Relato de caso - Luzimar Teixeira

Propaganda
RELATO DE CASO
Fibrodisplasia ossificante progressiva (FOP) em crianças: relato de três casos
CASE REPORT
Fibrodisplasia ossificante progressiva (FOP) em crianças:
relato de três casos(*)
Fibrodysplasia ossificans progressive (FOP) in children:
report of three cases
Luciana Brandão Paim(1), Bernadete de Lourdes Liphaus(2), Lúcia Maria Mattei Arruda Campos(2),
Chong Ae Kim(3), Maria Helena B. Kiss(4) e Clovis Artur Almeida da Silva(5)
RESUMO
ABSTRACT
Fibrodisplasia ossificante progressiva (FOP) é uma doença do tecido conectivo associada com ossificação endocondral, levando à
imobilização permanente. Os autores descrevem as manifestações
clínicas, alterações laboratoriais, achados radiológicos e terapêuticas utilizadas em três crianças com diagnóstico de FOP. O diagnóstico de FOP foi estabelecido quando o paciente apresentava
malformações congênitas (hipoplasia de háluces e polegares e hálux
valgus) associadas à ossificação de músculos estriados. Dois pacientes foram submetidos a biópsia cutânea e muscular. A idade do
início da doença variou de 6 meses a 11 anos (mediana = 2 anos);
dois pacientes eram do sexo feminino. Edema inicial ocorreu em
todos os pacientes e precedeu as ossificações em todos os casos.
Uma paciente evoluiu para imobilização permanente, após trauma
(necessitando de cadeira de rodas). Não foram observadas alterações laboratoriais nos três pacientes. Um paciente apresentou doença pulmonar restritiva e dois casos evoluíram com litíase renal.
As biópsias cutânea e muscular realizadas em dois casos mostraram
fibromatose, e cursaram com ossificação no local da incisão cirúrgica. Apesar da terapêutica instituída (colchicina, EDTA, alendronato e/ou metotrexato), todos os pacientes evoluíram com novas
ossificações. Edema pode ser uma manifestação inicial de FOP. O
diagnóstico é clínico e radiológico, devendo-se evitar traumas e
biópsias para prevenir novas ossificações. Nenhum medicamento
foi eficaz nesses pacientes.
Fibrodysplasia ossificans progressive (FOP) is a connective tissue
disease associated with endochondral ossification leading to
permanent disability. The authors describe clinical
manifestations, laboratorial abnormalities, radiological findings
and therapeutics used in three children with the diagnosis of
FOP. The diagnosis of FOP was established when the patient
presented congenital malformation (hypoplasia of hallux and
thumbs and hallux valgus) and ossification of striated muscles.
Two patients were submitted to cutaneous and muscle biopsies.
The age at disease onset ranged from 6 months to 11 years old
(median = 2 years); two patients were female. Initial edema
occurred in all patients, and preceded the ossification in all of
them. After trauma, one patient developed permanent
immobility (making the use of a wheelchair necessary).
Laboratorial abnormalities were not seen in all three patients.
One patient presented restrictive lung disease and two presented
urolithiases in evolution. The cutaneous and muscle biopsies
showed fibromatosis in two cases, developing into ossification
at the site of the surgical incision. Despite the therapeutics
(colchicine, EDTA, alendronate and/or methotrexate), all
patients developed further ossification. Edema can be an initial
manifestation of FOP. The diagnosis is clinical and radiological,
and any trauma and biopsies must be avoided in order to prevent
new ossification. No drug was effective in these patients.
Palavras-chave: Fibrodisplasia ossificante progressiva, miosite
Keywords: fibrodysplasia ossificans progressiva (FOP), myositis
ossificante progressiva, crianças, tratamento.
ossificans progressiva, children, treatment.
* Unidades de Reumatologia Pediátrica e Genética Clínica do Instituto da Criança, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ICrHC-FMUSP). Recebido em 20/4/2002. Aprovado, após revisão, em 31/7/2002.
1. Médica complementanda da Unidade de Reumatologia Pediátrica do ICr-HC-FMUSP.
2. Mestre em medicina da FMUSP. Médico assistente da Unidade de Reumatologia Pediátrica do ICr-HC-FMUSP.
3. Doutora em medicina da FMUSP. Chefe da Unidade de Genética Clínica do ICr-HC-FMUSP.
4. Professora livre docente do HC-FMUSP.
5. Doutor em medicina da FMUSP. Chefe da Unidade de Reumatologia Pediátrica do ICr-HC-FMUSP.
Endereço para correspondência: Clóvis Artur Almeida da Silva. R. Raul Pompéia, 303/43 – Pompéia, CEP 05025-010, São Paulo, SP.
Rev Bras Reumatol, v. 43, n. 2, p. 123-128, mar./abr., 2003
123
Paim et al.
INTRODUÇÃO
Fibrodisplasia ossificante progressiva (FOP) é uma rara doença hereditária do tecido conectivo de herança autossômica dominante, na qual anormalidades esqueléticas estão associadas à ossificação endocondral progressiva da musculatura
estriada, levando a imobilização permanente(1,2,3).
O primeiro relato de FOP ocorreu em 1692, quando
Gui Patin descreveu uma mulher que gradualmente ficou
“dura como madeira”(1). Em 1868, Von Dush usou pela
primeira vez a expressão miosite ossificante progressiva(2) e
um ano após, Munchmeyer(3) fez sua clássica descrição, tornando essa patologia conhecida pelo nome deste autor. Atualmente, a nomenclatura preferencial utilizada é FOP, pois
esta doença não acomete apenas o músculo, mas também
qualquer tecido conjuntivo. Há descrição até o presente
momento, de cerca de 700 casos na literatura(4).
O objetivo deste trabalho foi descrever as manifestações
clínicas, alterações laboratoriais, achados radiológicos e terapêuticas utilizadas em três crianças com diagnóstico de
FOP. Esses pacientes foram diagnosticados e são acompanhados na Unidade de Reumatologia Pediátrica do Instituto da Criança, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ICr-HC-FMUSP), no
período de 1983 a 2002.
RELATO DE CASOS
Caso 1
Criança de 2 anos, sexo feminino, branca, apresentou edema
inicial recorrente de face, não-inflamatório, com duração em
cada episódio de uma semana a quinze dias (três episódios em
três anos). Após três anos e oito meses apresentou edema e
ossificação da escápula direita, sendo encaminhada à Reumatologia Pediátrica do ICr-HC-FMUSP (idade à admissão
5 anos e 8 meses). Ao exame físico inicial evidenciaram-se
tumorações endurecidas em região escapular, ombro direito,
regiões paravertebral cervical e lombar bilateralmente e coxa
direita (no local da realização da biópsia); com limitação de
coluna cervical. As malformações congênitas encontradas foram espinha bífida, hipoplasia de polegares e háluces, hálux
valgus e clinodactilia das interfalangianas proximais do terceiro dedo de ambas as mãos. A história familiar evidenciou
malformações congênitas de háluces em prima de terceiro
grau. A investigação laboratorial inicial (hemograma, velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C reativa
124
(PCR), função renal, transaminases, fosfatase alcalina, cálcio
sérico e urinário, magnésio, proteínas totais e frações, dosagem sérica de paratormônio e teste de função pulmonar) foi
normal. As biópsias cutânea e muscular, realizadas em outro
serviço, evidenciaram fibromatose juvenil. As radiografias
iniciais do esqueleto mostraram ossificações ectópicas em região paravertebral cervical e lombar, escápula e ombro direito. A tomografia computadorizada (TC) de coluna evidenciou massa paravertebral cervical entre C2 e C3 e dorsal à
direita. A ressonância nuclear magnética (RNM) mostrou edema em partes moles entre planos musculares em transição cérvico-torácica. Apesar da terapêutica instituída (alendronato
10 mg/dia), a paciente evoluiu com edemas de couro cabeludo recorrentes, e após um ano e quatro meses apresentava
novas ossificações (região frontal, coxa direita, joelhos, tornozelos e glúteo direito, este último, quatro semanas após a
administração das vacinas tríplice e hepatite B). O tempo de
seguimento foi de um ano e três meses. Atualmente apresenta
classe funcional ²² do ACR.
Caso 2
Criança de 9 anos, sexo masculino, pardo, sofreu trauma no
joelho esquerdo, evoluindo com edemas recorrentes, claudicação e ossificação local após três anos. Sete meses após
foi encaminhada a Reumatologia Pediátrica do ICr (idade
à admissão 12 anos e 7 meses) com dor no membro inferior
direito, região escapular e cervical, evoluindo para ossificações e limitações. As malformações congênitas encontradas
neste caso foram hipoplasia dos polegares e háluces (Figura
1), hálux valgus e sindactilia completa dos pés (realizada
cirurgia corretiva aos nove meses de idade). Ausência de
história familiar de malformações esqueléticas. A investigação laboratorial inicial (hemograma, VHS, PCR, função
renal, transaminases, fosfatase alcalina, cálcio sérico, magnésio, proteínas totais e frações, dosagem sérica de paratormônio e teste de função pulmonar) foi normal. A hipercalciúria inicial foi de 7,6 mg/kg/dia e a ultra-sonografia
evidenciou litíase renal à direita. As radiografias iniciais do
esqueleto mostraram ossificações ectópicas em membro inferior direito, região escapular e cervical e malformações
de C3-C6-C7. Apesar da terapêutica instituída (naproxeno, prednisona, colchicina, ácido etilenodiaminotetracético
– EDTA e metotrexato), o paciente evoluiu com novas ossificações (masséter, ombros, cotovelos, punho direito, paredes torácica e abdominal, coxofemorais e joelho esquerdo). O tempo de seguimento foi de quatro anos e três meses.
Atualmente apresenta classe funcional ²²² do ACR, sem nefrocalcinose e com níveis normais de cálcio urinário.
Rev Bras Reumatol, v. 43, n. 2, p. 123-128, mar./abr., 2003
Fibrodisplasia ossificante progressiva (FOP) em crianças: relato de três casos
FIGURA 1 – Paciente com hipoplasia bilateral dos háluces.
Caso 3
Criança de 6 meses de idade, sexo feminino, branca apresentou edema inflamatório recorrente em couro cabeludo por um ano, seguido por ossificação do couro cabeludo e região cervical, quando foi admitida na
Reumatologia Pediátrica do ICr com 1 ano e 6 meses.
As malformações congênitas encontradas foram: hipoplasia
de polegares e háluces, hálux valgus e clinodactilia das
interfalangianas proximais das mãos. Ausência de história familiar de malformações esqueléticas. A investigação
laboratorial inicial (hemograma, VHS, PCR, função renal, transaminases, cálcio sérico e urinário, magnésio,
proteínas totais e frações, fosfatase alcalina, dosagem sérica de paratormônio e teste de função pulmonar) foi
normal. As biópsias cutânea e muscular da região cervical evidenciaram fibromatose coli. Apesar da terapêutica
instituída (prednisona, colchicina, EDTA e metotrexato), a paciente evoluiu com novas ossificações (fronte,
articulação têmporo-mandibular, cotovelos, escápula,
parede torácica, retos abdominais, psoas direito, coxas e
joelhos). Aos 11 anos de idade apresentou hematúria persistente, hipercalciúria de 4,6 mg/kg/dia; a ultra-sonografia e a TC abdominais evidenciaram litíase renal à
esquerda e ossificação ectópica do músculo psoas. Aos 12
anos de idade, o teste de função pulmonar mostrou doença pulmonar restritiva, e atualmente, com 15 anos de idade, apresenta imobilização permanente após queda, com
ossificação dos quadris (necessitando de cadeira de rodas
desde os doze anos de idade). A Figura 2 mostra trave
óssea entre fêmur e fíbula esquerdos.
Rev Bras Reumatol, v. 43, n. 2, p. 123-128, mar./abr., 2003
FIGURA 2 – Trave óssea entre fêmur e fíbula esquerdos.
DISCUSSÃO
Fibrodisplasia ossificante progressiva (FOP) é uma doença rara
do tecido mesodérmico, caracterizada por inflamação inicial,
subseqüente proliferação de tecido fibroso e formação de tecido ósseo ectópico(5,6). Sua incidência é de um caso a cada dois
milhões de habitantes(6). A doença pode se manifestar desde a
gestação até a idade adulta(7). O início dos sintomas ocorre
antes dos dois anos de idade em 43% dos casos. Em geral, a
doença se manifesta até os cinco anos e, excepcionalmente,
após os vinte anos de idade(8). Não há prevalência de sexo ou
de raça(7,8,9,10). Nessa casuística, a menor idade ao diagnóstico
foi de um ano e seis meses e o paciente com início mais tardio
da doença foi um adolescente de doze anos e sete meses.
Os achados histológicos clássicos demonstraram ossificação do tecido conjuntivo com degeneração musculoesquelética. A lesão inicial foi caracterizada por nódulos multifocais, compostos por células espiculadas semelhantes a
125
Paim et al.
fibroblastos na matriz do tecido conectivo com espículas
ósseas centrais e lesão tardia composta de osso lamelar maduro com tecido adiposo e hematopoético entremeados(5).
Gannon et al.(11)observaram, nas biópsias musculares, um
infiltrado linfocitário perivascular intenso anterior à ossificação endocondral. A lesão pré-óssea da FOP é histologicamente indistinguível da lesão proliferativa da fibromatose
agressiva(12), como ocorreu nos casos 1 e 3 que apresentaram
diagnósticos histológicos de fibromatose juvenil e fibromatose coli, respectivamente.
Estudos genéticos confirmaram um caráter autossômico
dominante com penetrância completa e expressão variável,
porém a maioria dos pacientes apresenta mutação nova(13),
como ocorreu nos dois casos do presente estudo. Apenas
uma criança apresentou caso similar de malformação de
háluces na família. Estudos evidenciaram maior expressão
da proteína óssea morfogenética-4 (BMP-4) nos linfócitos
dos pacientes com FOP(7) e nas lesões fibroproliferativas iniciais(14). O gene para proteína morfogenética-4 está localizado no cromossomo 14q22-q23(15).
O tecido ósseo ectópico formado é semelhante ao normal, porém localiza-se em partes moles, principalmente no
tecido conjuntivo da musculatura estriada, fáscias, ligamentos, cápsulas articulares, aponeuroses e tendões. As lesões
iniciam-se na musculatura paravertebral e progridem para
a cintura escapular, porção proximal dos braços, cintura
pélvica, mandíbula e crânio. Há uma rigidez progressiva e
difusa em virtude da ossificação extra-articular, como ocorreu em todos os casos do presente estudo. As musculaturas
do diafragma, coração, língua, esfíncteres, extra-oculares e
viscerais são geralmente poupadas(5,7). Em geral, na terceira
década, o paciente encontra-se totalmente restrito ao leito.
O processo de ossificação pode se intensificar na presença
de traumas, cirurgias, queimaduras ou punções venosas. O
caso 2 apresentou trauma associado ao início da doença e o
caso 3 apresentou imobilização definitiva (necessitando de
cadeira de rodas) após trauma de quadril, como descrito por
Glaser et al.(16).
A progressão da lesão parece seguir, geralmente, um curso típico. Durante as primeiras semanas, a lesão inicial pode
ser inflamatória com dor, eritema, edema e calor. Na fase
intermediária o edema regride e, tardiamente, desaparece
por completo, permanecendo uma lesão endurecida(17).
O edema de membros, como ocorreu em todos os pacientes desse estudo, é uma alteração comum explicada pela
intensa angiogênese encontrada na lesão precoce da FOP.
O edema pode durar de nove a doze semanas após o episódio agudo da lesão, regredindo quando o tecido fibrocarti126
laginoso transforma-se em osso. Raramente o edema é crônico, com duração acima de seis meses(18). Em todos os casos
foi evidenciado edema recorrente, um a três anos antes do
aparecimento das lesões ossificadas.
As malformações congênitas simétricas de mãos e pés ocorrem em até 90% dos casos, sendo consideradas essenciais
para o diagnóstico. As anormalidades congênitas mais freqüentes são: hipoplasia de polegares e háluces, hálux valgus;
sendo estes em razão do encurtamento da primeira falange,
como observado nos três pacientes do estudo em questão.
Outras alterações descritas são: clinodactilia dos dedos (como
nos casos 1 e 3); sindactilia (caso 2), microdactilia, adactilia
e anquilose das articulações interfalangianas e metatarsofalangianas. Anormalidades adicionais incluem adelgaçamento da cortical na porção medial e proximal da tíbia, estreitamento do canal medular lombar, diminuição do ângulo
epicôndilo-umeral, encurtamento e alargamento da cabeça
femoral(19), hipoplasia do corpo vertebral, dos discos intervertebrais e pedículos, alargamento dos processos espinhosos das vértebras, fusão dos corpos vertebrais cervicais e espinha bífida, esta última evidenciada no caso 1(5,20,21).
Na FOP não há alterações específicas laboratoriais. As
provas de fase aguda são normais, assim como o metabolismo do cálcio, fósforo e paratormônio. Na presente casuística, dois pacientes apresentaram urolitíase associada à hipercalciúria (cálcio urinário acima de 4 mg/kg/dia), sugerindo
cálculos de oxalato de cálcio. Houve regressão desse no caso
2 e manutenção do cálculo e hematúria microscópica no
caso 3. Associação de litíase renal e FOP não foi encontrada
na literatura.
A radiografia de esqueleto é o exame preferencial para o
diagnóstico e acompanhamento, evidenciando o surgimento de novas ossificações. As ossificações ectópicas na musculatura progridem para grandes traves e pontes ósseas em partes
moles(10). A tomografia computadorizada evidencia lesões
precoces de partes moles e lesões ósseas evolutivas, com radioluscência central circundada pela densidade periférica.
Ressonância nuclear magnética, ultra-sonografia e cintilografia podem também auxiliar no diagnóstico(10,13,22).
O diagnóstico diferencial da FOP inclui calcinose universalis da dermatomiosite juvenil, osteossarcoma e hiperparatireoidismo. Alguns autores recomendam a realização
da biópsia, em todos os casos com FOP, para afastar a possibilidade de tumores, particularmente osteossarcoma(5,23). A
osteodistrofia hereditária de Albright(24) e a heteroplasia óssea progressiva ou osteomatose displásica cutânea podem
também evidenciar ossificações semelhantes à FOP; porém
diferenciadas por apresentar braquidactilia, encurtamento
Rev Bras Reumatol, v. 43, n. 2, p. 123-128, mar./abr., 2003
Fibrodisplasia ossificante progressiva (FOP) em crianças: relato de três casos
dos metacarpos e face arredondada na primeira doença e
ossificações progressivas da pele e tecido celular subcutâneo, exantema recorrente com ausência de malformações
congênitas na segunda doença(5,10).
A FOP é uma doença crônica com evolução variável. O
curso da doença é caracterizado por períodos de remissões e
exacerbações, já que as áreas ossificadas tendem a permanecer estáveis(9). As limitações e deformidades evolutivas mais
freqüentes são: subluxação atlanto-axial, escoliose, cifose,
torcicolos, limitação da abertura da boca por restrição do
esternocleidomastóideo e da musculatura próxima da articulação têmporo-mandibular (semelhante ao caso 3), perda
da acuidade auditiva por calcificações e fusões de ligamentos, tendões e ossos do ouvido médio(19).
Algumas orientações profiláticas para novas ossificações
são importantes nos pacientes com FOP. As biópsias musculares, cirurgias, injeções intramusculares e endovenosas
devem ser evitadas pelo risco de novas ossificações ectópicas, como ocorreu no local da incisão da biópsia muscular,
nos casos 1 e 3(25). As vacinas intramusculares devem ser,
preferencialmente, aplicadas por via subcutânea(25). Os tratamentos dentários devem ser cautelosos, evitando-se anestesias, principalmente mandibular, para prevenir anquilose
das articulações têmporo-mandibulares(6). A atividade física
mais adequada ao paciente com FOP é a natação, mesmo
com algumas limitações(26). A fisioterapia motora traz grandes benefícios ao fortalecer a musculatura não envolvida e a
musculatura respiratória, melhorando, assim, a capacidade
respiratória desses pacientes(8,9), uma vez que as principais
causas de óbito são: insuficiência respiratória e pneumonia
pela restrição da expansibilidade torácica(13).
Até o presente momento, não há terapêuticas efetivas para
impedir a progressão da doença. Várias drogas são sugeridas no tratamento da FOP como: quelantes do cálcio (EDTA),
extratos de paratireóide(27), vitamina D(28), ácido ascórbico(26,29), ácido retinóico(30), warfarin, citrato de potássio(9) e
bisfosfonatos(1,32).
Os corticosteróides podem ser úteis no processo inflamatório agudo, na fase inicial da doença, mas não impedem a
calcificação ectópica, e foram utilizados em dois pacientes,
deste estudo, na fase aguda (edema doloroso). Portanto, o uso
crônico desses medicamentos devem ser evitados em virtude
de seus efeitos colaterais, como a osteoporose(13,31). Alguns autores têm demonstrado que o uso dos bisfosfonatos, por via
oral ou endovenosa(31,32,33), associado ao ácido ascórbico(26,29)
parece ser uma alternativa terapêutica para diminuir as calcificações ectópicas a longo prazo. Na presente casuística, apesar das terapêuticas instituídas (prednisona, colchicina, EDTA,
alendronato e/ou metotrexato), todos os pacientes evoluíram
com novas ossificações. A paciente do caso 1 foi a única tratada com alendronato (10 mg/dia) e, um ano após o início da
terapêutica, evoluiu com novas ossificações ectópicas.
A FOP é uma doença rara, deformante e progressiva. O
edema de partes moles pode ser a manifestação inicial. O
diagnóstico é clínico e radiológico, e deve-se evitar traumas e biópsias para prevenir novas ossificações. A litíase
renal pode estar presente evolutivamente. Nenhuma terapêutica medicamentosa foi eficaz nesses três pacientes.
REFERÊNCIAS
7.
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Lutwak L: Myositis ossificans progressiva. Mineral, metabolic and
radioactive calcium studies of the effects of hormones. Am J Med 37:
269-293, 1964.
Smith DM, Russel RGG, Woods CG: Myositis ossificans progressiva.
Clinical features of eight patients and their response to treatment. J
Bone Joint Surg 58: 48-57, 1976.
Illingworth RS: Myositis ossificans progressiva (Munchmeyer’s disease).
Brief review with report of two cases treated with corticosteroids and
observed for 16 years. Arch Dis Child 46: 264-268, 1971.
Baysal T, Elmali N, Kutlu R, et al: The stone man: Myositis ossificans
progressiva. Eur Radiol 8: 470-481, 1998.
Resnick D, Niwayama G: Soft tissues. In: Resnick D: Diagnosis of
bone and joints disorders. 3th ed, Philadelphia, W. B. Saunders
Company, 1995, 4588-4593.
Connor JM, Evans DA: Genetic aspects of fibrodysplasia ossificans
progressiva. J Med Genet 19: 35-39, 1982.
Rev Bras Reumatol, v. 43, n. 2, p. 123-128, mar./abr., 2003
8.
9.
10.
11.
12.
13.
Levy C, Berner TF, Sandhu PS, Mc Carty B, Denniston NL: Mobility
challenges and solutions for fibrodysplasia ossificans progressiva. Arch
Phys Med Rehabil 80: 1349-1353, 1999.
Letts RM: Myositis ossificans progressiva a report of two cases with
chromossome studies. Canad Med Ass J 99: 856, 1968.
Kiss MHB, Maeda LC, Silva CH, et al: Miosite ossificante progressiva.
Relato de dois casos na infância. Pediatria 10:186-188, 1988.
Mahboubi S, Glaser DL, Shore EM, Kaplan FS: Fibrodysplasia
ossificans progressiva. Pediatr Radiol 31: 307-314, 2001.
Gannon FH, Valentine BA, Shore EM, Zasloff MA, Kaplan FS: Acute
lymphocytic infiltration in extremely early lesion of fibrodysplasia
ossificans progressiva. Clin Orthop Rel Res 346:19-25, 1998.
Kaplan F, Sawyer J, Connors S, et al: Urinary basic fibroblast growth
factor. A biochemical marker for preosseous fibroproliferative lesions
in patients with fibrodysplasia ossificans progressiva. Clin Orthop Rel
Res 346: 59-65, 1998.
Smith MD: Fibrodysplasia (Myositis) ossificans progressiva. Clinical
lessons from a rare disease. Clin Orthop Rel Res 346: 7-14, 1998.
127
Paim et al.
14. Shafritz AB, Shore EM, Gannon FH, et al: Overexpression of an
osteogenic morphogen in fibrodysplasia ossificans progressiva. N Engl
J Med 335: 555-561, 1996.
15. Van Den WA, Wghuis GA, Boersma CJC, et al: Fine mapping of
humans Bone morphogenetic protein-4 gene (BMP-4) to chromosome
14q22-q23 by in situ hydralisation. Genomics 27: 559-560, 1995.
16. Glaser DL, Rocke DM, Kaplan FS: Catastrophic falls in patients who
have fibrodysplasia ossificans progressiva. Clin Orthop Rel Res 346:
110-116, 1998.
17. Kaplan FS, Tabas JÁ, Gannon FH, et al: The histopathology of the
fibrodysplasia ossificans progressiva. An endochondral process. J Bone
Joint Surg Am 75: 220-230, 1993.
18. Moriatis JM, Gannon FH, Shore EM, Bilker W, Zasloff MA, Kaplan
FS: Limb swelling in patients who have fibrodysplasia ossificans
progressiva. Clin Orthop Rel Res 346: 247-253, 1998.
19. Silva CHM, Liphaus B: Fibrodisplasia ossificante progressiva. In:
OLIVEIRA SKF, Azevedo ECL: Reumatologia Pediátrica. 2ª ed,
São Paulo, Editora Revinter Ltda, 2001, 648-651.
20. Trickman D: Fibrodysplasia ossificans progressiva. Am J Rheum 139:
935, 1982.
21. Connor JM, Smith R: The cervical spine in fibrodysplasia ossificans
progressiva. British J Radiol 55: 492, 1982.
22. Bhatia M, Hill J, Macpherson RI: Radiological case of the month.
Arch Pediatr Adolesc Med 149: 53-54, 1995.
23. Calvert GT, Shore EM: Human leukocyte antigen B27 allele is not
correlated with fibrodysplasia ossificans progressiva. Clin Orthop Rel
Res 346: 66-70, 1998.
128
24. Brook CG, Valman HB: Osteoma cutis and Albright’s hereditary
osteodystrophy. Br J Dermatol 85: 471-475, 1971.
25. Buyse G, Silberstein J, Goemans N, et al: Fibrodysplasia ossificans
progressiva: still turning into wood after 300 years? Eur J Pediatr 154:
694-699, 1995.
26. Palhares DB, Leme LM: Moisite ossificante progressiva: uma perspectiva
no controle da doença. J Pediatria 77: 431-434, 2001.
27. Bland JH, Kirschbaum B, O’ Connor GT, et al: Myositis ossificans
progressiva. Effect of intravenously given parathyroid extract of urinary
excretion of connective tissue components. Arch Intern Med 132:
209-212, 1973.
28. Stamp TC: Calcitriol dosage in osteomalacia, hypoparathyroidism
and attempted treatment of myositis ossificans progressiva. Curr Med
Res Opin 7: 316-336, 1981.
29. Palhares DB: Myositis ossificans progressiva. Calcif Tissue Int 60: 394,
1997.
30. Zasloff MA, Rocke DM, Crofford LJ, Hahn GV, Kaplan FS: Treatment
of patients who have fibrodysplasia ossificans progressiva with
isotretinoin. Clin Orthop Rel Res 346: 121-129, 1998.
31. Brantus JF, Meunier PJ: Effects of intravenous etidronate and oral
corticosteroids in fibrodysplasia ossificans progressiva. Clin Orthop
Rel Res 346: 117-120, 1998.
32. Rogers JG, Dorst JP, Geho WB: Use and complications of high dose
disodium etidronate therapy in fibrodysplasia ossificans progressiva. J
Pediatr 91: 1011-1014, 1977.
33. Fonseca JE, Branco JC, Reis J, et al: Fibrodysplasia ossificans progressiva:
report of two cases. Clin Exp Rheumat 18: 749-752, 2000.
Rev Bras Reumatol, v. 43, n. 2, p. 123-128, mar./abr., 2003
Download