Unidade II - UNIPVirtual

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Unidade II
Unidade II
5 A Questão Social Contemporânea e os Desafios para o Serviço
Social
Ao analisar a identidade do Serviço Social, Martinelli (2007) orienta que esta foi atribuída pelo
capitalismo, pelos ideais burgueses. Para a autora, a formação da identidade iniciou‑se por meio
do movimento dos profissionais de Serviço Social, para expressar as práticas sociais repressoras e
controladoras que visavam a garantir a consolidação do sistema capitalista.
O Serviço Social, conforme alguns pesquisadores – dentre eles Almeida, Barbosa e Cardoso (1998) –,
transforma‑se continuamente, porque sua existência é atrelada ao processo de transformação da sociedade,
que, igualmente, vive transformações históricas nos âmbitos social, econômico, político, cultural e ambiental.
Com tantas modificações, a profissão adotou alguns instrumentais importantes para o universo do
trabalho. Um deles é a pesquisa, uma das ferramentas mais eficientes e concretas de estudo, servindo
como fonte de leitura compreensiva da sociedade e das questões que a envolvem (BULLA, 2003).
Saiba mais
Leia:
HELLER. A. Estrutura da vida cotidiana. In: ______. O cotidiano e a
história. São Paulo: Paz e Terra, 1970. p. 17‑41.
A intervenção do assistente social, no contexto do sistema de acumulação financeirizada do capital,
exige que o profissional mantenha, como instrumentalidade importante para sua atuação, o conhecimento
e a pesquisa, a fim de proceder a análises contextuais críticas, éticas e propositivas, além de ser capaz de
realizar ações de efeito para o enfrentamento da Questão Social em suas múltiplas expressões.
Ao focar a Questão Social, expressa, nessa estrutura de Estado neoliberal e de mundialização do
capital, que as análises da área também devem contemplar a totalidade dos desafios apresentados para
sua operatividade.
Para Iamamoto (2000a), no trabalho com a Questão Social é necessário:
[...] captar as múltiplas formas de pressão social, de inversão e de reinversão
da vida, construídas no cotidiano, pois é no presente que estão sendo
50
Serviço Social e Questão Social
recriadas as novas formas de viver, que apontam um futuro que está sendo
germinado (IAMAMOTO, 2000a, p. 28).
As novas configurações de espaço profissional exigem do assistente social um direcionamento
ético‑político, com competências para a construção de espaços que assegurem direitos, democracia
participativa e fortalecimento do potencial para as lutas sociais reivindicativas e direcionadas para as
conquistas de uma sociedade mais justa e democrática.
Para a pesquisadora Telles (1996, p. 85):
[...] a questão social é a aporia das sociedades modernas que põe em foco
a disjunção, sempre renovada, entre a lógica do mercado e a dinâmica
societária, entre a exigência ética dos direitos e os imperativos de eficácia
da economia, entre a ordem legal que promete igualdade e a realidade das
desigualdades e exclusões tramada na dinâmica das relações de poder e
dominação.
A autora trata da Questão Social como uma categoria, que traz em si as contradições do modo capitalista
de produção, o qual, por sua vez, funda‑se na produção e na apropriação da riqueza gerada socialmente.
Os trabalhadores que produzem a riqueza não compartilham, com os capitalistas, de sua apropriação.
Ao analisarmos a Questão Social, é preciso saber que é uma forma de estudo sobre a sociedade,
porque não há consenso sobre as suas fontes constituintes.
De qualquer forma, o estudo sobre a Questão Social é uma análise da perspectiva mais ampla em
que a maioria da população se encontra, geralmente caracterizada pelos trabalhadores que vendem
sua força de trabalho e não têm acesso, por quaisquer meios, às condições fundamentais para sua
sobrevivência (TELLES, 1996).
Portanto, estudar a Questão Social é ressaltar as diferenças, entre trabalhadores e capitalistas, no
acesso a direitos e nas condições de vida, destacar os processos de estruturação das desigualdades
sociais e pesquisar mecanismos para a superação das manifestações dessas desigualdades, partindo do
entendimento de como são produzidas, na sociedade e na subjetividade dos homens.
Algumas da expressões da Questão Social na cena contemporânea são caracterizadas, dentre outras
manifestações, por:
• violência estrutural;
• formação de uma sociedade voltada exclusivamente para o consumo;
• analfabetismo;
• desemprego;
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Unidade II
• desregulamentação do trabalho;
• flexibilização das relações trabalhistas;
• favelização;
• fome;
• analfabetismo político.
O surgimento e o agravo da Questão Social estão relacionados com o desenvolvimento da ordem
capitalista, na contradição capital versus trabalho e, portanto, na exploração de uma classe pela outra.
Assim, a existência da Questão Social revela a situação estrutural de violência, exploração e desigualdade
em que o mundo se encontra.
As manifestações ou expressões da Questão Social na forma de discriminação contra índios e negros,
na questão de gênero, na fome, na miséria e na falta de emprego são consequências da violência estrutural.
Por isso, antes de cometer uma forma de violência, o sujeito já foi violentado, quando não teve
acesso a direitos fundamentais à sobrevivência, como educação, saúde e trabalho.
A miséria, o desemprego, a falta de rendimentos, a falta de informação e o não acesso à educação
aparecem, mais frequentemente, como causas da violência. A insegurança diária pela qual passam os
indivíduos impede a projeção de expectativas de vida, mesmo em curto prazo, e também pode ser fonte
de violência. As novas formas de “trabalho”, como as atividades ilícitas, são apresentadas também como
motivadoras de outras violências (AMORIM, SILVA e TRINDADE, 2006).
É possível afirmar, então, que a violência estrutural é a maior de todas as violências, uma vez que
precede as demais. Não estamos afirmando que é a causadora das outras violências, por exemplo, da
violência doméstica, da urbana, da autoafligida ou da cometida por gangues, pois isso seria desconsiderar
fatores individuais, de cunho genético ou psicológico.
A intenção, obviamente, não é essa, mas, sim, apontar a violência estrutural como intensificadora
das demais, reafirmando mais uma vez que, nestas, o violentador é, antes de tudo, vítima da uma
violência maior, mais profunda, estrutural.
Estudos sobre violência urbana afirmam que a violência interpessoal está profundamente arraigada
na enorme desigualdade que existe entre as classes dominantes e quase todo o resto da população. Os
jovens, muitas vezes agentes da violência urbana, encontram‑se em condições péssimas de moradia,
alimentação, educação e higiene – expressões da Questão Social.
Esses não são elementos causadores da violência urbana, mas tornam as pessoas vulneráveis à
violência. Destarte, a violência estrutural, existente no cerne da sociedade capitalista, não somente
mantém relação com a Questão Social e suas expressões, mas também é responsável pela sua existência.
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Serviço Social e Questão Social
O agravamento da Questão Social e o adensamento da violência estrutural são legitimados na
sociedade e, muitas vezes, tornam‑se naturalizados e camuflados, para que sejam aceitos pela população.
O Estado tem papel fundamental nesse processo de legitimação da violência estrutural e de
pseudoenfrentamento da Questão Social, uma vez que está a serviço do capital (AMORIM, SILVA e
TRINDADE, 2006).
Ao falarmos de violência, remetemo‑nos ao Estado, uma vez que este tem o papel de criar respostas
de enfrentamento das situações de violência, visando à melhoria da qualidade de vida da população.
Pelo menos é assim na teoria. Na realidade, o Estado coloca‑se cada vez mais a favor do capital, criando
políticas sociais que perpetuam a Questão Social e a violência estrutural, por meio de programas e
serviços fragmentados e mantedores da ordem vigente.
A origem do Estado está relacionada à necessidade de dominar os antagonismos entre as classes
e, dessa forma, este se coloca a serviço da classe mais poderosa economicamente. Por meio do Estado,
essa classe, além de ser economicamente dominante, passa a ser politicamente dominante, com maior
possibilidade de oprimir e explorar a classe dominada.
Por isso, falar de violência é falar de Estado, pois este tem o monopólio dos instrumentos de violência
legítima, como forma de manter ou restaurar a ordem e a paz da sociedade. Exemplos de instrumentos
do Estado são a polícia, o exército e os presídios.
Com efeito, é próprio de nossa época conceder a todos os outros grupos, ou indivíduos, o direito de
apelar para a violência somente na medida tolerada pelo Estado: este passa a ser, então, a única fonte
do “direito” à violência (AMORIM, SILVA e TRINDADE, 2006).
A própria violência do Estado está a serviço do capital e, dessa forma, contribui para o desenvolvimento
da violência estrutural. Pesquisadores afirmam que, ainda hoje, não há um Estado de direito para a população
que facilite o acesso aos direitos garantidos por lei. Essa situação é reforçada pela ausência de serviços públicos
e pela falta de enfrentamento das expressões da Questão Social (AMORIM, SILVA e TRINDADE, 2006).
Está explícito que a violência legítima do Estado é cada vez mais usada para defender os interesses
das classes dominantes. Essa postura estatal tem impacto sobre as variadas formas de violência,
principalmente na reprodução da violência estrutural.
Nesse sentido, de modo geral, o Estado é o principal responsável pelo problema da violência. Exigimos
dele mais eficácia, lisura e intervenção, no que se refere às funções administrativas, políticas e jurídicas
definidas em lei.
A autora Telles (1996) faz as seguintes considerações sobre as influências do Estado nas reconfigurações
da violência:
Essa manifestações, por sua vez, produzem a necessidade de reconfigurações
do trabalho, através da criação de “novas profissões”, catadores de papel;
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limpadores de vidro em semáforos; “avião” – vendedores de drogas;
minhoqueiros – vendedores de minhocas para pescadores; jovens faroleiros
– entregam propagandas nos semáforos; crianças provedoras da casa –
cuidando de carros ou pedindo esmolas, as crianças mantêm uma irrisória
renda familiar; pessoas que “alugam” bebês para pedir esmolas; sacoleiros
– vivem da venda de mercadorias contrabandeadas; vendedores ambulantes
de frutas etc., que se originam das desigualdades produzidas pelo capital
(TELLES, 1996, p. 190).
Segundo Telles (1996), a cidadania não é garantida, em virtude da grande desmobilização do povo
provocada pela opressão do Estado e pelas formas de configuração urbana. Estas promovem as situações
de violência e fazem as pessoas recorrerem a serviços religiosos e de autoajuda, vinculados a proposições
de ideologia marcadas pela oferta mágica de salvação garantida.
Quando concebemos a cidadania em novas dimensões, entretanto, imaginamos que os cidadãos
sejam sujeitos ativos, identificados com seu grupo social, cientes dos valores democráticos e capazes de
aprender com a convivência e a organização social, resistindo às formas de opressão e combatendo as
conformações conservadoras dos lugares numa dada classe social.
Participação significa acolhimento dos ideais plurais da sociedade, com profundas melhorias nas
formas democráticas, a fim de promover debates e gerar decisões baseadas em consensos. Esse modelo
prevê que as representações sejam pautadas por uma expressão de poderes legitimados, como fruto da
autonomia dos grupos sociais e de suas formas de organização política e social.
O Estado, nesse caso, vê‑se impelido a diminuir as esferas burocráticas de acesso a bens, serviços
e recursos, bem como a aceitar a participação desses representantes da sociedade organizada no
planejamento e na tomada de decisões referentes à comunidade, valorizando os princípios da autonomia
democrática.
Não raro, os profissionais de Serviço Social, num movimento alienado e
alienante, não conseguem, em sua operacionalidade, atuar no enfrentamento
da Questão Social, simplesmente porque não conseguem percebê‑la, e
atuam, mesmo que bem‑intencionados, com algumas de suas expressões: o
desemprego, o analfabetismo, a fome, a favela, a falta de leitos em hospitais,
a violência, a inadimplência etc. (TELLES, 1996, p. 202).
Conforme analisado anteriormente, o processo de mundialização do capital altera de forma substancial
as relações trabalhistas e econômicas, e até mesmo o modo como a sociedade se organiza, política,
cultural e socialmente. Assim, os territórios ocupados pela populações também são reconfigurados, de
tal forma que as cidades e os espaços urbanos passam a expressar o agravamento da Questão Social,
com destaque para a precarização do trabalho e a explosão do desemprego (TELLES, 1996).
Esses mesmos espaços, adensados e com precariedade de planejamento urbano, apresentam
deterioração das áreas coletivas e, sob a influência neoliberal, transferem do Estado para a sociedade
54
Serviço Social e Questão Social
civil organizada (representada pelo terceiro setor) e para empreendedores privados suas responsabilidade
pela prestação de serviços públicos (TELLES, 1996).
Sem acesso democrático a essas instâncias públicas de desenvolvimento social, expressas em
serviços sociais, de saúde, de educação e de infraestrutura urbana, alguns segmentos da população,
mais desiguais perante o sistema capitalista, são submetidos ao estabelecimento de novas formas de
segregação e violência urbana pelos novos circuitos de pobreza e riqueza, que redefinem os tradicionais
modelos de centro e periferia (TELLES, 1996).
Análise semelhante é a de Raichelis (2006), citando entrevista concedida por Caldeira (2005): “Os
conflitos urbanos hoje tomaram o lugar das antigas lutas trabalhistas ocorridas nas fábricas, e o espaço
da cidade passou a ser o foco [...] da organização política [...]” (RAICHELIS, 2006, p. 33).
Atualmente, tais conflitos se expressam em manifestações contra o sistema e mobilizações em
defesa dos direitos dos cidadãos, bem como nos momentos de combate contra as formas de opressão.
“O que eram a fábrica e as condições de trabalho industrial, que davam o simbolismo para as revoltas,
hoje é a cidade e as condições de vida nela” (CALDEIRA, 2005 apud RAICHELIS, 2006, p. 33).
A realidade social brasileira – que tradicionalmente é excludente, concentradora de riqueza, injusta
em sua essência, principalmente com o modelo adotado pelas políticas neoliberais de ajuste estrutural
– tem apresentado dados extremamente perversos quantos às classes mais “vulneráveis” (TELLES, 1996).
É em grande parte sobre esses segmentos sociais que se concentra o foco da ação repressiva de
controle e vigilância. Mesmo considerando que o controle social não se restringe aos pobres, é sobre eles
que recai o foco dos seus instrumentos de atuação, tendendo a naturalizar essa condição.
Os “mais desfavorecidos” são a clientela do chamado eficientismo penal de emergência, que
contrapõe‑se frontalmente ao Direito Penal mínimo, ao Direito Penal descrito na Constituição brasileira
de 1988 – o qual se baseia na proteção integral dos direitos fundamentais – cujo desafio é a pacificação
dos conflitos e a justiça social.
O eficientismo penal é um elemento integrante da crise social e política do mundo contemporâneo,
em uma realidade de frustração das promessas da modernidade, possuindo as seguintes características
(TELLES, 1996):
• é uma forma de fundamentalismo penal no combate à criminalidade;
• expressa‑se no Direito Penal máximo;
• despolitiza e descontextualiza os conflitos e problemas sociais, tratando‑os de forma técnica.
Ao despolitizar os conflitos, considerando‑os apenas sob a ótica criminal, os níveis de impunidade e
de imunidade de certos grupos sociais acabam por aumentar; ao expandir a abrangência da penalização
de condutas, o eficientismo torna o sistema penal mais seletivo.
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Unidade II
Verificamos, na prática, um crescimento da ação repressiva do controle penal atuando sobre as áreas
populares e os grupos sociais “vulneráveis”. É dessa maneira que a hegemonia neoliberal, ao desmontar
as políticas de um Estado de bem‑estar social, impôs, em seu lugar, uma nova estrutura de retrocesso do
setor social do Estado, em favor do seu braço penal.
Esse é o papel que desempenha a rede de difusão de valores, ideias e modelos neoconservadores na
formação de uma opinião pública e de um ambiente favorável à interiorização do sentimento punitivo.
Tais políticas, implantadas pelo modelo de controle social da ordem neoliberal, tendem a naturalizar a
desigualdade; e, ao “fazê‑la parecer normal”, o tratamento desigual e excludente é legitimado, e as vozes
de confronto a esse pensamento não são ouvidas, rendendo‑se à naturalização que o sistema impõe.
Entendemos por paradigma o conjunto de pressupostos que, aceitos sem crítica durante determinado
período histórico, funcionam como fundamentos das concepções vigentes sobre o homem, a vida social,
o ser e o conhecimento (TELLES, 1996).
Os assistentes sociais, ao se inserirem nos espaços de gestão, execução e monitoramento – por
exemplo, o da política habitacional –, enfrentam outros dilemas, com a concepção de direito à moradia,
que vem ao encontro do compromisso ético‑político profissional, fundamentado nos princípios de
justiça social, equidade, democracia e cidadania.
Dentre os fatores que geram demandas para os profissionais de Serviço Social na esfera pública,
podemos elencar (TELLES, 1996):
• a crise habitacional, evidenciada na falta e na precariedade de moradias e nas condições irregulares
de titulação;
• urbanização;
• regularização fundiária;
• situações emergenciais de alagamentos, incêndios, deslizamentos;
• remoções em situações de risco físico e social, bem como as de interesse do poder público e os
assentamentos de famílias inscritas nos municípios.
Os fatores apresentados revertem‑se em trabalhos de desenvolvimento social, como programas de
assentamento, regularização fundiária e remoções. Os usuários do Serviço Social na área de habitação não
têm acesso a uma moradia regular, ou seja, constituem uma parcela significativa da classe trabalhadora,
com renda familiar de até cinco salários mínimos, que paga aluguel e mora em áreas de ocupação
irregular e grupos organizados (TELLES, 1996).
Nesse cenário, o assistente social, por meio das dimensões ético‑política, teórico‑metodológica e
técnico‑operativa do fazer profissional, tem o desafio de contribuir, no espaço institucionalizado:
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Serviço Social e Questão Social
• com a defesa da direção social da política de desenvolvimento urbano e de habitação;
• com a construção da esfera pública para aparecimento e visibilidade dos interesses;
• com a emancipação dos sujeitos sociais, por meio da qualificação para a defesa dos direitos
sociais, civis, políticos, culturais e humanitários.
A construção da esfera pública requer novas modalidades de relação entre o Estado e a sociedade
civil que vão além da forma estatal – em que o público se associa ao Estado, enquanto o privado se
associa ao mercado –, com base no reconhecimento do direito de todos a participar da vida pública,
como espaço essencialmente político de aparecimento e visibilidade, em que tudo o que vem a público
pode ser visto e ouvido por todos.
Para o desenvolvimento de suas atividades, os assistentes sociais utilizam‑se de meios teóricos –
sociais e urbanos –, legais e institucionais, tomando parte no planejamento da política de habitação, na
elaboração de diagnósticos, pesquisas e projetos de intervenção etc.
É relevante que o assistente social, ao atuar profissionalmente, não apenas incentive a sociedade
civil a tomar parte nos conselhos e contribua para tal, mas também participe dessas reuniões. Isso é
fundamental, visto que os conselhos são importantes canais para a participação coletiva e a criação de
novas relações políticas entre governos e cidadãos.
Espaços estão sendo construídos pela ação coletiva de inúmeros sujeitos sociais, especialmente no
âmbito dos municípios. Para a totalização do fazer profissional, o assistente social também deve propor
outras estratégias não institucionalizadas de participação e busca de formação de alianças com demais
segmentos da sociedade civil organizada (TELLES, 1996).
Uma possibilidade é formar grupos organizados que lutem por cidades mais justas e igualitárias, para
a construção de outras formas de participação e gestão da coisa pública que, distintas dos conselhos,
configurem‑se como espaços não institucionalizados, menos formalizados e ritualizados e, por isso, mais
permeáveis à participação popular. Ao serem fortalecidos, esses grupos podem servir de instrumentos
dinamizadores e ativadores dos conselhos, com vistas a garantir mais representatividade e legitimidade
social a estes.
No Brasil, o modelo de gestão pública foi baseado numa forma de tomada de decisões centralizada,
competindo as execuções ao âmbito federal, que, por sua vez, também definia, até a década de
1970, os processos seguintes nas áreas estaduais e municipais. Isso interferia substantivamente na
autonomia de planejamento e gestão em todo o território nacional. Com a mobilização popular na
luta por democracia e atendimento dos direitos sociais, ocorreu a transição para um contexto de
gestão democrática que valorizava a participação e o controle populares em todas as esferas de
poder, planejando e definindo a gestão das políticas públicas e as demais formas de organização
dos estados e municípios, reduzindo significativamente as forças centralizadoras das instâncias
federais (RAICHELIS, 2006).
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Unidade II
Ainda segundo Raichelis (2006), a partir dessas mudanças de teor democrático, a participação
dos cidadãos passa a ser uma referência na qualidade da gestão pública e ganha visibilidade social,
com o reconhecimento de sua capacidade para romper e enfrentar as tensões geradas pelas forças da
desigualdade.
No decorrer dessas transformações, “os conflitos urbanos, em suas diferentes manifestações no
espaço público e privado, ganham expressões diversas na vida dos diferentes grupos sociais” (RAICHELIS,
2006, p. 33). As pessoas se encorajam para manifestar‑se diante das situações excludentes a que estão
submetidas. Especialmente, influenciadas pelos novos debates mundiais acerca da desvalorização dos
instrumentos de defesa dos direitos humanos, rebelam‑se e provocam efeitos desestruturadores nas
suas relações com a cidade. Fica evidente, a partir dessas formas de mobilização e crítica social, a
realidade da concentração territorial e da existência das camadas empobrecidas, que são destituídas de
participação como atores sociais e políticos na cidade.
A respeito desse assunto, Raichelis (2006) descreve a visão de Caldeira (2000) da seguinte forma:
a segregação – tanto espacial quanto social – é uma característica
importante das cidades, pois as regras que organizam o espaço urbano
são apoiadas basicamente em padrões de diferenciação social e de
separação. Trata‑se de regras que variam cultural e historicamente,
revelam os princípios que estruturam a vida pública em cada sociedade e
indicam como os grupos sociais se inter‑relacionam no espaço da cidade
(RAICHELIS, 2006, p. 34).
As áreas urbanas reduzem a capacidade de mobilização das pessoas, criando hiatos entre as classes,
estigmas e preconceitos, bem como submetendo os jovens a situações em que a falta de perspectiva de
futuro é flagrante e limita a projeção de sonhos. Esses jovens são atraídos para formas mais imediatas
de realização e concretude de seus desejos, expressas pela expansão da criminalidade e da violência nos
meios urbanos.
Os espaços urbanos mais densamente ocupados são os de periferia, que apresentam pouca
infraestrutura urbana e distância do acesso à oferta de serviços públicos de educação, saúde, cultura,
habitação, política etc., o que ocasiona a manifestação de formas de sobrevivência marginal, com
estratégias econômicas improvisadas, voltadas para a informalidade e até mesmo para a ilegalidade e
o crime.
Nesse sentido, as políticas realizadas pela gestão pública para apresentar mecanismos de
enfrentamento da Questão Social precisam considerar as “transformações que se processam
hoje na esfera familiar, nos novos arranjos familiares que desconfiguram os tradicionais papéis
de homens e mulheres e instalam novas e conflitivas dinâmicas geracionais e de gênero”
(RAICHELIS, 2006, p. 34).
Considere, por exemplo, os dados sobre a violência doméstica publicados no Observatório de Gênero
da Secretaria de Política para as Mulheres do Brasil:
58
Serviço Social e Questão Social
Tipo de crime – %
Ameaça
14,7
Calúnia
3,2
Dano emocional / Diminuição
da autoestima
Difamação
9,9
61,3
6
Estupro
7,8
1,1
1,7
Injúria
Lesão corporal grave
Figura 2 – Classificação da violência doméstica de acordo com o tipo de crime
Relação com o agressor %
53,0
15,3
0,6
1,6
0,7
Namorada
Namorado
Pai
7,8
Outros
2,7
Filho(a)/
Irmã(o)
Ex-marido/
Ex-namorado
Companheiro/
cônjuge
Companheira
13,8
Figura 3 – Classificação dos relacionamentos em que houve violência doméstica quanto ao tipo de relação com o agressor
Tempo de relação %
38,0
20,1
11,4
3,2
2,9
Até 6
meses
Entre 6
meses e
1 ano
Entre 1
ano e 2
anos
9,3
Entre 2
anos e
3 anos
7,3
7,8
Entre 3
anos e
4 anos
Entre 4
anos e
5 anos
Entre 5
anos e
10 anos
10 anos
ou mais
Figura 4 – Classificação dos relacionamentos em que houve violência doméstica quanto ao tempo de relação
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Unidade II
Tempo que ocorre a violência %
39,8
28,9
13,0
Desde o início
da relação
Há 2 anos
ou mais
Há 1 ano
9,6
8,8
Há 6 meses
Há menos
de 1 mês
Figura 5 – Gráfico demonstrativo de quanto tempo ocorre a violência doméstica nas famílias pesquisadas
Risco %
50
49,8
48,4
40
30
20
10
1,8
Espancamento
Estupro
Morte
Figura 6 – Classificação da violência doméstica quanto ao risco
Dependência finenceira da vítima com o agressor %
40,2%
Não
Sim
59,8%
Figura 7 – Classificação das vítimas de violência doméstica
quanto à dependência financeira do agressor
60
Serviço Social e Questão Social
Relação dos filhos com a violência %
16%
16%
Não presenciam nem
sofrem violência
Presenciam a violência
Sofrem violência
68%
Figura 8 – Gráfico demonstrativo da relação dos filhos com a violência doméstica
Agride sob efeito de entorpecentes %
Nem sempre
40%
44%
Nunca
Sempre
16%
Figura 9 – Gráfico demonstrativo da ocorrência de
agressão sob efeito de entorpecentes
Quem ligou relatando a violência %
Vítima
Vizinho(a)
Parentes
Mãe
Amigo(a)
Filho(a)
Conhecido(a)
86,9 %
Sogro(a)
Cunhado(a)
Outro
Figura 10 – Classificação dos denunciantes da violência doméstica
61
Unidade II
Tipo de violência %
2%
2%
Física
13%
Psicológica
Moral
26%
57%
Sexual
Patrimonial
Figura 11 – Classificação quanto ao tipo de violência
Uma publicação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2010a), que traz a
avaliação dos Objetivos de Desenvolvimento para o Milênio (ODM), aponta diversos avanços a respeito
das políticas sociais que vêm sendo implementadas no Brasil, exaltando o Programa Bolsa Família, que
tem sido adotado como uma política de transferência de renda.
A seguir, alguns dados permitem uma breve análise sobre a realidade da política brasileira em anos
recentes:
PNUD Regional apresenta relatório ao governo brasileiro
[...]
O documento do PNUD aponta diversos avanços a respeito das políticas sociais que vêm
sendo implementadas no Brasil e é particularmente elogioso à política de transferência
de renda do Programa Bolsa Família, que atende 12,6 milhões de famílias brasileiras com
repasse previsto de R$ 13,1 bilhões em 2010. O texto destaca os serviços universais de
saúde, por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS), e os avanços na área educacional,
que teve um impacto direto na redução da desigualdade.
No entanto, técnicos dos órgãos do governo levantaram questionamentos e limitações
do Relatório, em especial em relação à comparabilidade internacional dos dados e sobre o
novo índice proposto, o IDH‑D.
A comparação internacional de indicadores sociais, como o Índice de Gini (que mede
a desigualdade social), deve ser utilizada com cuidado, segundo Jorge Abrahão, diretor de
Estudos Sociais do Ipea, uma vez que cada país calcula a renda de uma forma. Além disso,
o relatório usou anos diferentes (1995 a 2005) para comparar os indicadores, como se
partissem do mesmo ano. Um terceiro questionamento é de que os dados apresentados
estão desatualizados e não consideram a evolução temporal, e a América Latina, em especial
o Brasil, avançou muito a partir dos anos 2000.
62
Serviço Social e Questão Social
Os dados de desigualdade de renda do Brasil no relatório são de 2005, portanto
desconsidera o avanço do país na redução da desigualdade que ocorreu até 2008 (dado
mais atualizado). No período de 2005 a 2008, a queda de desigualdade no país foi de quase
4% [...].
Indicadores importantes que apresentam a evolução do Brasil podem ser melhor
utilizados, dentre eles: 1) o crescimento da renda média diária, que saltou de R$ 7,3, em
1995, para R$ 12,1, em 2005 (65% de aumento); 2) o ritmo de queda da desigualdade da
renda no Brasil ter se acelerado nos últimos anos: passou de 2% entre 1995 e 2002 para
mais de 7% entre 2002 e 2008; 3) o número de pessoas que saíram da pobreza (20,3 milhões
entre 2002 e 2008), contingente superior à soma da população total do Chile e do Uruguai;
e 4) no mesmo período, o número de extremamente pobres diminuir 14,9 milhões, número
superior à população total do Equador.
Com relação ao novo IDH‑D utilizado pelo PNUD, especialistas do Ipea concluíram que
não pode ser comparável com o IDH tradicional, pois é composto por outros indicadores.
Na saúde, por exemplo, a expectativa de vida, sempre utilizada no IDH tradicional, foi
substituída por acesso a água potável e disponibilidade de banheiro no domicílio. Para os
especialistas, nem todos os indicadores utilizados são os mais adequados para mensurar a
desigualdade.
Mas a maior limitação levantada foi o fato de que o índice reflete uma fotografia de
um ponto do tempo, referente a um momento passado. Assim, não é possível verificar
a trajetória da evolução de cada país – o que só poderá ocorrer nas próximas edições
– e tendo, nesse momento, pouca utilidade prática em termos de aprimoramento de
políticas.
Os índices alcançados pelo Brasil, sobretudo a partir da década de 2000, mostram
um novo país. Foram gerados 13,2 milhões de empregos formais, entre 2003 e junho de
2010, e a classe média aumentou de 43% da população em 2003 para 53% em 2009.
Essa mobilidade social associada ao crescimento econômico não tinha sido verificada nas
décadas passadas.
Fonte: Brasil, 02 ago. 2012.
Lembrete
Conflitos urbanos substituem as lutas trabalhistas ocorridas nas
fábricas. A cidade torna‑se palco da organização política em manifestações
contra o sistema, bem como em mobilizações pelos direitos do cidadãos e
no combate à opressão (RAICHELIS, 2006).
Raichelis (2006) destaca uma pesquisa empírica realizada por Caldeira (2000, p. 211) na cidade de
São Paulo, entre 1988 e 1998, para conhecer
63
Unidade II
a forma pela qual o crime, o medo à violência e o desrespeito aos direitos
de cidadania têm se combinado com as transformações urbanas para
produzir um novo padrão de segregação espacial nas duas últimas décadas
(RAICHELIS, 2006, p. 34).
Segundo Raichelis (2006), a pesquisa de Caldeira (2000) caracteriza o espaço urbano da seguinte
forma:
• do final do século XIX até os anos 1940, era uma cidade concentrada
em que os diferentes grupos sociais se comprimiam numa área urbana
pequena e estavam segregados por tipos de moradia;
• dos anos 1940 aos anos 1980, dominou o desenvolvimento da
cidade a segunda forma urbana, a centro‑periferia: os diferentes
grupos estão separados por grandes distâncias; as classes média e
alta concentram‑se nos bairros centrais com boa infraestrutura, e os
pobres vivem nas precárias e distantes periferias;
• desde os anos 1980, e convivendo com o padrão centro‑periferia,
uma terceira forma urbana vem se configurando e mudando
consideravelmente a cidade e sua região metropolitana (CALDEIRA,
2000 apud RAICHELIS, 2006, p. 34).
A concentração nos centros urbanos e suas transformações mais recentes vem gerando espaços cada
vez mais próximos uns dos outros, nos quais as pessoas se organizam nos mais diferentes grupos sociais.
No entanto, essa aproximação não é produtiva, na medida em que o contato não significa qualidade nas
trocas entre as pessoas nem aumento das relações sociais organizadas em defesa de melhores condições
de vida da coletividade.
Observamos, nos centros urbanos, cautela em relação à segurança, com a colocação de muros altos
e grades para proteger seus habitantes. As pessoas com condições mais elevadas na pirâmide social
evitam circular pelas áreas coletivas e fazer uso de serviços comunitários, com receio dos riscos da
exposição a situações de violência e da precarização dos serviços públicos, especialmente de segurança
(RAICHELIS, 2006).
Essa situação, denominada por Raichelis (2006) de isolamento social urbano, é justificada pelo medo
de crimes violentos. A distância social e a extrema desigualdade que afetam as classes populares moradoras
da periferia levam os indivíduos de estratos mais elevados a isolarem‑se com demarcações de segurança em
torno de suas habitações e a desvalorizar os espaços públicos, “abandonando a esfera pública tradicional
das ruas para os pobres, os ‘marginalizados’ e os ‘sem‑teto’, modificando profundamente o panorama da
cidade e as relações públicas entre as classes sociais no território” (RAICHELIS, 2006, p. 35).
Essa apartação social transforma radicalmente os meios de comunicação entre as classes, o acesso
à informação por parte daquelas com menor poder aquisitivo e as regras de convivência e de interação
64
Serviço Social e Questão Social
social, diferenciando as oportunidades e a oferta de equipamentos e bens públicos, “transformando
as concepções de público e os parâmetros de convivência pública, que contradizem os ‘ideais de
heterogeneidade, acessibilidade e igualdade que ajudaram a organizar tanto o espaço público moderno
quanto as modernas democracias’” (CALDEIRA, 2000, p. 12 apud RAICHELIS, 2006, p. 35).
Essas mudanças não são específicas da realidade brasileira: impactam o mundo globalizado, porque
a financeirização do capital promove as desigualdades sociais com o mesmo padrão e originam um
novo tipo de organização do espaço urbano. Muitas dessas sociedades, de acordo com a descrição
do trabalho de Caldeira (2000) realizada por Raichelis (2006, p. 35), “protagonizam movimentos de
democratização política, de queda de regimes racistas e de intensos fluxos imigratórios, [o que] revela a
complexidade das relações entre formas urbanas e processos políticos”, como estratégia de defesa e de
busca de melhores condições de vida, bem como de luta pelos interesses políticos, sociais e econômicos
das sociedades.
3,5
3,2
Bilhões de reais
3,0
2,6
1,5
0,5
2,2
2,7
2,7
2,3
1,8
1,6
1,5
1,0
2,2
1,9
2,0
2,8
2,6
2,4
2,5
2,7
1,4
0,9
2002
2003
Fonte: Siafi
Notas:
2004
2005
2006
2007
2008
2009*
2010**
Assistência social – valores nominais
Assistência social – valores corrigidos pelo IPCA-IBGE até 31.08.09
*Lei + crédito: 31 de agosto de 2009.
**Ploa 2010.
Figura 12 – Evolução financeira dos recursos da União para serviços, programas e projetos de assistência social
A figura anterior apresenta a evolução percentual dos recursos da assistência social em relação ao
orçamento total e à Seguridade Social da União, entendida como o somatório das despesas nas funções
08 (Assistência Social), 09 (Previdência Social) e 10 (Saúde) (BRASIL, 2009).
A Questão Social e suas expressões refletem a prioridade do capital sobre o trabalho e sobre a
qualidade da vida social. Torna‑se um desafio, para o Serviço Social, desenvolver conhecimentos capazes
de deslindar as complexidades desses processos históricos sem submeter‑se igualmente aos mesmos
65
Unidade II
processos de crítica e de transformação.
Observação
As exigências profissionais na cena contemporânea requerem, do
assistente social, vínculos com um projeto societário.
O enfrentamento da Questão Social possibilita observar que suas expressões são objeto de resistências
por parte dos segmentos mais desiguais nas sociedades do capital. Os trabalhadores, em suas lutas
históricas, reivindicam direitos econômicos, sociais, políticos e culturais, evidenciando que as expressões
da Questão Social privam tais indivíduos desse contexto de desenvolvimento.
Segundo Telles (1996):
Importa ressaltar que a Questão Social é uma categoria explicativa da
totalidade social, da forma como os homens vivenciam a contradição
capital‑trabalho. Ela desvenda as desigualdades sociais, políticas, econômicas,
culturais, bem como coloca a luta pelos direitos da maioria da população,
ou, como os homens resistem à subalternização, à exclusão e à dominação
política e econômica (TELLES, 1996, p. 85).
Para Faleiros (1999), a Questão Social, com suas múltiplas expressões das desigualdades, não pode
ser objeto de uma única profissão. Em sua forma de analisar, o autor considera que a concepção é
ampla e envolve muitas possibilidades de ser estudada e percebida, segundo o foco histórico-social e
cultural que a aprecia. Ainda segundo o autor, na abordagem conceitual e no enfrentamento da Questão
Social, existe um risco, para os profissionais de Serviço Social, de minimizá‑la a uma leitura pautada
pelos referenciais históricos das suas origens conservadoras, que focavam as expressões isoladamente,
fragmentando as proposições de políticas públicas que só faziam acentuar os processos de desigualdade
social e feriam as estruturas ético‑políticas de defesa da cidadania que imprimem mais significado
social à profissão.
A partir da década de 1980, com a conjuntura do capitalismo globalizado, da revolução tecnológica,
das propostas neoliberais e das mudanças no mundo do trabalho, a Questão Social se mundializa, e
aumentam as exigências éticas, técnicas e políticas para que os profissionais se posicionem em favor dos
direitos de cidadania, justiça e democracia. Parte dos trabalhadores sociais não ultrapassa os caminhos
burocráticos e rotineiros, estreitando as possibilidades de contribuir mais plenamente na redução das
desigualdades sociais.
Dentre os compromissos contemporâneos do Serviço Social, constantes de seu Código de Ética
Profissional, figuram a igualdade, a justiça social para todos e a solidariedade, ultrapassando os
limites do voluntarismo e na perspectiva de uma sociedade fortalecida por redes e articulações para o
desenvolvimento local.
Nesse modelo, a sociedade indaga os rumos e dilemas da realidade e toma partido destes, bem como
66
Serviço Social e Questão Social
projeta a política pública necessária para suas dimensões. O assistente social, em contexto democrático,
integra os movimentos na luta por condições mais iguais e equânimes, numa perspectiva plural, pública
e com controle popular.
Um olhar mais detido sobre os rumos contemporâneos para o Serviço Social indica exigências para
que a formação contemple os movimentos investigativos da pesquisa, criando oportunidades a fim
de que os futuros assistentes sociais desenvolvam competências em suas intervenções, para melhores
análises da realidade e proposições mais combativas da Questão Social.
O projeto ético‑político atual da profissão apresenta potencialidades para que o assistente social
caminhe com maior fluidez em suas competências cotidianas, mas as necessidades de transformação da
categoria não se reduzem a esse projeto.
Alguns estudiosos das dimensões investigativas de pesquisa na área social e da categoria trabalho,
contextualizado, ética e politicamente, fazem sugestões diversas de alguns caminhos fundamentais a
serem percorridos.
Dentre esses caminhos, importa analisar que são considerados espaços sócio‑ocupacionais da
profissão aqueles ocupados pela sociedade, em que se expressem necessidades sociais e nos quais,
historicamente, a profissão realize, sob a ótica das políticas públicas do Estado, o enfrentamento da
Questão Social.
As transformações político‑institucionais e a ampliação de canais de
representatividade dos setores organizados para atuarem junto aos órgãos
públicos, enquanto conquista dos movimentos organizados da sociedade
civil, mostram a potencialidade de construção de sujeitos sociais identificados
por objetivos comuns na transformação da gestão da coisa pública,
associada à construção de uma nova institucionalidade. Quando se fala de
“participação dos cidadãos”, deve‑se enfatizar que se trata de uma forma
de intervenção na vida pública com uma motivação social concreta que se
exerce de forma direta, baseada num certo nível de institucionalização das
relações Estado/sociedade. A formulação mais recorrente está estruturada
em torno do aprofundamento do processo democrático e do seu impacto
na ampliação da capacidade de influência sobre os diversos processos
decisórios em todos os níveis da atividade social e das instituições sociais.
Nesse sentido, a participação social se caracteriza como um importante
instrumento de fortalecimento da sociedade civil, notadamente dos setores
mais excluídos, na medida em que a superação das carências acumuladas
depende basicamente da interação entre agentes públicos e privados, no
marco de arranjos socioinstitucionais estratégicos (JACOBI, 1990, p. 233).
Na perspectiva neoliberal, contudo, essa participação da sociedade tem sido marcada por um espaço
político de transferência de responsabilidades, como assinala Montaño (2007).
O conceito de terceiro setor foi construído por intelectuais orgânicos do sistema do capital,
67
Unidade II
encontrando‑se vinculado aos interesses da alta burguesia. A denominação foi cunhada a partir de
um recorte da área social em três esferas: o Estado como primeiro setor, o mercado como segundo
setor e a sociedade civil como terceiro setor. Montaño (2007) entende que essa divisão é claramente
neopositivista, estruturalista e liberal, isolando os setores e separando o político, o econômico e o
social.
Com essa separação, o terceiro setor tornou‑se funcional para a superação da dicotomia de inspiração
liberal entre Estado e mercado, ou então entre o público e o privado, pois ambos não conseguiram
responder às demandas sociais.
No ideário da terceira via, portanto, a alternativa seria a interação de Estado e mercado, “atividade
pública desenvolvida pelo setor privado” (MONTAÑO, 2007, p. 31), o que criaria uma nova esfera: o
público não estatal, de caráter comunitarista.
Ainda não existe um consenso a respeito da composição do terceiro setor, pois este abrange desde
ONGs até fundações, creches comunitárias e atividades sociais em qualquer âmbito, reunindo atividades
formais e informais.
Montaño (2007) considera que:
O termo terceiro setor não reúne um mínimo consenso sobre sua origem
nem sobre sua composição ou suas características. Trata‑se da parceria
entre Estado e sociedade civil; possui uma função claramente ideológica
vinculada aos postulados neoliberais: acobertar seus objetivos reais e buscar
a aceitação da população. Estes movimentos se desenvolveriam a partir da
reinstrumentalização: do Estado via reformas na sua administração, das
relações de produção com o esvaziamento da legislação trabalhista e da
sociedade civil com a desarticulação das lutas sociais e na docificação dos
sujeitos (MONTAÑO, 2007, p. 45)
As parcerias firmadas entre Estado e sociedade civil têm como principal objetivo a supressão dos
direitos sociais trazidos pela luta dos trabalhadores historicamente.
O caminho a ser seguido para alcançar esse objetivo sem gerar um processo de convulsão social
seria, primeiro, a terceirização e a desregulamentação dos direitos trabalhistas, com a flexibilização
dos contratos de trabalho. Concomitantemente a esse processo de perdas, é desenvolvida a ideia de
uma suposta nova cidadania, acrescida pelos direitos do consumidor, escamoteando o surgimento da
exploração, da miséria e do desemprego.
A divisão feita pelos teóricos do capital entre primeiro setor (Estado), segundo setor (mercado)
e terceiro setor (sociedade civil) possui uma debilidade, pois não leva em consideração o processo
histórico. A sociedade civil produz as instituições, o Estado, o mercado etc.; com isso, o que foi chamado
de terceiro setor seria, na realidade, primeiro setor (MONTAÑO, 2007).
68
Serviço Social e Questão Social
Para legitimar a perda dos direitos sociais e ao mesmo tempo acobertar essa meta, são realizadas
parcerias com o terceiro setor. Nesse processo, é criada a imagem da passagem compensatória para a
população, legitimando a ideia/explicação da passagem natural das ações estatais para a esfera privada.
Essa passagem natural é sustentada pelos argumentos do estímulo à responsabilidade social
das empresas, com o aumento da filantropia, a multiplicação de instituições de caridade e ONGs e
a intensificação da solidariedade individual, em que o capital utiliza valores altruístas para tornar a
sociedade civil dócil, desmobilizada e desestruturada.
A proposta da terceira via e as ações do terceiro setor apresentam uma contradição no seu projeto
político. Se por um lado estimulam a solidariedade humana e a construção de uma cultura cívica, por
outro, ao retirar a autonomia dos países e o seu direito de escolha, cria uma situação de subserviência
a outros países‑membros dos organismos internacionais que pensam as políticas para o nosso planeta.
Portanto, ao mesmo tempo, temos movimentos de criação de demandas excluídas, carentes de
políticas sociais, e a promoção da desresponsabilização do Estado, que, além de responsabilizar essa
mesma sociedade civil carente, precariza os serviços oferecidos a ela (MONTAÑO, 2007).
As profundas alterações no papel do Estado e na relação entre este e a sociedade civil têm
provocado a inquietação e suscitado o interesse e a investigação de diversos estudiosos, dentre eles, os
latino‑americanos.
Nesse contexto, constituem importantes objetos de investigação temas como:
• a recente valorização e o alargamento da esfera pública;
• o chamamento da sociedade civil à participação;
• o surgimento e a ampliação impetuosa e avassaladora do terceiro setor na América Latina, em
especial no Brasil.
Essas temáticas são inerentes às estratégias para a superação da crise estrutural do capital e
inscrevem‑se nos marcos da reforma do Estado. Dentre as alternativas para alcançar esse objetivo,
encontram‑se correntes político‑econômicas e ideológicas, como o neoliberalismo e a terceira via, cujo
conteúdo teórico‑prático tem orientado a redefinição do papel do Estado, imprimindo mudanças no seu
padrão de organização e gestão, provocando, ao mesmo tempo, profundas alterações no conceito e na
prática da sociedade civil (MONTAÑO, 2007).
O projeto político da terceira via representa uma perspectiva de modernização política, que procura
orientar o ajustamento dos cidadãos, da sociedade civil e do Estado na justa medida das demandas e
necessidades do reordenamento do capitalismo.
Sob os auspícios da “terceira via” amplia‑se uma esfera pública não estatal e
definem‑se os limites de atuação da sociedade civil, por meio da filantropia
69
Unidade II
e do voluntariado, e em ações de ajuda mútua. A ideia dominante para os
teóricos e adeptos da “terceira via” gira em torno do “desaparecimento do
trabalho” e do “fim da sociedade de classes”, configurando‑se um “novo Estado
democrático, ou o Estado sem inimigos”. Assim, institui‑se a nova “sociedade
civil ativa”, com o forte apelo à cultura cívica, com a participação das pessoas
“em questões situadas fora da vida particular”, compreendidas como uma
obrigação moral para com a comunidade e o país (MONTAÑO, 2007, p. 72).
Além dos mecanismos de participação já descritos, o trabalho assalariado para dirigentes e alguns
prestadores de serviços do terceiro setor é parte das estratégias para a implementação de políticas
públicas sociais de responsabilidade do Estado, porém desenvolvidas pelo terceiro setor.
Conforme avalia a própria Associação Brasileira de Organizações Não
Governamentais – Abong, terceiro setor é um termo que apresenta “baixa
precisão conceitual”, refere‑se à constituição de um setor da sociedade, fora
do espectro governamental e fora do espectro do mercado [...]. É composto
por um conjunto de organizações e iniciativas privadas, mas com funções de
interesse público (MONTAÑO, 2007, p. 85).
No entanto, está implícita nessa ideia a noção de que o terceiro setor pode – e deve – substituir o
Estado no enfrentamento de questões sociais. Por isso, terceiro setor não é um termo neutro.
Acopladas a esse processo e na busca de sua legitimação, encontram‑se a reconfiguração e a
valorização de diversos conceitos mencionados anteriormente, caros aos sujeitos sociais organizados em
torno da luta pela democratização do Estado e da sociedade civil, e, melhor dizendo, da efetividade e da
qualificação do debate político, para o aperfeiçoamento dos mecanismos democráticos de participação
política e social popular, na repartição do poder (MONTAÑO, 2007).
Para Montaño (2007), não há clareza sobre os papéis desempenhados pelas ONGs nem precisão a
respeito da denominação adequada para referir‑se ao chamado terceiro setor, supostamente, constituído
por ONGs e outros serviços da iniciativa privada e da sociedade civil inclinada para o exercício da
responsabilidade social sem fins lucrativos.
O autor sinaliza que as ONGs são formadas por fundações, associações etc., e assim se denomina o
terceiro setor.
A forma conhecida por terceiro setor que é composta pelas ONGs, segundo MONTAÑO, (2007), é
assim chamada por estas e pelos defensores do terceiro setor, dentro e fora dos meios acadêmicos.
Defende o autor que esse fato deve ser objeto de investigação pelos intelectuais comprometidos com
uma análise crítica, a fim de alcançarmos melhor entendimento e clareza a respeito de quem faz parte
do terceiro setor, além de verificar se essa denominação de fato corresponde ao que é atribuído a ela.
Segundo o autor, o que sabemos ao certo é que, em virtude de uma lacuna da atuação do Estado, a
sociedade civil e os segmentos que pressionam o poder público por respostas em forma de serviços e políticas
70
Serviço Social e Questão Social
públicas reconhecem a estruturação de um grupo privado que assume, por meio de corresponsabilização
com o Estado e também por iniciativa própria, a prestação de serviços essenciais à população. Com toda
a crítica cabível quanto aos objetivos, à qualidade e à inclinação seletiva e ideológico‑política que pode
permear essa prestação de serviço público, o terceiro setor desvela a incompetência e a ineficiência do
Estado na sua função precípua de criar e aplicar uma política pública que, de fato, tenha direção social e
seja efetiva para o desenvolvimento social e a diminuição das desigualdades. É comum, na literatura sobre
o tema, classificar essas iniciativas de “sem fins lucrativos” (MONTAÑO, 2007).
Nesta linha de raciocínio, permanece sem questionamento o fato de as
fundações empresariais, que financiam direta ou indiretamente algumas
ONGs, fazerem uma atuação “direta” em uma determinada “comunidade”,
geralmente no mesmo espaço geográfico onde estão instaladas suas
fábricas; e não se envergonharem de pagarem baixos salários para os seus
funcionários ou até mesmo de demiti‑los. O chamado “terceiro setor”, de
fato, ocupa, dentro da lógica de reestruturação do capital, um lugar a serviço
da política dominante. Sob este ângulo, o “terceiro setor” perde o glamour
(MONTAÑO, 2007, p. 103).
O que pode ser analisado com a presença do “terceiro setor” é que a sua existência cumpre um
propósito de implementação das políticas neoliberais, em sintonia com o processo de reestruturação
do capital pós‑1970, ou seja, flexibilização das relações de trabalho e afastamento do Estado das
responsabilidades sociais e da regulação social entre capital e trabalho. No entanto, o Estado se mantém
com hegemonia na função reguladora de apoio aos interesses e às necessidades de flexibilização
impostos pelo capital financeiro (MONTAÑO, 2007).
Ao se consolidar um “terceiro setor” que, aparentemente, pode parecer um espaço de participação
social; na verdade ocorre uma fragilização e um processo intenso de desmobilização das forças
organizadas e reivindicativas da sociedade, porque esses serviços são prestados com base na lógica
neoliberal, representada pela responsabilidade do Estado, que terceiriza seus compromissos, promovendo
a fragmentação das políticas sociais e, por conseguinte, das lutas dos movimentos sociais.
Nesse sentido, a Reforma do Estado, no caso do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), levada
a cabo por Bresser Pereira, eleva o terceiro setor a um patamar de corresponsabilização pelas questões
públicas junto ao Estado, propiciando a desresponsabilização deste com o eufemismo de publicização
(MONTAÑO, 2007).
Nas palavras de Montaño (2007), o que está por trás da chamada publicização é,
por um lado, a diminuição dos custos da atividade social – não pela maior
eficiência destas entidades, mas pela verdadeira precarização, focalização e
localização destes serviços, pela perda das suas dimensões de universalidade,
de não contratualidade e de direito do cidadão – desonerando o capital. [...]
É neste terreno que se inserem as “organizações sociais”, o “voluntariado”,
enfim, o “terceiro setor”, como fenômeno promovido pelos (e/ou funcional
71
Unidade II
aos planos dos) governos neoliberais, orientados para a América Latina no
Consenso de Washington (MONTAÑO, 2007, p. 118).
Para Montaño (2007), essas ONGs mudaram de lugar nos anos 1990: passaram a ocupar,
paulatinamente, o lugar dos movimentos sociais, sem que a população desenvolvesse uma crítica e
soubesse contrapor‑se à estruturação crescente desses serviços. Antes, pelo contrário, a população
recorre habitualmente às ONGs, porque são as únicas alternativas que encontra para o enfrentamento
dos desafios impostos pela Questão Social. Assim, vai se deslocando o foco de suas lutas e da coesão
popular em torno de reivindicações por direitos sociais.
A formação profissional deve ser capaz de responder, com eficácia e competência, às demandas
tradicionais e às demandas emergentes na sociedade brasileira (AMORIM, 2009).
A partir de 2000, a conjuntura provoca debates acirrados em torno da Questão Social e do papel a
ser cumprido pelas políticas sociais, o que motiva, nos espaços universitários, uma crescente ampliação
dos cursos de graduação e novas modalidades de ensino, à luz dos avanços na tecnologia virtual, com
destaque para o ensino de graduação a distância.
6 Serviço Social e Desafios Contemporâneos de Pesquisa
A busca de conhecimento para aprofundar os saberes profissionais e superar as fragilidades de
formação das origens conservadoras conduz a categoria a embrenhar‑se nas áreas das Ciências Sociais
e a empreender pesquisas. Esse movimento se assemelha a outros processos de transformação que,
historicamente, envolvem variadas áreas do saber, na tentativa de encontrar respostas aos desafios de
conhecimento do ser social e melhores estratégias para intervir nos processos de desigualdade.
O caráter investigativo da pesquisa científica sofre influências do movimento da Pós‑Modernidade,
estimulando a percepção dos sujeitos de pesquisa, da subjetividade e das formas possíveis de mensurar
os processos qualitativos da vida social. Sem mencionar que a realidade social e a Questão Social
constituem eixo desafiador para a sociedade pós‑moderna.
Para muitos teóricos, filósofos e sociólogos, a época atual é marcada por
fenômenos que representam um divisor de águas com a modernidade.
Chamada de Pós‑Modernidade e estudada como tal, é caracterizada por
mudanças significativas provocadas e vividas pelo homem. Dentre as
mais evidentes, e que desencadearam muitas outras, podemos apontar a
globalização, unificadora das sociedades do planeta, um novo modo de
cultura e as novas condições que põem em perigo a continuidade da espécie
humana. A Pós‑Modernidade surgiu com a desconstrução de princípios,
conceitos e sistemas construídos na modernidade, desfazendo todas as
amarras da rigidez que foi imposta ao homem moderno. Com isso, os três
valores supremos, o Fim, representado por Deus, a Unidade, simbolizada
pelo conhecimento científico, e a Verdade, como os conceitos universais
e eternos, já estudados por Nietzsche no fim do século XIX, entraram em
decadência acelerada na Pós‑Modernidade.
72
Serviço Social e Questão Social
Por conta disso, para a maioria dos autores, a Pós‑Modernidade é traçada
como a época das incertezas, das fragmentações, da troca de valores,
do vazio, do niilismo, da deserção, do imediatismo, da efemeridade, do
hedonismo, da substituição da Ética pela Estética, do narcisismo, da apatia,
do consumo de sensações e do fim dos grandes discursos (MINAYO, 1994).
A perspectiva que passa a nortear os processos investigativos de pesquisa leva em consideração os
movimentos sócio‑históricos que resultaram em conquistas da humanidade, e o eixo ético que vigora nos
procedimentos das investigações sociais é considerado também uma conquista, no campo dos Direitos
Humanos, contra as inúmeras situações de desrespeito e violação dos direitos daqueles envolvidos em
pesquisas em outros momentos históricos.
As atividades e iniciativas de pesquisa embasam‑se em novas formas bioéticas de relações
investigativas com os seres humanos, para evitar que se repitam atrocidades como as promovidas
em nome de uma ciência experimental moderna e que culminaram, por exemplo, nos campos de
concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (MINAYO, 1994).
Na atualidade, por meio de tratados e declarações internacionais de direitos
humanos acordados no Pós‑Guerra, os representantes das instâncias
normativas de pesquisas científicas legitimam a necessidade de criação de
parâmetros éticos universais relativos ao uso da pesquisa e das experiências
científicas. O primeiro documento internacional nesta direção – o Código de
Nuremberg – introduz importantes recomendações éticas para a pesquisa
com seres humanos, dentre elas a importância de garantir o consentimento
voluntário do sujeito da pesquisa e seu esclarecimento sobre o processo
a que será submetido A década de 1960 é mundialmente conhecida por
impulsionar a crítica social e política, é responsável pelo desenvolvimento
tecnológico e pelas mudanças socioculturais que atingem a família, os
valores e os costumes tradicionais em geral, desencadeadoras de lutas por
direitos civis e políticos, como as dos movimentos de mulheres e negros
(MINAYO, 1994, p. 209).
Segundo a autora, existem instituições apoiadoras e reguladoras das pesquisas sociais e com
seres humanos que surgem com o objetivo de respaldar e fiscalizar os acordos estabelecidos
internacionalmente; por exemplo, o primeiro Comitê de Bioética, criado em Seattle em 1962, que
analisa denúncias de experimentos médicos antiéticos e também divulga avanços tecnológicos
da Medicina – como a criação da hemodiálise –, além de tratar de conflitos sociais gerados pela
existência de demanda maior do que a capacidade de atendimento, sempre com a preocupação de
prevenir situações de risco para as populações (MINAYO, 1994).
Nessas novas propostas de investigação social, são firmados acordos para que os processos
sejam cada vez menos utilitaristas e vinculados a uma ideologia que naturaliza a desigualdade
social e racial, o que culmina na justificativa de condutas antiéticas e criminosas em nome do
avanço da ciência.
73
Unidade II
Trata‑se de situar um movimento multidisciplinar que se aproxime de vertentes mais progressistas
e articule o conhecimento, a ética e a política, criando um campo de alternativas críticas para pensar a
relação entre ética, pesquisa e Serviço Social.
Nessa dimensão teórica, a Ética se distingue do saber científico pela sua
natureza filosófica, que lhe fornece um caráter crítico, dotado de juízos
de valor e nos convida a indagar sobre o que é bom, justo, legítimo em
relação às ações humanas. No movimento de pesquisa, indaga‑se sobre
a necessidade de explicitação dos valores e princípios que orientam as
normas e deliberações sobre a pesquisa nos diferentes campos da ciência
numa perspectiva de análise histórica, que revelem de que forma os valores
e princípios adquirem significados diferentes, que variam de acordo com
a direção social, ética e política objetivadas através da ação prática dos
homens, em cada contexto histórico (MINAYO, 1994, p. 235).
A pesquisa social volta‑se para a sociedade e seus interesses, traduzidos em produtos históricos de
determinadas circunstâncias sociais, procurando viabilizar respostas mediadoras e resolutivas quanto à
Questão Social, bem como iniciativas vanguardistas para o desenvolvimento humano e social.
Como os valores podem ter diferentes significados e direções políticas, dependendo da forma como
são apreendidos teoricamente e de acordo com sua função na vida social, no intuito de objetivar uma
conquista humana e, ao mesmo tempo, ser sua própria negação, as pesquisas precisam considerar a
subjetividade dos sujeitos envolvidos, quer na dimensão da trama pesquisada, quer na fomentação de
novos saberes e conhecimento.
Uma forma de esclarecer melhor a importância dada ao conhecimento sobre essa subjetividade é a
busca de entendimento de suas objetivações concretas, passíveis de análise.
Segundo Netto (1992):
A teleologia (que tradicionalmente significa propósito, finalidade ou função
de alguma coisa natural e que também expressa os sentidos dados para
as ações humanas) dos homens, dependendo de seus interesses de classe,
de sua ideologia, de seu projeto de sociedade, também está orientada para
finalidades opostas, embora se refiram a um mesmo valor, como é o caso da
liberdade (NETTO, 1992, p.114).
Ao refletirmos e ao realizarmos uma ação, usamos valores e princípios que expressam nossas relações
cotidianas e as escolhas significativas desse contexto sócio‑histórico do qual fazemos parte. A ética se
traduz nesse movimento reflexivo sobre tais ações humanas, que espelham a filosofia de vida e da
existência que lhes dá sentido.
Trata‑se de um saber interessado e comprometido, para adquirirmos determinado aspecto de um
conhecimento, o que requer do pesquisador uma postura ética, que também refletirá o modo como
74
Serviço Social e Questão Social
procedeu ao processo investigativo, sua intencionalidade e se objetiva um produto que dimensiona as
expectativas desejadas com essa ação (MINAYO, 1994).
Portanto, pesquisar em Serviço Social pautado pela ética supõe verificar se o profissional
saberá criar mediações e escolhas, a partir de valores éticos, considerando que as condições
históricas e sociais são determinantes. Dito de outra forma, saberão os profissionais contextualizar
suas escolhas e práticas, atuando como mediadores entre o projeto ético‑político profissional
e os valores e a ética das objetivações de pesquisa e de seus sujeitos sociais historicamente
determinados?
Segundo Minayo (1994):
Como ação prática, a ética é a objetivação concreta dos valores,
princípios, escolhas, deliberações e posicionamentos produzidos pela
ação consciente dos homens diante de situações de afirmação/negação
da vida, dos direitos e valores. Conceber a ética como uma ação
crítica de um sujeito histórico que reflete teoricamente, faz escolhas
conscientes, se responsabiliza, se compromete socialmente por elas e
age praticamente para objetivá‑las é conceber a ética como componente
da práxis (MINAYO, 1994, p. 58).
O Serviço Social, historicamente, é reconhecido pelo potencial de atuação interdisciplinar, possuindo
qualificações para, com suas competências, desenvolver investigações, produzindo conhecimentos sobre
suas áreas de trabalho.
Com o objetivo de desenvolver pesquisa, a categoria necessita conhecer as dimensões
sociais, econômicas e políticas que afetam direta e indiretamente os sujeitos pesquisados.
Precisa saber como se dá o processo de participação das comunidades e o exercício cidadão,
na criação das políticas públicas e no controle da gestão e da execução dos serviços essenciais,
para eliminar as desigualdades sociais e criar mecanismos de desenvolvimento das capacidades
humanas.
É fundamental conhecer a realidade social em que será realizada a atuação, sua historicidade, seus
mecanismos de opressão e autonomia e as formas de organização social, levando em conta referências
locais e também as dimensões da globalização e da financeirização do capital, que certamente afetam
as estruturas de distribuição de renda e o agravamento da Questão Social. Também é importante
saber que, em gestão democrática e de caráter neoliberal, a cidadania e a participação podem ser
reguladas em termos ideológicos, políticos e jurídicos, para favorecer um grupo dominante; portanto,
a informação e o fortalecimento das interações sociais, das redes, das articulações e do respeito às
diferenças e à pluralidade das ideias são decisivos para dar corpo à organização de representações
resistentes e combativas.
Os profissionais de Serviço Social devem buscar conhecimentos que lhes permitam favorecer o
próprio engajamento tanto em um projeto ético‑político quanto em um projeto societário, que também
75
Unidade II
lhes permitam desvelar a instrumentalidade burocrática, política e de gestão do Estado e da sociedade,
bem como as contradições existentes nos embates entre essas esferas.
É preciso desenvolver a gestão participativa nas políticas públicas, que podem ser afetadas quando
existem limitações ao exercício da cidadania ou quando esta se processa com base em referências
legalistas e controladas em favor de uma determinada força dominante.
Contraditoriamente, na fase da ditadura no Brasil, o Serviço Social provocou transformações em seu
escopo formacional e interventivo, por influência da Reconceituação ocorrida na América Latina e que
estimulou a ruptura com as posições tradicionais e conservadoras.
Lembrete
A teleologia, dependendo dos interesses de classe, da ideologia e do projeto
de sociedade, está orientada para finalidades opostas, embora referentes ao
mesmo valor, como é o caso da liberdade (NETTO, 1992, p. 114).
Nesse mesmo movimento, a crítica profissional induz à busca de novos conhecimentos e
proporciona, a uma parcela da categoria profissional, elementos motivadores para os processos de
pesquisa, possibilitando considerável interação intelectual crítica com investigadores de outras áreas
(MARTINELLI, 2007).
7 Parâmetros Ético‑PolÍticos para o Serviço Social
Não era comum, na prática cotidiana, o envolvimento dos profissionais com outros processos que
não a mera ação burocrática, imediatista e rotineira. A superação de suas origens conservadoras moveu
os assistentes sociais para a pesquisa e os cursos de formação especializada, pós‑graduação, mestrado
e doutorado, o que foi relevante para a qualificação dos futuros profissionais e a busca de maior
competência.
Segundo Martinelli (2007), quanto aos normativos nas áreas de pesquisa, o Serviço Social pauta‑se
pelos resultados de consensos dos órgãos reguladores dos Comitês Internacionais de Ética e Pesquisa.
A Resolução nº 196/96 coloca aspectos importantes quanto à defesa dos direitos humanos dos sujeitos
envolvidos em pesquisas, como:
[...] a elaboração do termo de consentimento livre e esclarecido; no
caso de crianças e adolescentes, opta‑se pelo termo de assentimento; o
cuidado em relação aos riscos da pesquisa; as formas de recrutamento
dos sujeitos; o ressarcimento dos gastos pessoais e indenização de
danos decorrentes de participação dos sujeitos; o estabelecimento
de critérios éticos para a quebra de sigilo; a avaliação da relevância
social da pesquisa e da confiabilidade sobre a origem das informações
(MARTINELLI, 2007, p. 21).
76
Serviço Social e Questão Social
Observação
Os processos de pesquisa com seres humanos dependem de
procedimentos éticos inovadores associados aos direitos humanos.
Ainda no que concerne à pesquisa, os pressupostos norteadores das decisões do Serviço Social
encontram‑se no Código de Ética Profissional (CFESS, 1993), que indica como valores e princípios
fundamentais:
[...] a liberdade, valor ético central, as demandas políticas a ela inerentes –
autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; a defesa
intransigente dos direitos humanos e a recusa do arbítrio e do autoritarismo;
a defesa e o aprofundamento da democracia; o posicionamento em favor da
equidade e da justiça social (CFESS, 1993, p. 1).
É importante ressaltar que, no caso do Serviço Social, como as intervenções são processadas na
realidade social, quando os sujeitos estão vivendo suas vidas cotidianas, expostos concretamente a
um universo de vulnerabilidades, as competências formativas e éticas da profissão devem assegurar,
ao assistente social, parâmetros seguros e viáveis de respeito ético ao cidadão e às suas manifestas
vontades, com disponibilização de críticas e conhecimentos que possam, efetivamente, ser apropriados
por esses mesmos sujeitos, para realizarem suas escolhas e agirem como bem lhes aprouver.
Para o Serviço Social, na atualidade, o fomento à participação popular nas instâncias que podem
gerar recursos, serviços e políticas públicas capazes de mudar os processos de desigualdade é crucial
nos debates para compor competências profissionais e definir parâmetros para a formação. É necessário
conhecer o ser social e saber como é analisado, em suas condições sociais, econômicas e culturais.
O cidadão livre na sociedade de consumo é definido, segundo o senso comum social e endossado pelos
poderosos que lucram com o sistema, pela capacidade aquisitiva que apresenta, e não pelo significado
dos direitos humanos e da soberania individual. É o consumo que legitima o seu poder reivindicatório.
Seu status de cidadão é definido pelo consumo.
Entendemos que os sujeitos de pesquisas do Serviço Social são culturalmente ignorados e destituídos
das possibilidades de realização plena da sua crítica cidadã, portanto é necessário destacar que, nesses
procedimentos, tanto quanto nas intervenções, o assistente social pesquisador deverá cuidar da
transparência e da democratização efetiva de seus procedimentos numa fase investigativa.
Uma análise mais detida da conformação desses sujeitos na sociedade do capital mundializado
impõe algumas considerações fundamentais.
A análise do autor Jacobi (1990) explica a importância das articulações e dos movimentos populares
diante dos processos de exercício da participação e da cidadania:
77
Unidade II
Os anos 1980 trazem uma complexidade crescente das interações dos
movimentos com os órgãos públicos e uma importância maior das assessorias
especializadas e das articulações interinstitucionais. A crescente politização
da esfera privada possibilita a construção de novos padrões de valores,
configurando frequentemente uma vinculação ideológica e política entre a
necessidade e seus condicionantes estruturais. O processo de envolvimento
dos moradores e a cada vez mais frequente resposta do Poder Público em
face das demandas, somada à participação dos profissionais e articuladores
sociais ou assessores, possibilita a acumulação de conhecimento em torno
das questões reivindicadas, vinculando‑as às pautas institucionalizadas da
sociedade e criando condições para a formulação de demandas junto aos
órgãos públicos. Concretamente, no caso de pesquisas sociais, o contexto
marcado por aprofundamentos das desigualdades sociais, em que se
evidenciam disparidades de ordem econômica, política e cultural que
torna os sujeitos expostos a situações de vulnerabilidade ou de violação
de direitos, os procedimentos e críticas das investigações sociais devem
considerar determinados riscos, como [...] a falta de informação, a falta de
acesso a políticas básicas de saúde, educação, trabalho, habitação, a cultura
conservadora que legitima a relação de subalternidade e de poder entre o
saber popular e o científico, entre outros (JACOBI, 1990, p. 189).
Assim, percebemos que a efetividade profissional não está apenas relacionada ao êxito da intervenção
em políticas e programas sociais, mas também depende da instrumentalização do assistente social
para o compromisso com a proteção e a vigilância dos direitos de cidadania, valorizando as dimensões
intelectuais e investigativas de seu processo de trabalho.
A categoria, historicamente, foi deixando posições tradicionais e conservadoras, e, mesmo com
embates e contradições, foi construindo movimentos éticos e políticos que conduziram à formulação
do Código de Ética e de um projeto profissional.
Os momentos históricos da fase de Reconceituação marcam intensamente algumas das
transformações profissionais. É importante ressaltar que espaços historicamente caracterizados como de
lutas sociais correm o risco de ser despolitizados, esvaziados de seu conteúdo político, seja pela ofensiva
neoliberal, seja pela herança de uma relação entre Estado e sociedade civil marcada pelo clientelismo,
pelo patrimonialismo e pela burocracia presentes na política brasileira.
Para refletir sobre a relação entre o Serviço Social e a tradição marxista, é necessário proceder a uma
incursão no processo de formação profissional recente. Desse modo, podemos afirmar que, até meados
da década de 1960, o modelo tradicional de atuação no Serviço Social não apresenta grandes polêmicas
quanto às elaborações teórico‑metodológicas.
Nesse período, são evidenciadas preocupações com as teorizações no Serviço Social. Ao analisarmos
o período da autocracia burguesa e sua relação com o Serviço Social, perceberemos que, nos anos
1970, consolidam‑se, na categoria, dois processos de grande envergadura.
78
Serviço Social e Questão Social
Inicialmente, ocorre o movimento de Reconceituação, na América Latina, que aposta na revisão crítica
radical do tradicionalismo profissional e propõe uma nova construção de uma teoria e de uma práxis
para o Serviço Social contrárias à abordagem desenvolvimentista vigente na realidade latino‑americana
da época.
Posteriormente, acontece o processo de renovação do Serviço Social brasileiro, que busca
novos recursos teóricos e interventivos capazes de auxiliar os assistentes sociais nas suas
práticas e de atender às demandas por qualificação exigidas pela Ditadura Militar na área das
Ciências Humanas – não só no Serviço Social –, como a necessidade de aperfeiçoamento técnico,
científico e cultural dos profissionais na área de planejamento e implantação de projetos de
desenvolvimento.
Esses movimentos desencadeiam perspectivas teóricas do processo de renovação do Serviço Social.
A perspectiva modernizadora, de influência estrutural‑funcionalista, que emerge na segunda metade
dos anos 1970, propõe a recuperação do tradicionalismo profissional sobre novas bases.
Promove, ainda, a reatualização ou “nova roupagem” do conservadorismo, que tem como referência
a fenomenologia e surge nos finais da década (IAMAMOTO, 2000a, p. 163).
No caso do Brasil, em particular, essas preocupações com a teorização vão coincidir com a instalação
do Regime Militar de 1970, que advoga uma metodologia genérica de ajuda psicossocial, cujo marco era
constituído pela tríade diálogo, pessoa e transformação social.
A perspectiva de intenção de ruptura, de inspiração marxista, na sua primeira fase, materializada
no chamado Método Belo Horizonte, ocorre na década de 1970, no interior da academia. Pretende fazer
uma crítica rigorosa à intervenção profissional teórico‑prática tradicional, busca romper com antigas
práticas conservadoras e introduz o pensamento marxista nos fóruns de debate da categoria.
Essa primeira aproximação com a tradição marxista, entretanto, foi realizada de forma enviesada, a
partir de vulgarizações e interpretações equivocadas do pensamento de Marx.
Somente a partir dos anos 1980 identificamos a primeira incorporação bem‑sucedida, de fonte
clássica, da tradição marxiana para compreender o Serviço Social.
Nesse período, há a consolidação de um novo perfil intelectual do assistente social. Os avanços
conquistados nas pesquisas investigativas da categoria, ao longo dos anos 1980 e 1990, vão contribuir
para a incorporação do marxismo no Serviço Social.
É com o movimento de Reconceituação, na década de 1960, que o Serviço Social começa o diálogo
com a Teoria Social Crítica, iniciando o processo de ruptura com o perfil conservador e de renovação
de seu conteúdo teórico‑filosófico e metodológico; no entanto, essa aproximação ocorreu por meio de
leituras de intérpretes, resultando em um entendimento equivocado e vulgar do pensamento de Marx;
ainda assim, representou a possibilidade de construção de uma proposta alternativa ao conservadorismo.
Apesar dessa tentativa de romper com o conservadorismo, durante o movimento de Reconceituação,
79
Unidade II
tal ruptura só aconteceu nos anos 1980, com o amadurecimento da profissão, reconhecida como área
de produção de conhecimento e forma de engajar‑se nos movimentos sociais (IAMAMOTO, 2000a).
Nesse sentido, é possível referenciar como é expressiva, na área, a incorporação de teorias e metodologias
favoráveis compatíveis com a ruptura em relação ao conservadorismo, a partir da utilização de vertentes
críticas, com destaque para a produção marxista, por meio do abandono das interpretações vulgares.
Esse contexto que permeia a historicidade profissional influi nas principais tendências presentes
na compreensão da metodologia no Serviço Social e de seus desdobramentos no processo de ensino
e formação dos assistentes sociais. Parte de uma perspectiva crítica das construções e intervenções
profissionais, tais como:
• a relação entre teoria e prática no seio do Serviço Social;
• a concepção de prática social e prática profissional;
• a discussão sobre concepção de teoria e metodologia;
• a existência de teoria ou teorias do Serviço Social;
• questões relacionadas à particularidade da área.
Nessa direção, o objetivo é a reforma curricular do curso de Serviço Social, orientada e estimulada
pela então Associação Brasileira de Ensino e Serviço Social (ABESS) e pelo centro de Documentação
e Pesquisa em Políticas Sociais e Serviço Social (CEDEPSS), que possuíam uma orientação crítica de
denúncia e ruptura com o conservadorismo profissional.
Não resta dúvida de que a direção social estratégica assumida pelo Serviço Social, nessa época,
baseada no pensamento social crítico, embora não hegemônica no seio da categoria, apresentou, ao longo
dos anos 1980 e 1990, inúmeros avanços teórico‑metodológicos, ético‑políticos e técnico‑operativos.
Esses avanços profissionais são visíveis nos códigos de ética profissional do Serviço Social de 1986
e de 1993, que rompem com a visão tradicional da profissão. Nestes, a reflexão ética deixa de ser
puramente teórica e passa a constituir‑se como um instrumento de intervenção prática. Registra‑se no
Código de Ética de 1986 uma negação dos pressupostos filosóficos abstratos e idealistas do neotomismo
que influenciaram os três primeiros códigos de ética da profissão.
Nessa perspectiva, é preciso conjugar o código de ética profissional com a qualidade da prática, a
consciência política e a organização da categoria. A reflexão ética apresenta‑se como uma mediação
entre o saber teórico‑metodológico e os limites e possibilidades da prática profissional.
Merecem destaque, no documento de revisão do Código de 1986, algumas considerações concernentes
à visualização da profissão, inserida em um espaço contraditório, com interesses de classes divergentes:
de um lado, as esferas dos interesse do Estado e das classes dominantes; de outro, as esferas de interesse
80
Serviço Social e Questão Social
das classes dominadas, o que favorece um clima de tensão na prática profissional, demandando maior
qualificação dos assistentes sociais para o enfrentamento das questões.
No entanto, é necessário pensar que tal prática também é capaz de afirmar uma nova cultura
política, pautada pela abertura de um horizonte de práticas democratizantes.
Afirmar direitos torna‑se uma das alternativas à ofensiva neoliberal. Espaços públicos participativos
são importantes e fecundos para romper com a lógica do trato da coisa pública, instrumentalizada
pelo capital e pelo projeto neoliberal para fins privados, mercantis e basicamente antidemocráticos na
construção de políticas públicas.
Os desafios dos novos espaços públicos são muitos, principalmente no caso dos conselhos
institucionalizados a partir dos anos 1990 no contexto do projeto neoliberal. O Serviço Social emerge
no contexto do final dos anos 1980 e início da década de 1990, com uma nova proposta que já
vinha sendo amadurecida com o movimento de Reconceituação, sobretudo na década de 1980, com
acúmulo substancial de conquistas nos campos da produção acadêmica, da prática e das organizações
profissionais.
Todo esse processo resultou na construção de uma nova proposta, expressa pelo projeto ético‑político
da profissão, marcando a possibilidade de reafirmar os direitos e de construir uma nova práxis profissional,
pautada por uma visão da Teoria Social Crítica.
As transformações na profissão de Serviço Social implicaram, historicamente, a construção de uma
plataforma de valores éticos engajados em princípios de democracia, defesa da cidadania e alguns
outros movimentos de crítica a processos geradores de diferenças e apartações sociais.
Esses princípios, amplamente debatidos pela categoria, ainda são objeto de debates, porque
as intervenções profissionais não estão livres das contradições sociais, das influências dos setores
capitalistas dominantes e das pressões do Estado, com suas políticas públicas fragmentadas e focalistas,
de tal forma que os profissionais procuram manter um movimento investigativo contínuo, buscando
aumentar seus conhecimentos e referências para aprimorar suas habilidades.
São cada vez maiores os desafios da ética humana às novas configurações da Questão Social. Os
profissionais procuram ser perseverantes, mas mantêm um olhar cotidiano para seus pressupostos
ético‑políticos, que definem, entre outras, certas inclinações que o profissional deve ter.
Segundo o Código de Ética (CFESS, 1993 apud BARROCO, 2006), o assistente social deve
empenhar‑se na
“eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à
diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão
das diferenças”, sendo vedado [...] “exercer sua autoridade de modo a limitar
ou a cercear o direito do usuário de participar e decidir livremente sobre os
seus interesses” (CFESS, 1993, p. 11 apud BARROCO, 2006, p. 6).
81
Unidade II
A existência ou não de uma concepção de mundo pautada por um projeto societário emancipador
deverá nortear os pesquisadores, em sua investigações sociais, considerando a valorização do respeito,
da autonomia e do acesso à informação por parte dos sujeitos.
Torna‑se importante a reflexão sobre o significado sócio‑histórico da instrumentalidade como
condição de possibilidade do exercício profissional, para resgatar a natureza e a configuração das
políticas sociais que, como espaços de intervenção profissional, atribuem à prática determinadas
formas, conteúdos e dinâmicas. Esses são os elementos que apontam para a necessidade de fortalecer
o projeto ético‑político profissional, que vem sendo construído pela categoria há mais de três décadas
(GENTILLI, 1998).
A respeito da instrumentalidade profissional e de sua operacionalidade, ultrapassando o
uso de instrumental operativo, identificamos na profissão o reconhecimento de que apresenta,
historicamente, respostas às demandas sociais, o que lhe assegura, em certa medida, o
reconhecimento social.
Identificamos, no âmbito das análises sobre a profissão, que faz parte de suas funções executar,
operacionalizar e implementar políticas sociais, com base em pressupostos de seu projeto ético‑político
e reconhecendo a liberdade como valor ético central.
Essa concepção de liberdade, historicamente, é entendida como possibilidade de escolher entre
alternativas concretas, para que a sociedade valorize, em suas relações, a autonomia, a emancipação e
a plena manifestação dos indivíduos sociais.
Estimular o exercício da autonomia faz parte dos compromissos profissionais do Serviço Social. No
contato com as comunidades, existe um esforço para valorizar e incentivar os debates e a crítica ao
contexto social em que as pessoas vivem e de quais formas as respostas coletivas e individuais podem
promover opressões ou autonomia.
Os processos emancipatórios também são plataforma profissional dos assistentes sociais em suas
práticas. Pressupõem que todos sejam interdependentes, reconhecendo onde começam e onde terminam
os direitos e as interseções dos relacionamentos, sempre procurando reforçar a superação de desafios
pessoais e coletivos, bem como o mútuo reconhecimento dos ganhos quando existem concessões e
compartilhamentos.
É no cotidiano, como visto anteriormente, que o assistente social exerce sua instrumentalidade, no
espaço ocupacional em que imperam as demandas de curto prazo, e, consequentemente, tanto produz
respostas aos aspectos imediatos, referentes à singularidade do eu, à repetição e à padronização, quanto
tem a possibilidade de ultrapassar essa esfera aparente para aprofundar‑se nas forças que intensificam
a Questão Social.
Também é no cotidiano que a reprodução social se realiza, por meio da reprodução dos indivíduos. É
nele que se expressam as singularidades desses indivíduos, bem como os imediatismos e a ausência de
mediações, que só podem ser enfrentados pelas instrumentalidades objetiva e subjetiva, expressas em
82
Serviço Social e Questão Social
valores éticos, morais e civilizatórios, princípios e referências teóricas, práticas e políticas, presentes na
realidade da intervenção profissional.
A interdisciplinaridade e a pluralidade de ideias configuram‑se como meios eficientes de interlocução
e ampliação dos saberes profissionais do Serviço Social. Podem assegurar caminhos para que o assistente
social se desloque de suas rotinas e práticas burocráticas para movimentos mais investigativos e críticos da
realidade social em que atua, inovando em proposições e postura junto aos sujeitos de uma determinada
sociedade.
O patrimônio de formação, composto por núcleos fundamentais, oferece uma incursão nas Ciências
Humanas e Sociais, por meio de especializações nas áreas de Administração, Ciência Política, Sociologia,
Psicologia, Economia etc., que permitem aos profissionais, quando expostos à realidade social em que
ocorrem as intervenções, transformar e modificar valores, práticas e saberes, contextualizando outras
formas de análise social.
Tais conhecimentos têm sido incorporados pela área e particularizados na análise dos seus objetos
de intervenção, mas a profissão também tem produzido, por meio da pesquisa e da sua intervenção,
conhecimentos sobre as dimensões constitutivas da Questão Social (GENTILLI, 1998).
Ao compreender esse movimento, podemos dizer que a profissão avançou, no que concerne a romper
com antigas concepções desvinculadas da realidade, apoiadas numa visão endógena do Serviço Social
que não compreendia o reconhecimento da profissão como pertencente ao rol das que surgem de um
determinante histórico, que é a Questão Social.
A cultura profissional contemporânea permite ao assistente social – com ressalvas decorrentes de sua
historicidade – superar a aplicação de conhecimentos puramente instrumental, imediata e espontânea,
reelaborando‑a para um contexto ampliado de respostas socioprofissionais.
8 Serviço Social na cena Contemporânea
Os profissionais de Serviço Social, em sua formação e consolidação profissional, devem valorizar
o compromisso com uma capacitação contínua, a fim de garantir estratégias para o desvelamento da
realidade, visto que a sociedade está em constante transformação e que, em sua instrumentalidade,
compete ao assistente social trazer à luz a importância do conhecimento, tanto para si, como parte da
categoria, quanto operativamente, em suas intervenções e inserções no cotidiano social.
Segundo Iamamoto (2000a, p. 62), “o conhecimento não é só um verniz que se sobrepõe
superficialmente à prática profissional, podendo ser dispensado; mas é um meio pelo qual é possível
decifrar a realidade e clarear a condução do trabalho a ser realizado”.
O Serviço Social constituiu‑se num determinado momento histórico, e sua lógica é igualmente
determinada sócio‑historicamente, sustentada pela contradição. Assim, “seu significado social reside na
condição de assalariamento, tornando‑se fundamental que esse sujeito profissional se perceba como
parte da classe trabalhadora” (IAMAMOTO, 2000a, p. 17).
83
Unidade II
Atualmente, os estudos mostram a participação e o engajamento político do Serviço Social nos
movimentos sociais democráticos, suas iniciativas para pesquisar e produzir uma literatura crítica e seu
esforço para compreender o significado social da profissão, seus valores e as teorias que orientam suas
práticas.
Entre 1980 e 1990, ocorrem saltos qualitativos na profissão, por exemplo, a aprovação das
novas Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social no Brasil, em 1996. Cabe lembrar que
esse avanço também contemplou o Código de Ética Profissional do Assistente Social e a lei que
regulamenta a profissão em 1993, marcando a materialização do seu projeto ético‑político.
As transformações societárias causam alterações no mundo do trabalho, nas instituições, no Estado
e nas profissões, com um desdobro do acirramento da Questão Social, acarretando maior agravo na
concentração de renda e na exploração da força de trabalho, o que se reflete na profissão, nas condições
de vida e na prática do assistente social.
Dessa forma, a categoria firmou patamares que lhe permitem, atualmente, uma prática competente
e articulada com os interesses populares, a fim de viabilizar e ampliar os direitos sociais para a conquista
e a consolidação da cidadania e da democracia, por meio dos valores fundamentados no Código de Ética
do Serviço Social de 1993.
Constituem os princípios atuais da profissão:
I. Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas
a ele inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos
indivíduos sociais;
II. Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do
autoritarismo;
III.Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial
de toda a sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, políticos
e sociais das classes trabalhadoras;
IV.Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da
participação política e da riqueza socialmente produzida;
V. Posicionamento em favor da equidade e justiça social, de modo a
assegurar a universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos
programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática;
VI.Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, o respeito
à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à
discussão das diferenças;
84
Serviço Social e Questão Social
VII.Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais
democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso
com o constante aprimoramento intelectual;
VIII.Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de
construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração
de classe, etnia e gênero;
IX.Articulação com os movimentos sociais de outras categorias
profissionais que partilhem dos princípios desse Código e com a luta
geral dos trabalhadores;
X. Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população
e com o aprimoramento intelectual na perspectiva da competência
profissional;
XI.Exercício do Serviço Social, sem ser discriminado, nem discriminar,
por questão de inserção de classe social, gênero, etnia, religião,
nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, idade e
condições físicas (CFESS, 1993, pp. 23‑24).
Um dos maiores desafios na cena contemporânea e futura para a categoria é criar um processo
contínuo que permita discutir e esclarecer posicionamentos que integram a dimensão do Projeto
Ético‑Político Profissional do Serviço Social, bem como refletir sobre eles, de tal forma que remeta os
profissionais à compreensão dos significados e ganhos que esse projeto contempla, quando incorporado
à instrumentalidade cotidiana do exercício profissional.
Essas mudanças do mercado e da formação profissional estão alterando o perfil dos assistentes
sociais, visto que, no mesmo espaço de trabalho em que as empresas propõem transformar os
trabalhadores em parceiros, elaboram‑se projetos e programas que se encarregam de retirar destes os
direitos conquistados.
Elencar, conhecer e apontar alguns dos novos desafios para a profissão facilita compreender a
origem e a trajetória do desenvolvimento da área, levando a categoria a apropriar‑se melhor do
referencial teórico‑metodológico crítico que o projeto ético‑político e o Código de Ética do Serviço
Social de 1993 assinalam.
Evidentemente, é necessário considerar os limites impostos pela estruturação da sociedade capitalista,
que, interessada na acumulação financeira do capital, volta‑se para um projeto societário individualista
e excludente.
De fato, em virtude da inserção do Serviço Social na divisão técnica e social do trabalho, a ação
profissional depara‑se com diversos limites e contradições. No entanto, isso ocorre em qualquer espaço
institucional e requer profissionais comprometidos com o projeto ético‑político e com um projeto societário.
85
Unidade II
A práxis preconizada pelo novo projeto ético‑político do Serviço Social sinaliza para as exigências de
uma formação que prepare os profissionais para desenvolverem capacidades que ultrapassem a rotina
alienante do cotidiano.
Lembrete
Transformações societárias acirram a Questão Social, agravando a
concentração de renda e a exploração da força de trabalho, o que afeta a
profissão, as condições de vida e a prática do assistente social.
As mudanças no conceito da profissão de assistente social são consequências de processos históricos,
dependendo do significado social atribuído à atividade, que são fruto de movimentos da categoria e
também da sua relação com a dinâmica e o desenvolvimento do conjunto da sociedade.
Nesse âmbito, o processo de trabalho é compreendido como um conjunto de atividades
prático‑reflexivas voltadas para o alcance de finalidades, as quais dependem da existência, da adequação
e da criação de meios e condições objetivas e subjetivas.
Em congressos brasileiros de Serviço Social, recentemente, como recomendações para melhorar
a qualificação e o desempenho profissional diante das transformações no mundo contemporâneo, a
categoria fez proposições que merecem reflexão.
Os espaços ocupacionais são diversos e apresentam, cotidianamente, desafios para aprofundar
conhecimentos e interlocuções. Na área da saúde, os níveis de atenção planejados e atualmente
implementados assentam‑se na proposta do Sistema Único de Assistência Social, que apresenta a
Estratégia de Saúde da Família, com ações preventivas e de promoção da saúde, por área de abrangência
e submetidas ao controle social.
Conhecer o cotidiano e o acesso aos serviços essenciais para o pleno desenvolvimento das capacidades
humanas é um dos desafios do assistente social, especialmente as situações de conflito, entendidas como um
propulsor da criatividade e das possibilidades para obter formas plurais de entendimento das coisas sociais
e perceber as diferenças e como lidar com elas de modo positivo e como potencial de crescimento coletivo.
A área educacional, com o Programa Mais Educação, recentemente adotado como política de
educação inovadora, propõe aproximar a comunidade da escola, com ênfase na participação das famílias,
numa lógica de integração da comunidade, com os ativos locais públicos e privados, como estratégia de
envolver todos na formulação e no enfrentamento dos desafios decorrentes de promover qualidade na
relação ensino‑aprendizagem.
No espaço ocupacional da habitação, os movimentos organizados para enfrentar as novas formas de
adensamento das cidades, na lógica capitalista, criaram modalidades para a política de habitação popular,
mais implicada no fortalecimento das lideranças locais, para gerir uma forma de desenvolvimento local,
mais solidarizada e vivida pela comunidade, em todos os aspectos.
86
Serviço Social e Questão Social
No entanto, muitos são os desafios nessa área, na forma de embates cotidianos de ocupação das
áreas mais centrais das cidades, como forma de facilitar a mobilidade das pessoas em suas relações
cotidianas. O que fica evidente nesse aspecto é que o Estado, ao viabilizar as ocupações, privilegia áreas
isoladas e socialmente distantes do necessário para uma vida cotidiana logicamente mais acessível.
Em contrapartida, a ausência de participação econômica na dinâmica da sociedade capitalista leva
muitas pessoas a ocuparem áreas de preservação ambiental, comprometendo a vida ecológica de modo
geral, sem estratégias de mudança nem transformações por iniciativa de políticas públicas.
Fazem parte das novas tendências cotidianas os debates sobre as relações entre as pessoas que
convivem em territórios urbanos, densamente habitados, e as populações deslocadas das áreas rurais
para dar lugar à expansão da privatização das grandes áreas, com vistas à produção de alimentos em
escala industrial.
Essas populações enfrentam não só as vicissitudes do capitalismo financeirizado quando se encontram
nos espaços urbanos, mas também a degradação ambiental, que afeta drasticamente as estruturas de
vida, pela ausência de tecnologias para processamento e despejo de lixo, desmatamentos, consumo fora
de controle e outros agravos ecológicos, que colocam em risco as vidas sem que essas pessoas possam,
direta ou coletivamente, em dadas sociedades, apresentar propostas exequíveis, considerando que as
iniciativas somente poderão surtir efeito se forem amplamente debatidas e articuladas.
As questões ecológicas têm preocupado o mundo, principalmente porque põem em risco,
radicalmente, a continuidade da existência humana no planeta nos próximos anos. São grandes os
desafios, mas o maior deles é frear o consumo, que atingiu proporções inimagináveis, o que não significa
que pessoas e sociedades estão tendo acesso, com qualidade, a recursos para sua sobrevivência.
Nessa área, o que se constata é que esse consumo decorre da alienante estimulação capitalista para
a aquisição de mercadorias descartáveis e desnecessárias, criadas apenas com a finalidade de gerar
riqueza e atrair, cada vez mais e em mais lugares, pessoas ávidas por ter os produtos tão intensamente
divulgados nas mídias.
Assim, as necessidades sociais são criadas pelo processo de acumulação capitalista, gerando
devedores e consumidores, não cidadãos, que, sem críticas, submetem‑se a essa nova forma de cooptação
capitalista. Enquanto isso, o meio ambiente, em todos os países, acumula os produtos descartados e
desprezados, que foram construídos e produzidos sem debates sobre suas reais necessidades e, quando
se tornaram inúteis ou obsoletos, foram simplesmente abandonados em espaços territoriais, longe dos
olhos da grande massa da população, com o firme propósito de não gerar polêmica e manter a fidelidade
dos consumidores.
O Serviço Social tem recebido, em suas formações recentes, conteúdos que preparam profissionais
para esses debates e possíveis intervenções junto aos sujeitos nessas sociedades.
Conforme estudos realizados, o poder local e o desenvolvimento cada vez maior de espaços territoriais,
com ênfase em formação de lideranças, projetos para geração de renda e mecanismos próprios de
87
Unidade II
desenvolvimento, exigem que o profissional de Serviço Social se capacite para atuar com articulação
em redes, bem como com interlocuções diversas entre diferentes visões e sociedades plurais, visando ao
fortalecimento das lógicas necessárias à vida social coletiva, ampliando as condições para que as pessoas,
em sua singularidade, reconheçam‑se e sintam‑se parte e participantes de uma dada sociedade.
Para tanto, deverão ser priorizadas reuniões com grupos de usuários visando a promover discussões
críticas sobre a realidade, sem prejuízo dos processos de valorização das individualidades e circunstâncias
que possam circunscrever, por exemplo, situações específicas de violência de gênero e de isolamentos
sociais, motivadas por questões extremas de saúde ou de apartação econômica, social e cultural.
Sempre que possível, o assistente social deverá retomar o trabalho profissional junto a movimentos
sociais, comunidades e outras formas de organização popular, para fortalecer os sujeitos sociais, sua
mobilização, organização e seu protagonismo no controle social.
No caso da Política de Assistência Social e da sua operacionalidade por meio do Sistema Único
de Assistência Social, compete especificamente ao assistente social debater continuamente seus
pressupostos, disseminando processos de apropriação, pelas comunidades, dos direitos por ela
preconizados e aos quais, eventualmente, não haja acesso, seja pela falta de conhecimento, seja pela
omissão do Estado e de forças sociais dominantes.
Quanto à nova Política Nacional de Assistência Social/Suas, a área de Serviço Social tem hoje um
desafio intenso na sua consolidação. Estudos demonstram que, apesar dos oito anos de esforços para
a implementação dessa política, os avanços ainda não configuram institucionalidade, legitimidade e
reconhecimento a esta como uma política pública eficiente e que realiza aquilo a que se propõe.
Evidentemente não nos referimos aqui a uma responsabilidade exclusiva da categoria de Serviço
Social, até porque a Política Nacional de Assistência Social faz parte das conquistas da sociedade brasileira
e, como tal, depende desta para reforçar‑se e estruturar‑se, segundo os objetivos e as necessidades que
a justificam.
Trata‑se de uma iniciativa de caráter intersetorial e interdisciplinar que deve refletir, articulada com
outras políticas públicas e sociais, os parâmetros dos Direitos Humanos e os investimentos para que as
capacidades humanas se desenvolvam e se expressem em plenitude.
O assistente social precisa usar seus conhecimentos para, associado a outras áreas e profissões
correlatas, desenvolver tecnologias a fim de priorizar a avaliação das políticas sociais, dentro e fora dos
âmbitos do Estado, objetivando apreender seu impacto social e político, em especial o da nova Política
Nacional de Assistência Social/Suas. Precisa também defender, em suas práticas cotidianas, as formas
mais amplas de debater e discutir os processos de formação de representações sociais, para contribuir
na qualificação de conselheiros, especialmente os da sociedade civil, na intenção de desenvolver uma
nova cultura política, sob a perspectiva da Pedagogia emancipatória.
Além disso, deve buscar, como parte da categoria, em sua formação profissional, ampliar os
conhecimentos sobre cidadania, democracia, sociedade civil, controle social, vulnerabilidade, risco,
88
Serviço Social e Questão Social
vigilância social, exclusão social, matricialidade sociofamiliar, entre outros de pertinência para a
consolidação de valores e participação democrática.
Esses saberes são importantes para fortalecer a mobilização dos profissionais na defesa legítima de
seus interesses e, claro, na estruturação de acervo e normativos que amparem seu projeto ético‑político
profissional, entendendo‑se como trabalhador assalariado e a serviço da mediação, numa sociedade
fundada em desigualdades. Em contrapartida, os mesmos saberes deverão ser objeto de intensos
debates sociais, intencionalmente provocados pelo assistente social, em defesa da cidadania e dos
valores democráticos, incorporando e assimilando, sempre que possível e necessário, outros saberes de
dimensões históricas e sociais.
Resumo
Nesta unidade, verificamos que o Serviço Social transforma‑se
continuamente, porque sua existência é atrelada ao processo de
transformação da sociedade, que vive, igualmente, transformações
históricas, nos âmbitos social, econômico, político, cultural e ambiental.
Vimos que essas mudanças são embasadas nos processos de pesquisas
sobre a Questão Social.
Aprendemos também que, ao analisarmos a Questão Social, é preciso
saber que é uma forma de estudo sobre a sociedade, porque não há
consenso sobre as suas fontes constituintes. Portanto, estudá-la é: ressaltar
as diferenças entre trabalhadores e capitalistas no acesso a direitos e nas
condições de vida; destacar os processos de estruturação das desigualdades
sociais; e pesquisar mecanismos para a superação das manifestações dessas
desigualdades, além de entender como estas se produzem na sociedade e
na subjetividade dos homens.
Quanto ao contexto histórico, vimos que a partir da década de 1980, com
o capitalismo globalizado, a revolução tecnológica, as propostas neoliberais
e as mudanças no mundo do trabalho, a Questão Social mundializou‑se.
Com isso, aumentaram as exigências éticas, técnicas e políticas feitas aos
assistentes sociais, que precisavam posicionar‑se em favor dos direitos de
cidadania, justiça e democracia. No entanto, o que tem ocorrido é que uma
parcela dos trabalhadores sociais não ultrapassa os caminhos burocráticos
e rotineiros, estreitando as possibilidades de contribuir mais plenamente na
redução das desigualdades sociais.
Aprendemos que faz parte da leitura analítica sobre a Questão Social
debruçar‑se sobre o entendimento da concentração nos centros urbanos.
Vimos que suas transformações mais recentes vêm gerando espaços cada
vez mais próximos uns dos outros, nos quais as pessoas se organizam
89
Unidade II
nos mais diferentes grupos sociais. No entanto, essa aproximação não é
produtiva, na medida em que o contato não significa qualidade nas trocas
entre as pessoas nem aumento das relações sociais organizadas em defesa
da qualidade de vida da coletividade.
Verificamos ainda que, dentre os compromissos contemporâneos do
Serviço Social, constantes de seu Código de Ética Profissional, figuram a
igualdade, a justiça social para todos e a solidariedade, ultrapassando os
limites do voluntarismo, na perspectiva de uma sociedade fortalecida por
redes e articulações para o desenvolvimento local.
Em seguida, vimos que são considerados espaços sócio‑ocupacionais
da profissão aqueles ocupados pela sociedade, em que se expressem
necessidades sociais e nos quais, historicamente, a profissão realize, sob a
ótica das políticas públicas do Estado, o enfrentamento da Questão Social.
Aprendemos também que, a partir de 2000, a conjuntura provoca
debates acirrados em torno da Questão Social e do papel a ser cumprido
pelas políticas sociais, o que motiva, nos espaços universitários, uma
crescente ampliação da oferta de cursos de graduação e novas modalidades
de ensino, com destaque, à luz dos avanços na tecnologia virtual, para a
graduação a distância.
Para corresponder aos movimentos de transformação e às novas
configurações da Questão Social, a formação profissional e a categoria
de Serviço Social reveem seus processos de pesquisa. A perspectiva
que passa a nortear os processos investigativos de pesquisa leva em
consideração os movimentos sócio‑históricos que resultaram em
conquistas da humanidade. O eixo ético que vigora nos procedimentos
das investigações sociais é considerado também uma conquista, no
campo dos direitos humanos, contra as inúmeras situações de desrespeito
e violação dos direitos dos sujeitos envolvidos em pesquisas, em outros
momentos históricos.
As atividades e iniciativas de pesquisa embasam‑se em novas formas
bioéticas de relações investigativas com os seres humanos, para evitar
que se repitam atrocidades como as promovidas em nome de uma ciência
experimental moderna e que culminaram, por exemplo, nos campos de
concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (MINAYO,
1994). Nessas novas propostas de pesquisas de investigação social, são
firmados acordos para que os processos sejam cada vez menos utilitaristas
e vinculados a uma ideologia que naturaliza a desigualdade social e racial,
culminando na justificativa de condutas antiéticas e criminosas, em nome
do avanço da ciência.
90
Serviço Social e Questão Social
Trata‑se de situar um movimento multidisciplinar, que se aproxime de
vertentes mais progressistas e que articule o conhecimento, a ética e a
política, criando um campo de alternativas criticas para pensar a relação
entre ética, pesquisa e Serviço Social.
Tivemos a oportunidade de aprender que a pesquisa social volta‑se
para a sociedade e seus interesses, traduzidos em produtos históricos
de determinadas circunstâncias sociais, tentando viabilizar respostas
mediadoras e resolutivas quanto à Questão Social, bem como iniciativas
vanguardistas para o desenvolvimento humano e social.
Como os valores podem ter diferentes significados e direções políticas,
dependendo da forma como são apreendidos teoricamente e de acordo
com sua função na vida social, no intuito de objetivar uma conquista
humana e, ao mesmo tempo, ser sua própria negação, as pesquisas precisam
inserir a subjetividade dos sujeitos envolvidos, quer na dimensão da trama
pesquisada, quer na fomentação de novos saberes e conhecimento.
Para a categoria de assistentes sociais, pesquisar os processos
de globalização do capital e responder a estes equivale a combater
os processos de desigualdade social. Nesse sentido, os conteúdos e
conhecimentos de sua formação devem pautar‑se por direitos de
cidadania, civis, políticos e sociais, bem como nas possibilidades e
capacidades de consumo dos cidadãos, como estratégias de avanço
para, só então ter acesso aos outros direitos.
Aprendemos que os sujeitos de pesquisas do Serviço Social são
culturalmente ignorados e destituídos das possibilidades de realização
plena da sua crítica cidadã, portanto é preciso que, tanto quanto nas
intervenções, o assistente social pesquisador cuide da transparência e da
democratização efetiva dos procedimentos numa fase investigativa.
Percebemos, assim, que a efetividade profissional não está apenas
relacionada ao êxito da intervenção em políticas e programas sociais,
dependendo também de que o assistente social se instrumentalize para
o compromisso com a proteção e a vigilância dos direitos de cidadania,
valorizando as dimensões intelectuais e investigativas de seu processo
de trabalho.
Atualmente, os estudos mostram a participação e o engajamento
político do Serviço Social junto aos movimentos sociais democráticos, suas
iniciativas para pesquisar e produzir uma literatura crítica e seu esforço
para compreender o significado social da profissão, seus valores e as teorias
que orientam suas práticas.
91
Unidade II
Mediante um breve panorama histórico, verificamos que, entre as
décadas de 1980 e 1990, ocorreram saltos qualitativos na profissão, por
exemplo, a aprovação das novas Diretrizes Curriculares para os cursos de
Serviço Social no Brasil, em 1996. Lembramos que esse avanço também
contemplou o Código de Ética Profissional do Assistente Social e a lei que
regulamenta a profissão, em 1993, marcando a materialização do projeto
ético‑político profissional, fortemente relacionado a um projeto societário.
Aprendemos que as transformações societárias trazem alterações no
mundo do trabalho, nas instituições, no Estado, nas profissões, com um
desdobro do acirramento da Questão Social acarretando maior agravo na
concentração de renda e na exploração da força de trabalho, o que reflete
na profissão, nas condições de vida e na prática do assistente social.
Vimos que elencar e conhecer alguns dos novos desafios para a
profissão e apontá‑los facilita compreender sua origem e a trajetória
do seu desenvolvimento, levando a categoria a apropriar‑se melhor do
referencial teórico‑metodológico crítico que o projeto ético‑político
e o Código de Ética do Serviço Social de 1993 assinalam. Tudo isso sem
deixar de considerar os limites impostos pela estruturação da sociedade
capitalista, que, interessada na acumulação financeira do capital, volta‑se
para um projeto societário individualista e excludente.
De fato, em virtude da inserção do Serviço Social na divisão técnica
e social do trabalho, a ação profissional depara‑se com diversos limites
e contradições. Verificamos, no entanto, que isso ocorre em qualquer
espaço institucional e requer profissionais comprometidos com o projeto
ético‑político e com um projeto societário.
Finalmente, conhecemos a práxis preconizada no novo projeto
ético‑político do Serviço Social sinaliza para as exigências de uma
formação que prepare os profissionais para desenvolverem capacidades
que ultrapassem a rotina alienante do cotidiano.
Exercícios
Questão 01. O projeto profissional do Serviço Social resultou do protagonismo dos agentes
profissionais e vem sendo construído, historicamente, no embate entre distintos projetos sociais, que
refletem diferentes perspectivas da categoria. A respeito de níveis, áreas e limites de atuação, assinale a
opção correta:
A)O projeto ético‑político profissional tem suas raízes nas forças sociais progressistas e está fundado
nas reais condições sociais em que se materializa a profissão.
92
Serviço Social e Questão Social
B)Nas últimas décadas, os assistentes sociais vêm tendo sua ação profissional direcionada para
projetos mais amplos, prioritariamente os de natureza executiva.
C)Um dos limites da atuação profissional localiza‑se no recente processo de criminalização da
Questão Social e potencialização de sua dimensão coletiva.
D)As condições e relações de trabalho em que se encontram os assistentes sociais independem
do processo de reforma do Estado, pois são próprias da administração tradicional, burocrática e
centralizada.
E)As raízes do projeto ético‑político profissional assentam‑se no modo de produção capitalista e
visam a fortalecer o processo de acumulação de capitais.
Resposta correta: alternativa A.
Análise das alternativas:
A) Alternativa correta.
Justificativa: torna‑se importante a reflexão sobre o significado sócio‑histórico da instrumentalidade,
como condição para o exercício profissional, a fim de resgatar a natureza e a configuração das políticas
sociais que, como espaços de intervenção, atribuem determinadas formas, conteúdos e dinâmicas ao
exercício profissional. Esses são os elementos que apontam para a necessidade de fortalecer o projeto
ético‑político profissional, que vem sendo construído pela categoria há mais de três décadas (GENTILLI,
1998).
B) Alternativa incorreta.
Justificativa: quanto à instrumentalidade profissional do Serviço Social e à sua operacionalidade,
ultrapassando o uso de instrumental operativo, identificamos na profissão o reconhecimento de que
apresenta, historicamente, respostas às demandas sociais, o que lhe assegura, em certa medida, o
reconhecimento social. Identificamos também, no âmbito das análises sobre a área de Serviço Social,
que faz parte de suas funções executar, operacionalizar e implementar políticas sociais, com base em
pressupostos de seu projeto ético‑político e reconhecendo a liberdade como valor ético central.
C) Alternativa incorreta.
Justificativa: para a profissão de assistente social, a interdisciplinaridade e a pluralidade de ideias
configuram‑se como meios eficientes de interlocução e ampliação dos saberes profissionais, podendo
assegurar caminhos para que o assistente social se desloque de suas rotinas e práticas burocráticas para
movimentos mais investigativos e críticos da realidade social em que atua, inovando em proposições e
postura juntos aos sujeitos de uma determinada sociedade.
D) Alternativa incorreta.
93
Unidade II
Justificativa: é no cotidiano que a reprodução social se realiza, por meio da reprodução dos indivíduos.
Nele se expressam as singularidades das pessoas, bem como os imediatismos e a ausência de mediações,
que só podem ser enfrentados pelas instrumentalidades objetiva e subjetiva, tais como valores éticos,
morais e civilizatórios, princípios e referências teóricas, práticas e políticas, presentes na realidade da
intervenção profissional.
E) Alternativa incorreta.
Justificativa: as novas configurações de espaço profissional exigem do assistente social um
direcionamento ético‑político, com competências para a construção de espaços que assegurem direitos,
democracia participativa e fortalecimento do potencial para as lutas sociais reivindicativas e direcionadas
para as conquistas de uma sociedade mais justa e democrática.
Questão 02. As políticas sociais no Brasil apresentam uma trajetória marcada por características
conservadoras, neoliberais e progressistas. A respeito disso, considere as afirmativas que seguem:
I – As políticas sociais surgem de forma gradual e diferenciada, a partir dos movimentos de
organização da classe trabalhadora e das correlações e composições de forças no âmbito do Estado.
II – As políticas sociais retomam seu caráter liberal residual; a questão da garantia dos direitos volta
a ser pensada na órbita dos civis e políticos, deixando os sociais para a caridade da sociedade e para a
ação focalizada do Estado.
III – As condições de trabalho nas relações sociais e no ambiente cultural brasileiro não norteiam o
desenho das políticas sociais, pois não são definidores da relação entre capital e trabalho no Brasil.
Assinale a alternativa correta:
A) Apenas a afirmativa I está correta.
B) Apenas a afirmativa II está correta.
C) Apenas a afirmativa III está correta.
D) Apenas as afirmativas I e II estão corretas.
E) Apenas as afirmativas I e III estão corretas.
Resposta correta: alternativa D.
Análise das afirmativas:
A) Alternativa incorreta
94
Serviço Social e Questão Social
Justificativa: no caso brasileiro, as políticas sociais surgem de intensas lutas sociais da classe
trabalhadora e das imposições internacionais, como estratégia para refrear os movimentos sociais e não
colocar em risco os avanços da sociedade capitalista. De fato, são avanços graduais, mas não exclusivos.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa: as políticas públicas e o controle social apresentam mecanismos para enfrentamento da
Questão Social nas grandes cidades. É preciso considerar as transformações que ocorrem hoje na esfera
familiar, mediante novos arranjos que desconfiguram os tradicionais papéis de homens e mulheres,
instalando novas e conflitivas dinâmicas geracionais e de gênero. Modificam‑se as regras, que variam
cultural e historicamente os ambientes territoriais das cidades e também das áreas rurais, cada vez mais
ocupadas pelos grandes agronegócios, revelando os princípios que estruturam a vida pública em cada
sociedade e indicando como os grupos sociais relacionam‑se no espaço da cidade.
C) Alternativa incorreta.
Justificativa: esse novo tipo de organização do espaço urbano não é característico apenas da
realidade brasileira: dissemina‑se pelo mundo inteiro, num momento em que muitas sociedades
protagonizam movimentos de democratização política, de queda de regimes racistas e de intensos
fluxos imigratórios, revelando a complexidade das relações entre formas urbanas e processos políticos.
Essa forma de organização das cidades contemporâneas atinge tanto as sociedades europeias, berço dos
ideais democráticos republicanos, como os países recém‑saídos do jugo colonial ou de sistemas políticos
autoritários.
D) Alternativa correta.
Justificativa: no Brasil, o modelo de gestão pública, até o final da década de 1970, estava estruturado
com base na concentração do poder decisório e da execução no nível do governo federal, definindo
atribuições e competências residuais para o nível estadual e reservando aos municípios atribuições de
interesse local. No contexto da transição pós‑democrática no Brasil e por força das pressões de uma
sociedade civil mais ativa e mais organizada, foram criados novos espaços públicos de interação, mas
principalmente de negociação.
E) Afirmativa incorreta
Justificativa: os conflitos urbanos substituem as antigas lutas trabalhistas ocorridas nas fábricas,
e o espaço da cidade passa a ser o foco da organização política em manifestações contra o sistema,
bem como mobilizações em defesa dos direitos do cidadãos e também nos momentos de combate
contra as formas de opressão. “O que eram a fábrica e as condições de trabalho industrial, que davam
o simbolismo para as revoltas, hoje é a cidade e as condições de vida nela” (CALDEIRA, 2005 apud
RAICHELIS, 2006, p. 36).
95
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
Figura 1
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Caderno Suas: financiamento da
assistência social no Brasil. Brasília: Secretaria Nacional de Assistência Social, 2009. v. 4. p. 17.
Figura 2
IMAGE002.GIF. Disponível em: <http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/areas‑tematicas/
violencia/image002.gif/image_preview>. Acesso em: 13 set. 2012.
Figura 3
IMAGE003.GIF. Disponível em: <http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/areas‑tematicas/
violencia/image003.gif/image_preview>. Acesso em: 13 set. 2012.
Figura 4
IMAGE004.GIF. Disponível em: <http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/areas‑tematicas/
violencia/image004.gif/image_preview>. Acesso em: 13 set. 2012.
Figura 5
IMAGE005.GIF. Disponível em: <http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/areas‑tematicas/
violencia/image005.gif/image_preview>. Acesso em: 13 set. 2012.
Figura 6
IMAGE006.GIF. Disponível em: <http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/areas‑tematicas/
violencia/image006.gif/image_preview>. Acesso em: 13 set. 2012.
Figura 7
IMAGE007.GIF. Disponível em: <http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/areas‑tematicas/
violencia/image007.gif/image_preview>. Acesso em: 13 set. 2012.
Figura 8
IMAGE008.GIF. Disponível em: <http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/areas‑tematicas/
violencia/image008.gif/image_preview>. Acesso em: 13 set. 2012.
96
Figura 9
IMAGE009.GIF. Disponível em: <http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/areas‑tematicas/
violencia/image009.gif/image_preview>. Acesso em: 13 set. 2012.
Figura 10
IMAGE010.GIF. Disponível em: <http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/areas‑tematicas/
violencia/image010.gif/image_preview>. Acesso em: 13 set. 2012.
Figura 11
IMAGE011.GIF. Disponível em: <http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/areas‑tematicas/
violencia/image011.gif/image_preview>. Acesso em: 13 set. 2012.
Figura 12
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Caderno Suas :
financiamento da assistência social no Brasil. Brasília: Secretaria Nacional de Assistência
Social, 2009. v. 4. p. 14.
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Informações:
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