a atenção domiciliar à saúde

A ATENÇÃO DOMICILIAR À SAÚDE (HOME HEALTH
CARE), A ARQUITETURA ACESSÍVEL E O DESENHO
UNIVERSAL
1
SAMPAIO, Ana Virgínia C. de Faria Sampaio1; IMAI, Cesar2
Doutora pela FAUUSP, professora adjunta do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Estadual de Londrina – email: [email protected]
2
Doutor pela FAUUSP, professor adjunto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Estadual de Londrina - email: [email protected]
RESUMO
A prática assistencial à saúde tem sido feita atualmente de duas formas
distintas, a hospitalar e a domiciliar. Pelo aumento da população idosa, essa
última, também conhecida por home health care ou apenas home care, tem se
tornado o novo modelo de atenção à saúde para essa faixa etária. Esse estudo
visa discutir a importância do projeto arquitetônico de um ambiente domiciliar,
que deve ser acessível, levando em conta os princípios do desenho universal,
para que essa parcela da população, mesmo quando enferma e usuária do
sistema de atenção domiciliar à saúde, possa utilizá-lo com autonomia e
independência.
ABSTRACT
The health care practice has been currently done in two different ways, the
hospital and the home assistance. By increasing the elderly population, the
home assistance, also known as home health care or home care, has become
the trend for health care to this age group. This paper aims to discuss the
importance of the architectural design of a home environment, which should be
accessible, taking into account the universal design principles, so that this
population parcel, even when sick and user of the system home health care,
can use it with autonomy and independence.
1. INTRODUÇÃO
O sistema de saúde atual é feito de duas formas, o modelo hospitalar e o
modelo domiciliar, esse último uma forma antiga de atenção à saúde que foi
substituída pela internação hospitalar e que “vem ressurgindo como uma forma
de personalização e humanização da prática assistencial à saúde” (LACERDA,
OLINISKI e GIACOMOZZI, 2004, p.111).
O atendimento hospitalar no domicílio vem ocorrendo nos Estados Unidos por
mais de um século, segundo Leme (2012), como uma forma de familiares
1
tratarem dos seus entes enfermos nas próprias residências. No Brasil essa
forma de tratamento vem crescendo e a Portaria no. 2.416, de 23 de março de
1998, do Ministério da Saúde, regulamenta a internação domiciliar incluindo-a
como grupo de procedimentos na Tabela do SIH-SUS – Sistema de
Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde. Segundo a portaria, “a
internação domiciliar proporciona a humanização do atendimento e
acompanhamento de pacientes cronicamente dependentes do hospital” além
de proporcionar “um maior contato do paciente com a família favorecendo a
sua recuperação e diminuindo o risco de infecções hospitalares”. Ainda, de
acordo com a portaria, para a internação domiciliar devem ser considerados
prioritariamente os seguintes requisitos: pacientes com idade superior a 65
anos, pacientes portadores de doenças crônicas, pacientes acometidos por
trauma com fratura e pacientes portadores de neoplasias malignas (câncer).
A Lei 10.424 de 15 de abril de 2002 acrescenta um capítulo sobre o
atendimento e internação hospitalar à Lei 8.080 de 1990, regulamentando a
atenção domiciliar no SUS. No segundo parágrafo a lei estabelece que para
essas modalidades equipes multidisciplinares devam atuar nos níveis da
medicina preventiva, terapêutica e reabilitadora.
Com relação à acessibilidade, definida segundo a NBR 9050 (2004) como “a
possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para a
utilização com segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário,
equipamento urbano e elementos” pode ser entendida como a possibilidade de
aproximação, com segurança e autonomia, de espaços e sua utilização por
pessoas com deficiência1 ou mobilidade reduzida2, como pode ser considerado
o paciente atendido pela assistência domiciliar, permitindo a eles exercer
qualquer atividade nesses espaços. Barreira arquitetônica pode ser definida
1
Pessoa com redução, limitação ou inexistência de condições de percepção das características do
ambiente ou de mobilidade e de utilização de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e
elementos, temporária ou permanentemente.
2
Pessoa que temporária ou permanentemente tem limitada sua capacidade de relacionar-se com o
meio e utilizá-lo: pessoa com deficiência, idosa, obesa, gestante e outros.
2
ainda, de acordo com a norma, como qualquer elemento que interfira na
aproximação ou na circulação de uma pessoa no espaço.
Desenho universal é aquele que visa atender o maior número de variações das
características antropométricas e sensoriais da população, incluindo aqui o
portador de deficiência ou de mobilidade reduzida: é o projeto do ambiente
sem barreira arquitetônica.
A questão a ser discutida neste artigo, na verdade uma revisão bibliográfica
sobre o assunto, é objeto de uma pesquisa que está em fase inicial: as
edificações residenciais são construídas sem barreiras arquitetônicas? Elas
são pensadas levando-se em consideração o desenho universal? São
acessíveis e adequadas para receberem o atendimento e/ou internação
hospitalar domiciliar?
2. A ATENÇÃO DOMICILIAR À SAÚDE
Home health care, ou apenas home care, atenção à saúde, assistência
domiciliar em saúde, atendimento hospitalar domiciliar e internação domiciliar,
são diferentes denominações de uma forma de atendimento de saúde cada vez
mais freqüente nos dias de hoje.
Apesar de não existirem definições formais para os termos, existe
diferenciação entre eles. Para Tavolari, Fernandes e Medina (2000),
assistência domiciliar é um termo mais amplo e genérico, que engloba qualquer
atividade relacionada à saúde realizada à domicílio. Engloba desde uma
simples orientação de enfermagem até um procedimento mais complexo. Para
Lacerda et al. (2006, p. 90), essa modalidade de maior amplitude é chamada
de atenção domiciliar, abrangendo assim a “promoção à saúde, prevenção e
tratamento de doenças e reabilitação” à domicílio. É o home health care para
os americanos, o cuidado à saúde de alta qualidade, proporcionado às pessoas
no próprio domicílio.
Atendimento domiciliar, segundo Tavolari, Fernandes e Medina (2000), envolve
“ações menos complexas, multiprofissionais ou não, que podem ser
comparadas a um “consultório em casa””. Para a Anvisa apud Lacerda et al.
(2006) atendimento domiciliar pode ser sinônimo de assistência domiciliar ou
3
cuidado domiciliar e caracteriza-se por um conjunto de atividades de caráter
ambulatorial desenvolvidas à domicílio. É o home care em outros países.
Para Floriani e Shramm (2004), o termo atendimento domiciliar (AD) pode ser
utilizado no sentido mais amplo de home care, abrangendo toda variedade de
serviços realizados no domicílio e “destinados ao suporte terapêutico do
paciente”. Esses serviços podem ser cuidados pessoais simples, como higiene
íntima, alimentação, banho, locomoção, cuidados com medicação, curativos
em feridas, cuidados com escaras e até o uso de alta tecnologia hospitalar:
“nutrição enteral/parenteral, diálise, transfusão de hemoderivados,
quimioterapia e antibioticoterapia, com serviço médico e de
enfermagem 24 horas/dia, e uma rede de apoio para diagnóstico e
para outras medidas terapêuticas” (FLORIANI; SHRAMM, 2004, p.
987).
O termo home care é utilizado por Falcão (1999) tanto para atendimento
ambulatorial como para internação domiciliar, sendo que esse último é
caracterizado pelo autor como qualquer tratamento multidisciplinar
especializado com atendimento 24 horas por uma equipe médica-enfermagem
no domicílio do paciente.
A internação domiciliar, para a maioria dos autores pesquisados, refere-se a
uma atividade mais complexa, geralmente envolvendo vários profissionais e o
deslocamento de parte da estrutura hospitalar, pode ser comparada ao
“hospital em casa” para Tavolari, Fernandes e Medina (2000, p. 16),
requerendo assim “aparato tecnológico semelhante ao existente na estrutura
hospitalar pois o cuidado é direcionado a doentes com complexidade moderada
ou alta”.
A RDC/ANVISA no. 11, de 26 de janeiro de 2006 em seu regulamento técnico
de funcionamento de serviços que prestam atenção domiciliar define esses
temos da seguinte maneira:
- atenção domiciliar: termo genérico que envolve ações de promoção à
saúde, prevenção, tratamento de doenças e reabilitação desenvolvidas em
domicílio.
- assistência domiciliar: conjunto de atividades de caráter ambulatorial,
programadas e continuadas, desenvolvidas em domicílio.
- internação domiciliar: conjunto de atividades prestadas no domicílio,
4
caracterizadas pela atenção em tempo integral ao paciente com quadro clínico
mais complexo e com necessidade de tecnologia especializada.
Considerando o exposto acima, constatada a variedade de definições para os
termos utilizados, resolveu-se adotar neste trabalho as utilizadas na RDC
no.11: atenção domiciliar, o termo mais amplo, que abrange tanto o
atendimento quanto a internação hospitalar, ou seja, todos os procedimentos
hospitalares possíveis de serem realizados na casa do paciente.
Para Floriani e Shramm (2004), essa modalidade de prestação de serviço
ocorre no setor privado assim como no setor público,
“fazendo parte da pauta de discussão das políticas de saúde que,
pressionadas pelos altos custos das internações hospitalares,
buscam saídas para uma melhor utilização dos recursos
financeiros”(Gordilho, Sérgio,Silvestre et al.apud FLORIANI;
SRHAMM, 2004, p. 986).
De acordo com Tavolari, Fernandes e Medina (2000), a atenção domiciliar à
saúde ou home health care, existe nos Estados Unidos desde o final do século
XIX, quando um grupo de enfermeiras foi constituído para prestar serviços em
domicílios. Falcão (1999) comenta que em 1947, era pós-guerra, esse
atendimento passou a ser freqüente pelas enfermeiras que atendiam e
cuidavam dos doentes em casa, mas foi na década de 60 que esta forma de
atenção à saúde se tornou mais utilizada e levada a sério como forma de
“desospitalização precoce”, visto que havia deficiência de leitos nos hospitais,
filas para internação e muitos idosos precisando de cuidados médicos.
Diversas instituições começaram a surgir propondo-se a cuidar dos doentes
que estavam se recuperando em casa, liberando assim leitos para pacientes
mais graves. Percebeu-se que essa parcela de pacientes tratados em casa se
recuperava mais rapidamente do que se estivessem internados nos hospitais.
Hoje, para Tavolari, Fernandes e Medina (2000), pode-se encontrar nos
Estados Unidos mais de 20.000 empresas que desenvolvem essa atividade. Na
Europa podemos encontrar também vários sistemas organizados de
atendimento domiciliar. Diz Falcão (1999) que apesar de lá o home care
chegar um pouco mais tarde, essa é uma forma vista como excelente
alternativa de tratamento de saúde, principalmente para os idosos, visto que na
Europa se constata uma redução dos índices de natalidade e aumento da
5
população mais velha. No Brasil, segundo Tavolari, Fernandes e Medina
(2000), um grupo organizado que tinha como objetivo desospitalizar pacientes
crônicos estáveis, para desocupar parte dos leitos do Hospital do Servidor
Público Estadual de São Paulo, que estava superlotado, começou a prestar
esse serviço há cerca de quarenta anos e funciona até os dias de hoje para
pacientes de baixa complexidade clínica. Hoje existem muitas empresas que
prestam esse serviço hospitalar.
Quais as vantagens da atenção domiciliar? Tavolari, Fernandes e Medina
(2000) enumeram as vantagens distinguindo os quatro principais envolvidos
nesse sistema: os pacientes e seus familiares, os médicos, os financiadores da
saúde e os hospitais. Para os pacientes e familiares a atenção domiciliar à
saúde possibilita a convivência maior do doente com sua família, com suas
atividades rotineiras, sua estadia para tratamento na sua própria casa, com os
horários habituais de comer, tomar banho, dormir, o que lhe dá mais
segurança, tranqüilidade e o deixa mais feliz. Além disso, os familiares podem
conversar melhor com os profissionais que atendem o paciente, que tem
possibilidade de lhes passar informações mais detalhadas sobre a doença e o
tratamento, possibilitando assim uma participação maior na sua recuperação,
não tendo que se deslocar de casa.
Para os médicos visitadores é uma oportunidade de conviver intimamente com
seus pacientes interagindo e se relacionando mais profundamente.
Para os financiadores de saúde, segundo os autores, o sistema de atendimento
domiciliar permite uma redução de custos em torno de 50% quando comparado
ao tratamento hospitalar, sem contar os gastos inexistentes com infecções
hospitalares.
Finalmente para os hospitais, com mais leitos desocupados é possível fazer
uma maior rotatividade ocupando-os com pacientes mais graves e instáveis e
proporcionando maior lucro.
Para Falcão (1999), as enfermidades mais freqüentes na atenção domiciliar
são as relativas ao envelhecimento da população, o câncer, os sequelados de
AVC, as vítimas do mal de Alzenheimer e escleroses (arteriais, cerebrais,
musculares, múltiplas). Também os pacientes terminais, os que precisam
6
suportes ventilatórios e os com HIV – que preferem ficar em casa para não
serem expostos publicamente.
Uma das coisas importantes que se deve analisar para que seja possível a
atenção domiciliar, ou seja, tanto o atendimento como a internação, é o
contexto domiciliar. Para Lacerda apud Lacerda, Oliniski e Giacomozzi (2004),
contexto domiciliar abrange tudo que envolve o paciente e sua família: os
aspectos econômicos, sociais e afetivos da família, os recursos materiais e
humanos que ela dispõe, as relações estabelecidas por seus membros dentro
e fora do domicílio, as condições de higiene e segurança da casa e o espaço
físico.
De acordo com Brasil (2006) o domicílio do paciente deve possibilitar a
realização dos procedimentos prescritos no PAD - Plano de Atenção Domiciliar
- que é o conjunto de medidas que orienta a atuação dos profissionais na
assistência domiciliar ao paciente.
3. ACESSIBILIDADE
Para a NBR 9050 (2004) acessibilidade é, como já visto, “a possibilidade e
condição de alcance, percepção e entendimento para a utilização com
segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário, equipamento
urbano e elementos”.
Mobilidade pode ser definida, segundo Vasconcelos (1996 apud LANCHOTI,
2006, P.19), como a habilidade de movimentar-se como conseqüência de
condições físicas e econômicas. É um atributo associado às pessoas,
relacionado ao deslocamento, consideradas as dimensões do espaço e as
atividades nele desenvolvidas. Esse deslocamento, para Lanchoti (2006, p. 19),
deve ser realizado pelo indivíduo,
“em condições seguras e com total autonomia, sem depender
de ninguém, mesmo que para isso necessite utilizar-se de
objetos e aparelhos específicos – uma cadeira de rodas, por
exemplo.”
Pessoa com mobilidade reduzida é aquela que segundo a NBR 9050 (2004), se
encontra permanente ou temporariamente com sua capacidade limitada de
7
utilizar o espaço, como os idosos, portadores de deficiência, obesos, gestantes
e podemos incluir aqui também os pacientes domiciliares.
Acessibilidade, para pessoas portadoras de deficiência ou mobilidade reduzida,
pode ser definida como a possibilidade de aproximação, com segurança e
autonomia, de espaços assim como sua utilização. O paciente da atenção
domiciliar à saúde, em grande parte, é um indivíduo idoso, e/ou um indivíduo
que se encontra com a saúde fragilizada, estando assim impedido ou limitado
em seus deslocamentos ou na utilização dos espaços.
A população idosa, parcela considerável dessa população atendida a domicílio,
vem aumentando nos últimos tempos e esse fato deve ser considerado pelos
arquitetos, responsáveis pela qualidade de vida das pessoas no ambiente que
convivem.
Para Licht e Almeida Prado (2004 apud ROSA e BUSCARIOLO, 2006, p.12), a
expectativa de vida segundo a Organização das Nações Unidas sobe de 65
para 75 anos em 2050. Esse aumento vem acontecendo na Europa e América
do Norte, onde a expectativa de vida é de quase 85 anos, como na América
Latina com índices que variam de 69 anos em 2000 para quase 78 anos em
2050. Segundo os autores, a porcentagem da população idosa no Brasil deve
subir de 8% em 1999 para 20% em 2050. De acordo com Almeida Prado,
Rodrigues e Almeida (2010), no Brasil a população de idosos aumentou de
4,2% em 1950 para 10,2% em 2006 pelos dados do IBGE. Entre 2000 e 2006 a
população brasileira com 60 anos ou mais aumentou de 14 milhões para quase
19 milhões, um aumento de 1,6%.
Esse envelhecimento da população e o aumento da expectativa de vida é um
dos motivos que tem trazido a modificação do modelo hospitalar para o modelo
domiciliar, modificação que vem ocorrendo principalmente para essa população
mais idosa, de acordo com Veras (1998 apud MENDES, 2012), por conta da
maior complexidade do cuidado à saúde e do aumento dos custos. Além disso,
essa faixa etária requer maior tempo de internação, número maior de
profissionais e especialistas, exames complexos, medicamentos e
procedimentos de alto custo. Não podemos esquecer ainda a fragilidade
dessas pessoas e o risco de contrair infecções no ambiente hospitalar.
8
De acordo com Mendes (2012), a autonomia e a independência são
importantes na manutenção da qualidade de vida e na longevidade. A
autonomia é importante para idosos e pessoas enfermas, segundo Childress
(apud MENDES, 2012), em termos do grau que sua liberdade é respeitada,
pois segundo Guimarães (1999 apud ALMEIDA PRADO, 2012) autonomia
significa a capacidade do indivíduo desfrutar do espaço de acordo com a sua
vontade. A independência é definida como a capacidade de realizar atividades
da vida diária sem ajuda.
O ambiente domiciliar do idoso ou do indivíduo enfermo, para que ele tenha
uma boa qualidade de vida, deve proporcionar autonomia e independência,
permitindo assim acessibilidade a todos os cômodos.
O envelhecimento traz limitações por conta de perdas físicas ou sensoriais que
passam a interferir na relação do usuário idoso com o ambiente.
As perdas físicas podem ocorrer nos sistemas muscular, conjuntivo,
ósseo, neurológico, cardiopulmonar, gastrointestinal e genitourinário;
as sensoriais, na visão, audição e sistema vestibular, paladar, olfato,
tato e propriocepção. Independentemente das estratégias individuais,
há providências que devem ser tomadas no meio, edificado ou não
para uma melhor qualidade de vida (ALMEIDA PRADO, 2003 apud
Almeida Prado, Rodrigues e Almeida, 2010, p.61)
Essas perdas, segundo as autoras, devem ser compreendidas, assim como as
necessidades que elas demandam, para a elaboração de projetos novos ou
adaptações de ambientes privados, as residências, ou espaços públicos, as
ruas, os edifícios públicos, os equipamentos urbanos, transportes, para
satisfazer as necessidades das pessoas portadoras de deficiência ou com
mobilidade reduzida, propiciando assim “deslocamentos com conforto,
autonomia e segurança” (ALMEIDA PRADO, 2003 apud Almeida Prado,
Rodrigues e Almeida, 2010, p. 61).
Para Hasselkus (1998, apud MENDES, 2012), o ambiente do idoso “deve ser
prático, considerando-se a simplificação e funcionalidade, respeitando os
aspectos culturais e psicossociais, como a identificação do idoso com esse
ambiente e a manutenção de sua privacidade”.
Em pesquisa realizada no município de São Paulo com idosos atendidos em
um programa de atenção domiciliar, Mendes (2012) avaliou a acessibilidade
dos ambientes dividindo-os em escadas, sala, quarto, cozinha e banheiro.
9
Como resultado a autora constatou que, da população pesquisada, cerca de
40% morava em sobrado com escada e as principais características ambientais
encontradas foram a ausência de corrimãos nos dois lados, ausência de
interruptores no início e fim, piso escorregadio nos degraus e ausência de tons
contrastantes. Na sala foi observada a prevalência de tapetes em área de
circulação e piso escorregadio. No quarto houve a prevalência dos riscos
ambientais tapete em área de circulação, piso escorregadio, risco de tropeçar e
em cerca de 50% foi constatada a presença de armários de difícil acesso. A
ausência de iluminação noturna também foi notada. O banheiro foi considerado
pela autora o cômodo de maior risco, com tapete na área de circulação, risco
de tropeçar e piso escorregadio. Foi sugerido, para que o idoso não perca sua
privacidade e autonomia, barras de apoio no box, ao lado do vaso sanitário e
elevação do assento. As barras foram encontradas em menos da metade dos
domicílios avaliados e a elevação do assento em nenhum.
4. O DESENHO UNIVERSAL
De acordo com Golland (1988 apud GOLLEDGE e STIMSON, 1997) os idosos
utilizam e vivenciam o espaço de uma maneira diferente, de acordo com o
processo de envelhecimento, respondendo ao stress ambiental diferentemente
das pessoas mais jovens, assim, conclui o autor, os ambientes de moradia dos
idosos devem ser modificados, adequados a eles para evitar o stress
decorrente da idade.
O projeto do ambiente residencial deve ser adequado ao seu usuário. Um bom
projeto deve, de acordo com Carli (2010), responder à diversidade das pessoas
que vão utilizar aquele ambiente. Deve servir para todos os indivíduos, sejam
eles crianças, moços, idosos ou com deficiência permanente ou temporária.
Eliminar o risco de acidentes domésticos é, para a autora, outro grande desafio
de um projeto residencial. Acidentes em ambientes, como quedas, indicam a
pouca adequação do projeto do ambiente ao usuário, conforme mostra
Bodachne (2002 apud CARLI, 2010), quando cita que o meio ambiente é
responsável por 31% das quedas.
10
O Desenho Universal prega que um projeto seja flexível e adaptável, de tal
forma que o espaço possa ser utilizado pelo maior número de pessoas. Para
isso é necessário que sejam “acessíveis, seguros, adaptáveis, exigirem pouco
esforço físico para seu uso, serem de fácil percepção, simples e intuitivo, para
que todos possam usá-lo com independência e igualdade” (CARLI, 2010,
p.132). Adaptabilidade de um projeto significa a possibilidade de um rearranjo,
uma adaptação do espaço para se adequar a uma nova realidade. “Projetos
adaptáveis oferecem características universais básicas que podem ser
facilmente adaptáveis às necessidades específicas do usuário” (Mace, 1991
apud CARLI, 2010, p. 133). Carli (2010) diferencia o fazer residências
adaptadas do fazer residências com espaços flexíveis, que permitam
facilmente uma adaptação para qualquer pessoa, caso seja necessário. Nessa
mesma linha de raciocínio:
O Desenho Universal não é uma tecnologia direcionada
apenas aos que dele necessitam; é desenhado para todas as
pessoas. A idéia do Desenho Universal é, justamente, evitar a
necessidade de ambientes e produtos especiais para pessoas
com deficiências, assegurando que todos possam utilizar com
segurança e autonomia os diversos espaços construídos e
objetos (CARLETTO; CAMBIAGHI, 2012, p. 10).
.
De acordo com Carletto e Cambiaghi (2012), o conceito de Desenho Universal
surgiu em 1987, na Universidade da Carolina do Norte, pelo arquiteto
americano Ron Mace, para definir o projeto de produtos e de ambientes que
pudessem ser usados por todos sem a necessidade de adaptações nem
projetos especializados. Na década de 90 Mace, com um grupo de arquitetos e
defensores dessa idéia, estabeleceu os sete princípios do Desenho Universal,
que são critérios para que produtos e ambientes atendam a um maior número
de usuários. Esses critérios são mundialmente aceitos e utilizados para
programas de acessibilidade e são listados e comentados por Almeida Prado
(2012):
- desenho eqüitativo: pode ser utilizado por todos;
- flexibilidade de uso: permite que pessoas com habilidades diversas utilizem o
ambiente; pode ser adaptado;
11
- uso intuitivo e simples: de fácil utilização;
- informação perceptível: facilidade de comunicação ao usuário, independente
das condições do ambiente ou das suas habilidades sensoriais;
- tolerante a erros: possui elementos que diminuem o perigo de enganos,
evitando assim acidentes;
- exige pouco esforço físico: pode ser usado de maneira eficiente e com
conforto, sem grande esforço físico;
- tamanho e espaço adequados para aproximação, manipulação e uso: são
garantidos independentemente do porte do usuário, sua postura (sentado ou
em pé) ou sua mobilidade (com uso de cadeira de rodas, muletas e outros).
Para Silva e Santos (2011, p.1) o Desenho Universal “é um conceito de projeto
que não aplica soluções direcionadas a perfis segmentados, é desenvolvido
para ser utilizado pela maior gama de pessoas possível, de maneira igualitária,
sem segregação”. É o projeto do ambiente que poderá ser utilizado por todos,
inclusive os com deficiência, com mobilidade reduzida, idosos, obesos, altos,
baixos, gestantes e outros.
As autoras elencaram soluções de projetos das arquitetas Fernanda Abreu,
Renata Mello e Sandra Perito, especialistas em arquitetura inclusiva, para
moradias acessíveis, que serão resumidamente expostas aqui:
- para a circulação: piso regular e antiderrapante; contraste entre piso e
rodapé; corredores e portas mais largas para permitir acesso e manobra de
cadeiras de rodas;
- para os sanitários: planejar a passagem das tubulações para possível
instalação das barras de apoio; torneira tipo alavanca ou com sensor; portas do
box com 80 cm de largura; desnível em rampa de 1,5 cm a 2,0 cm para evitar
transbordamento entre o piso do box e do banheiro; espelhos baixos, grandes
ou com inclinação para facilitar a visualização de crianças ou pessoas
sentadas; espaço interno do banheiro suficiente para circulação de no mínimo
duas pessoas (acompanhante);
- para a sala: livrar a sala de obstáculos; janelas amplas e baixas para permitir
a visualização de pessoas sentadas;
12
- para os dormitórios: deixar livre espaço de 90 cm para circulação nos pés e
laterais das camas; sensor de presença de luz; iluminação dentro dos armários;
- cozinha e serviços: torneira tipo alavanca; detector de fumaça e gás; espaço
livre embaixo da pia para cadeiras de rodas; puxadores de portas de armários
de fácil manuseio; lavanderia integrada para evitar armários altos.
Pode-se acrescentar ainda, às anteriores, algumas soluções sugeridas por
Almeida Prado (2012) como a elevação dos vasos sanitários para que se tenha
uma altura de 42 a 45 cm do chão; corrimãos nos dois lados das escadas;
portas com largura mínima de 80 cm e maçanetas tipo alavanca.
A Secretaria de Estado da Habitação (SH) juntamente com a Companhia de
Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) do Estado de São Paulo
lançou diretrizes do Desenho Universal para projetos de habitações de
interesse social com o objetivo de melhorar a qualidade de vida do ambiente
construído para essa faixa da população. Em publicação, “Desenho Universal:
habitação de interesse social”, de 2010, sugere mais algumas soluções para
acessibilidade nas residências que podem ser acrescentadas: a principal, que
cabe aqui ser lembrada, é a área de manobra com amplitude mínima de 1800,
para que seja possível que a cadeira de rodas entre e saia de frente de todos
os ambientes: sala, sanitários, dormitórios e cozinha.
Como podemos perceber o Desenho Universal é uma tendência de conceito
aplicada aos projetos que têm a preocupação com o conforto, bem-estar e
segurança, para todos os usuários do ambiente construído, para sempre e sem
distinção.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se adquire um imóvel, a preocupação é que esse imóvel satisfaça as
necessidades do seu usuário naquele momento. No entanto, com o passar do
tempo essas necessidades vão se modificando: o casal recém casado passa a
ter filhos, esses filhos crescem, o casal envelhece ou em certo momento
precisa abrigar os pais já idosos, pode acontecer um acidente com um dos
componentes da família ou um caso de doença que venha a comprometer a
sua mobilidade, ou ainda, que necessite dos serviços de atenção domiciliar à
13
saúde. Pensando em todos esses aspectos, o Desenho Universal, como
prática de projeto, possibilita a flexibilização e adaptação do espaço para que
esse seja adequado às diferentes necessidades dos seus usuários, tornando-o
acessível, confortável e seguro.
A atenção domiciliar à saúde, englobando o atendimento domiciliar e a
internação domiciliar, é uma tendência atual do sistema de saúde. Pesquisas
mostram que o idoso, faixa da população que vem atualmente crescendo, é
usuário desse tipo de tratamento em parcela considerável.
Arquitetos, responsáveis pela qualidade de vida de usuários do ambiente
construído devem levar esse fato em consideração ao elaborar projetos
residenciais. Os ambientes projetados devem ser acessíveis, seguros,
possibilitarem a autonomia e a independência do idoso e/ou indivíduo com
deficiência ou que tenha sua mobilidade reduzida, enfim, considerar os
princípios do Desenho Universal como parâmetros para diretrizes de projeto.
6. REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050:
Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos, Rio
de Janeiro, 2004.
ALMEIDA PRADO, Adriana R. de; RODRIGUES, Juçara Morelli T. e ALMEIDA,
Vera Lúcia V. de. Cidade e velhice – desafios e possibilidades. In: ORNSTEIN,
Sheila Walbe (Org.); ALMEIDA PRADO, Adriana R. de (Org.); LOPES, Maria
Elisabete (Org.). Desenho Universal: caminhos da acessibilidade no Brasil.
São Paulo: Annablume, 2010. p. 57-67.
_______________________ . Acessibilidade e desenho universal. Direito do
idoso. Disponível em: <http://direitodoidoso.braslink.com/01/artigo028.htm>.
Acesso em: março de 2012.
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 11, de
26 de janeiro de 2006 - Dispõe sobre o Regulamento Técnico de
Funcionamento de Serviços que prestam Atenção Domiciliar, 2006.
CARLI, Sandra Perito. Moradias inclusivas no mercado habitacional brasileiro.
In: ORNSTEIN, Sheila Walbe (Org.); ALMEIDA PRADO, Adriana R. de (Org.);
LOPES, Maria Elisabete (Org.). Desenho Universal: caminhos da
acessibilidade no Brasil. São Paulo: Annablume, 2010. p. 131-142.
CARLETTO, Ana C.; CAMBIAGHI, Silvana. Desenho Universal: um conceito
para todos Realização Mara Gabrilli. Disponível em:
<http://www.rinam.com.br/files/REFERENCIAS_DesenhoUniversalumconceitop
aratodos.pdf>. Acesso em: fevereiro de 2012.
14
FALCÃO, Horácio Arruda. Home Care – uma alternativa ao atendimento da
Saúde. Medicina On line - Revista Virtual de Medicina v.2, n.7 - Ano II
jul/ago/set, 1999. Disponível em:
<http://www.medonline.com.br/med_ed/med7/homecar.htm>. Acesso em:
fevereiro de 2012.
FLORIANI, Ciro Augusto; SHRAMM, Fermin Roland. Atendimento domiciliar
ao idoso: problema ou solução? Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, jul/ago,
2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csp/v20n4/13.pdf>. Acesso: em
março de 2012.
GOLLEDGE, Reginald G; STIMSON, Robert J. Spatial behavior: a
geographic perspective. New York: The Guilford Press, 1997.
LACERDA, Maria Ribeiro; OLINISKI, Samantha R.; GIACOMOZZI, Clélia M.
Familiares cuidadores comparando a internação domiciliar e a hospitalar.
Família, Saúde e Desenvolvimento, v.6, n.2, Curitiba, maio/ago, 2004.
Disponível em:
<http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/refased/article/viewArticle/8062>. Acesso
em: março de 2012.
__________ ;_________; _______; TRUPPEL, Tiago C. Atenção à saúde no
domicílio: modalidades que fundamentam sua prática. Saúde e Sociedade,
v.15, n.2, São Paulo, may/aug, 2006. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010412902006000200009&script=sci_arttext>. Acesso em: março de 2012.
LANCHOTI, José Antonio. Brasil Acessível: Programa Brasileiro de
Acessibilidade Urbana, Brasília, Construindo a cidade acessível, v.2,
dezembro/2006.
LEME, Edvaldo de Oliveira. História do Home Care. Portal Home Care.
Disponível em: <http://www.portalhomecare.com.br/home-care/historia-dohome-care/58-introducao>. Acesso em: fevereiro de 2012.
MENDES, Farah R. Corrêa. Capacidade funcional e acessibilidade do ambiente
domiciliar. Portal do envelhecimento. Disponível em:
<http://www.portaldoenvelhecimento.org.br/artigos/artigo665.htm>. Acesso em:
fevereiro de 2012.
ROSA, Melissa de Castro da; BUSCARIOLO, Luciane F. A. Arquitetura para a
terceira idade: adaptações residenciais. 2006. Monografia de Especialização
em Arquitetura de Interiores orientada por Ana Virgínia C F Sampaio –
Departamento de Arquitetura e Urbanismo, UNIFIL, Londrina, PR. 2006.
SILVA, Angela dos Santos; SANTOS, Miriam Renata Modesto dos. Desenho
Universal e mercado imobiliário: moradia acessível como alvo de
empreendimentos. 11ª. Conferência Internacional da LARES, 2011.
Disponível em:< http://www.lares.org.br/2011/images/528-780-1-RV.pdf>.
Acesso em: março de 2012.
TAVOLARI, Carlos E. Lodovoci; FERNANDES, Fernando; MEDINA Patrícia. O
desenvolvimento do “Home Health Care” no Brasil. Revista de Administração
em Saúde, v.3, n.9, São Paulo: out/dez, 2000. Disponível em:
<http://www.cqh.org.br/files/ARTIGORAS09.pdf>. Acesso em: março de 2012.
15