triagem e a
confirmação (polarização de fluorescência amplificada enzimaticamente e radioimunoensaios; ensaios colorimétricos e fluorométricos; cromotografias de camada fina, líquido-gasosa ou líquida de
alta performance; cromatografia gasosa; espectrometria de massa),
sua sensibilidade (limite de detecção) e especificidade, o espécime
biológico preferível para a análise e o momento ideal para coleta das
amostras. A comunicação pessoal com o laboratório do hospital é
essencial ao entendimento dos recursos e das limitações laboratoriais
da instituição
Os testes urinários qualitativos rápidos realizados nos hospitais
para detectar drogas ilícitas têm aplicação apenas como testes de triagem, porque não podem confirmar a composição exata da substância detectada e não devem ser considerados diagnósticos, ou usados
com finalidades forenses; resultados positivos e negativos falsos são
comuns. Um resultado positivo na triagem pode ser causado por outros fármacos que interferem com as análises laboratoriais (p.ex., as
fluoroquinolonas comumente causam resultados “positivos falsos”
na triagem para opioides). Os testes confirmatórios de cromatografia gasosa/espectrometria de massa (CG/EM) podem ser solicitados,
mas geralmente são necessárias algumas semanas para obter os resultados. Um resultado negativo na triagem pode significar que a substância não é detectável pelo teste utilizado, ou que sua concentração
era muito baixa para ser detectada no momento em que a amostra foi
obtida. Neste último caso, a repetição do teste algum tempo depois
pode ter resultados positivos. Os pacientes com sinais e sintomas de
abuso de drogas geralmente requerem tratamento imediato baseado
na história clínica, no exame físico e na toxíndrome observada (p.ex.,
apneia causada pela intoxicação opioide) – sem confirmação laboratorial. Quando o paciente está assintomático ou quando o quadro
clínico é compatível com a história relatada, vários estudos demonstraram que a triagem qualitativa não é clinicamente útil e não tem
relação custo-benefício favorável. Desse modo, as triagens toxicológicas qualitativas são mais úteis na avaliação dos pacientes com
toxicidade inexplicável, inclusive coma, convulsões, instabilidade
cardiovascular, acidose respiratória ou metabólica e arritmias cardíacas não sinusais. Ao contrário da triagem toxicológica qualitativa,
as dosagens quantitativas dos níveis séricos são úteis à avlaiação dos
pacientes intoxicados por paracetamol (Cap. 305), álcoois (inclusive
etilenoglicol e metanol), anticonvulsivantes, barbitúricos, digoxina,
metais pesados, ferro, lítio, salicilato e teofilina, assim como carboxiemoglobina e metemoglobina. Nesses casos, as concentrações séricas definem o tratamento clínico e os resultados geralmente ficam
disponíveis dentro de uma hora.
Em alguns casos, a resposta aos antídotos ajuda a estabelecer o
diagnóstico. A normalização do estado mental e dos sinais vitais
alterados alguns minutos depois da administração intravenosa de
glicose, naloxona ou flumazenil é praticamente diagnóstica de hipoglicemia, intoxicação por narcóticos e benzodiazepínicos, respectivamente. A reversão imediata dos sinais e sintomas distônicos (extrapiramidais) depois de uma dose IV de benzitropina ou difenidramina
confirma a hipótese de intoxicação. Embora a regressão completa das
manifestações centrais e periféricas da intoxicação anticolinérgica
com a administração da fisostigmina confirme o diagnóstico, este
fármaco pode causar excitação nos pacientes com depressão do SNC
de qualquer etiologia.
TRATAMENTO
Intoxicação e overdoses de fármacos e droga
Os objetivos do tratamento incluem a estabilização dos sinais vitais, no evitar maior absorção adicional
do tóxico (descontaminação), a estimulação da eliminação do
tóxico, administração de antídotos específicos e a prevenção de
novas exposições (Quadro e50.3). O tratamento específico depende da identificação do tóxico, da via e da gravidade da exposição, do tempo decorrido entre a exposição e a apresentação
clínica e da gravidade da intoxicação. O conhecimento da farmacodinâmica e da farmacocinética dos agentes desencadeantes
é fundamental.
Durante a fase pré-tóxica, antes do início da intoxicação, a
descontaminação tem prioridade máxima e o tratamento está baseado unicamente na história clínica. É importante supor que haja
toxicidade potencial máxima causada pela maior exposição possível. Como a descontaminação é mais eficaz quando efetuada logo
depois da exposição e quando o paciente ainda está assintomático,
a história e o exame físico iniciais devem ser focados e sucintos.
Também é recomendável estabelecer um acesso IV e iniciar a monitoração cardíaca, principalmente nos pacientes com ingestões
potencialmente graves ou histórias inconsistentes.
Quando a história detalhada não pode ser obtida e há suspeita de exposição a uma substância que causa toxicidade tardia (“bomba-relógio tóxica”) ou lesão irreversível, amostras de
sangue e urina devem ser enviadas para triagem toxicológica e
análises quantitativas. Durante as fases de absorção e distribuição, os níveis sanguíneos podem ser maiores que nos tecidos e
nem sempre se correlacionam com a toxicidade. Contudo, níveis
sanguíneos altos dos agentes cujos metabólitos são mais tóxicos
que o composto original (paracetamol, etilenoglicol ou metanol)
podem indicar a necessidade de intervenções adicionais (antídotos, diálise).
A maioria dos pacientes que se mantêm ou se tornam assintomáticos nas primeiras 6 horas depois da ingestão provavelmente
não desenvolve toxicidade subsequente e pode receber alta sem
riscos. Períodos mais longos de observação provavelmente são
PRINCÍPIOS GERAIS
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QUADRO e50.3
intoxicações
Componentes essenciais do tratamento das
Medidas de suporte
Proteção das vias respiratórias
Tratamento das convulsões
Oxigenação/ventilação
Correção das anormalidades da
temperatura
Tratamento das arritmias
Suporte hemodinâmico
Correção dos desequilíbrios
metabólicos
Profilaxia das complicações
secundárias
Descontaminação gastrintestinal
Descontaminação de outras áreas
Lavagem gástrica
Descontaminação ocular
Carvão ativado
Descontaminação da pele
Irrigação intestinal total
Evacuação das cavidades
corporais
Diluição
Remoção endoscópica/cirúrgica
Aceleração da eliminação do veneno
Remoção extracorporal
Alteração do pH urinário
Hemodiálise
Quelação
Hemoperfusão
Hemofiltração
Plasmaférese
Transfusão de troca
Oxigenação hiperbárica
Administração de antídotos
Neutralização com anticorpos
Antagonismo metabólico
Neutralização por ligação química
Antagonismo fisiológico
Prevenção da reexposição
Orientação aos adultos
Notificação aos órgãos reguladores
Proteção das crianças
Encaminhamento psiquiátrico
necessários para os pacientes que ingeriram bombas-relógio tóxicas, ou seja, agentes que são absorvidos e distribuídos lentamente
para seus locais de ação, que necessitam de ativação metabólica
ou que bloqueiam processos metabólicos (Quadro e50.1). Durante a fase tóxica, ou período decorrido entre o início da intoxicação
e os efeitos mais intensos, o tratamento baseia-se principalmente
nos resultados clínicos e laboratoriais. Em geral, os efeitos causados por uma overdose surgem mais rapidamente, atingem seu
pico mais tardiamente e persistem por mais tempo que depois de
uma dose terapêutica. O perfil farmacocinético de um fármaco
publicado em referências padronizadas, como o Physician’s Desk
Reference (PDR), geralmente é diferente do seu perfil toxicocinético depois de uma overdose. A reanimação e a estabilização são
prioridades máximas. Os pacientes sintomáticos devem receber
um acesso IV, monitoração da saturação de oxigênio e da função
cardíaca e observação contínua. Os exames laboratoriais, o ECG e
os exames radiográficos basais também podem ser apropriados. A
administração de glicose (a menos que o nível sérico esteja comprovadamente normal), naloxona e tiamina intravenosas deve ser
considerada para os pacientes com estado mental alterado, principalmente se houver coma ou convulsões. A descontaminação
também deve ser considerada, mas tem menos probabilidade de
ser eficaz durante essa fase que na pré-tóxica.
As medidas que aceleram a eliminação do veneno podem
reduzir a duração e a gravidade da fase tóxica. Entretanto, essas
MEDIDAS DE SUSTENTAÇÃO Os objetivos do tratamento de sustentação consistem em manter a homeostasia fisiológica até que
a detoxificação seja realizada e evitar e tratar complicações secundárias como aspiração, úlceras de pressão, edemas pulmonar
e cerebral, pneumonia, rabdomiólise, insuficiência renal, sepse,
doença tromboembólica, coagulopatia e disfunção de múltiplos
órgãos em consequência da hipoxia ou do choque.
A internação em uma unidade de terapia intensiva está indicada nas seguintes situações: pacientes com intoxicações graves
(coma, depressão respiratória, hipotensão, distúrbios da condução cardíaca, arritmias cardíacas, hipotermia ou hipertermia,
convulsões); indivíduos que necessitem de monitoração cuidadosa, antídotos ou medidas para acelerar a eliminação; pacientes que
apresentem deterioração clínica progressiva; e indivíduos com
distúrbios clínicos significativos coexistentes. Os pacientes com
toxicidade branda ou moderada podem ser tratados em um serviço de clínica geral, na unidade de terapia intermediária ou na sala
de observação do setor de emergência, dependendo da duração
esperada e do nível de monitoração necessária (observação clínica
intermitente versus monitorações clínica, cardíaca e respiratória
contínuas). Os pacientes que tentaram suicídio devem ser mantidos sob observação ininterrupta e com medidas para evitar lesões
autoinflingidas até que não sejam mais suicidas em potencial.
Intoxicação e Overdose de Fármacos ou Drogas
Doses repetidas de carvão ativado
CAPÍTULO e50
Profilaxia da absorção adicional da substância tóxica
intervenções não estão isentas de riscos, que devem ser contrapostos aos benefícios potenciais.
A certeza diagnóstica (geralmente por confirmação laboratorial) geralmente é um pré-requisito. A diálise intestinal com doses
repetidas de carvão ativado (também conhecida como carvão ativado em doses múltiplas) pode acelerar a eliminação de algumas
substâncias tóxicas como teofilina ou carbamazepina. A alcalinização da urina pode aumentar a eliminação dos salicilatos e de
um pequeno número de substâncias tóxicas. O tratamento quelante pode acelerar a eliminação de alguns metais. Os métodos de
eliminação extracorporal são eficazes para muitas substâncias tóxicas, mas seu custo e risco tornam sua utilização razoável apenas
nos pacientes que, de outro modo, teriam evolução desfavorável.
Durante a fase de regressão da intoxicação, as medidas de
suporte e a monitoração devem ser mantidas até que as anormalidades clínicas, laboratoriais e eletrocardiográficas tenham
regredido. Como as substâncias químicas são eliminadas mais
rapidamente do sangue que dos tecidos, os níveis sanguíneos geralmente são mais baixos que os teciduais durante essa fase e nem
sempre se correlacionam com a toxicidade. Isto é particularmente
válido quando são utilizados procedimentos de eliminação extracorporal. A redistribuição da substância acumulada nos tecidos
pode provocar um aumento de rebote do nível sanguíneo depois
da conclusão desses procedimentos. Quando um metabólito é
responsável pelos efeitos tóxicos, a continuação do tratamento
pode ser necessária, mesmo que não haja efeitos tóxicos clínicos
ou anormalidades nos exames laboratoriais.
Cuidados respiratórios A intubação endotraqueal para evitar
a aspiração do conteúdo gastrintestinal tem importância fundamental nos pacientes com depressão do SNC ou convulsões,
porque esta complicação pode aumentar a morbidade e a mortalidade. A respiração artificial pode ser necessária aos pacientes
com depressão respiratória ou hipoxia e para facilitar a sedação
ou paralisia terapêutica a fim de evitar ou tratar hipertermia, acidose e rabdomiólise associadas à hiperatividade neuromuscular.
Como a avaliação clínica da função respiratória pode ser imprecisa, a necessidade de oxigenação e ventilação é determinada mais
facilmente pela oximetria de pulso contínua, ou por análises da
gasometria arterial. O reflexo de engasgo não é um indicador confiável da necessidade de intubação. Um paciente com depressão
do SNC pode manter as vias respiratórias desobstruídas enquanto
é estimulado, mas não se for deixado desassistido.
Em geral, o edema pulmonar induzido por fármacos não tem
causa cardíaca (edema pulmonar não cardiogênico), embora a
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50-5
depressão profunda do SNC e os distúrbios da condução cardíaca
indiquem essa possibilidade. A determinação da pressão arterial
pulmonar pode ser necessária para determinar a causa e orientar o tratamento apropriado. Os procedimentos extracorporais
(oxigenação por membrana, perfusão venoarterial, derivação cardiopulmonar) e a ventilação líquida parcial (perfluorocarbono)
podem ser apropriados para os pacientes em insuficiência respiratória grave, embora reversível.
A manutenção da perfusão tecidual
normal é fundamental para que ocorra recuperação completa depois da eliminação do agente desencadeante. Se a hipotensão não
melhorar com a expansão de volume, o paciente poderá necessitar de tratamento com norepinefrina, epinefrina ou dopamina
em doses altas. A contrapulsação com balão intra-aórtico e as
técnicas de perfusão venoarterial ou cardiopulmonar devem ser
consideradas nos casos de insuficiência cardíaca grave, embora
reversível. As bradiarritmias associadas à hipotensão geralmente
devem ser tratadas conforme está descrito no Cap. 232. Glucagon,
cálcio e insulina em doses altas com glicose podem ser eficazes
nas intoxicações por betabloqueadores e bloqueadores do canal
de cálcio. O tratamento com antídoto específico pode estar indicado para as intoxicações digitálicas.
A taquicardia supraventricular associada à hipertensão e à excitação do SNC quase sempre é causada pelos agentes que provocam excitação fisiológica generalizada (Quadro e50.1). A maioria
dos casos é branda ou moderada e requer apenas observação ou
sedação inespecífica com um benzodiazepínico. Nos casos graves
ou que estão associados à instabilidade hemodinâmica, dor torácica ou sinais de isquemia no ECG, deve-se administrar tratamento
específico. Quando a causa é a hiperatividade simpática, o tratamento com um benzodiazepínico deve ser priorizado. O tratamento adicional com um bloqueador alfa e beta misto (labetalol),
um bloqueador do canal de cálcio (verapamil ou diltiazem) ou
uma combinação de betabloqueador e vasodilatador (esmolol e nitroprussiato) pode ser considerado para os casos refratários às doses elevadas de benzodiazepínicos. Em alguns casos, o tratamento
simples com um antagonista ␣-adrenérgico (fentolamina) pode
ser apropriado. Se a causa for uma intoxicação por anticolinérgicos, a fisostigmina pode ser eficaz em monoterapia. A taquicardia
supraventricular sem hipertensão geralmente é secundária à vasodilatação ou à hipovolemia e responde à reposição de líquidos.
Com as taquiarritmias ventriculares causadas pelos antidepressivos tricíclicos e provavelmente também por outros agentes
ativos nas membranas (Quadro e50.1), o bicarbonato de sódio
está indicado; contudo, os agentes antiarrítmicos das classes IA,
IC e III estão contraindicados por seus efeitos eletrofisiológicos
semelhantes. Embora a lidocaína e a fenitoína sejam historicamente seguras nas taquiarritmias ventriculares de qualquer etiologia, o bicarbonato de sódio deve ser tentado em primeiro lugar
em todas as arritmias ventriculares nas quais se suspeita de uma
etiologia tóxica. Os betabloqueadores podem ser perigosos se a
arritmia for causada por hiperatividade simpática. O sulfato de
magnésio e a supressão com estimulação (com isoproterenol ou
um marca-passo) podem ser úteis nos pacientes com torsades des
pointes e prolongamento do intervalo QT. O magnésio e os anticorpos antidigoxina devem ser considerados para os pacientes
com intoxicações digitálicas graves. O registro invasivo do ECG
(esofágico ou intracardíaco) pode ser necessário para determinar a origem (ventricular ou supraventricular) das taquicardias
de complexo amplo (Cap. 233). Entretanto, se o paciente estiver
hemodinamicamente estável, é razoável simplesmente colocá-lo
em observação em vez de administrar qualquer outro agente potencialmente pró-arrítmico. As arritmias podem ser resistentes ao
tratamento farmacológico até que os desequilíbrios ácido-básicos
e eletrolíticos, da oxigenação e da temperatura sejam corrigidos.
Estabilização cardiovascular
PARTE XVIII
Intoxicação, Overdose de Drogas e Envenenamento
A hiperatividade neuromuscular e as convulsões podem causar hipertermia, acidose
Estabilização do sistema nervoso central
50-6
láctica e rabdomiólise e devem ser tratadas rigorosamente. As
convulsões causadas pela estimulação excessiva dos receptores
das catecolaminas (intoxicações por agentes simpaticomiméticos
ou alucinógenos e abstinência de drogas) ou pela atividade reduzida dos receptores do GABA (intoxicação por isoniazida) ou da
glicina (intoxicação por estricnina) são tratadas de maneira mais
eficaz com fármacos que aumentam a atividade do GABA, inclusive os benzodiazepínicos ou os barbitúricos. Como os benzodiazepínicos e os barbitúricos atuam por mecanismos ligeiramente
diferentes (os primeiros aumentam a frequencia e os últimos ampliam a duração da abertura dos canais de cloreto em resposta ao
GABA), o tratamento combinado pode ser eficaz se um deles não
resolver isoladamente. As convulsões provocadas pela isoniazida,
que inibe a síntese do GABA em várias etapas por sua interferência com o cofator piridoxina (vitamina B6), podem exigir altas
doses suplementares de piridoxina. As convulsões resultantes da
desestabilização das membranas (intoxicação por betabloqueador
ou antidepressivos tricíclicos) devem ser tratadas com fármacos
que aumentam o GABA (primeiramente um benzodiazepínico,
depois um barbitúrico). A fenitoína está contraindicada nas convulsões tóxicas: estudos realizados com animais e seres humanos
demonstraram evoluções mais desfavoráveis depois da impregnação com fenitoína, especialmente nos casos de overdose de teofilina. Para os tóxicos que produzem efeitos dopaminérgicos centrais
(metanfetamina, fenciclidina) evidenciados por comportamento
psicótico, pode ser útil administrar um antagonista dos receptores
da dopamina (p. ex., haloperidol). Com as intoxicações por agentes anticolinérgicos e cianeto, pode ser necessário administrar os
antídotos específicos. O tratamento das convulsões secundárias
à isquemia ou ao edema cerebral, ou às anormalidades metabólicas, deve incluir a correção da causa primária. A paralisia neuromuscular está indicada para os casos refratários. A monitoração
eletroencefalográfica e o tratamento ininterrupto das convulsões
são necessários para evitar sequelas neurológicas irreversíveis. Na
síndrome serotonínica, a hiperestimulação dos receptores serotoninérgicos pode ser tratada com ciproeptadina.
Outras medidas Temperaturas extremas, anormalidades metabólicas, disfunções hepática e renal e complicações secundárias
devem ser tratadas por intervenções terapêuticas convencionais.
PREVENÇÃO DA ABSORÇÃO DO VENENO
A realização (ou não) da descontaminação gastrintestinal e qual procedimento utilizar dependem do tempo decorrido desde a ingestão; dos efeitos tóxicos
presentes e previstos da substância tóxica; da eficácia, da disponibilidade e das contraindicações do procedimento; e do tipo, gravidade e risco de complicações. A eficácia de todos os métodos
de descontaminação diminui com o tempo e não existem dados
suficientes para confirmar ou refutar um efeito benéfico quando
estas medidas são aplicadas > 1 h depois da ingestão. O intervalo médio decorrido entre a ingestão e a apresentação clínica para
tratamento é > 1 h para as crianças e > 3 h para os adultos. A
maioria dos pacientes recupera-se da intoxicação sem complicações apenas com as medidas de sustentação, mas as complicações
da descontaminação gastrintestinal (principalmente a aspiração)
podem prolongar esse processo. Por esta razão, a descontaminação gastrintestinal deve ser realizada seletivamente e não como
rotina do tratamento dos pacientes que ingeriram overdoses. Essa
medida é certamente desnecessária quando a toxicidade prevista
é mínima ou o tempo de toxicidade máxima esperada já transcorreu sem efeitos significativos.
O carvão ativado tem eficácia comparável ou maior, tem
menos contraindicações e complicações e é menos aversivo e invasivo que a ipeca ou lavagem gástrica; deste modo, é o método
preferido de descontaminação gastrintestinal na maioria das situações. A suspensão de carvão ativado (em água) é administrada
por via oral com uma xícara, um canudo ou um tubo nasogástrico
Descontaminação gastrintestinal
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Intoxicação e Overdose de Fármacos ou Drogas
A irrigação intestinal total é realizada administrando-se uma
solução de limpeza intestinal que contém eletrólitos e polietilenoglicol por via oral ou por tubo nasogástrico a uma taxa de 2,0
L/h (0,5 L/h para as crianças), até que o efluente retal saia limpo.
O paciente deve permanecer na posição sentada. Embora existam poucos dados, a irrigação intestinal total parece ser tão eficaz
quanto os outros procedimentos de descontaminação nos estudos
com voluntários. Esse método é mais apropriado para pacientes
que ingeriram corpos estranhos, pacotes de drogas ilícitas, fármacos com revestimento entérico ou de liberação lenta e substâncias
que não são bem adsorvidas pelo carvão (p. ex., metais pesados).
A irrigação intestinal está contraindicada nos pacientes com obstrução intestinal, íleo, instabilidade hemodinâmica e vias respiratórias desprotegidas e comprometidas.
Os catárticos são sais (fosfato dissódico, citrato e sulfato de
magnésio, sulfato de sódio) ou sacarídios (manitol, sorbitol)
que, no passado, eram administrados com carvão ativado para
acelerar a evacuação retal do conteúdo gastrintestinal. Contudo,
nenhum estudo com animais ou seres humanos, ou voluntários,
jamais demonstrou qualquer efeito benéfico da descontaminação
com catárticos. Os efeitos colaterais são cólicas abdominais, náuseas e vômitos ocasionais. As complicações da administração repetida incluem distúrbios eletrolíticos graves e diarreia excessiva.
Os catárticos estão contraindicados aos pacientes que ingeriram
corrosivos e que têm diarreia preexistente. Os catárticos que contêm magnésio não devem ser utilizados em pacientes com insuficiência renal.
A diluição (isto é, ingestão de 5 mL/kg de peso corporal de
água, algum outro líquido claro ou leite está recomendada apenas
depois da ingestão de corrosivos (ácidos ou álcalis). Esse procedimento pode aumentar a taxa de dissolução (e, deste modo, a
absorção) das cápsulas, dos comprimidos e de outras substâncias
sólidas ingeridas e não deve ser realizado nessas circunstâncias.
A remoção endoscópica ou cirúrgica das substâncias tóxicas
pode ser útil em raras situações, como a ingestão de um corpo
estranho potencialmente tóxico que não consiga transitar no trato
gastrintestinal; de uma quantidade potencialmente letal de algum
metal pesado (arsênico, ferro, mercúrio, tálio); ou de agentes que
possam coalescer e formar concreções gástricas ou bezoares (metais pesados, lítio, salicilatos, preparações de liberação contínua).
Os pacientes que se intoxicaram com cocaína depois do seu extravasamento dos pacotes de drogas ingeridos requerem intervenção
cirúrgica imediata.
CAPÍTULO e50
fino. A dose geralmente recomendada é de 1 g/kg de peso corporal em razão de sua conveniência, mas estudos in vitro e in vivo
demonstraram que o carvão adsorve ≥ 90% da maioria das substâncias, quando é administrado em doses 10 vezes maiores que o
peso total da substância ingerida. O paladar pode ser melhorado
pelo acréscimo de um adoçante (sorbitol) ou aromatizante (xarope de cereja, chocolate ou cola) à suspensão. O carvão adsorve
os venenos ingeridos dentro da luz intestinal, permitindo que o
complexo carvão-toxina seja eliminado pelas fezes. Os compostos
químicos polares (ionizados) como ácidos minerais, álcalis e sais
altamente dissociados do cianeto, flúor, ferro e outros compostos inorgânicos não são bem adsorvidos pelo carvão. Em estudos
com animais e seres humanos voluntários, o carvão diminuiu a
absorção das substâncias ingeridas em 73% em média, quando
foi administrado nos primeiros 5 minutos depois da ingestão da
substância; em 51% quando foi utilizado nos primeiros 30 minutos; e em 36% depois de uma hora. Os efeitos colaterais do carvão
são náuseas, vômitos e diarreia ou constipação. O carvão também
pode impedir a absorção dos agentes terapêuticos administrados
por via oral. As complicações incluem a obstrução mecânica das
vias respiratórias, aspiração, vômitos e obstrução e infarto intestinais causados pelo carvão espessado. O carvão não é recomendado para os pacientes que ingeriram substâncias corrosivas porque
dificulta a endoscopia.
A lavagem gástrica deve ser considerada nas intoxicações potencialmente fatais que não possam ser tratadas de maneira eficaz
com outras medidas de descontaminação e eliminação ou antídotos (p.ex., colchicina). A lavagem é realizada pela administração e
aspiração repetidas de cerca de 5 mL de líquido por quilograma
de peso corporal por meio de um tubo orogástrico de calibre 40F
o
(n 28 F para crianças). Com exceção dos lactentes, para os quais
se recomenda soro fisiológico, a água de torneira é aceitável. O
paciente deve ser colocado nas posições de Trendelenburg e decúbito lateral esquerdo para evitar a aspiração (mesmo que haja um
tubo endotraqueal instalado). A lavagem diminui a absorção das
substâncias ingeridas em 52%, em média, caso seja realizada nos
primeiros 5 minutos depois da ingestão; em 26% se for realizada
nos primeiros 30 minutos; e em 16% se for efetuada aos 60 minutos. Quantidades significativas do fármaco ou da droga ingerida
são recuperadas em menos de 10% dos pacientes. A aspiração é
uma complicação comum (até 10% dos casos), principalmente
quando a lavagem não é realizada adequadamente. As complicações graves (perfurações gástrica e esofágica, posicionamento
incorreto do tubo na traqueia) ocorrem em cerca de 1% dos pacientes. Por esta razão, o médico deve introduzir pessoalmente o
tubo de lavagem e confirmar sua posição e o paciente deve ser
capaz de colaborar ou ser contido adequadamente (com sedação
farmacológica, se necessário) durante o procedimento. A lavagem
gástrica está contraindicada depois das ingestões de corrosivos ou
destilados do petróleo tendo em vista os riscos correspondentes
de perfuração gastresofágica e pneumonite de aspiração. Esse
procedimento também está contraindicado aos pacientes com
vias respiratórias desprotegidas e comprometidas, assim como
nos indivíduos com hemorragia ou perfuração secundária a uma
patologia esofágica ou gástrica, ou cirurgia recente. Por fim, a lavagem gástrica está absolutamente contraindicada para pacientes
agitados ou que se recusam a fazer o procedimento, pois a maioria
das complicações descritas na literatura está associada à resistência do paciente ao procedimento.
O xarope de ipeca, um agente emetogênico utilizado comumente no passado como método de descontaminação, não é mais
usado para tratar intoxicações. Mesmo a American Academy of
Pediatrics (AAP), tradicionalmente o mais árduo defensor da ipeca, publicou em 2003 uma declaração de conduta recomendando
que esse método não fosse mais utilizado no tratamento das intoxicações. Alguns estudos demonstraram que o uso crônico de
ipeca (pelos pacientes com anorexia nervosa ou bulimia) causou
distúrbios hidreletrolíticos, toxicidade cardíaca e miopatia.
Descontaminação de outros locais A irrigação copiosa e imediata
com água, soro fisiológico ou outros líquidos potáveis claros é o
tratamento inicial para as exposições tópicas (as exceções incluem
metais alcalinos, óxido de cálcio e fósforo). O soro fisiológico é
preferido para a irrigação ocular. A lavagem tripla (água, sabão,
água) pode ser melhor para a descontaminação da pele. As exposições inalatórias devem ser tratadas inicialmente com ar fresco
ou oxigênio. A remoção de líquidos de cavidades corporais como
a vagina ou o reto é realizada mais facilmente por irrigação. Os
sólidos (pacotes de drogas, comprimidos) devem ser removidos
manualmente, de preferência sob visão direta.
ACELERAÇÃO DA ELIMINAÇÃO DO TÓXICO Embora a eliminação da
maioria dos tóxicos possa ser acelerada por intervenções terapêuticas, a eficácia farmacocinética (remoção da droga a uma taxa
maior que a que seria conseguida por eliminação intrínseca) e o
benefício clínico (duração mais curta da toxicidade ou evolução
mais favorável) dessas intervenções geralmente são mais teóricas
que comprovadas. Por esta razão, a decisão de realizar esses procedimentos deve basear-se na toxicidade real ou prevista e na potencial eficácia, no custo e nos riscos do procedimento.
As doses orais repetidas de carvão ativado podem acelerar a eliminação das substâncias previamente absorvidas por sua ligação dentro do intestino, à medida
Doses múltiplas de carvão ativado
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50-7
PARTE XVIII
Intoxicação, Overdose de Drogas e Envenenamento
50-8
que são excretadas na bile, secretadas pelas células gastrintestinais, ou difundidas passivamente para a luz intestinal (absorção
reversa ou exsorption enterocapilar). Em geral, as doses recomendadas variam de 0,5 a 1,0 g/ kg de peso corporal a cada 2 a 4 horas,
com reduções da dose para evitar regurgitação nos pacientes com
motilidade gastrintestinal diminuída. A eficácia farmacocinética é comparável à da hemodiálise com alguns fármacos (p. ex.,
fenobarbital, teofilina). O tratamento com múltiplas doses deve
ser considerado apenas para alguns fármacos (teofilina, fenobarbital, carbamazepina, dapsona, quinina). Entre as complicações
estão obstrução intestinal, pseudo-obstrução e infarto intestinal
não obstrutivo nos pacientes com motilidade gastrintestinal diminuída. O sorbitol e outros catárticos estão absolutamente contraindicados quando se administram doses múltiplas de carvão
ativado, tendo em vista o desequilíbrio hidreletrolítico.
Alcalinização urinária A retenção dos íons por alteração do pH
urinário pode evitar a reabsorção renal das substâncias tóxicas excretadas por filtração glomerular e secreção tubular ativa.
Como as membranas são mais permeáveis às moléculas não ionizadas que aos seus correspondentes ionizados, os tóxicos ácidos
(pKa baixo) são ionizados e retidos na urina alcalina, enquanto
os básicos tornam-se ionizados e ficam retidos na urina ácida. A
alcalinização da urina (com formação de urina com pH ≥ 7,5 e
débito urinário entre 3 a 6 mL/kg de peso corporal por hora) por
meio do acréscimo do bicarbonato de sódio à solução IV acelera
a excreção dos tóxicos como herbicidas ácidos clorfenoxiacéticos,
clorpropamida, diflunisal, flúor, metotrexato, fenobarbital, sulfonamidas e salicilatos. As contraindicações incluem insuficiência
cardíaca congestiva, insuficiência renal e edema cerebral. Os parâmetros ácido-básicos e hidreletrolíticos devem ser monitorados
cuidadosamente. Embora seja teoricamente razoável em algumas
overdoses (anfetaminas), a diurese ácida nunca é recomendada e
pode ser perigosa.
Hemodiálise, hemoperfusão em carvão
ou resina, hemofiltração, plasmaférese e transfusões de troca podem remover quaisquer toxinas da corrente sanguínea. As substâncias mais suscetíveis à eliminação acelerada por diálise têm
pesos moleculares baixos (< 500 Da), solubilidade alta, ligação
proteica limitada, volumes pequenos de distribuição (< 1 L/kg
de peso corporal), eliminação prolongada (meia-vida longa) e
depuração dialítica alta em comparação com a depuração corporal total. O peso molecular, a hidrossolubilidade ou a ligação
proteica não limitam a eficácia das outras modalidades de remoção extracorporal.
A diálise deve ser considerada para os casos de intoxicações
graves causados por carbamazepina, etilenoglicol, álcool isopropílico, lítio, metanol, teofilina, salicilatos e valproato. Embora a
hemoperfusão possa ser mais eficaz para remover alguns desses
tóxicos, ela não corrige os desequilíbrios ácido-básicos e eletrolíticos associados e a maioria dos hospitais não dispõe mais dos
cartuchos de hemoperfusão para uso imediato. Felizmente, avanços recentes na tecnologia da hemodiálise tornaram este método
eficaz na remoção de substâncias como a cafeína, carbamazepina e teofilina.Essas duas técnicas exigem acesso venoso central e
anticoagulação sistêmica e podem causar hipotensão transitória.
A hemoperfusão também pode causar hemólise, hipocalcemia e
trombocitopenia. A diálise peritoneal e as transfusões de troca
são menos eficazes, mas podem ser utilizadas quando os outros
procedimentos não estão disponíveis, estão contraindicados ou
são tecnicamente difíceis (p. ex., nos lactentes). As transfusões
de troca podem estar indicadas ao tratamento da hemólise grave
induzida pela arsina ou pelo clorato de sódio, da metemoglobinemia e da sulfemoglobinemia. Embora a hemofiltração possa
acelerar a eliminação dos aminoglicosídios, da vancomicina e
dos complexos formados por metais e quelatos, as indicações da
hemofiltração e da plasmaférese no tratamento das intoxicações
ainda não estão definidas.
Remoção extracorporal
Os candidatos aos métodos de remoção extracorporal são pacientes com toxicidade grave, cujas condições pioram apesar do
tratamento de sustentação cuidadoso; indivíduos com toxicidade
potencialmente prolongada, irreversível ou fatal; pacientes com
níveis sanguíneos perigosos de toxinas; indivíduos que não possuem capacidade de autodetoxificação porque têm insuficiência
hepática ou renal; e pacientes com doenças subjacentes graves ou
complicações que interferem negativamente com a recuperação.
A eliminação dos metais pesados pode ser aumentada pela quelação, enquanto a remoção do monóxido de carbono pode ser acelerada pela oxigenação hiperbárica.
Outras técnicas
ADMINISTRAÇÃO DE ANTÍDOTOS Os antídotos anulam os efeitos
das substâncias tóxicas por meio de sua neutralização (p. ex., reações antígeno-anticorpo, quelação, ligação química) ou por antagonismo aos seus efeitos fisiológicos (p. ex., ativação da atividade
oponente do sistema nervoso, fornecimento de substratos que
competem por metabólitos ou receptores). Entre as intoxicações
ou as condições para as quais existem antídotos específicos estão as causadas por paracetamol, agentes anticolinérgicos, anticoagulantes, benzodiazepínicos, betabloqueadores, bloqueadores
do canal de cálcio, monóxido de carbono, glicosídios digitálicos,
colinérgicos, cianeto, reações distônicas induzidas por fármacos,
etilenoglicol, flúor, metais pesados, hipoglicemiantes, isoniazida,
agentes que ativam as membranas, metemoglobinemia, opioides,
simpaticomiméticos e vários envenenamentos. Alguns estudos
demonstraram que as emulsões lipídicas IV são eficazes como
antídotos para as intoxicações causadas por vários anestésicos e
agentes que atuam nas membranas, mas o mecanismo exato deste
efeito benéfico ainda não está definido. Os antídotos podem reduzir expressivamente as taxas de morbidade e a mortalidade, mas
são potencialmente tóxicos se forem utilizados sem razões claras.
Como sua utilização segura depende da identificação correta de
uma intoxicação ou síndrome específica, os detalhes do tratamento com antídotos são analisados com referências às condições nas
quais estão indicados (Quadro e50.4).
PREVENÇÃO DA REEXPOSIÇÃO As intoxicações são distúrbios evitáveis. Infelizmente, alguns adultos e crianças estão mais sujeitos
às substâncias tóxicas e as recidivas são comuns. A intoxicação
por uso indevido de vários fármacos tornou-se particularmente
comum entre os adultos com atraso do desenvolvimento e na população crescente de pacientes geriátricos, aos quais são prescritos
vários fármacos simultaneamente, assim como entre os adolescentes e os adultos jovens que experimentam drogas por seus efeitos
eufóricos. Os adultos que tiveram exposições acidentais devem ser
instruídos quanto à utilização segura dos fármacos e das substâncias químicas (de acordo com as instruções dos rótulos). Os pacientes confusos podem necessitar de ajuda para administrarem
seus fármacos. Os erros de dosagem cometidos por profissionais
de saúde podem exigir intervenções educativas. Os pacientes devem ser aconselhados a evitar condições que provoquem exposição às substâncias químicas ou intoxicações. Os órgãos e os departamentos de saúde apropriados devem ser notificados quando há
exposição ambiental ou ocupacional. Para as crianças pequenas e
os pacientes com overdoses intencionais (dano pessoal deliberado
ou suicídio), a melhor conduta é limitar o acesso às substâncias
que possam causar envenenamento. Nas residências em que as
crianças vivem ou visitam, as bebidas alcoólicas, os medicamentos, os produtos domésticos (automotivos, limpeza, combustível,
produtos para animais domésticos ou de toucador), as plantas não
comestíveis e as vitaminas devem ser mantidos fora do alcance, ou
trancados em armários com proteção para crianças. Os pacientes
deprimidos ou psicóticos devem passar por uma avaliação psiquiátrica, referenciados e acompanhados. Esses pacientes devem
receber prescrições de quantidades limitadas de fármacos e autorização para um número limitado de revalidações das receitas, com
monitoração da adesão e da resposta ao tratamento.
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SÍNDROMES TÓXICAS ESPECÍFICAS E INTOXICAÇÕES
A Quadro e50.4 resume a fisiopatologia, as manifestações clínicas e o
tratamento das síndromes tóxicas e das intoxicações que são comuns,
produzem toxicidade potencialmente fatal ou exigem intervenções
terapêuticas específicas. Em todos os casos, o tratamento deve incluir
a adoção dos princípios gerais analisados anteriormente, principalmente as medidas de sustentação. Os detalhes acerca dos tratamentos
QUADRO e50.4
específicos podem ser encontrados nas referências citadas adiante e
no site www.harrisononline.com. As intoxicações que não estão descritas neste capítulo são analisadas nos textos referenciados.
As intoxicações por álcool, cocaína, alucinógenos e opioides e
as síndromes de abstinência do álcool e dos opioides estão descritas
nos Caps. 392 a 395; a intoxicação por paracetamol consta do Cap.
305; a síndrome neuroléptica maligna é analisada no Cap. 372; e a
intoxicação por metais pesados está detalhada no Cap. e49.
Aspectos fisiopatológicos e tratamento das síndromes tóxicas e das intoxicações específicas
Condição fisiológica e
suas causas
Exemplos
Mecanismo de ação
Manifestações clínicas
Tratamentos específicos
Agentes que atuam no sistema nervoso simpático (ver também Cap. 394)
Estimulação direta ou
indireta dos receptores
simpáticos centrais e
periféricos (por aumento
da liberação ou inibição da
recaptação da norepinefrina
e, em alguns casos, da
dopamina)
Estimulação fisiológica
(Quadro e50.2); pode haver
bradicardia reflexa com os
agonistas ␣1-seletivos; os
␤-agonistas podem causar
hipotensão e hipopotassemia
Fentolamina (um antagonista
não seletivo dos receptores
␣1-adrenérgicos) para hipotensão
grave causada pelos agonistas
␣1-adrenérgicos; propranolol
(␤-bloqueador não seletivo) para
hipotensão e bradicardia causadas
pelos ␤2-agonistas; labetalol
(␤-bloqueador com atividade
␣-bloqueadora) ou fentolamina
com esmolol ou outro ␤-bloqueador
cardiosseletivo para hipertensão
com taquicardia causada pelos
agentes não seletivos (se for utilizado
isoladamente, o ␤-bloqueador
pode agravar a hipertensão
e o vasospasmo em razão da
estimulação ␣ sem oposição);
benzodiazepínicos; propofol
Alcaloides do esporão
do centeio
Ergotamina, metissergida,
bromocriptina, pergolida
Estimulação e inibição dos
receptores serotoninérgicos
e ␣-adrenérgicos;
estimulação dos receptores
de dopamina
Estimulação fisiológica
(Quadro e50.2);
formigamento; vasospasmo
dos membros (isolado ou
generalizado); isquemias
miocárdica e cerebral com
progressão para gangrena
ou infarto; hipotensão,
bradicardia e movimentos
involuntários também podem
ocorrer
Nitroprussiato ou nitroglicerina
para vasospasmo grave; prazosina
(um ␣1-bloqueador), captopril,
nifedipino e ciproeptadina (um
antagonista seletivo dos receptores
de serotonina) para isquemia
branda a moderada dos membros;
antagonistas dos receptores de
dopamina (antipsicóticos) para
alucinações e distúrbios do
movimento
Metilxantinas
Cafeína, teofilina
Inibição da síntese da
adenosina e antagonismo
dos receptores de
adenosina; estimulação da
liberação de epinefrina e
norepinefrina; inibição da
fosfodiesterase, resultando
em aumentos da adenosina
cíclica e do monofosfato de
guanosina intracelulares
Estimulação fisiológica
(Quadro e50.2); sintomas
gastrintestinais graves e
efeitos ␤-agonistas (ver
acima). A toxicidade ocorre
com níveis mais baixos do
fármaco na intoxicação
crônica que na intoxicação
aguda
Propranolol (␤-bloqueador não
seletivo) para taquicardia com
hipotensão; qualquer ␤-bloqueador
para taquicardia supraventricular
ou ventricular sem hipotensão;
aceleração da eliminação por
múltiplas doses de carvão,
hemoperfusão e hemodiálise; entre
as indicações de hemoperfusão
ou hemodiálise estão sinais vitais
instáveis, convulsões e níveis de
teofilina entre 80 e 100 ␮g/mL
depois de uma overdose aguda e
entre 40 e 60 ␮g/mL na exposição
crônica
Inibidores da
monoaminoxidase
Fenelzina,
tranilcipromina, selegilina
Inibição da
monoaminoxidase,
resultando na redução
do metabolismo das
catecolaminas e dos
agentes simpaticomiméticos
exógenos
Estimulação fisiológica tardia
ou lentamente progressiva
(Quadro e50.2); hipotensão
e bradicardia terminais nos
casos graves
Fármacos de ação curta (p. ex.,
nitroprussiato, esmolol) para
hipertensão e bradicardia graves;
simpaticomiméticos de ação direta
(p. ex., norepinefrina, epinefrina) para
hipotensão e bradicardia
Intoxicação e Overdose de Fármacos ou Drogas
Agonistas
␣1-adrenérgicos
(descongestionantes):
fenilefrina,
fenilpropanolamina
Agonistas
␤2-adrenérgicos
(broncodilatadores):
salbutamol, terbutalina
Agonistas adrenérgicos
inespecíficos:
anfetaminas, cocaína,
efedrina
Simpaticomiméticos
CAPÍTULO e50
Estimulado
(Continua)
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50-9
QUADRO e50.4
Aspectos fisiopatológicos e tratamento das síndromes tóxicas e das intoxicações específicas (Continuação)
Condição fisiológica e
suas causas
Exemplos
Mecanismo de ação
Manifestações clínicas
Tratamentos específicos
Anti-histamínicos
Difenidramina,
doxilamina, pirilamina
Inibição dos receptores
colinérgicos muscarínicos
parassimpáticos centrais
e pós-ganglionares. Em
doses altas, a amantadina, a
difenidramina, a orfenadrina,
as fenotiazinas e os
antidepressivos tricíclicos
também exercem atividade
não anticolinérgica (ver
adiante)
Estimulação fisiológica
(Quadro e50.2); pele e
mucosas secas, redução
dos ruídos peristálticos,
ruborização e retenção
urinária; mioclonia e
atividade involuntária dos
dedos. Podem ocorrer efeitos
centrais sem disfunção
autonômica significativa
Fisostigmina, um inibidor da
acetilcolinesterase (ver adiante)
para delirium, alucinações e
hiperatividade neuromuscular. As
contraindicações incluem toxicidade
cardiovascular não anticolinérgica (p.
ex., distúrbios da condução cardíaca,
hipotensão e arritmias ventriculares)
Agentes
antiparkinsonianos
Amantadina, triexifenidil
Antipsicóticos
Clorpromazina,
olanzapina, quetiapina,
tioridazina
Antiespasmódicos
Clinídio, diciclomina
Alcaloides da
beladona
Atropina, escopolamina,
hiosciamina
Antidepressivos
cíclicos
Amitriptilina, doxepina,
imipramina
Miorrelaxantes
Ciclobenzaprina,
orfenadrina
Cogumelos e plantas
Amanita muscaria e A.
pantherina, meimendro,
estramônio, beladona
(erva-moura)
Anticolinérgicos
PARTE XVIII
Intoxicação, Overdose de Drogas e Envenenamento
Deprimido
Simpaticolíticos
Agonistas
␣2-adrenérgicos
Clonidina, guanabenzo,
tetraidrozolina e outros
descongestionantes
imidazolínicos, tizanidina
e outros miorrelaxantes
imidazolínicos
Estimulação dos receptores
␣2-adrenérgicos, resultando
em inibição da atividade
simpática do SNC; a atividade
nos sítios de ligação não
adrenérgicos da imidazolina
também contribui para os
efeitos no SNC
Depressão fisiológica (Quadro
e50.2), miose. Pode haver
hipertensão inicial transitória
Dopamina e norepinefrina para
hipotensão. Atropina para bradicardia
sintomática. Naloxona para
depressão do SNC (eficácia variável)
Antipsicóticos
Clorpromazina, clozapina,
haloperidol, risperidona,
tioridazina
Inibição dos receptores
␣-adrenérgicos,
dopaminérgicos,
histaminérgicos,
muscarínicos e
serotoninérgicos. Alguns
fármacos também inibem
os canais de sódio, potássio
e cálcio
Depressão fisiológica (Quadro
e50.2), miose, efeitos
anticolinérgicos (ver acima),
reações extrapiramidais
(ver adiante), taquicardia.
Retardos da condução
cardíaca (prolongamento
do QRS e dos intervalos RP,
JT e QT) com taquiarritmias
ventriculares, inclusive
torsades des pointes em
alguns casos.
Bicarbonato de sódio e lidocaína
para taquiarritmias ventriculares
associadas ao prolongamento
do QRS. Magnésio, isoproterenol
e supressão com estimulação
para torsade des pointes. Evitar
antiarrítmicos das classes IA, IC e III.
O tratamento com emulsão lipídica
intravenosa pode produzir efeitos
benéficos em alguns casos.
Bloqueadores
␤-adrenérgicos
Bloqueadores
cardiosseletivos (␤1):
atenolol, esmolol,
metoprolol Bloqueadores
não seletivos (␤1 e ␤2):
nadolol, propranolol,
timolol ␤-agonistas
parciais: acebutolol,
pindolol
Inibição dos receptores
␤-adrenérgicos (efeito
antiarrítmico classe II).
Alguns fármacos exercem
atividades em outros
receptores ou produzem
efeitos nas membranas (ver
adiante)
Depressão fisiológica
(Quadro e50.2), bloqueio
atrioventricular, hipoglicemia,
hiperpotassemia, convulsões.
Os agonistas parciais
podem causar hipertensão
e taquicardia. O sotalol
pode prolongar o intervalo
QT e causar taquiarritmias
ventriculares. O início
pode ser tardio depois da
administração de sotalol e de
overdoses com preparações
de liberação contínua
Glucagon para hipotensão e
bradicardia sintomática. Atropina,
isoproterenol, dopamina,
dobutamina, epinefrina e
norepinefrina podem ser eficazes
em alguns casos. Insulina em doses
elevadas (com glicose e potássio
para manter os níveis normais de
glicose e potássio), estimulação
elétrica e suporte cardiovascular
mecânico para os casos refratários
␣1-antagonistas:
carvedilol, labetalol
Agentes ativos na
membrana: acebutolol,
propranolol, sotalol
(Continua)
50-10
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QUADRO e50.4
Aspectos fisiopatológicos e tratamento das síndromes tóxicas e das intoxicações específicas (Continuação)
Condição fisiológica e
suas causas
Manifestações clínicas
Tratamentos específicos
Bloqueadores dos
canais de cálcio
Diltiazem, nifedipino
e outros derivados da
diidropiridina; verapamil
Inibição dos canais de cálcio
cardiovasculares lentos
(tipo L), (efeito antiarrítmico
classe IV)
Depressão fisiológica
(Quadro e50.2), bloqueio
atrioventricular, isquemia
e infarto dos órgãos,
hiperglicemia, convulsões.
A hipotensão geralmente é
decorrente da redução da
resistência vascular, e não
da diminuição do débito
cardíaco. O início pode ser
tardio (≥ 12 h) depois da
overdose de preparações de
liberação contínua
Cálcio e glucagon para hipotensão e
bradicardia sintomática. Dopamina,
epinefrina, norepinefrina, atropina e
isoproterenol são menos comumente
eficazes, mas podem ser utilizados
simultaneamente. Insulina em altas
doses (com glicose e potássio para
manter os níveis normais de glicose
e potássio), tratamento com emulsão
lipídica intravenosa, estimulação
elétrica e suporte cardiovascular
mecânico para os casos refratários
Glicosídios cardíacos
Digoxina, esteroides
cardioativos endógenos,
dedaleira e outras
plantas, secreções
cutâneas dos sapos
(espécies Bufonidae)
Inibição da bomba de
Na+,K+-ATPase das
membranas
Depressão fisiológica
(Quadro e50.2), sintomas
gastrintestinais,
psiquiátricos e visuais;
bloqueio atrioventricular
com ou sem taquiarritmia
supraventricular associada;
taquiarritmias ventriculares.
Hiperpotassemia na
intoxicação aguda. A
toxicidade ocorre mais
frequentemente com níveis
mais baixos do fármaco nas
intoxicações crônicas do que
nas agudas
Fragmentos de anticorpos
específicos para digoxina
como tratamento das arritmias
hemodinamicamente estáveis,
bloqueio atrioventricular do tipo
Mobitz II ou de terceiro grau,
hiperpotassemia (> 5,5 mEq/L;
apenas nas intoxicações agudas).
As medidas temporárias incluem
atropina, dopamina, epinefrina,
fenitoína e marca-passo cardíaco
externo para as bradiarritmias; e
magnésio, lidocaína ou fenitoína
para as taquiarritmias ventriculares.
O marca-passo cardíaco interno e
a cardioversão podem acentuar a
irritabilidade ventricular e devem ser
reservados para os casos refratários
Antidepressivos
cíclicos
Amitriptilina, doxepina,
imipramina
Inibição dos receptores
␣-adrenérgicos,
dopaminérgicos,
GABA-érgicos,
histaminérgicos,
muscarínicos e
serotoninérgicos; inibição
dos canais de sódio
(ver agentes ativos na
membrana); inibição da
recaptação da norepinefrina
e serotonina
Depressão fisiológica
(Quadro e50.2), convulsões,
taquicardia, retardos
da condução cardíaca
(prolongamentos do QRS e
dos intervalos RP, JT e QT;
desvio do eixo à direita com
QRS terminal) com ritmo
aberrante e taquiarritmias
ventriculares. Toxíndrome
anticolinérgica (ver itens
anteriores)
Bicarbonato de sódio hipertônico
(ou soro fisiológico hipertônico)
e lidocaína para taquiarritmias
ventriculares associadas ao
prolongamento do QRS. O uso da
fenitoína é controvertido. Evitar os
antiarrítmicos das classes IA, IC e III
Inibidores da
acetilcolinesterase
Inseticidas carbamatos
(aldicarbe, carbanil,
propoxur) e medicinais
(neostigmina,
fisostigmina, tacrina);
gases neurais (sarin,
soman, tabun,
VX), inseticidas
organofosforados
(diazinon, clopirifós-etila,
malation)
Inibição da
acetilcolinesterase,
resultando no aumento da
acetilcolina nos receptores
nas sinapses colinérgicos
muscarínicos e nicotínicos
Atropina para sinais e sintomas
muscarínicos. Pralidoxima (2-PAM),
um reativador da colinesterase,
para sinais e sintomas nicotínicos
causados por organofosforados,
gases neurais ou um agente
anticolinesterásico desconhecido
Agonistas
muscarínicos
Betanecol, cogumelos
(espécies Boletus,
Clitocybe, Inocybe),
pilocarpina
Estimulação dos receptores
colinérgicos (muscarínicos)
parassimpáticos do SNC e
pós-ganglionares
Agonistas nicotínicos
Lobelina, nicotina
(tabaco)
Estimulação dos
receptores simpáticos
e parassimpáticos
pré-ganglionares e dos
receptores colinérgicos
(nicotínicos) da musculatura
estriada (junção
neuromuscular)
Depressão fisiológica (Quadro
e50.2). Sinais e sintomas
muscarínicos: convulsões,
secreções excessivas
(lacrimejamento, salivação,
broncorreia e sibilação,
sudorese) e acentuação das
atividades vesical e intestinal
com náuseas, vômitos,
diarreia, cólicas abdominais
e incontinência de fezes
e urina. Sinais e sintomas
nicotínicos: hipertensão,
taquicardia; cãibras,
fasciculações, fraqueza e
paralisia musculares. Em
geral, o óbito é atribuído à
insuficiência respiratória. A
atividade da colinesterase
no plasma e nas hemácias
é < 50% do normal nas
intoxicações por inibidores da
acetilcolinesterase
Intoxicação e Overdose de Fármacos ou Drogas
Mecanismo de ação
CAPÍTULO e50
Exemplos
Colinérgicos
(Continua)
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50-11
QUADRO e50.4
Aspectos fisiopatológicos e tratamento das síndromes tóxicas e das intoxicações específicas (Continuação)
Condição fisiológica e
suas causas
Exemplos
Mecanismo de ação
Manifestações clínicas
Tratamentos específicos
Potencialização dos efeitos
inibitórios do GABA por meio
da ligação ao receptor do
canal de cloreto GABA-A
neuronal e do aumento da
frequência ou da duração da
abertura do canal de cloreto
em resposta à estimulação
pelo GABA. O baclofeno
e, até certo ponto, o GHB
atuam no complexo receptor
GABA-B; o meprobamato,
seu metabólito carisoprodol,
o felbamato e a
orfenadrina antagonizam
os receptores excitatórios
do N-metil-D-aspartato
(NMDA); a etossuximida, o
valproato e a zonisamida
reduzem a condução
pelos canais de cálcio
do tipo T; o valproato
diminui a decomposição
do GABA; e a tiagabina
bloqueia a recaptação do
GABA; a carbamazepina,
a lamotrigina, a
oxcarbazepina, a fenitoína, o
topiramato, o valproato e a
zonisamida diminuem a taxa
de recuperação dos canais
de sódio inativados. Alguns
fármacos também exercem
atividades ␣2-agonistas,
anticolinérgicas e
bloqueadoras dos canais de
sódio (ver itens anteriores e
subsequentes)
Depressão fisiológica (Quadro
e50.2), nistagmo. A absorção
lenta pode ocorrer com
carbamazepina, fenitoína
e valproato. Mioclonias,
convulsões, hipotensão
e taquiarritmias podem
surgir com baclofeno,
carbamazepina e orfenadrina.
Benzodiazepinas, barbitúricos ou
propofol para convulsões.
Taquiarritmias também
podem ocorrer com
hidrato de cloral.
AMAG, hipernatremia,
hiperosmolalidade,
hiperamonemia, hepatite
química e hipoglicemia
podem estar associadas à
intoxicação pelo valproato.
A carbamazepina e a
oxcarbazepina podem causar
hiponatremia secundária à
SSIADH
Ver itens anteriores e subsequentes
quanto ao tratamento dos efeitos
anticolinérgicos e bloqueadores dos
canais de sódio (membrana)
Sedativo-hipnóticos (ver também o Cap. 393)
PARTE XVIII
Anticonvulsivantes
Carbamazepina,
etossuximida,
felbamato, fenitoína,
gabapentina, lamotrigina,
levetiracetam,
oxcarbazepina, tiagabina,
topiramato, valproato,
zonisamida
Barbitúricos
Ação curta: butabarbital,
pentobarbital,
secobarbital
Ação longa: fenobarbital,
primidona
Benzodiazepínicos
Intoxicação, Overdose de Drogas e Envenenamento
Ação ultracurta:
estazolam, midazolam,
temazepam, triazolam
Ação curta: alprazolam,
flunitrazepam, lorazepam,
clonazepam
Ação longa:
clordiazepóxido,
clonazepam, diazepam,
flurazepam
Agentes
farmacologicamente
relacionados: zaleplona,
Zolpidem
Precursores do
GABA
␥-Hidroxibutirato
(oxibato sódico; GHB);
␥-butirolactona (GBL),
1,4-butanediol
Miorrelaxantes
Baclofeno, carisoprodol,
ciclobenzaprina,
etomidato, metaxalona,
metocarbamol,
orfenadrina, propofol,
tizanidina e outros
miorrelaxantes
imidazolínicos
Outros fármacos
Hidrato de cloral,
etclorvinol, glutetimida,
meprobamato,
metaqualona, metiprilona
Hemodiálise e hemoperfusão podem
estar indicadas para intoxicações
graves por alguns fármacos (ver
“Remoção extracorpórea” no texto.)
Alguns fármacos
podem causar efeitos
anticolinérgicos e
bloqueadores dos canais de
sódio (membrana) (ver acima
e abaixo)
(Continua)
50-12
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QUADRO e50.4
Aspectos fisiopatológicos e tratamento das síndromes tóxicas e das intoxicações específicas (Continuação)
Condição fisiológica e
suas causas
Exemplos
Mecanismo de ação
Manifestações clínicas
Tratamentos específicos
Inibidores da
citocromo-oxidase
Cianeto, sulfeto de
hidrogênio
Inibição da
citocromo-oxidase
mitocondrial e, deste modo,
bloqueio do transporte de
elétrons e do metabolismo
oxidativo. O monóxido de
carbono também se liga à
hemoglobina e à mioglobina
e impede a ligação, o
transporte e a captação
tecidual do oxigênio (a
ligação à hemoglobina
desvia a curva de
dissociação do oxigênio para
a esquerda)
Sinais e sintomas de
hipoxemia com estimulação
fisiológica inicial e, em
seguida, depressão (Quadro
e50.2); acidose láctica; PO2
e saturação de oxigênio
calculada normais, mas
redução da saturação do
oxigênio na co-oximetria (o
valor aferido pela oximetria
do pulso está falsamente
elevado, mas fica abaixo do
normal e é menor do que o
valor calculado). Cefaleia e
náuseas são comuns com o
monóxido de carbono. Pode
haver colapso súbito com a
exposição ao cianeto e ao
sulfeto de hidrogênio. Um
odor de amêndoa amarga
no hálito pode ocorrer com a
ingestão de cianeto; o sulfeto
de hidrogênio causa hálito
com odor de ovo podre
Oxigênio em altas doses.
Hidroxicobalamina IV ou nitrito de
sódio e tiossulfato de sódio IV (kit de
antídotos para cianeto) para coma,
acidose metabólica e disfunção
cardiovascular causados pela
intoxicação por cianeto.
Indutores de
metemoglobina
Derivados da anilina,
dapsona, anestésicos
locais, nitratos, nitritos,
óxidos de nitrogênio,
hidrocarbonetos nitro e
nitrosos, fenazopiridina,
antimaláricos do tipo
primaquina, sulfonamidas
A oxidação do ferro da
hemoglobina de sua
forma ferrosa (Fe2+) para
férrica (Fe3+) impede a
ligação, o transporte e a
captação do oxigênio (a
metemoglobinemia desvia
a curva de dissociação do
oxigênio para a esquerda).
A oxidação da proteína
da hemoglobina provoca
precipitação e anemia
hemolítica (evidenciada
por corpúsculos de Heinz
e “células mordidas”
no esfregaço do sangue
periférico)
Sinais e sintomas de
hipoxemia com estimulação
fisiológica inicial seguida de
depressão (Quadro e50.2),
cianose cinza-acastanhada
refratária ao oxigênio quando
as frações de metemoglobina
são > 15 a 20%, cefaleia,
acidose láctica (com frações
de metemoglobina > 45%),
PO2 e saturação de oxigênio
calculada normais, mas
a saturação de oxigênio
está diminuída e a fração
de metemoglobina está
aumentada na cooximetria
(a saturação do oxigênio
pela oximetria de pulso pode
estar falsamente elevada ou
reduzida, mas seu nível fica
abaixo do normal e é menor
que o valor calculado)
Oxigênio em doses elevadas. Azul
de metileno intravenoso para
fração de metemoglobina > 30%,
hipoxemia sintomática ou isquemia
(contraindicado em presença de
deficiência de G6PD). Transfusões de
troca e oxigênio hiperbárico para os
casos graves ou refratários
Indutores de AMGA
Etilenoglicol
O etilenoglicol causa
depressão do SNC e
aumenta a osmolalidade
sérica. Os metabólitos
(principalmente o ácido
glicólico) causam AMAG,
depressão do SNC e
insuficiência renal. A
precipitação do metabólito
ácido oxálico sob a forma
de sal de cálcio nos
tecidos e na urina provoca
hipocalcemia, edema
tecidual e cristalúria
Inicialmente, a intoxicação é
semelhante à causada pelo
etanol; náuseas, vômitos,
ampliação da diferença
osmolar, cristalúria de oxalato
de cálcio. AMDA tardia,
dor lombar, insuficiência
renal. Coma, convulsões,
hipotensão, SDRA nos casos
graves
Bicarbonato de sódio para corrigir
a acidemia. Tiamina, ácido folínico,
magnésio e piridoxina em doses
altas para facilitar o metabolismo.
Etanol ou fomepizol para AMDA,
cristalúria ou disfunção renal,
nível de etilenoglicol > 3 mmol/L
(20 mg/dL) e para as intoxicações
semelhantes às do etanol, ou
ampliação da diferença osmolar
se o nível não puder ser dosado
facilmente. Hemodiálise para
AMAG persistente, ausência de
melhora clínica e disfunção renal.
A hemodiálise também é útil para
acelerar a eliminação do etilenoglicol
e abreviar a duração do tratamento
quando seu nível é > 8 mmol/L (50
mg/dL)
Discordante
Asfixiantes
CAPÍTULO e50
Intoxicação e Overdose de Fármacos ou Drogas
(Continua)
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50-13
QUADRO e50.4
Aspectos fisiopatológicos e tratamento das síndromes tóxicas e das intoxicações específicas (Continuação)
Exemplos
Mecanismo de ação
Manifestações clínicas
Tratamentos específicos
Indutores de AMAG
Ferro
A hidratação do íon férrico
(Fe3+) gera H+. O ferro não
ligado à transferrina catalisa
a formação dos radicais
livres, que causam lesão
mitocondrial, peroxidação
lipídica, aumento da
permeabilidade capilar,
vasodilatação e toxicidade
dos órgãos
Inicialmente, náuseas,
vômitos, dor abdominal e
diarreia. AMAG, depressão
do SNC e do sistema
cardiovascular, hepatite,
coagulopatia e convulsões
nos casos graves. Os
comprimidos radiopacos de
ferro podem ser detectados
nas radiografias do abdome
Irrigação intestinal total para as
ingestões maciças. Endoscopia e
gastrostomia se houver toxicidade
clínica e grandes quantidades
de comprimidos ainda estiverem
visíveis nos raios X. Hidratação IV.
Bicarbonato de sódio para acidemia.
Deferoxamina IV para toxicidade
sistêmica, nível de ferro > 90 ␮mol/L
(500 ␮g/dL)
Metanol
O metanol causa depressão
do SNC e aumento da
osmolalidade sérica
semelhantes aos do etanol.
O metabólito ácido fórmico
causa AMDA e toxicidade
renal
Inicialmente, a intoxicação
é semelhante à causada
pelo etanol, com náuseas,
vômitos e ampliação da
diferença aniônica. AMDA
tardia, anormalidades
visuais (turvação, manchas,
cegueira) e retinianas
(edema, hiperemia). Coma,
convulsões, depressão
cardiovascular nos casos
graves. Pode ocorrer
pancreatite
Aspiração gástrica se a ingestão for
recente. Bicarbonato de sódio para
corrigir a acidemia. Ácido folínico ou
folato em doses altas para facilitar
o metabolismo. Etanol ou fomepizol
para AMDA, sintomas visuais, nível
de metanol > 6 mmol/L (20 mg/
dL) e intoxicação semelhante à
causada pelo etanol ou aumento
da diferença osmolar se não for
possível determinar prontamente o
nível de metanol. Hemodiálise para
AMAG persistente, ausência de
melhora clínica e disfunção renal.
A hemodiálise também é útil para
acelerar a eliminação do metanol e
abreviar a duração do tratamento
quando o nível do metanol é > 15
mmol/L (50 mg/dL)
Salicilatos
A hipersensibilidade do
centro respiratório do SNC
às alterações da PO2 e da
PCO2 estimula a respiração.
O desacoplamento da
fosforilação oxidativa,
inibição das enzimas
do ciclo de Krebs e a
estimulação do metabolismo
dos carboidratos e dos
lipídios gera ânions
endógenos não mensuráveis
e causa AMAG
Inicialmente, náuseas,
vômitos, hiperventilação,
alcalemia, alcalúria. Depois,
alcalemia com alcalose
respiratória e AMDA, e
acidúria paradoxal. Acidemia
tardia com depressão
do SNC e do sistema
respiratório. Edema cerebral
e pulmonar nos casos
graves. Podem ocorrer
hipoglicemia, hipocalcemia,
hipopotassemia e convulsões
Hidratação IV e glicose suplementar.
Bicarbonato de sódio para corrigir a
acidemia. Alcalinização da urina para
a toxicidade sistêmica. Hemodiálise
para coma, edema cerebral,
convulsões, edema pulmonar,
insuficiência renal, distúrbios
ácido-básicos progressivos ou
toxicidade clínica, nível de salicilato
> 7 mmol/L (100 mg/dL) depois de
overdose aguda
Antipsicóticos (ver
acima), alguns
antidepressivos cíclicos e
anti-histamínicos
Redução da atividade
dopaminérgica do SNC com
hiperatividade colinérgica
relativa
Acatisia, distonia,
parkinsonismo
Anticolinérgico oral ou parenteral,
inclusive benzitropina
ou difenidramina
A interferência na ativação
e no fornecimento de piridoxal-5-fosfato (um cofator do
ácido glutâmico descarboxilase que converte o ácido
glutâmico em GABA) diminui
os níveis desse neurotransmissor inibitório do SNC; a
formação de complexos e depleção da própria piridoxina
e a inibição do dinucleotídio
nicotina-adenina dependente
do lactato e das hidroxibutirato-desidrogenases, resulta
no acúmulo do substrato
Náuseas, vômitos, agitação,
confusão; coma, depressão
respiratória, convulsões,
acidose láctica e cetoacidose
nos casos graves
Doses intravenosas elevadas
de piridoxina (vitamina B6)
para agitação, confusão, coma
e convulsões. Diazepam ou
barbitúricos para convulsões
PARTE XVIII
Condição fisiológica e
suas causas
Intoxicação, Overdose de Drogas e Envenenamento
Síndromes do SNC
Reações
extrapiramidais
Isoniazida
(Continua)
50-14
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QUADRO e50.4
Aspectos fisiopatológicos e tratamento das síndromes tóxicas e das intoxicações específicas (Continuação)
Condição fisiológica e
suas causas
Exemplos
Lítio
Tratamentos específicos
Interferência no transporte
de íons na membrana
celular, na adenilatociclase
e na atividade da
Na+,K+-ATPase e liberação
dos neurotransmissores
Náuseas, vômitos, diarreia,
ataxia, coreoatetose,
encefalopatia, hiperreflexia,
mioclonia, nistagmo, diabetes
insípido nefrogênico, falsa
elevação do cloreto sérico
com diferença aniônica
pequena, taquicardia. Coma,
convulsões, arritmias,
hipertermia e encefalopatia
prolongada ou permanente,
bem como distúrbios do
movimento nos casos
graves. Início tardio depois
de uma overdose aguda,
principalmente com as
preparações de liberação
tardia. A toxicidade ocorre
com níveis farmacológicos
mais baixos nas intoxicações
crônicas do que nas agudas
Irrigação intestinal total para
ingestões maciças. Considerar a
remoção endoscópica se o nível
farmacológico for alto e crescente,
com toxicidade clínica progressiva.
Hidratação IV. Hemodiálise para
coma, convulsões, encefalopatia ou
disfunção neuromuscular progressiva
ou persistente, nível de pico do lítio
> 4 mEq/L (mmol/L) depois de uma
overdose aguda
Síndrome
serotonínica
Anfetaminas, cocaína,
dextrometorfano,
meperidina, inibidores
da MAO, inibidores
seletivos da recaptação
de serotonina (5HT),
antidepressivos
tricíclicos, tramadol,
triptanos, triptofano
Estimulação da liberação
de serotonina, inibição da
recaptação de serotonina
ou estimulação direta do
SNC e dos receptores
periféricos de serotonina
(principalmente 5HT-1a e
5HT-2), isoladamente ou em
combinação
Estado mental alterado
(agitação, confusão,
mutismo, coma, convulsões),
hiperatividade neuromuscular
(hiperreflexia, mioclonia,
rigidez, tremores) e disfunção
autonômica (dor abdominal,
diarreia, sudorese, febre,
rubor, hipertensão lábil,
midríase, lacrimejamento,
salivação, taquicardia). Entre
as complicações, estão a
hipertermia, acidose láctica,
rabdomiólise e falência de
múltiplos órgãos.
Antagonistas dos receptores
de serotonina, ciproeptadina;
interromper a administração do(s)
fármaco(s) desencadeante(s).
Agentes ativos nas
membranas
Amantadina,
antiarrítmicos (agentes
das classes I e III;
alguns ␤-bloqueadores),
antipsicóticos (ver
acima), anti-histamínicos
(principalmente
a difenidramina),
carbamazepina,
anestésicos locais
(inclusive a cocaína),
opioides (meperidina,
propoxifeno), orfenadrina,
antimaláricos do grupo
da quinolina (cloroquina,
hidroxicloroquina,
quinina), antidepressivos
cíclicos (ver acima)
O bloqueio dos canais
de sódio rápidos das
membranas prolonga a
fase 0 (despolarização) do
potencial de ação cardíaco,
que prolonga a duração do
QRS e favorece a taquicardia
ventricular reentrante
(monomórfica). Os
antiarrítmicos das classes Ia,
Ic e III também bloqueiam o
canal de potássio durante as
fases 2 e 3 (repolarização)
do potencial de ação,
prolongando o intervalo JT
e favorecendo a ocorrência
de pós-despolarizações
precoces e taquicardia
ventricular polimórfica
(torsades des pointes).
Efeitos semelhantes nos
canais das membranas
neuroniais causam disfunção
do SNC. Alguns agentes
também bloqueiam os
receptores ␣-adrenérgicos
e colinérgicos, ou produzem
efeitos opioides (ver acima e
Cap. 393)
Prolongamentos do QRS e do
intervalo JT (ou ambos) com
hipotensão, taquiarritmias
ventriculares, depressão
do SNC, convulsões.
Efeitos anticolinérgicos
com amantadina,
anti-histamínicos,
carbamazepina,
disopiramida, antipsicóticos e
antidepressivos cíclicos (ver
acima). Efeitos opioides com
meperidina e propoxifeno
(ver Cap. 393). Cinchonismo
(perda da audição, tinido,
náuseas, vômitos, vertigem,
ataxia, cefaleia, ruborização,
sudorese) e cegueira com
antimaláricos do grupo da
quinolina
Bicarbonato de sódio hipertônico
(ou soro fisiológico hipertônico) para
retardo da condução cardíaca e
taquicardia ventricular monomórfica.
Lidocaína para taquicardia
ventricular monomórfica (exceto
quando é causada por antiarrítmicos
da classe Ib). Magnésio,
isoproterenol e marca-passo de
overdrive para taquicardia ventricular
polimórfica. Fisostigmina para
efeitos anticolinérgicos (ver acima).
Naloxona para efeitos opioides (ver
Cap. 393). Remoção extracorporal
para alguns fármacos (ver texto)
Intoxicação e Overdose de Fármacos ou Drogas
Manifestações clínicas
CAPÍTULO e50
Mecanismo de ação
Nota: ADAG, acidose tubular com anion gap; SDRA, síndrome do desconforto respiratório agudo; ATPase, trifosfatase de adenosina; SNC, sistema nervoso central; GABA, ácido ␥-aminobutírico;
GHB, ␥-hidroxibutirato; 5-HT, 5-hidroxitriptamina (serotonina); MAO, monoaminoxidase; PCO2, pressão parcial de dióxido de carbono; PO2, pressão parcial de oxigênio; SSIADH, síndrome de secreção
inadequada do hormônio antidiurético; VX, agente de ação neural persistente e extremamente tóxico (nenhum nome químico comum).
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Agradecimento
O autor agradece às contribuições de Christopher H. Linden e Michael J. Burns
para este capítulo publicado nas edições anteriores deste livro.
BIBLIOGRAFIA
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PARTE XVIII
Intoxicação, Overdose de Drogas e Envenenamento
50-16
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