democracia viva 37

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D E M O C RA C I A V I VA
37
DEZEMBRO 2007
2007
DEZEMBRO
Dez anos de
compromisso
com a informação
crítica e cidadã
ESPAÇO
E S PA Ç O
ABERTO
Flávio Antonio Lazzarotto*
Valquíria Padilha**
A distinção
por trás das
grades
1 Nota da edição: este texto
é um resumo do artigo
“A distinção por trás das
grades: reflexões sobre a
prisão especial”, gentilmente
enviado pela autora, pelo
endereço eletrônico da
revista Democracia Viva.
O artigo na íntegra pode
ser solicitado para
<[email protected]>.
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Este artigo1 recupera brevemente a história
das punições e das prisões, no mundo e no
Brasil, para chegar ao tema específico do
instituto da “prisão especial”. A idéia defendida é a de que a prisão especial é um privilégio ou de que ela é, em última instância, a
legalização do privilégio. Para isso, parte-se
não só da defesa do que consta na Constituição do Brasil de que todas as pessoas são
iguais perante à lei, mas também de uma
idéia de cunho político de que, em certa
medida, privatiza-se a noção de público,
uma vez que privilégio é entendido como
“lei privada”, lei para alguns poucos e não
para o conjunto da população. Trata-se de
um texto que problematiza o tema da prisão
especial interconectando as áreas do Direito,
da Sociologia e da Ciência Política.
A prisão especial, no Brasil, é uma
instituição de âmbito judicial que visa prioritariamente favorecer algumas pessoas levando-se em consideração os serviços que prestaram à sociedade. Essa diferenciação em
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relação a outras pessoas em situação de julgamento é garantida a essa pessoa “especial” apenas durante o período em que aguarda o resultado do seu julgamento. Caso ela
venha a ser condenada, é transferida da “prisão especial” para a prisão comum.
O tema da prisão especial suscita uma
polêmica que divide tanto a opinião pública mais informada como legisladores e políticos no que diz respeito à aprovação ou
desaprovação dessa situação em questão.
A defesa do privilégio da prisão especial
no Brasil é feita por autores como Garcia
(apud Delmanto Junior, 2001) que diz merecer maior consideração pública as pessoas
que, “pela sua vida, funções e serviços
prestados à comunidade”, e também as
pessoas que “pela sua educação, maior
sensibilidade devem ter para o sofrimento
no cárcere”, podendo-se entender com isso
que uma pessoa acostumada com determinado conforto terá tanto sofrimento em
uma prisão especial como uma pessoa
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que está acostumada às dificuldades e misérias da vida terá em uma prisão comum.
Já para Gusmão (2001), prisão especial é
mais um dos privilégios alcançados apenas
pela elite brasileira.
Em busca de argumentos que demonstrem (ou não) a hipótese de inconstitucionalidade do instituto da prisão especial,
realizamos uma pesquisa buscando descrever uma breve história das prisões a fim de
contextualizar historicamente esta discussão.
Fica claro que o sistema prisional que perdura até hoje como sistema de punição, ao
contrário do que se imagina, não tem um
longo tempo na história da humanidade –
não mais que dois séculos. Antes de se tornar
um sistema punitivo, a prisão era utilizada
apenas para que a pessoa condenada aguardasse a “verdadeira punição”, que normalmente era a morte.
Fizemos, também, um levantamento
bibliográfico que procurou abranger alguns
autores das áreas específicas do Direito Penal
e Constitucional e das áreas da Sociologia
e da Política no que tange à discussão das
possíveis relações entre prisão especial,
poder e privilégio. A pesquisa se completou com
a realização de entrevistas com 17 pessoas
escolhidas por suas ocupações e grau de
escolaridade. As entrevistas foram feitas no
sentido de tentar perceber quais são os sentidos atribuídos à prisão especial, tanto por
pessoas que têm direito a esse privilégio
como por quem não o tem.
Este texto tem como objetivo central
confrontar o art. 295 do Código de Processo
Penal que diz:
Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou
a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva:
I – os ministros de Estado;
II – os governadores ou interventores
de Estados ou Territórios, o prefeito do
Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia;
III – os membros do Parlamento Nacional,
do Conselho de Economia Nacional e das
Assembléias Legislativas dos Estados;
IV – os cidadãos inscritos no “Livro de
Mérito’’;
V – os oficiais das Forças Armadas e os
militares dos Estados, do Distrito Federal
e dos Territórios;
V – os oficiais das Forças Armadas e do
Corpo de Bombeiros;
VI – os magistrados;
VII – os diplomados por qualquer uma
das faculdades superiores da República;
VIII – os ministros de confissão religiosa;
IX – os ministros do Tribunal de Contas;
X – os cidadãos que já tiverem exercido
efetivamente a função de jurado, salvo
quando excluídos da lista por motivo de
incapacidade para o exercício daquela
função;
XI – os delegados de polícia e os guardascivis dos Estados e Territórios, ativos e
inativos.
§ 1º A prisão especial, prevista neste Código ou em outras leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum.
§ 2º Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento.
§ 3º A cela especial poderá consistir em
alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela
concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana.
§ 4º O preso especial não será transportado juntamente com o preso comum.
§ 5º Os demais direitos e deveres do preso
especial serão os mesmos do preso comum.
(CPP, 2004, p.73)
E leis esparsas que tratam do assunto
com o art. 5° da Constituição Federal que
rege que
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]. (Constituição, 1999, p. 05)
Necessidade ou privilégio?
O instituto da prisão especial surgiu no
Brasil em 1941 com o Decreto-Lei n° 3.689,
de 3 de outubro de 1941, no Código de Processo Penal, artigo 295.
A partir da inclusão do art. 295 no
Código de Processo Penal, em 1941, foram
incluídas, por meio de decreto-lei, lei complementar e leis que ampliaram o alcance
da prisão especial a várias outras profissões
e novas disposições.
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Em 1990, o então senador Eduardo
Suplicy (PT-SP) apresentou um projeto
que acabaria com a prisão especial e recebeu parecer favorável do senador e ex-juiz
Antonio Mariz. O parecer de Mariz não foi
votado e caducou. Reapresentado em 1991,
o projeto foi derrotado por 45 a 12 votos.
Em 1994, o Estatuto da Advocacia
(Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994), em seu
art. 7°, determinou:
São direitos do advogado: ... V. não ser
recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado
Maior, com instalações e comodidades
condignas, assim reconhecidas pela OAB,
e, na sua falta, em prisão domiciliar.
Nota-se, a partir desse artigo, que,
mesmo dentro dos privilegiados, existem os
que acham que devem ser ainda mais privilegiados, dando-se maior importância na
sociedade ou profissionalmente, a ponto de
não aceitarem serem presos em prisão especial, mas em sala de Estado-Maior expressamente estabelecida para categorias restritas, unicamente em função de atividades
que, pelas suas características, a justificam,
bem como não impede a prisão domiciliar,
caso inexista a referida sala.
Segundo Diniz (1998), prisão especial é aquela em que, por causa da função
exercida, da posição ocupada, da profissão
ou de serviços prestados pela pessoa presa,
há regalia de tratamento especial e o privilégio de ficar em diverso da prisão comum,
livre de contato com criminosos até a condenação definitiva. Tal prerrogativa se dá,
portanto, apenas antes do trânsito em julgado
da sentença condenatória. Após a sentença
definitiva, perde tal regalia e cumpre a pena
em igualdade de condições com as demais
pessoas condenadas.
De acordo com o Dicionário Jurídico
da Academia Brasileira de Letras Jurídicas
(1997), a prisão especial é uma regalia concedida a detentores de certos cargos e funções e a portadores de título universitário.
Consiste em recolhimento separado das pessoas presas comuns, antes da condenação
definitiva. O instituto, que nunca teve justificação cabal em face da isonomia, mesmo
quando apenas cobrindo pessoas portadoras
de diploma universitário, foi consideravelmente deturpado pela extensão da regalia a numerosas e heterogêneas classes e profissões.
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A prisão especial é um tema polêmico que, de um lado, cativa muitos defensores enquanto, de outro lado, é razão de
discordância. D’Urso (2001) deixa clara sua
posição quando advoga em favor do alargamento do direito da prisão especial a todas
as pessoas que aguardam julgamento.
Segundo D’Urso (2001), a prisão especial surge entre nós quando se constatam
as condições precárias do sistema prisional,
o que levou até mesmo ao Decreto 38.016,
de 5 de outubro de 1955 – que regulamentou sua prática. Isso é fácil de compreender
quando se observa um policial que, durante
anos, persegue e prende pessoas que cometeram os mais diversos crimes. Em dado
momento, esse policial é alvo de investigação. Caso seja preso com as pessoas que
prendeu, certamente, os sentimentos de vingança o levarão à morte em cárcere comum.
Num apelo à emoção e na tentativa
de convencer a população brasileira a concordar com sua tese, D’Urso termina seu
texto afirmando:
Pense em você, no seu filho, na sua família e depois nas condições dos cárceres
brasileiros e decida se devemos acabar
com a prisão especial ou estendê-la a
todos os brasileiros. (2001)
Um dos elementos que mais contribuem para a problematização da prisão
especial – além de sua inconstitucionalidade, que se baseia em fato objetivo – é o
privilégio. Segundo alguns dicionários jurídicos, o termo privilégio deriva do latim
privilegium, palavra que se forma de privus
(particular, individual) e lex (lei). Exprime,
em sentido originário, a lei excepcional ou
a medida de exceção disposta, em caráter
particular, privativo ou exclusivo, em favor
de uma pessoa.
Assim, o privilégio designa a prerrogativa, a regalia, o direito exclusivo ou
qualquer medida de exceção, prescrita em lei
em favor ou benefício de alguém. Desse modo,
revela-se em tudo o que, excepcionalmente,
é atribuído à pessoa, como direito próprio e
exclusivo. Nesta razão, o privilégio, para
que possa constituir direito da pessoa, deve
vir expressamente consignado ou consagrado
em lei. E, por sua natureza restrita, não pode
ser interpretado extensivamente, não indo
além dos casos indicados em lei e das pessoas
a quem foi concedido.
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ARQUIVO IBASE
A DISTINÇÃO POR TRÁS DAS GRADES
Na linguagem jurídica, em geral, privilégio é: o ato de conferir algum benefício
especial ou prerrogativa a alguém; vantagem ou imunidade especial gozada por certa
pessoa; medida de exceção disposta, em
caráter exclusivo, em prol de uma pessoa;
direito próprio e exclusivo de uma pessoa,
conferido por lei; direito excepcional; permissão concedida a alguém para exceder
algum direito com exclusividade; benefício legal; prerrogativa; posição de superioridade oriunda de desigual distribuição
do poder econômico ou político; exceção
do direito comum em benefício de alguém.
Na ciência política, privilégio tem o sentido de discriminação feita em regime monárquico em favor da classe aristocrática, com
exclusão do povo (Diniz, 1998).
Nesse sentido, ao considerar aqui a
hipótese de que a prisão especial é um privilégio ou de que é, em última instância, a
legalização do privilégio, parte-se não só da
defesa do que consta na Carta Magna de que
todas as pessoas são iguais perante à lei, mas,
de uma idéia de cunho político de que, em
certa medida, privatiza-se a noção de público, uma vez que privilégio é entendido como
“lei privada”, lei para alguns poucos e não
para todas as pessoas ou, como afirmou
Ribeiro (2002, p.40), “leis particulares para
tal ou qual grupo (como reza a etimologia
da palavra privilégio: lei privada)”.
O tema da prisão especial sugere uma
outra problemática em torno da legitimidade
da ação de universalizar direitos. Assim,
como explica Cesare Beccaria, quando se
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legisla em favor de alguns grupos sociais,
“a maior parte das leis não são mais do que
privilégios, vale dizer, um tributo prestado
por muitos à comodidade de alguns”
(Beccaria, 2001, p.137). Assim, está-se promovendo interesses particulares em detrimento do princípio político de igualdade
entre todos os cidadãos e todas as cidadãs
da República (res publica ou coisa pública).
Alguns autores, mesmo defendendo a necessidade da prisão especial, acabam confirmando ser este instituto um privilégio.
Vale lembrar que já tramitaram pelo
Congresso Nacional várias propostas para acabar com a prisão especial, mas que não tiveram sucesso. Segundo o Instituto Gutenberg,2
o projeto do senador Eduardo Suplicy, apresentado em 1990 e reapresentado em 1991,
por ter caducado, foi derrotado por 45 votos
a 12. A crítica do Instituto Gutenberg nesse
caso foi diretamente à mídia e a jornalistas
que ignoraram completamente o assunto,
pois diz respeito à elite a qual essa categoria
profissional também faz parte. Neste sentido,
fica claro que no Brasil o que determina a
pena não é o crime, mas quem o pratica.
interessante observar que das quatro pessoas
que responderam não, três possuem os menores graus de escolaridade. Das 13 pessoas
que responderam saber o que é prisão especial, oito (47%) relacionaram a prisão especial à posse de um diploma de curso superior.
Dessas, duas possuem curso superior completo, três possuem pós-graduação completa
e três, ensino médio completo.
Do total entrevistado, 13 (76,4%) têm
direito à prisão especial, sendo 11 (84,6%) por
terem curso superior e dois (15,3%) que,
embora tenham como escolaridade máxima o
ensino médio completo, desempenham funções
beneficiadas pela lei (bombeiro e pastor).
Nas perguntas se a pessoa sabe o que
é prisão especial e o que pensa sobre isso,
cinco (29,4%) fazem, espontaneamente,
alguma ligação entre prisão especial e privilégio, mordomia e benefício. O delegado
de polícia entrevistado, embora mencione
espontaneamente a palavra privilégio ao
tratar do assunto, não vê a prisão especial
como um privilégio.
Quando perguntados se a lei da prisão especial deveria ser mantida ou modificada, 11 (64,7%) falaram que a lei deveria
2 Cf. Boletim nº 8 de marçoabril de 1996. Disponível em:
<http://www.igutenberg.org/
conflit8.html>. Acesso em
5 Dez. 2007.
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No âmbito da pesquisa sobre o tema, foram
realizadas entrevistas com pessoas de diferentes profissões, escolaridade, gênero e
faixas etárias. No total, 17 pessoas, 11 homens
e seis mulheres responderam. As faixas
etárias são as seguintes: 29,4% de 21 a 30
anos, 17,6% de 31 a 40 anos, 17,6% de 41 a
50 e 35,3% de 51 a 60 anos. O grau de escolaridade varia de ensino fundamental incompleto a pós-doutorado completo.
Quanto às profissões, são: juiz de
direito, delegado de polícia, engenheiro
agrônomo, professor universitário, assessor
jurídico da Câmara de Vereadores, sargentobombeiro afastado, biólogo, ministro de confissão religiosa, auxiliar de escritório, professor primário e nutricionista. O entrevistado
que respondeu ser desempregado explicou
que era ajudante de motorista e que está em
liberdade provisória aguardando julgamento.
Das 17 pessoas entrevistadas, apenas uma
respondeu que já participou de júri popular.
Do total de pessoas entrevistadas, 13
(76,4%) responderam sim para a pergunta
“Você sabe o que é prisão especial?”, sendo
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ESPAÇO
ARQUIVO IBASE
O que dizem as pessoas entrevistadas?
A DISTINÇÃO POR TRÁS DAS GRADES
ser igual para todas as pessoas que fossem
presas e estivessem aguardando o processo;
uma (5,8%) disse que mudaria a lei para que
fosse utilizada apenas para pessoas presas
por crimes de conotação político-ideológica;
duas (11,7%) modificariam a lei para a prisão
especial ser alcançada apenas por pessoas
presas que correriam risco de vida, como
aquelas que trabalham contra o crime, e
para que as celas fossem apenas separadas
das demais, e não diferentes; uma (5,8%)
transformaria a lei para que apenas réus
primários(as) fossem beneficiados; uma
(5,8%) substituiria o critério “objetivo” de
alcance da prisão especial pelo critério “subjetivo” e ficaria a cargo do juiz a permissão
ou não da prisão especial; e, por último,
apenas uma (5,8%) deixaria a lei como está.
Das 17 pessoas entrevistadas, seis
(35,3%), ao tratarem da prisão especial,
ampliaram espontaneamente suas reflexões, teceram críticas ao sistema prisional
no Brasil e revelaram o conhecimento do
que ocorre nas celas em prisão comum.
Balanço geral
Nessa breve pesquisa, ficou constatado que
os autores que defendem a existência da
prisão especial, em nenhum momento encontram respaldo no texto constitucional,
como quando se baseiam, geralmente, em
argumentos de que são merecedores da
prisão especial.
Nessas pesquisas iniciais, na maioria dos autores, fica claro o apoio ao instituto da prisão especial. Estes – assim como
algumas pessoas entrevistadas –, muitas
vezes, para melhor convencimento por meio
de seus argumentos, usam a denominação
de “preso comum” em oposição ao “preso
especial” e, ao proceder assim, acabam criando uma relação de sinonímia entre “comum” e “pobre”, uma vez que, normalmente,
quem tem direito à prisão especial não pode
ser considerado pobre.3
Fernando da Costa Tourinho Filho,
ao criticar a Lei nº 10.258/01, que alterou
o art. 295 do Código de Processo Penal, diz
que “a prisão especial não é privilégio, mesmo porque para a sua obtenção basta a natureza da atividade que a pessoa exerça ou sua
formação universitária, pouco importando se
é branco, negro, pobre ou rico”. O mesmo
autor questiona: “perguntamos nós: televisão, telefone, cama e almoço levado pelos
familiares são regalias?”4
Percebe-se, nesse tipo de argumento,
que o autor associa privilégio apenas em
relação à cor (raça) e à situação financeira
das pessoas, sem considerar esses fatores de
forma relacional. Quando ele afirma que “a
natureza da atividade que a pessoa exerça ou
sua formação universitária” não é um privilégio, deixa de considerar os nexos causais
entre classe social, raça, gênero, grau de escolaridade e as conseqüentes possibilidades de
ocupação profissional das pessoas.
Como reflexão final, a proposta é
pensarmos com Mészáros (1993), quando
afirma que o Direito integra a lógica da
sociedade capitalista dividida em classes
sociais distintas e que, por isso, as relações
contratuais estabelecidas na sociedade
correspondem às necessidades objetivas do
funcionamento e manutenção das estruturas
socioeconômicas existentes. Significa que
o quadro legal exerce a função vital de
reproduzir continuamente a sociedade e
suas desigualdades.
*Flávio Antonio
Lazzarotto
Advogado (OAB-SP)
**Valquíria Padilha
Doutora em Ciências
Sociais pela Unicamp,
professora no
Departamento de
Administração da
Faculdade de Economia,
Administração e
Contabilidade de
Ribeirão Preto (FEA-RP),
da Universidade de São
Paulo (USP)
REFERÊNCIAS
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Editora CD, 2001
CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil. Promulgada
em 05 de outubro de 1988, 21ª ed. atual. e ampl.
(Coleção Saraiva de legislação) São Paulo: Saraiva, 1999.
DELMANTO JUNIOR, Roberto. Prisão especial, sala de Estado-Maior
e prisão domiciliar em face da Lei 10.258/2001. RT 793/
463-474, novembro de 2001. Disponível em
<www.processocriminalpslf.com.br/saladeestado.htm >.
Acesso em 09 out. 2004.
Sidou, J. M. Othon. Dicionário Jurídico. Rio de Janeiro:
Academia Brasileira de Letras / Ed. Forense Universitária,
4ª ed., 1997.
D’URSO, Luíz Flávio Borges. Prisão especial não é privilégio
(deve ser estendida a todos presos provisórios),
Ano I, 7ª Ed., 2001.
Disponível em: <www.direitonaweb.adv.br/doutrina/dprocpen/
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Acesso em: 14 Jan. 2005.
GUSMÃO, Sérgio Buarque. Um insulto à cidadania. Governo mantém
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Disponível em:<sergiobg.sites.uol.com.br>
Acesso em 01 set. 2004.
KOOGAN-HOUAISS. Enciclopédia e dicionário digital.
Rio de Janeiro: Hyper Mídia, 2002.
MÉSZÁROS, István. Marxismo e direitos humanos. In:
.
Filosofia, ideologia e ciência social. Ensaios de negação e
afirmação, São Paulo: Ensaio, 1993.
RIBEIRO, Renato Janine. A sociedade contra o social. O alto custo
da vida pública no Brasil, São Paulo: Companhia das
Letras, 2002.
ABERTO
3 Uma pesquisa do senador
Suplicy no Censo
Penitenciário de 1994
mostrou que 95% dos
129.169 presos (naquele
ano) eram pobres e 87% não
tinham o 1° grau completo.
Cf. Boletim nº 8 março-abril
de 1996, Instituto Gutenberg.
4 Cf. <www.direitocriminal.
com.br/>. Acesso em
5 Dez. 2007
DEZEMBRO 2007
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