I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular Tendências e convergências da música na cultura midiática 21 a 23 de outubro de 2009, UFMA, São Luis – MA. 1 Eu vi um Brasil na TV1 Festivais Televisivos nos anos de chumbo (1967-1972) Felipe Araújo2 Cláudia Guimarães3 Resumo: O presente trabalho analisa o desenvolvimento da indústria fonográfica unida à indústria televisiva no Brasil, do final da década de 1960 ao início da década de 1970. Destaca-se que neste período delimitado o “padrão Globo de produção” se impõe, fazendo parte integrante de um processo ideológico situado no contexto dos “anos de chumbo” em que o país se encontrava submetido a um regime de governo autoritário e tecnocrático. Aqui, os Festivais Internacionais da Canção da Rede Globo (FIC) serão o objeto pelo qual faremos a abordagem do cenário estético, político, artístico e cultural de um período em que o Brasil sofreu com a ausência de seus principais artistas, fundamentalmente na música, acima de todas as expressões populares. Portanto, o FIC de 1968 (III FIC) e o de 1972 (VII FIC) serão os que apontarão os caminhos deste artigo por serem eles paradigmáticos dentre os festivais em geral, trilhando desde a obra conhecida como Seguindo a Canção de Vandré no primeiro festival citado, até o último festival da era festivalesca em 1972. Palavras-chave: Indústria Fonográfica, Indústria Televisiva, Música, Regime Militar, Festivais. Introdução Décadas de 1960 e 1970 no Brasil; indústria televisiva; regime militar, música, MPB. Esta temática, no presente artigo, situa o desenvolvimento da indústria televisiva como componente do movimento mais geral de desenvolvimento do capitalismo no país. No seu interior, como processo de educação ideológica de massas e, na dimensão cultural, a indústria midiática enquanto tal ganha destaque na ação do Estado autoritário, apoiada em múltiplos fenômenos relacionados à construção hegemônica e aos processos de formação de consenso social necessário ao regime. Nestes, os festivais de música popular brasileira desempenharam 1 Trabalho apresentado no I MUSICOM – Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular, realizado de 21 a 23 de outubro de 2009, no campus da UFMA, São Luis – MA. 2 Felipe Araújo é Jornalista, Historiador e professor dos cursos técnicos em Comunicação do Colégio Estadual do Paraná. Atualmente faz mestrado em Comunicação e Linguagens na Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Email: [email protected] 3 Cláudia Guimarães é artista plástica formada pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP), com especialização em Fundamentos Estéticos para Arte-Educação pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP), História da Arte do Século XX (EMBAP) e Cinema, na Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Atualmente faz mestrado em Comunicação e Linguagens na UTP. E-mail: [email protected] I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular Tendências e convergências da música na cultura midiática 21 a 23 de outubro de 2009, UFMA, São Luis – MA. 2 uma relação fundamental, como eventos culturais e de mídia de grande impacto que disputavam a adesão da população, destacando-se sujeitos sociais importantes como a juventude -sobretudo os estudantes secundaristas e universitários-, as camadas médias urbanas e os trabalhadores. Destacamos aqui a importância dos movimentos musicais ocorridos no país, notadamente entre 1968 e 1972. Estes dois marcos constituem momentos culturais distintos que vão do lançamento da Tropicália à realização do último grande festival televisivo da “era dos festivais” da MPB. Estes eventos, unidos às políticas centralizadoras do Estado, estão diretamente relacionados às fortes tensões políticas e mobilizações sociais do período, marcado pelo acirramento do autoritarismo e da repressão, com a edição do Ato Institucional n. 5 e os anos mais duros da luta armada. Na década de 1960 o Brasil passou por um período de profunda mobilização política, debatendo temas importantes como as reformas sociais de base: agrária, urbana, educacional, sindical, trabalhista etc. Dentre estes movimentos, destacam-se os debates em torno da “cultura nacional”. O Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC da UNE), criado em 1962, foi um dos grandes protagonistas desse processo. Os jovens do CPC levavam às empresas e aos estudantes peças de teatro, festivais de música e produziam livros, discos e filmes dentro de um projeto intelectual comum: a elaboração “imperiosa” de uma “cultura popular” em confronto com as expressões artísticas vigentes4, que seriam manifestações culturais alienantes que não davam ao público a conscientização política e o engajamento social. O curto intervalo de 19 anos que Brasil teve entre a Ditadura de Getúlio Vargas e a Ditadura Militar foi suficiente para que os estudantes e os operários tomassem força e se organizassem, expandindo o debate sobre sua condição e os rumos que o país estava tomando5. Foi nesta década também que a televisão começou sua inserção no mercado, intensificando sua popularização entre os brasileiros e, conseqüentemente, absorvendo maiores verbas da publicidade. Em 1951, quando só existia a TV Tupi, o Brasil tinha cerca de 3.500 aparelhos televisivos, passando para aproximadamente 1,8 milhão em 1959, momento em que a Tupi já concorria com a TV Record de São Paulo. Entre 1958 a 1962, as verbas 4 5 BERLINCK, M. T. Centro Popular de Cultura da UNE, Campinas: Papirus, 1984, p.9. HOLLANDA, H. Cultura e participação nos anos 60, São Paulo: Brasiliense, 1985. I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular Tendências e convergências da música na cultura midiática 21 a 23 de outubro de 2009, UFMA, São Luis – MA. 3 destinadas à televisão passaram de 8% para 24%6. Dando seus primeiros passos, a linguagem televisiva era quase toda emprestada do seu primo rico: o rádio. A TV Record, surgida em 1953, desde seu início dedicou-se aos programas musicais, não demorando a tentar reproduzir os festivais universitários que atraíam as multidões de jovens secundaristas e universitários e proporcionavam o debate estético sobre as novas formas musicais. Ainda sem o recurso do video-tape, as emissoras de televisão tinham que buscar nas fórmulas ao vivo a saída para seus impasses de audiência. Esse intenso movimento cultural e político transformou-se progressivamente em lutas e demandas sociais das massas urbanas, juventudes e trabalhadores. A saída, do ponto de vista das elites, foi a interrupção da constitucionalidade, com o Golpe Militar de 1964. Este foi um duro golpe em toda aquela nova produção cultural, já que instituições de coerção, como a Delegacia da Ordem Política e Social (DOPS) e o Departamento de Operações Internas – Comando de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), passaram a agir intensamente sobre os movimentos sociais, culturais artistas e os meios de comunicação, cerceando as liberdades de reunião e associação e de produção e circulação de informação, principalmente as que pusessem em debate a condição brasileira diante do regime militar. A censura instaurou-se vorazmente objetivando proibir a circulação da palavra política, pois se não circulasse não teria eficácia e, consequentemente, não estimularia a mobilização social7. Foi no início do regime militar que a MPB ganhou corpo e institucionalizou-se, após o triunfo do espetáculo Opinião, “fundado sobre as cinzas do CPC”, que havia sido proibido já nos primeiros momentos do regime. Esta institucionalização, com marco em 1965, é melhor explicada por Napolitano em seu artigo Conceito de “MPB” nos anos 60: Por volta de 1965, houve uma redefinição do que se entendia como Música Popular Brasileira, aglutinando uma série de tendências e estilos musicais que tinham em comum a vontade de “atualizar” a expressão musical do país, fundindo elementos tradicionais a técnicas e estilos inspirados na Bossa Nova, surgida em 1959. Naquele contexto foram exercitadas formas diversas de atuação de artistas e intelectuais que acreditaram na possibilidade de engajar-se politicamente, ao mesmo tempo que atuavam no mercado musical [...]. Este processo que redimensionou e consagrou a sigla MPB –Música Popular Brasileira – pode ser visto como parcialmente determinado pelas intervenções 6 NAPOLITANO, M. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959-1969), São Paulo: Annablume, 2001, p. 86). 7 OLIVEIRA, S. C. Irreverências mil pra noite do Brasil: imagens do regime militar nas canções engajadas, Mestrado [dissertação]. Curso de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1998. I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular Tendências e convergências da música na cultura midiática 21 a 23 de outubro de 2009, UFMA, São Luis – MA. 4 culturais que tentaram equacionar os impasses surgidos em torno do nacional-popular, tomado aqui como cultura política8. Um amplo debate estético e ideológico ocorre nos anos de 1960 através da MPB que, em função deste próprio debate torna-se uma instituição sócio-cultural brasileira9. Porém é importante, até aqui, compreender que havia uma música com características estéticas e ideológicas próprias (reunindo diversas tendências e estilos que se complementavam) consumida principalmente pelo público jovem -estudantes secundaristas e universitários. Os cantores que faziam shows em palco, atraindo as multidões estudantis, como Nara Leão e Elis Regina, logo ganharam espaço nas televisões com programas adaptados do palco, isto é, saídos direto das apresentações ao vivo tal como ocorria dentro e ao redor das universidades. Tais programas foram o corpo do que se tornariam os festivais da televisão, pois já arrebanhavam grande audiência. Os festivais tiveram como modelo eventos que ocorriam nos palcos paulistas e cariocas na primeira metade da década de 60. Conforme Napolitano, (...) a seqüência de espetáculos que ocupou o calendário de 1964 a 1965, pode ser considerada o “elo perdido” entre o circuito restrito da primeira bossa nova e a explosão da MPB nas televisões (...) Por exemplo, um dos espetáculos desse novo circuito, o Primeira Audição, realizado no colégio Rio Branco, pode ser considerado o piloto da fórmula televisiva que desembocou nos festivais da TV Record a partir de 1965. Essa fórmula tentava reproduzir a vibração dos shows ao vivo do circuito universitário.10 Solano Ribeiro foi personagem destacado durante toda a era festivalesca: organizou o primeiro Festival Nacional da MPB, pela TV Excelsior, em 1965. Participou dos festivais em suas diversas edições, sendo também o produtor do último festival, o Festival Internacional da Canção (FIC), da Rede Globo, em 1972. . De acordo com Solano, Os festivais não surgiram do dia para a noite. No início dos anos 60, existia uma forte movimentação musical a partir da Bossa Nova, com base no Rio. Em São Paulo havia muita gente fazendo boa música. [...] Logo percebi que os encontros despertavam grande interesse e, de repente, poderiam acontecer num lugar maior. Na época, o centro acadêmico do Mackenzie fazia um espetáculo chamado O Fino da Bossa, de muito prestígio, e que trazia o pessoal do Rio. Isso reforçou a idéia de alugar um teatro. Alugamos o antigo teatro de Arena. A primeira apresentação foi um sucesso extraordinário. E aí chamamos esses espetáculos de Noites de Bossa. [...] Naquela época o Boni (José Bonifácio Sobrinho) me chamou para trabalhar como coordenador de programação da TV Excelsior. Fazia de tudo um pouco, até que surgiu a chance de produzir um programa. Aí levei todo esse pessoal para a TV. Foi o Noites da Bossa Paulista.11 8 NAPOLITANO, M. O conceito de “MPB” nos anos 60, In: História: Questões e Debates, Editora UFPR, ano 16, nº 31, jul/dez, 1999. P. 11-30 9 id. ibid. p.12. 10 NAPOLITANO, M. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959-1969), São Paulo: Annablume, 2001, p. 60-61. 11 In: JORNAL DA TARDE, o homem dos festivais, São Paulo, 13 ago. 2000. I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular Tendências e convergências da música na cultura midiática 21 a 23 de outubro de 2009, UFMA, São Luis – MA. 5 Desde 1966 as emissoras Excelsior, Globo e Record já possuem os seus próprios festivais, pois estes eventos passaram a constituir-se como decisivos para a conquista de audiência e hegemonia, sendo, portanto, decisivos para o processo de formação e desenvolvimento da indústria televisa e fonográfica brasileiras. Festivais, Indústria Televisiva e Fonográfica no Brasil O Brasil, entre 1964 e 1985, vivia um período de ditadura regida pelos militares, que atuavam na cultura e na política através de órgãos coercivos, ou seja, uma censura que se tornou ainda mais forte após o Ato Institucional nº 5 que deu poderes plenos aos militares para atuarem política, econômica e culturalmente no país. A produção artísticopopular engajada12 sofreu muito com o exílio de seus principais artistas, produzindo um esvaziamento na produção cultural do país nas décadas de 1960 e 1970, sobretudo na música. Durante este período, os Festivais Internacionais da Canção da Globo (FICs) foram paradigmáticos como aglutinadores políticos e culturais, sobretudo o de 68 e o de 72, pois levantaram questões que diziam respeito à ordem social e política vigente e aos festivais, de maneira geral. Tanto que com o festival de 1972, como afirma Zuza Homem de Mello em A Era dos Festivais13, praticamente se encerra o ciclo festivalesco. O estudo aprofundado da linguagem televisiva dos festivais e de sua organização denota que estes eventos podem ser interpretados como movimentos inseridos e, ao mesmo tempo, indutores do processo de organização das empresas brasileiras de comunicação midiática nas décadas de 1960 e 1970. A Globo se modernizava tal como o Brasil buscava a modernização no período, e os festivais foram pólos que demonstravam não só o debate político, cultural e ideológico, mas também um país se industrializando cada vez mais, inovando em técnica e tecnologia. Os FICs, mais que qualquer outro festival, demonstravam a tentativa de abandonar o amadorismo vigente nas demais televisões. Também ressaltavam o comportamento dos segmentos médios urbanos diante da união da indústria televisiva com a fonográfica. Uma classe média que já existia, mas que a partir de agora seria (re)produzida socialmente como consumidora de cultura, em função da própria ebulição cultural que emergia no país desde o final dos anos de 1950. 12 Utiliza-se a terminologia engajada para designar a produção artístico-cultural que mantém relações e vínculos com movimentos populares, sociais e políticos. 13 MELLO, Z. H. A Era dos Festivais: uma parábola, São Paulo: Ed. 34, 2003 I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular Tendências e convergências da música na cultura midiática 21 a 23 de outubro de 2009, UFMA, São Luis – MA. 6 São muitas as conseqüências positivas que os festivais televisivos de música deixaram de herança para a cultura brasileira. Talvez, a principal delas tenha sido participar ativamente da nacionalização da indústria fonográfica do Brasil que, não fora os festivais, correria o grande risco de viver dos produtos musicais internacionais, como a maioria dos países do mundo, a exceção, obviamente, do mercado estadounidense, que é o maior exportador. Para se ter uma idéia, “em 1959 de cada 10 discos comprados, 7 eram estrangeiros, em 1969 essas cifras se invertem nas mesmas proporções14”. Antes dos festivais televisivos de música popular brasileira, apenas duas gravadoras praticamente monopolizavam a produção de discos compactos e, por suposto, o elenco de artistas brasileiros. Eram a estrangeira Philips e a Elenco, de Aloísio de Oliveira. Embora o quadro de gravadoras multinacionais não melhore, com o passar do tempo (antes o contrário, apenas aumentam o número de produtoras de discos internacionais), é possível afirmar que o Brasil rompe com a tendência de as gravadoras importarem também os seus artistas internacionais, já que, para vender esses cantores no mercado brasileiro, o custo era bem menor em função de o grosso da produção ser realizado fora, ficando a gravadora apenas com o papel de distribuir os fonogramas. Poderíamos complementar destacando, ainda, que os festivais foram um dos principais responsáveis pela exportação da música popular brasileira para o mercado externo. Com a revolução cubana em 1959, os gêneros deste país estavam impedidos de entrar nos Estados Unidos, havendo, portanto, uma tentativa mercadológica de introduzir a bossa nova no mercado americano do latin-jazz, aproveitando o embargo comercial dos norte-americanos ao principal ritmo importado por este país. Com isso, a produtora Elenco empunha padrões estéticos entre seus músicos, para que os produtos se aproximassem da bossa e assim integrassem os mercados estadounidenses. Aliada com a televisão –e em especial com os festivais –a indústria fonográfica brasileira refina a sua visão empresarial na venda de produtos interna e externamente. Os festivais revelavam ao público, nos três principais canais em que eram realizados (TV Excelsior, TV Record e TV Globo), uma grande quantidade de artistas na área musical, entre instrumentistas, compositores, arranjadores, maestros e interpretes. Muitos destes acabariam por se perpetuar como grandes nomes da música popular brasileira, como Chico, Caetano, Gil e muitos outros. O debate crítico que se seguia cada vez que um festival era 14 NAPOLITANO, M. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959-1969), São I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular Tendências e convergências da música na cultura midiática 21 a 23 de outubro de 2009, UFMA, São Luis – MA. 7 realizado, impulsionava o público a fazer parte integrante deste processo sociocultural através de comportamentos que iam desde assistir pela televisão seus artistas preferidos, até pegar em armas e partir para um confronto bélico com o regime militar. Os diversos festivais televisivos de música popular brasileira influenciaram na criação de uma nova modalidade musical na indústria fonográfica nacional, parte de um processo no qual, claro, incluiria ainda a ditadura, a população receptora e outros diversos segmentos sociais, como os empresários e as indústrias em geral. Entretanto, se socialmente a população ganhava com a gama de artistas que eram revelados; se a televisão ganhava com as fatias publicitárias; ou mesmo se a publicidade ganhava com os artistas enquanto novos garotos propaganda e locais de audiência para divulgação nos eventos musicais televisionados; foi, numericamente falando, a indústria fonográfica que cresceu 15% ao ano na década de 197015, acompanhando o final do estouro dos festivais televisivos, com um crescimento de 444% entre 1966 e 1976, enquanto o PIB do país, neste mesmo período, teria sido de apenas 152%16. Ainda neste espaço histórico, o disco compacto cede espaço de vez para o Long Play (LP), aumentando a quantidade de canções consumidas pelo público da compra de um único produto, ou seja, o valor agregado. Essas mudanças eram estruturais, no sentido em que não mudavam apenas os meios de divulgação dos produtos musicais, mas as formas de consumo e produção. O público consumidor se amplia e se modifica, com a indústria mudando seu “público alvo” para as faixas mais jovens da população, começando a produzir produtos específicos para esse pólo. As cidades mundiais e, principalmente, as representações midiáticas dessas cidades são o palco por excelência das negociações da cultura contemporânea. Nesse sentido, os principais atores de um cosmopolitismo pós-moderno, da cultura urbana, seriam os jovens. A juventude representa uma parcela considerável de produtores e consumidores da cultura, se não a maior. [...] Nesse contexto, vê-se que o jovem é simultaneamente centro das atenções da mídia [...] e agente de novas negociações culturais17. Foi também durante a segunda metade da década de 1960 e início da década de 1970 que as grandes gravadoras estrangeiras começam a ser instaladas no Brasil, com a Philips(que Paulo: Ana Blume, 2001, p.83 15 MORELLI, R. Indústria fonográfica: um estudo antropológico, Campinas: Edunicamp, 1991, p.47 16 NAPOLITANO, M. op. Cit. p.84 17 PRYSTHON, A. Negociações da periferia: mídia e jovens no Recife, In: PAIVA, r. e BARBALHO, A. Comunicação e cultura da minoria, São Paulo: Paulus, 2005, p. 104. I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular Tendências e convergências da música na cultura midiática 21 a 23 de outubro de 2009, UFMA, São Luis – MA. 8 incorporou a Companhia Brasileira de Discos), a Capitol, a EMI e a WEA tomando conta da maior fatia do mercado. Se através da publicidade as empresas estrangeiras invadem a televisão, na indústria fonográfica efetivamente são as representantes internacionais que tomam conta da produção de discos brasileiros quase sem tomar conhecimento das produtoras nacionais. Entre 1967 e 1980, a venda de toca-discos cresce 813%. A indústria do disco cresce em faturamento, entre 1970 e 1976, em 1.375%. ao mesmo tempo, a venda de discos, no mesmo período, aumenta de 25 milhões de unidades para 66 milhões de unidades por ano. A produção de fitas cassete, uma novidade no Brasil, cresce de um milhão, em 1972, para 8,5 milhões em 1979. É na década de 70, e não nas precedentes que o disco Long Play toma impulso surpreendente. Tais dados não seriam mera coincidência, mas o evidente resultado da assiciação entre o regime militar e a “indústria cultural”, patrocinada pelo grande capital, principalmente o internacional18. Paralelo ao crescimento da indústria fonográfica, era necessário vincular aos produtos musicais a imagem da performance do artista, enquadrando-o em algum estilo musical. “Já não era suficiente informar o gênero ao qual a canção estava vinculada [...] Era preciso relacioná-la a um compositor conhecido e a um movimento cultural determinado. Essa nova rotulação foi fundamental para reorganizar o mercado musical19”. Antes dos primeiros festivais, eram três as principais correntes brasileiras que disputavam o discurso estético, ideológico e artístico entre os consumidores de música, que acabariam por formar a MPB pós festival: bossa nova, os artistas do CPC e a jovem guarda. Vejamos a seguir um esboço destes movimentos musicais. Quem sabe faz a hora: movimentos musicais em tempos de chumbo Conceituar e, acima de tudo, delimitar estilos musicais é tarefa das mais árduas a qual não nos propomos aqui. De qualquer forma, ter uma idéia dos atores que dividiam públicoconsumidor de música e das tendências musicais as quais participavam, angariando fãs que se manifestavam em festivais como verdadeiras torcidas, é interessante. Ainda assim é preciso ressaltar que os músicos circulavam entre tais tendências e em diversos eventos se 18 SILVA, A. R. Sinal fechado: a música popular brasileira sob censura (1937-45/1969-78), Rio de Janeiro: Obra Aberta, 1994, p.34 19 NAPOLITANO, op. Cit. p. 83 I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular Tendências e convergências da música na cultura midiática 21 a 23 de outubro de 2009, UFMA, São Luis – MA. 9 apresentavam juntos em espetáculos públicos mostrando que, na maioria das vezes, os artistas em si pouco ligavam para tais separações muitas vezes midiáticas. Mas haviam, sim, cantores com maior afinidade com determinado estilo que acabavam por compor, de maneira geral, uma “corrente” musical. A bossa nova, de caráter moderno, incorporava elementos jazzísticos sofisticados ao samba e construía um gênero de arranjos complexos de harmonias dissonantes, representada por cantores que “sofriam de uma grande inibição profissional e faziam música por diletantismo”, assim, “aquele que pensasse seriamente em gravar e vender amplamente sua música era mal visto pela turma20”. Em seguida, podemos destacar a música (e arte em geral) promovida e criada pelos Centros Populares de Cultura da UNE (CPCs), que tinham como intenção levar uma arte séria até as classes mais humildes, desprovidas, segundo o CPC, de alternativas culturais e sem um instrumento de reflexão de sua identidade como povo, visando levar ao povo uma arte acessível e nacionalista. A terceira corrente, seria formada pelos músicos da jovem guarda, com guitarras elétricas e a estética americana de cabelos, roupas e comportamento, o que desagradaria, em um primeiro momento, tanto aos músicos da bossa nova quanto aos do CPC. Porém, a jovem guarda seria um projeto bem sucedido em gerar produtos para o público jovem e podemos, inclusive, analisar as canções desta vertente liderada por Roberto Carlos como uma forma de ruptura à música tradicional, pois também opunha o morro à cidade, bem como as “raízes puras” da música brasileira ao rock inglês e americano, que tanto influenciavam esse segmento musical. Vale ressaltar que o fenômeno da jovem guarda atingiu diversos setores da indústria fonográfica e televisiva, como as demais correntes musicais, porém atingiu também e com significância a indústria cinematográfica, com diversos filmes que tinham Roberto Carlos como protagonista. Esses fatores fizeram do “rei” um dos artistas que mais influenciava a juventude das décadas de 1960 e 1970. Roberto Carlos poderia repetir no Brasil em escala própria, o processo que se desenvolve nos países altamente industrializados, e que atende a um mercado juvenil que exige a compra, além de influir na decisão de compra de seus pais. Nesse caso o importante era criar condições para que uma geração com ele se identificasse, através de sua música importada e nacionalizada; uma geração preparada pelas revistas e pelo cinema para receber essa música21. O diálogo entre essas três vertentes em sintonia com o público que as “defendia” é uma espécie de gênese do que iremos encontrar nos festivais. Os embates dos músicos de 20 21 MORELLI, R. op. Cit. p.68 VISÃO, Um mito nasce e cresce em 12 meses. São Paulo, 09 set. 1966, p.24. I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular Tendências e convergências da música na cultura midiática 21 a 23 de outubro de 2009, UFMA, São Luis – MA. 10 esquerda do CPC com a bossa nova e de ambos com a jovem guarda, são apenas os primeiros passos do que ocorrerá nos eventos festivalescos, quando estes três segmentos estarão plenamente consolidados e lidando com outros tipos de correntes nacionalistas. Principalmente, com o ambíguo desbunde dos tropicalistas, que acreditavam, no sentido oposto da bossa nova, que a música deveria ser gravada e amplamente divulgada para que chegasse ao povo, pois só assim teria sentido em ser revolucionária. E, segundo Solano Ribeiro, as canções tropicalistas de fato “ganharam feições revolucionárias, com temáticas urbanas, e mudaram o panorama musical da época22”. Todos estes jovens movimentos musicais, juntos aos representantes já consagrados da música nacional, farão com que os festivais não deixem em nenhum momento de revelar novos nomes para o cenário nacional. Mesmo o FIC de 1972, realizado no último suspiro deste gênero televisivo, trouxe cantores como Raul Seixas, hoje considerado por muitos como o pai do rock tupiniquim. A possibilidade de apresentar um novato ao lado de um nome consagrado em igualdade de condições fazia do festival a única porta de entrada para um novo compositor e também para o lançamento de novos cantores e grupos, pois o seu extraordinário sucesso atrairá todas as atenções, não só do público, dos críticos e da imprensa em geral, mas também dos responsáveis pelo mercado do disco, em geral incompetentes para lançar qualquer coisa que não preencha as expectativas do que costumam rotular de comercial23 Porém, das três correntes às quais nos referimos, a de vida mais curta foi, sem dúvida, a do CPC, pois assim que os militares instauram a ditadura, tiveram como primeira medida fechar os Centros Populares de Cultura da UNE. Nem mesmo isto fez com que o CPC deixasse de ser um dos principais protagonistas na constituição dos festivais televisivos que estavam por vir. O show Opinião, “fundado sob as cinzas do CPC24”, era um grupo de artistas com idéias engajadas que formulava os primeiros protestos contra o regime militar. O movimento era formado por Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes, Ferreira Goulart e Armando Costa, que tentariam levar ao povo uma mensagem política através do espetáculo, recorrendo à música como ferramenta política. “O triunfo do Opinião pode não ter se restringido aos 22 JORNAL da Tarde, O homem dos festivais, São Paulo, 13 ago. 2000. RIBEIRO, S. Prepare Seu Coração: a história dos grandes festivais, São Paulo: Geração, 2002, p. 95 24 NAPOLITANO, op. Cit. p. 66 23 I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular Tendências e convergências da música na cultura midiática 21 a 23 de outubro de 2009, UFMA, São Luis – MA. 11 limites imaginários do palco [...] Tornando-se um evento paradigmático, representou uma das vertentes da institucionalização (inclusive no seio da indústria cultural) da nova MPB, que a partir de 1965 tornava-se uma sigla ideologicamente reconhecível25”. Ao Opinião seguiu-se outro musical de grande importância política, o Arena conta Zumbi, que também se tornou um evento paradigmático da época. Esses espetáculos aglutinavam uma parcela da sociedade em torno da reflexão dos temas aos quais tratavam, como a opressão ao pobre e ao negro. Depois de uma temporada de sucesso de público no teatro, a Record resolve transformar o Opinião em um programa musical em que Zé Ketti, João do Valle e Nara Leão (que era remanescente da bossa nova e agora aderia ao protesto nos moldes do CPC) são os principais protagonistas, cantando temas de relevância nacional, com um conteúdo regionalista e usualmente polêmico, alcançando grande sucesso. Podemos assim dizer que os “filhos do CPC” foram os responsáveis por um grande investimento das televisões em programas de gênero musicais. Só em 1965, três programas deste gênero foram lançados pela TV Record, todos visando públicos teoricamente distintos. Foram eles O fino da bossa, lançado em maio, apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues. Em seguida, a mesma rede de TV lançou, em julho, o Bossaudade, com Elisete Cardoso e Ciro Monteiro. E no final do ano, em setembro, foi a vez do Jovem Guarda, com Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia no comando do programa. Ao longo da era festivalesca, diversos programas irão surgir, como o Pra ver a banda passar (com Chico Buarque e Nara Leão) e o Divino Maravilhoso (Com Caetano e Gil). Os festivais foram, portanto, os responsáveis pela consolidação de diversos nomes e movimentos que iriam compor a sigla MPB, servindo como campo de experimentação para a indústria fonográfica, para a televisão e para os novos artistas, que iriam, talvez, encontrar uma via de acesso com o público, que, por sua vez, respaldavam e se respaldavam nas correntes e estilos musicais, apoiando-as ou refutando-as de acordo com o seu gosto. É claro que, em contrapartida, muitos desses nomes, como Jair Rodrigues e Elis Regina, eram igualmente responsáveis pela consolidação dos festivais, que necessitava de artistas de renome para dar credibilidade e, ao mesmo tempo, conquistar a atenção inicial do público. FIC Maravilha: a Globo diante dos festivais televisivos Assim, podemos ter claro que tais festivais não surgiram repentinamente já em seu formato televisivo, são advindos dos palcos e dos shows realizados nos circuitos cariocas e 25 NAPOLITANO, op. Cit p. 72 I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular Tendências e convergências da música na cultura midiática 21 a 23 de outubro de 2009, UFMA, São Luis – MA. 12 paulistas da década de 1960, que acabaram por embasar os diversos programas musicais televisivos e, a partir de então, dar suporte aos festivais de música popular brasileira. Em minha opinião, a seqüência de espetáculos que ocupou o calendário de 1964 a 1965, pode ser considerada o “elo perdido” entre o circuito restrito da primeira bossa nova e a explosão da MPB nas televisões [...] um dos espetáculos desse novo circuito, o Primeira Audição, realizado no colégio Rio Branco, pode ser considerado o piloto da fórmula televisiva que desembocou nos festivais da TV Record a partir de 1965. Essa fórmula tentava reproduzir a vibração dos shows ao vivo no circuito universitário26. Na metade da década de 1960, as indústrias fonográfica e televisiva passam a apostar efetivamente em música brasileira na busca de novos talentos. Em parte devia-se também às pressões feitas pela Associação Brasileira dos Produtos de Disco (ABPD) ao governo, que acabou por criar, em 1967, a Lei de Incentivos Fiscais, que permitia aplicar as dívidas das produtoras internacionais na produção de discos nacionais. Aproveitando essa onda nacional na música e inspirado no Festival de San Remo, na Itália, o produtor Solano Ribeiro realizou um festival pioneiro na TV Excelsior. “Estava na hora de uma incursão mais ousada, em que a televisão iria representar um papel fundamental27”. Nessa mesma época [1965], o mercado do disco era invadido anualmente pelos sucessos lançados no festival de San Remo, em geral uma baboseira melosa [...] Achei que era o momento de criar um festival no Brasil. Pedi o regulamento de San Remo ao Enrique Ledemberguer, dono da editora musical formata, e o adaptei às nossas condições28. E foi no embalo da fórmula do festival de San Remo que a Globo resolveu realizar os seus festivais televisivos. Em outubro de 1966, o governo da Guanabara organizou junto à TV de Roberto Marinho, o I Festival Internacional da Canção, coordenado por Augusto Mazargão com um forte caráter turístico, trazendo diversos artistas internacionalmente conhecidos no cenário musical para compor o júri ou mesmo para se apresentarem, concorrendo ao Galo de Ouro, prêmio que recebiam os vencedores. O Estado da Guanabara, através de sua Secretaria de Turismo, e a Rede Globo dividiam ao meio os custos do FIC. Em 1967, Carlos Laet, 26 NAPOLITANO, op. Cit. pp. 60-61 RIBEIRO, S. op. Cit. p.66 28 id. Ibid. p. 67 27 I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular Tendências e convergências da música na cultura midiática 21 a 23 de outubro de 2009, UFMA, São Luis – MA. 13 Secratário de Turismo, afirmou à revista Manchete que “o FIC custou 750 mil cruzeiros novos, mas dos cofres do estado saíram apenas 370 mil, o resto fica ao encargo da Globo29”. Por ser um evento patrocinado, em parte, pelo próprio Estado, os cantores engajados teoricamente perderiam parte do seu efeito, como diria Marcos Napolitano no seu livro Seguindo a canção. Esta fórmula incrementava a diluição das expectativas “ideológicas” em torno da fase nacional e tornava diferente os critérios de escolha da vencedora. Ao invés da música que apontasse para a superação dos impasses e indicasse uma revolução nos gêneros convencionais da MPB, como no festival da Record, o FIC privilegiava a forma de “canção”, acima de qualquer gênero étnico mais destacado, que se aproximava das baladas românticas da linguagem “universal30”. Apesar de o FIC procurar dar mais importância à fase internacional, o fato é que o público se preocupava e se envolvia bem mais com a fase nacional, e as pretensões iniciais da Secretaria de Turismo de da própria Rede Globo não impediram em nada que os primeiros FICs se caracterizassem por suas diversas canções engajadas, dentre as quais uma delas gerasse o nome do próprio livro no qual Marcos Napolitano escreveu, acima, o relato sobre o FIC. Aliás, é importante destacar que embora tenha sofrido contundentes críticas por seu caráter comercial e turístico, os FIC revelaram não apenas a “marselhesa” brasileira apresentada por Geraldo Vandré, mas outras canções também engajadas como É proibido proibir, de Caetano Veloso, e a própria canção que vencera Vandré na finalíssima de 1968, Sabiá, de Chico Buarque, que trata, ainda que a maioria das pessoas não se apercebesse na época, do exílio. Mas o importante, ao falarmos das diversas críticas que dizem respeito aos FICs, é percebermos que sejam quais forem os pontos fracos ou fortes deste festival, eles estão em sintonia com a realidade sociocultural e política da época. O FIC de 1972 traz, de fato, poucas revelações musicais para o cenário artístico, pois desde 1968 começa o esvaziamento cultural que ocorreu no Brasil em conseqüência da repressão da ditadura implantada quatro anos antes, causando um efeito devastador na criatividade musical brasileira, cada vez mais refém da censura. Em contrapartida, o mercado consumidor e as produtoras musicais não pararam de crescer desde então. Podemos então colocar que “o ano de 1968 constitui um ponto de referência para as histórias interligadas da indústria fonográfica no Brasil e da Música Popular 29 MANCHETE, São Paulo está em chamas, Rio de Janeiro, 28 de out. 1967. I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular Tendências e convergências da música na cultura midiática 21 a 23 de outubro de 2009, UFMA, São Luis – MA. 14 Brasileira na década de 197031” e neste ano, o FIC que fora realizado talvez ilustre esse fator mais que qualquer outro. Nos primeiros festivais os cantores se contentavam com pequenos conjuntos, ou se limitavam a aceitar os arranjos do maestro da emissora. Aumentando a competição, passaram a procurar “cobras”, e isso deu início a uma verdadeira corrida aos arranjadores. Esse ano [1968], não contente com canções bem arranjadas e bem interpretadas, os compositores estão recorrendo à cenografia [...] Agora, Caetano leva as coisas às últimas consequências, montando uma verdadeira “Ópera tropicalista” em “É proibido proibir”32. Ora, apesar de os festivais da TV Excelsior e o da TV Record serem os mais pesquisados, mais analisados e, sem dúvida, os mais paradigmáticos dentro da Era dos Festivais, que fatos festivalescos são mais relembrados pelo público do que a polêmica que envolvia Geraldo Vandré ou o discurso do Caetano Veloso? Nos dois principais livros lançados sobre o tema no início do ano 2000, tanto o de Solano Ribeiro quanto o de Zuza de Mello vêm acompanhados de CDs com as coletâneas de músicas festivalescas, no qual estão presentes estes dois fatores gravados fonograficamente. Ou seja, o longo discurso de Caetano que começa com a frase “mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?” e o breve lamento de Geraldo Vandré que, ao ser batido pela música Sabiá, de Chico, finaliza “a vida não se resume em festivais”. Embora tenham deixado a canção mais cantada pelos movimentos de esquerda, talvez os FICs não tenham sido os que deixaram mais canções na mentalidade popular, mas sem dúvida deixaram alguns dos momentos mais polêmicos. E são essas polêmicas que nos interessam ser analisadas em futuras pesquisas, afinal, os conflitos constituem o motor da sociedade. Considerações Finais Buscamos observar neste trabalho os caminhos diversos da indústria fonográfica e da indústria televisiva em vistas a formar uma parceria que demonstra o próprio crescimento do capitalismo no Brasil durante o regime militar. Através dos Festivais Internacionais da Canção da Globo (FIC), tentamos perceber os embates sócio-culturais e estéticos do período, no qual o palco festivalesco era uma microcélula das tensões vigentes em nosso 30 NAPOLITANO, op. Cit. p.153 MORELLI, R. op. Cit. p.47 32 VEJA, Um festival de protestos, n.03, 25 set. 1968. 31 I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular Tendências e convergências da música na cultura midiática 21 a 23 de outubro de 2009, UFMA, São Luis – MA. 15 país. A Globo personificava a tecnocratização da mídia no Brasil, abandonando o amadorismo e afastando-se, na medida do possível, da linguagem radialesca, porém seria impossível desprender-se da imposição cultural do público em seu anseio por música e os cantores que representavam as diversas tendências musicais da época. Desta forma, fizemos um breve passeio pelos movimentos musicais, objetivando entender a organização cultural e musical, bem como a própria organização da indústria fonográfica através de movimentos espontâneos que ocorriam nas universidades brasileiras, amparadas pelos estudantes acima de tudo. Acabamos por analisar como se comportava o próprio FIC almejando chegar à importância deste evento diante dos demais festivais e da própria organização da indústria cultural brasileira entre 1967 e 1972. Referências bibliográficas e fontes: • • • • JORNAL DA TARDE, o homem dos festivais, São Paulo, 13 ago. 2000. MANCHETE, São Paulo está em chamas, Rio de Janeiro, 28 de out. 1967. VEJA, Um festival de protestos, n.03, 25 set. 1968. VISÃO, Um mito nasce e cresce em 12 meses. São Paulo, 09 set. 1966, p.24. • • • BERLINCK, M. T. Centro Popular de Cultura da UNE, Campinas: Papirus, 1984. HOLLANDA, H. Cultura e participação nos anos 60, São Paulo: Brasiliense, 1985. MELLO, Z. H. A Era dos Festivais: uma parábola, São Paulo: Ed. 34, 2003 • MORELLI, R. Indústria fonográfica: um estudo antropológico, Campinas: Edunicamp, 1991. NAPOLITANO, M. O conceito de “MPB” nos anos 60, In: História: Questões e Debates, Editora UFPR, ano 16, nº 31, jul/dez, 1999. P. 11-30 NAPOLITANO, M. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959-1969), São Paulo: Annablume, 2001). OLIVEIRA, S. C. Irreverências mil pra noite do Brasil: imagens do regime militar nas canções engajadas, Mestrado [dissertação]. Curso de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1998. PAIVA, r. e BARBALHO, A. Comunicação e cultura da minoria, São Paulo: Paulus, 2005. RIBEIRO, S. Prepare Seu Coração: a história dos grandes festivais, São Paulo: Geração, 2002. SILVA, A. R. Sinal fechado: a música popular brasileira sob censura (1937-45/196978), Rio de Janeiro: Obra Aberta. • • • • • •