O USO DE SITUAÇÕES-PROBLEMA NA VISÃO DE PROFESSORES DE QUÍMICA Flávia Cristiane Vieira da Silva* (PG), José Euzébio Simões Neto (PQ) e Angela Fernandes Campos (PQ) [email protected] INTRODUÇÃO Uma das orientações para o Ensino de Química presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), é o trabalho em sala de aula com Situações-Problema (SP). De acordo com os PCNEM, o uso de SP pelo professor possibilita mais flexibilidade e interatividade aos conteúdos químicos, de forma a possibilitar a abordagem de aspectos pertinentes deste conhecimento (BRASIL, 2002). Além disso, contribui para o desenvolvimento e mobilização de recursos cognitivos, procedimentais e atitudinais nos alunos. A compreensão da potencialidade do uso de SP no ensino de química, nos leva a uma reflexão da necessidade dos professores entenderem o trabalho com essa estratégia didática. Os cursos de licenciatura, principalmente os mais antigos, adotam um modelo de curso conhecido como 3+1 (SENISE, 2006), onde as disciplinas ligadas ao ensino ficam apenas para os últimos períodos. Apresentar novas estratégias de ensino aos professores em formação, bem como discutir a importância e formas de aplicação das mesmas, surge como uma demanda essencial para a formação inicial do licenciando. Sendo assim, procuramos nessa pesquisa, verificar o que os professores recém-licenciados entendem acerca da estratégia aqui apresentada. SITUAÇÃO-PROBLEMA De acordo com Meirieu (1998) uma SP é “uma situação-didática na qual se propõe ao sujeito uma tarefa que ele não pode realizar sem efetuar uma aprendizagem precisa. E essa aprendizagem, que constitui o verdadeiro objetivo da situação-problema, se dá ao vencer obstáculos na realização da tarefa” (idem, p. 192). Na literatura, encontramos outras definições para situação-problema, como, por exemplo, a de Câmara dos Santos (2002). Segundo o autor, a estratégia da SP consiste em colocar o aluno em face de um obstáculo, gerando o aparecimento de um conflito interno ao sujeito. A situação-problema mostra o quanto são limitados os conhecimentos prévios do indivíduo até aquele instante, para resolver aquele problema específico ou algum outro de mesma magnitude. Isso permite que, em busca da superação do problema, este construa novos conhecimentos e consiga superar o obstáculo proposto. Nuñez et al. (2004, p. 115) entendem que a SP pode ser considerada como um “estado psíquico de dificuldade intelectual, quando o aluno enfrenta uma tarefa que não pode explicar nem resolver com os meios de que dispõe, embora esses meios possibilitem a compreensão da situação-problema e o trabalho para sua solução”. As três definições sobre SP acima apresentadas, compartilham da mesma ideia, que é a presença de um obstáculo. Neste caso, espera-se que a SP, ao ser posta como um obstáculo seja um problema que possa ser resolvido, e, ao mesmo tempo, apresente uma impossibilidade de ser resolvido sem aprender. Logo, ao elaborar uma (SP) o professor deverá considerar alguns critérios e algumas ________________ 1. Flávia Cristiane Vieira da Silva é aluna do Programa de Pós-graduação em Ensino das Ciências, da Universidade Federal Rural de Pernambuco – PPGEC/UFRPE – Recife/PE. [email protected] 2. José Euzébio Simões Neto é professor da Unidade Acadêmica de Serra Talhada, da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UAST/UFRPE – Serra Talhada/PE. 3. Angela Fernandes Campos é professora do Programa de Pós-graduação em Ensino das Ciências, da Universidade Federal Rural de Pernambuco PPGEC/UFRPE - Recife-PE características que devem ser agregadas a estrutura da SP, para que esta realmente seja considerada um obstáculo a ser vencido. Inicialmente vale destacar a necessidade da SP suplantar desafios, que pressupõe prover aos estudantes o domínio de procedimentos e a capacidade de utilizar e buscar conhecimentos para responder um desafio (FRANCISCO JR; FERREIRA; HARTWING, 2008). Isto está de acordo com o que Meirieu (1998) afirma como sendo um dos fatores que mobiliza o aluno para ir a busca da aprendizagem. Segundo o autor “o que mobiliza o aluno, o que o introduz em uma aprendizagem, o que lhe permite assumir a necessidade da mesma (...) é o desejo de saber e a vontade de conhecer” (p. 86). Por esta razão, a reflexão inicial que o professor deverá fazer antes de elaborar uma SP, é a de que maneira este desejo poderá ser despertado. Compartilhamos das ideias trazidas por autores como Azevedo (2004), Nuñez et al (2004), Cachapuz, Praia e Jorge (2002) e Pozo e Crespo (2009), sobre algumas características que podem ser agregadas a SP e que possivelmente facilite o emergir do desejo dos alunos em aprender. Baseado nos autores supracitados enumerou-se algumas características que achamos serem relevantes, quais sejam: 1 – Deve ser interessante para o aluno e de preferência envolver a relação Ciência, Tecnologia e Sociedade; 2 – Uma SP deve permitir refletir sobre processos da Ciência e da Tecnologia bem como as suas inter-relações com a sociedade e o ambiente; 3 – A SP deve partir de contextos reais; 4 – Ao elaborar uma SP o professor deve refletir que os obstáculos são barreiras que podem ser colocadas aos alunos para que eles consigam transpô-las ou, ainda, dificuldades para serem enfrentadas de maneira natural; 5 – A SP deve ser um problema aberto que permita a resolução inicial de forma qualitativa, possibilite o levantamento de hipóteses; 6 – A SP deve permitir predizer ou explicar um fato, analisar situações cotidianas e cientificas, e interpretá-las a partir dos conhecimentos pessoais e/ou do marco conceitual que a ciência proporciona. Meirieu também propõe uma tripla avaliação, que deverá ser considerada ao se trabalhar com SP: A avaliação diagnóstica, avaliação formativa, avaliação somativa. A avaliação diagnóstica ocorre antes do processo de ensino e aprendizagem, é uma avaliação prévia que objetiva garantir o bom andamento das atividades que levem a resolução da SP. A avaliação formativa que Para Meirieu (1998) se apresentará como formativa se esta contribuir para a identificação dos procedimentos eficazes e para uma formalização suficiente dos mesmos para facilitar sua realização. A avaliação somativa que tem como objetivo fazer um balanço daquilo que foi adquirido ao final do processo e, além de avaliar a própria eficácia da SP. A PESQUISA a) instrumento de coleta de dados Para a presente pesquisa como instrumento para coleta e analise da visão dos professores sobre o uso de situaçõesproblemas, optamos pelo questionário. O questionário foi constituído por 5 questões abertas, que podem ser observadas a seguir, juntamente com seus objetivos. Questões e seus objetivos: 1. O que você entende por situação-problema? Objetivo: identificar se os professores conhecem o termo situação-problema e de que maneira eles o compreendem. 2. O que deve ser considerado na hora de construir uma Situação-Problema? Objetivo: Verificar as convergências entre como os professores pensam a elaboração de uma situação-problema. 3. A situação-problema deve ser construída de forma que se apresente como um desafio a ser superado pelo aluno. Como garantir que a presença desse desafio exista? Objetivo: Observar a compreensão dos professores em relação a importância e a construção do obstáculo a ser superado na resolução da situação-problema. 4. Você já usou situações-problema em suas aulas? De que maneira você utilizou (utilizaria)? Objetivo: Saber se a estratégia já foi utilizada em classes pelos professores entrevistados, bem como analisar as formas de utilização em convergência ou não com algumas experiências relatadas em literatura. 5. Como pode ser feita a avaliação no trabalho com Situações-Problema? Objetivo: Verificar as formas pensadas em avaliar o trabalho com tal estratégia. b) sujeitos da pesquisa Para responder ao questionário foram selecionados 7 professores de química, todos com formação em Licenciatura em Química, na Universidade Federal Rural de Pernambuco e na Universidade Federal de Pernambuco, que atuam ou atuaram no Ensino Médio. Os professores foram identificados por P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7 de modo a preservar sua identidade. c) a analise das respostas A análise das respostas será feita a partir da leitura das mesmas, considerando possíveis categorias que possam emergir do pensamento dos entrevistados. Tomaremos como base para definição, elaboração e avaliação de situações-problema os trabalhos de Meirieu (1998), usado como base teórica para o presente trabalho. RESULTADOS E DISCUSSÃO Nos QUADROS 1 a 5 apresentamos as respostas dadas pelos professores, agrupadas por categorias que emergiram a partir da leitura das mesmas para as respostas do questionário. QUADRO 1: Respostas para a questão: O que você entende por situação-problema? Categoria Professores P1; P3; P4; P5, P7 SP como desafio SP como problema P2; P6 contextualizado A compreensão da Situação-Problema (SP) como desafio é observada entre 4 dos 6 professores analisados. O que está de acordo com o que Meirieu(1998) define como sendo uma SP, neste caso um obstáculo a ser vencido é tomado como um desafio. Percebemos claramente essa compreensão na resposta de P4, quando o mesmo afirma que: “A situação-problema pode ser entendida como uma dificuldade (...) No contexto de sala de aula, o professor oferece um desafio ao estudante”. O P7 remete a um desafio ao falar sobre situação desconhecida, como podemos observar na resposta a seguir: “Algo que pode ser apresentado a alguém como algo que seja de solução desconhecida”. Em relação à segunda categoria a SP como problema contextualizado pode ser observado na resposta do P2: “É um problema colocado para o aluno de forma contextualizada... uma questão que surge a partir de uma situação real que faça parte do contexto do aluno”. A definição dada pelo P2 nos remete para uma das características que deve ser considerada na hora de construir uma SP, recomendadas por Meirieu, porém, consideramos ser uma nova característica já que o termo contextualização não está presente na definição apresentada pelo autor para SP. QUADRO 2: Resposta para questão: O que deve ser considerado na hora de construir uma Situação-Problema? Categoria Considerar a Contextualização Considerar o Obstáculo Considerar os Conhecimentos Prévios Professores P2; P4; P5; P6 P1; P3, P4; P5; P6 P7 Na segunda questão, emergiram duas preocupações na hora da construção de uma situação-problema: O contexto e a dificuldade relacionada ao obstáculo. O Professor P2 mostrou preocupação com o contexto, como podemos perceber na sua fala: "Deve ser levado em consideração alguma problemática que seja significante para o aluno. Se o problema não fizer sentido para ele, o mesmo não estará motivado para resolver o problema." Já os professores P1 e P3, se preocuparam com a dificuldade relacionada com o obstáculo, como podemos ver no discurso do P3: "(...) essas atividades tenha um grau de dificuldade de acordo com a disciplinas que está sendo ministrada, preocupando-se de não ser tão fácil a ponto de ser insignificante e nem tão difícil ao ponto do desinteresse." Os professores P4, P5 e P6 apresentaram as duas preocupações, enquanto a resposta do P7 foi dada em termos de valorização dos conhecimentos prévios para a resolução, ignorando a contextualização e a existência do obstáculo, que tem em sua superação o verdadeiro objetivo da situação-problema, conforme Meirieu (1998). QUADRO 3: Respostas para a questão: A situação-problema deve ser construída de forma que se apresente como um desafio a ser superado pelo aluno. Como garantir que a presença desse desafio exista? Categoria Conhecer a realidade do aluno Acompanhando as atividades e uso de pesquisa Tenha Caráter inédito Professores P1, P2. P4, P5, P6 P2 P7 Na análise das respostas da questão 3, percebemos quase que uma unanimidade quanto a necessidade de se conhecer a realidade do aluno, o seu contexto,para que a SP se apresente como desafio, fator defendido por Meirieu (1998), isto se torna mais claro de se observar a partir das respostas dos P5: “Acho que o que irá causar esse sentimento no aluno (de ser desafiado) é como você estará representando esse problema. A aproximação com as questões cotidianas geralmente chama a atenção dos alunos(...).” E também na fala do P6: “Conhecendo o perfil dos alunos que irão responder a situação-problema fica mais fácil saber sobre as suas possibilidades de resolução da situação-problema e garantir que realmente exista um desafio para os alunos”. A resposta dada pelo P2 fez emergir outra categoria, no qual o pesquisa se refere a importância de se acompanhar as atividades dos alunos e utilizar pesquisas para responder a SP, conforme sua resposta: “acompanhar de perto as atividades relacionando pesquisas (...) (que) venha a participar da resolução dessa situação”. O P7, em sua resposta faz surgir uma nova categoria, relacionando a SP como desafio a uma situação inédita, nova, conforme afirma: “Propondo situações que não foram comentadas ou pré-explicadas em sala de aula, ou seja, garantindo que o problema de fato seja inédito para o aluno”. Quadro 4: Respostas para a questão: Você já usou situações-problema em suas aulas? De que maneira você utilizou (utilizaria)? Categoria Sim Não Professores P3; P4; P5; P7 P1; P2; P6 Para essa questão, alguns professores informaram não terem trabalhado com situações-problema em suas aulas. Outros afirmaram já terem feito uso da estratégia. No entanto, as formas de aplicação e os exemplos fornecidos mostram que o trabalho não se aproxima sugerido por nosso referencial para esta pesquisa. Como por exemplo, na fala do P3: “Utilizei como forma de pesquisa, em minhas aulas estou começando a pensar nessa perspectiva nesses últimos meses, após o resultado da pesquisa realizada”. E na fala do P7: “Constantemente as utilizo. Por exemplo, ao falar em compostos de coordenação, falo sobre a força dos ligantes (...) pergunto de que forma o CO e o CN- podem atuar no envenenamento de uma pessoa(...)” QUADRO 5: Respostas para a questão: Como pode ser feita a avaliação no trabalho com Situações-Problema? Categoria Avaliando o Resultado Final Avaliando o Processo Professores P1, P2, P3, P7. P4, P5, P6. Em relação a ultima questão, emergiram duas categorias quanto a forma de avaliar o trabalho com SP. Quatro dos sete professores avaliados mantiveram a concepção de avaliação apenas no campo da avaliação somativa, ou seja, no final do processo. O que não se insere em um dispositivo de avaliação que Meirieu (1998) propõe para a avaliação do trabalho com SP, o qual deve ser feita em três momentos, valorizando mais o processo do que o produto final. O P2 remete para a necessidade dos alunos ao final do processo “(...) expor uma possível solução para a situação-problema, um critério de avaliação pode ser a mobilização de conceitos químicos na proposta de solução para o problema”. O P3 destaca a importância de se produzir algum material ilustrativo: “(...) produzir materiais ilustrativos, (...) que representasse a resposta (...), acho que dependeria da situação levantada”. A categoria que emergiu na leitura das respostas dos P3, P4 e P5, se aproxima mais da proposta de Meirieu para o trabalho com SP. As respostas dos professores deixa mais claro essa afirmativa. O relato do P4, apresenta um argumento em conformidade com a literatura:: “A avaliação pode ser conduzida em três estágios: O primeiro, uma avaliação diagnóstica que visa identificar os conhecimentos do aluno e de fato conhecê-lo para saber como ajudá-lo; o segundo estágio, uma avaliação formativa que acompanha a desenvoltura do aluno na resolução da situação-problema observando os seus avanços e reforçando os objetivos da atividade quando necessário; o terceiro, uma avaliação somativa que permita fazer um registro concreto (prova, relatório ou outra produção) do desenvolvimento do estudante”. Para o P5, temos: “(...) considerando não a quantidade de conhecimento que o aluno consegue reproduzir em questões na linguagem escrita, mas sim todo o processo de construção de conhecimento envolvido no trabalho”. E conforme o P6: “A partir do comportamento dos alunos durante a resolução e por meio da discussão sobre os resultados alcançados com a resposta para a situação-problema”. podem contribuir para uma melhoria no ensino nas escolas brasileiras. REFERÊNCIAS AZEVEDO M.C.P.S. Ensino por Investigação: Problematizando as atividades em sala de aula. In: Carvalho, A.M.P. (org.), Ensino de Ciências: Unindo a Pesquisa e a Prática, p. São Paulo: Thomson, 2004. BRASIL. PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais. 2002. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro 01.p df , consultado em 04/01/2012. CACHAPUZ, A.; PRAIA, J.; JORGE, M. Ciência, Educação em Ciência e Ensino das Ciências. Lisboa: Ministério da Educação, 2002. CÂMARA DOS SANTOS, M. Algumas concepções sobre o ensino-aprendizagem em Matemática. Educação Matemática em Revista, São Paulo, . 12, São Paulo, 2002. FRANCISCO Jr, W. E.; FERREIRA, L. H.; HARTWIG, D. R. 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Sendo assim, uma importante contribuição dada pela presente pesquisa pode ser a necessidade de uma maior discussão acerca de estratégias didáticas diferenciadas, que NUÑEZ, I. B.; MARUJO, M. P.; MARUJO, L. E. L.; DIAS, M. A. S. O Uso de Situaçõesproblema no Ensino de Ciências. In: NUÑEZ, I. B.; RAMALHO, B. L. Fundamentos do Ensino-Aprendizagem das Ciências Naturais e da Matemática: O Novo Ensino Médio. Porto Alegre: Editora Sulina, 2004. POZO, J. I.; CRESPO, M. A. G. A aprendizagem e o ensino de ciências: do conhecimento cotidiano ao conhecimento científico. 5ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. SENISE, P. Origem do Instituto de Química da USP – reminiscências e comentários. 1. ed. São Paulo: Instituto de Química da USP, 2006.