Sujeitos, convenções e diferenças: produção de sentidos sobre as

Propaganda
Sujeitos, convenções e diferenças: produção de sentidos sobre as categorias travestis e
transexuais através dos debates em torno de políticas de saúde
Bruno Cesar Barbosa (Doutorando em Antropologia Social/ Universidade de São Paulo)
Este trabalho inscreve-se em uma pesquisa mais ampla de doutorado em
Antropologia Social que tem por objetivo investigar os usos das categorias travesti e
transexual por meio dos debates em torno das políticas públicas de saúde voltadas para
tais pessoas. Estes debates são tomados como lugares privilegiados de análise das
diversas convenções em torno da produção destas categorias, já que neste contexto
entram em interação múltiplos atores sociais engajados neste processo, como
movimentos sociais, gestores estatais e acadêmicos de diversas áreas.
Para alcançar este objetivo, a pesquisa investe em uma etnografia composta de
análise de documentos e bibliografias, trabalho de campo e entrevistas em
profundidade. A pesquisa de campo é realizada em eventos promovidos pelo
movimento social, agências estatais e associações de pesquisa e, de modo contínuo
desde o ano de 2008, nas Terças Trans, uma reunião quinzenal em que se reúnem
travestis e transexuais, organizada pela Associação da Parada do Orgulho LGBT de São
Paulo.
Neste artigo recorto parte do trabalho de campo nas Terças Trans e em dois
eventos em que o Processo Transexualizador, política pública que procura assegurar o
custeio público no SUS de cirurgias e outros tratamentos requeridos por transexuais,
esteve em debate para discutir acerca de como se produzem diferenças entre travestis e
transexuais nestas situações.
O primeiro evento foi o Seminário “Transexualidade e Travestilidade: Direito à
Saúde”, organizado em outubro 2010 pela Comissão de Cidadania e Reprodução do
CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) em São Paulo, em que
estiveram presentes especialistas de diversas áreas e militantes. O segundo é o Encontro
Nacional de Travestis e Transexuais, o Entlaids, evento de grande relevância para o
movimento social em que se encontraram presentes travestis e transexuais de diversos
lugares do Brasil, organizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais
(ANTRA), realizado em Aracajú, em novembro de 2010.
A questão central que norteia a análise das interações nas situações é como as
diferentes pessoas utilizam categorias relacionadas a identidades sexuais e de gênero,
sobretudo as categorias travesti e transexual (porém não somente estas), e como
acionam diversas associações convencionais neste processo para produzir sentidos e
diferenças entre estas categorias.
De forma a cruzar os usos e sentidos desta prática de agenciamento de categorias e
convenções nas diversas situações analisadas, busquei inspiração em abordagens que
enfatizam o aspecto pragmático e relacional da produção das identidades (Herzfeld,
1997; Butler, 2003), e também perspectivas teóricas que enfatizam como estas
categorias
são
produzidas
mediante
a
articulação
de
diversos
enunciados,
particularmente aqueles relacionados aos marcadores sociais da diferença de gênero,
sexualidade, classe, cor/raça e geração – embora não somente estes – chamadas de
interseccionalidades (Brah, 2006; Piscitelli, 2008; MCclintock, 2010).
Articulado a esta ênfase em se pensar as articulações de enunciados na produção
de categorias de identidade e de diferença, também destaco o aspecto transformativo e
inventivo destes processos, entendendo estes debates em torno das políticas públicas
como lugares de invenção de convenções, entendendo que o criativo e inventivo é
sempre produzido a partir de uma base comunicativa de convenções compartilhadas,
certas expectativas sociais (Wagner, 2010). Compreendo que em todos estes contextos
de usos há tensões concomitantes de convencionalização e inovação de significados. As
expectativas sociais em relação as categorias são postas em interação e tensionadas
neste processo sendo sempre reinventadas e relativizadas pois no agenciamento de
convenções produzem-se extensões e metaforizações de sentido que serão, por sua vez,
material para produção de convenções utilizadas em novas associações.
Em observações nas diversas situações de uso destas categorias pude perceber
diversas convenções articuladas em relação as categorias travesti e transexual e sobre
suas diferenças a partir do acionamento de referenciais biomédicos, dos movimentos
sociais e das próprias ciências sociais, que neste processo pragmático se transformam.
Embora a convenção de que a cirurgia de transgenitalização demarca as diferenças entre
travestis e transexuais, seja uma referência central para a definição destas diferenças
tanto entre médicos como entre militantes, expresso pela centralidade da reiteração
desta convenção em todas as situações, há também uma variedade de reelaborações e
deslocamentos de sentidos por parte dos diversos atores sociais, que evidenciam
diversas tensões. Nestes processos são agenciados e articulados enunciados não somente
ligados a sexualidade e gênero, mas também enunciados relacionados a classe, cor/raça,
geração e nacionalidade, que podem adquirir maior relevância na definição destas
categorias.
Download