Hérnia de amyand: hérnia inguinal com apendicite aguda

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estudo de caso
Hérnia de Amyand: hérnia inguinal
com apendicite aguda
Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto e Rafael Cavalcanti de Carvalho Lucena
RESUMO
Hérnia de Amyand é a hérnia inguinal com o apêndice vermiforme no seu interior. É considerada entidade rara. Homem, 35 anos, apresentou região inguinal
direita tensa, com volume aumentado havia dois dias,
associado com anorexia. Ao exame físico, revelou dor
no quadrante inferior direito e massa inguinoscrotal
à direita. Os resultados dos exames laboratoriais foram normais. Realizada consulta cirúrgica depois da
qual foi indicada laparotomia. Na intervenção, verificou-se o apêndice vermiforme inflamado dentro do
saco herniário e aderido a este. Realizada a remoção
do apêndice com ressecção do saco herniário e reparo
à Bassini como técnica empregada para tratar a hérnia inguinoscrotal. A hérnia de Amyand poderia estar
presente no diagnóstico diferencial de escroto agudo
e a abordagem comum das duas entidades – hérnia
inguinal e apêndice – podem melhorar o resultado.
Palavras-chave. Hérnia de Amyand; apendicite;
apendicectomia; hérnia inguinal
ABSTRACT
Amyand’s hernia: inguinal hernia with acute
appendicitis
The finding of vermiform appendix within an inguinal
hernia is a rare occurrence whose incidence is not well
known in the literature. For two days, a 35-year-old man
presented with a swollen right groin with tenderness associated with anorexia. Physical examination revealed right
lower quadrant pain and a right groin mass. Laboratory
tests were normal. The patient was seen for surgical consultation and taken to the operating room. During surgery, an inflamed appendix adhering to the wall of the inguinal sac was observed. His appendix was removed and
a Bassini repair was performed to treat the hernia. The
patient was discharged soon thereafter. Amyand’s hernia
Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto – médico, titular do Colégio
Brasileiro de Cirurgiões, Serviço de Cirurgia Geral e Transplante
de Fígado, Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Universidade de
Pernambuco, Recife-PE, Brasil
Rafael Cavalcanti de Carvalho Lucena – médico-residente, Serviço de
Cirurgia Geral e Transplante de Fígado, Hospital Universitário Oswaldo
Cruz, Universidade de Pernambuco, Recife-PE, Brasil
Correspondência: Olival Cirilo Lucena Fonseca Neto. Rua
Jacobina, 45, ap. 1.002, Graças, CEP 52.011-180, Recife-PE.
Telefone: 81 99890208.
Internet: [email protected]
Recebido em 6-5-2012. Aceito em 8-8-2012.
Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses
should be added to the differential diagnosis of acute scrotum, and common sense may improve its outcome.
Key words. Amyand’s hernia; appendicitis; appendectomy; inguinal hernia
INTRODUÇÃO
A presença de apêndice vermiforme dentro do saco
herniário é infrequente.1 Na literatura, a incidência
reportada está em torno de 1% de todas as hérnias.2
Mais raro ainda é o achado de apendicite aguda
dentro da hérnia inguinal.3
Quando no conteúdo do saco inguinal encontrar-se
o apêndice vermiforme, inflamado ou não, o quadro
é denominado de hérnia de Amyand.4 Alguns autores
acreditam que a primeira descrição do apêndice cecal
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ESTUDO DE CASO
na hérnia inguinal foi realizada por De Garengeot em
1731.6 Claudius Amyand (1681–1740), cirurgião francês
refugiado na Inglaterra foi o primeiro a realizar uma
apendicectomia. Esse fato ocorreu 144 anos antes da
primeira apendicectomia oficial aceita, realizada por
R. L. Tait em 1880, e 150 anos antes da primeira apendicectomia realizada nos Estados Unidos por R. J. Hall em
1885.7,8 Assim, o epônimo hérnia de Amyand foi inicialmente sugerido por Creese em 1953, depois por Hiatt
e Histt em 1988 e em seguida por Hutchinson em 1993,
em reconhecimento a Claudius Amyand.
Esse tipo de hérnia é mais frequente em homens,
e o diagnóstico pré-operatório é difícil.5 A suspeita
de hérnia de Amyand deve estar presente naqueles
pacientes com hérnia inguinal tensa e sem sinais
de obstrução intestinal. A apendicectomia sempre
deverá ser realizada junto ao reparo da hérnia.
Foi em seguida submetido à cirurgia. O achado cirúrgico foi apêndice inflamado com secreção purulenta no ápice do saco herniário (figura). Como
o acesso cirúrgico foi incisão transversa para hérnia inguinal, optou-se pela abordagem simultânea:
apendicectomia com reparo de Bassini.
Realizada antibioticoterapia empírica com metronidazol e ceftriaxona por 24 horas. Depois de dois
dias, o paciente recebeu alta sem complicações. O
resultado do exame anatomopatológico mostrou inflamação e isquemia em todo o órgão (apendicite).
O objetivo do presente estudo é apresentar um caso
de apendicite aguda dentro da hérnia inguinoscrotal direita.
RELATO DE CASO
Homem, 35 anos, agricultor, natural e procedente de
Timbaúba-PE, procurou o ambulatório de hérnias, do
Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário
Oswaldo Cruz, Recife-PE, em novembro de 2010.
Relatou aparecimento de massa na região inguinoscrotal direita havia cerca de um mês, sem dor. Havia
dois dias, referiu dor epigástrica associada a náuseas
e vômitos e não teve febre. Procurou serviço de saúde
de seu município onde recebeu tratamento para gastrite. Com a progressão da dor com localização desta na
fossa ilíaca direita, foi encaminhado ao nosso serviço
ambulatorial. Ao exame físico, o paciente apresentavase em bom estado geral, hidratado, hipocorado (+/++),
frequência cardíaca de 100 bpm, frequência respiratória de 21 ipm, pressão sanguínea arterial de 130 por 80
mmHg e índice de massa corpórea 22. A temperatura
do paciente não foi aferida na ocasião. Ao exame abdominal, foi encontrada hérnia inguinoscrotal direita
encarcerada com discreta irritação peritoneal. Apesar
da dor abdominal, foi realizada percussão e esta mostrou hipertimpanismo em todo o abdome. Dispensados
exames complementares.
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Figura. Apêndice vermiforme inflamado dentro da
hérnia inguinoscrotal direita
DISCUSSÃO
A presença do apêndice no saco herniário está em
torno de 1% das hérnias inguinais e um apêndice inflamado é encontrado em apenas 0,13% dos casos.1,2
Uma variante, apendicite dentro da hérnia femoral, é chamada de hérnia de Garengeot.3 Em 1937,
Ryan descreveu onze casos de apendicite aguda
dentro de hérnia inguinal no universo de 8.692 casos de apendicite.10 Outro autor, reportou dez casos
de pacientes com apendicite na hérnia inguinal durante nove anos consecutivos.11
A etiopatogenia da apendicite aguda é incerta.15 Muitos
autores acreditam na associação entre encarceramento e inflamação do apêndice no saco herniário, isto é,
um fenômeno isquêmico devido à compressão do órgão pelo anel herniário levando à apendicite.12
Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto e col. • Hérnia de Amyand
Sintomas típicos da apendicite aguda, como dor epigástrica inicial que se localiza mais tarde na fossa ilíaca direita, náuseas, vômitos e anorexia também podem ser
vistos nos pacientes com hérnia de Amyand.16 Febre e
leucocitose não são frequentes nesses pacientes.6
Quando existe grande risco de desenvolvimento
de complicações, como abscesso pericecal, a abordagem apendicular deve ser pré-peritoneal, minimizando o aparecimento de infecção da ferida e
recorrência da hérnia.14
Nesse caso, o paciente apresentava quadro clínico de
abdome agudo obstrutivo – dor, vômitos e hérnia inguinoscrotal direita irredutível. Apesar de o doente
apresentar dor mais intensa na fossa ilíaca direita, a
ausência de outros sintomas – anorexia, astenia – e
sinais – irritação peritoneal à descompressão brusca em fossa ilíaca direita –, não foi diagnosticada a
apendicite na admissão.
Em conclusão, a hérnia de Amyand é uma condição rara e frequentemente não diagnosticada antes
da cirurgia, menos ainda a presença de apendicite
aguda no saco herniário. Sendo assim, é necessário alto poder de suspeição e tratamento cirúrgico
imediato para evitar complicações.
Devido ao quadro clínico de abdome agudo obstrutivo de origem definitiva no exame físico (hérnia inguinoscrotal direita), foi indicada cirurgia imediata.
A apresentação clínica desse caso difere da literatura pelo quadro do abdome agudo obstrutivo. A maioria das descrições referem pacientes submetidos a
cirurgia eletiva para hérnia inguinal. Em revisão recente, foi descrito um caso de apendicite aguda, em
que o doente apresentava hérnia inguinal esquerda
crônica (domiciliada).2
Devido ao sugestivo quadro de abdome agudo, os
autores não utilizaram métodos complementares,
como ultrassonografia e tomografia computadorizada de abdome. É oportuno lembrar que, nessa
situação, a radiografia simples de abdome demonstraria edema e distensão de alças intestinais associadas ou não com níveis hidroaéreos.
O diagnóstico pré-operatório é incomum.17 Em um
artigo de revisão, dos sessenta casos de hérnia de
Amyand encontrados apenas um caso teve o diagnóstico antes da operação.12
A presença de irritação peritoneal e dor precoce em
uma hérnia encarcerada podem sugerir apendicite
dentro do saco herniário. A utilização de métodos de
imagem pode ajudar no diagnóstico, com ecografia
ou tomografia axial computadorizada de abdome.3
A abordagem cirúrgica é mandatória. Entretanto, o
tipo de cirurgia ainda é controverso. Em condições
normais, o tratamento consiste em apendicectomia
e correção cirúrgica urgente da hérnia.13
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