Transparência e Prestação de Contas como Paradigmas Indiciários

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CONGRESSO INTERNACIONAL GOVERNO, GESTÃO E
PROFISSIONALIZAÇÃO EM ÂMBITO LOCAL FRENTE AOS GRANDES
DESAFIOS DE NOSSO TEMPO
EIXO TEMÁTICO: 8. ÉTICA E GOVERNO
TRANSPARÊNCIA E PRESTAÇÃO DE CONTAS COMO PARADIGMAS
INDICIÁRIOS DOS ASPECTOS DEMOCRÁTICOS E ÉTICOS NOS GOVERNOS
HODIERNOS
1
Rita de Cássia Chió Serra
João R. C. S. Carvalho2
1
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por propósito apresentar uma reflexão acerca da
ética democrática consubstanciada na transparência e na prestação de contas –
accountability, mediante a análise de sinais indiciários de aproximação ou distanciamento
em relação ao caráter democrático do Estado.
Atualmente, pelo mundo, são muitas as manifestações contrárias ao
autoritarismo, à privação de direitos e à corrupção no setor público, seja buscando a
instalação da democracia ou reafirmando seu caráter nas escolhas públicas, nos países
onde vige, ainda que formalmente, como os crescentes movimentos populares pelo
mundo, e.g, “occupy Wall Stret” ou o movimento “vem pra rua Brasil”.
Enfim, seja por sua instalação, por seu aprimoramento ou por sua
reformatação, é certo que existe no mundo atual uma perceptível preocupação com a
Democracia e com a sua arquitetura institucional.
E como entende-se a democracia moderna? Parece haver consenso em
torno da ideia de participação popular, do exercício da liberdade em condições de
máxima igualdade, ou equidadei possível, e uma crescente rejeição à corrupção e à má
destinação dos recursos públicos.
Resta claro, também, que a arquitetura da Democracia instalada é
resultado das forças do seu passado histórico e dos diferentes vetores que atuam no
presente. A Democracia exige exercício cotidiano de seus operadores e refeltirá em seu
resultado a presença ou a omissão dos diferentes setores que a integram.
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Mestre em Administração Pública - FJP
2
Mestre em História Social – USP
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No caso das democracias recentes, e aí se inclui o Brasil, é preciso ter a
lucidez para reconhecer que a transição formal/legal de um para outro sistema, do
autoritário para a democracia, é por si só insuficiente para garantir a consolidação, de
fato, de um modelo democrático que abranja a totalidade do sistema.
Isso porquanto as tantas e tão fortes conexões firmadas entre o
Estado/Sociedade/Mercado – de forma oficial e extraoficial – bem assim as
características reafirmadas ao longo do período de autoritarismo – e as intrincadas redes
que asseguraram as relações de patrimonialismo, a tolerância aos preconceitos
(explícitos ou velados), os privilégios de classe – insistem em se rearranjar no novo
modelo.
Por tudo isso, é tão complexo o processo de aggiornamento, sendo que a
instalação efetiva da Democracia faz-se trabalhosa e será única em cada país.
Aqui vale a clássica anotação de Antonio Gramsci (1970, apud Moises,
1989, pág. 81) acerca de situações possíveis em momentos históricos de reconstituição
social e política - "A crise consiste; precisamente, em que morre o velho sem que possa
nascer o novo e, nesse interregno, podem ocorrer os mais diversos fenômenos de
morbidez".
Excepcionada a força da natureza, o mundo dos homens é resultado de
suas invenções e de suas escolhas no cotidiano. Assim, para a concretização do ideário
democrático, faz-se necessário erguer a arquitetura sócio-política que a sustente e
assegure. Nessa esteira, é preciso considerar as diversas frentes de dificuldades na
consecução dessa engenharia, advindas (i) do legado da experiência histórica que a
precedeu, (ii) das adversidades próprias da instalação dos novos pilares capazes de
suportar as escolhas advindas da renovação, que imprimam o caráter democrático na
prática.
Destarte, o processo que segue à instalação formal da democracia deve
ser binário e concomitante, ao mesmo tempo que se enterram ideias mortas deve-se
plantar as novas.
Uma forma plausível de se buscar resultado positivo para este propósito é
incorporar os aspectos democráticos assentados na Constituição no desenho de suas
instituições.
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À exemplo, tratando-se da Administração Pública, ferramentais que
assegurem a divisão entre público e privado; moralidade dos processos; meritocracia
como regra para acesso a cargos e funções; sistemas de controle e canais de
comunicação com a sociedade com autonomia funcional e independência, baseados em
critérios técnicos, que garantam a efetiva presença dos princípios republicanos.
É necessário, também, detectar-se os resistentes núcleos de poder do
passado, os quais não se justificam na democracia, mas que insistem em permanecer
após a transição. Tais ilhas (ou instâncias) de autoritarismo podem aparecer recobertos
em nova roupagem, ou mesmo às claras, em núcleos rígidos de comando
comprometidos com propósitos políticos ou pessoais e dissociadas dos interesses
públicos, desfavorecendo ou comprometendo parcela ou a totalidade do desempenho
das instituições nas quais se incrustam.
Em razão desta alta complexidade de fatores em interação é que Bobbio
(1985) destaca a ética como elemento indispensável para a relação entre a moral e a
política.
A ética é o ramo da filosofia que estuda a natureza do que se considera
ser valor moral e princípio ideal da conduta humana, o adequado e o correto. Assim, a
ética social é a parte prática da filosofia social que indica as normas a que devem ajustarse as relações entre os diversos membros da sociedade.
Dessa forma pode-se falar em ética profissional e mesmo em ética
democrática, pois é compreensível que se diferencie o código de conduta em ambiente
ditatorial de outro atinente a espaço aberto à participação de todos, que se sujeitam a
uma lei maior, constituição.
Em outras palavras, é inaceitável que o código de conduta dos
mandatários da ditadura permaneça vigente na democracia. Aquilo que era permitido na
ditadura pelo simples fato de ser ato de autoridade, só se justificará em ambiente
democrático caso se harmonize com os princípios que orientam a ação do setor público.
Contudo, dada à complexidade do arranjo do Estado, após a transição,
não é tarefa fácil reconhecer as forças típicas do passado (não democrático) em meio ao
novo modelo (democrático).
Tais forças insistem em mesclar-se para permanecer, contaminando o
sistema democrático e agindo em seu desfavor. Seja porque (i) revestem-se de aparência
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democrática, que não se realiza na prática de seu exercícioii ou (ii) porque sejam núcleos
de comando político, que restaram do antigo modelo, cuja Instituição, Órgão ou Entidade
no qual se alocam sofreu adequação em relação ao modelo sucessor (democrático), mas
manteve as regras antigas acerca de seu comando, que permaneceu intacto como no
passado.
É possível constatar exemplos históricos desta natureza na transição do
modelo Colonial para o Império; do Império para a República e, também, da Ditadura
para a Democraciaiii.
Como, então, pode o estudioso evidenciar tais núcleos de ocorrência
nefastos à concretização da democracia?
Neste estudo apresenta-se o método de Ginzburg, o paradigma indiciário,
como ferramental adequado para pesquisas concernentes ao Estado e Sociedade.
Para tanto, evidenciam-se as características da accountability e da
transparência pública em seara democrática, com o objetivo de conferir objetividade na
análise acerca da aproximação ou distanciamento de tais traços em relação ao caráter
democrático do Estado e dos elementos distintivos da ética democrática.
2
USANDO O PARADIGMA INDICIÁRIO PARA REVELAR O GRAU DE ÉTICA
DEMOCRÁTICA DOS GOVERNOS
Para Schedler(1999) o Poder é opaco, por isso deve ser controlado. Já o
paradigma indiciário ou método indiciário é construção teórica do historiador italiano Carlo
Ginzburg, a partir de suas observações históricas em período de longo tempo, para
desvendar, jogar luzes, em análises de difícil elucidação, acerca de circunstâncias
nebulosas, opacas, pouco evidentes ou perceptíveis.
Esse método forjado, a princípio, para pesquisas históricas, obscurecidas
pelo distanciar do tempo, revela-se sob medida, também, para análise social, política e
da gestão publica atual, cujo campo de pesquisa (Poder) pareça pouco claro, sombreado,
revolto e incerto.
O método, que se baseia na investigação de pistas e vestígios reveladores
acerca dos fenômenos da realidade, teve origem em insight do autor: se “a realidade é
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opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem decifrála”(GINZBURG, 1989, pág. 177).
Assim, este estudo busca enfrentar a revolta e opaca realidade atual, para
revelar zonas privilegiadas, sinais, indícios que permitam compreender a aproximação ou
o distanciamento dos governos atuais, em relação ao caráter ético-democrático.
Caracteriza o Estado Democrático de Direito atual a supremacia da
Constituição sobre tudo e todos, que são iguais perante a lei, sendo-lhes assegurados os
direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivos e os direitos sociais. O Poder é
do povo, razão pela qual a acountability ou prestação de contas decorre da
representação do Poder, sendo que os atos e negócios públicos devem ter por regra a
transparência, aquilo que é de interesse público deve ser divulgado e o sigilo é exceção,
que somente ocorrerá, temporariamente, e nas condições estabelecidas em lei.
Assim, parte-se da análise de duas estruturas essenciais, típicas de seara
democrática: a accountability ou prestação de contas e a transparência pública.
Estabelecidas as bases conceituais, assinalam-se as principais ferramentas capazes de
demonstrar a concretização desses institutos democráticos e informa-se acerca de seu
controle, aplicando-se-lhes o método indiciário.
Em exame circunstanciado, analisa-se a aproximação ou o afastamento
dos mecanismos examinados ao caráter democrático, em razão das escolhas feitas em
seu desenho institucional, a facilidade ou dificuldade de acesso da Sociedade ao
ferramental, bem assim a efetividade ou não da transparência que lhe é dada.
Assim, mediante a constatação desses sinais e vestígios perceptíveis, temse por propósito jogar luzes no estágio atual da democracia praticada no Brasil.
Dada a complexidade do cenário, apresenta-se o método, indicam-se
sinais e constatam-se alguns exemplos, mas por certo existem outros mais.
3
DOS REFERENCIAIS CONCERNENTES À ÉTICA DEMOCRÁTICA: O QUE
ORIENTA A PRESENTE REFLEXÃO
A prestação de contas ou accountability democrática precisa ser
compreendida dentro da noção de Estado e como decorrência da representação do
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Poder. A transparência pública é a regra e o sigilo é a exceção, aplicável somente nos
termos e condições autorizados em lei.
Destarte, são sinais de aproximação da ética democrática, dentre outros: (i)
normas e princípios constitucionais e legais em harmonia com o caráter democrático do
Estado: arcabouço jurídico que garanta os direitos decorrentes da democracia e os
assegure; (ii) o respeito à Constituição e as leis na praxe; (iii) a ocorrência da prestação
de contas como decorrência do exercício do Poder e de sua responsabilização; (iv) a
presença da transparência como regra, (v) o uso do sigilo somente nos termos permitidos
em lei, (vi) o tratamento igualitário e impessoal, (vii) a ausência de privilégios a pessoas
ou grupos injustificadamente, (viii) a afirmação do princípio do mérito nas escolhas
públicas, (ix) a facilidade para a apresentação de demandas e participação popular junto
ao Governo, à Administração e ao Sistema de Controle da Administração Pública, (x)
desenhos institucionais que propiciem a ampliação da participação e controle social, (xi) o
respeito à pluralidade e à diversidade, etc.
4
DA ACCOUNTABILITY DEMOCRÁTICA: PORQUE É PRECISO PRESTAR
CONTAS?
4.1
A ideia de accountability dentro da noção de Estado Democrático
Compreende-se a accountability como valor democrático oriundo da
delegação do Poder da soberania popular a todo agente público (agente político e agente
administrativo) vinculado ao Estado (de modo direto, indireto, permanente ou não
permanente) , o qual deve prestar contas de seus atos à sociedade, mediante os
controles constitucionais republicanos (eleição, plebiscito, referendum, check and
balances) e aqueles instituídos pelo Estado, estruturadores do sistema de controle da
Administração ou a eles ligados (controle interno, controle externo, controle social).
Examina-se a questão da accountability democrática dentro da idéia de
Estado, porquanto ela compõe o próprio cerne do regime democrático, cujo propósito é
assegurar a soberania popular e o controle da população sobre os atos dos governantes.
Parte-se do princípio que o Poder do Estado na Democracia é do povo
(Sociedade). Assim, aqueles que por eleição, indicação política ou concurso tornam-se
responsáveis por parcela deste Poder devem, obrigatoriamente, prestar contas, posto
não serem “proprietários” do Poder, mas simples detentores por consentimento (do povo).
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Nesse ponto destaca-se a reflexão de Hannah Arendt ao propor a
retomada da tradição do pensamento político cujo conceito de Poder (i) fundamenta-se
no consentimento e não na violência e (ii) atrela-se sempre ao momento que traz as leis à
existência.
Em consequência, duas assertivas importantes: a participação popular há
de reafirmar o consentimento (expresso mormente nos princípios e diretrizes
constitucionais que orientam o modelo de Estado e sistema de Governo) e as ações no
setor público deverão confirmar as escolhas da lei fundadora (Constituição), pela
implementação da ética proclamada.
Como
accountability
clara
democrática
decorrência
da
caracteriza-se
representação
do
Poder
pela
e
biunívoca
estreita
Estatal,
a
relação
Estado/Sociedade, na qual quem exerce poder estatal haverá sempre de prestar contas e
à Sociedade caberá sempre o dever/direito de tomar essas contas.
4.2
A questão da responsabilização decorrente da prestação de Contas:
consequências do bom e do mau uso do poder e porquanto importa a
aferição da responsabilidade dos atos e negócios públicos
Segundo Schedler
iv
a maioria dos regimes de hoje não são nem
claramente democráticos nem totalmente autoritários. Eles habitam a zona ampla e
nebulosa entre democracia liberal e autoritarismo fechado. Fugindo das incertezas da
democracia, mas tentando assegurar a legitimidade criam-se instâncias de autoritarismo
em um ambiente, ao menos formalmente, democrático.
Nessa ambiência, afirma Schedler v(1999) que a opacidade (do uso) do
poder torna necessária a accountability.
Para o autor a accountability extrapola a noção procedimental de método
de controle, porquanto deve ser considerada em três dimensões em sua concretização,
quais sejam, (i) prestação de informação, (ii) justificação/explicação dos atos e (iii)
submissão à sanção prevista, previamente à realização do ato.
Esses três fatores guardam conformidade com o significado de
transparência (publicização) e de responsabilização (ou responsividade). Assim, o
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exercício da accountability deve necessariamente considerar o espaço público com o
propósito de assegurar as suas diferentes dimensões.
Nesta esteira, é fácil compreender, que o controle - seja ele interno,
externo ou social - não pode abrir mão do seu exercício, ou seja, de sua atuação, sob o
risco de colocar abaixo pilar do Estado Democrático.
Assim, à exemplo, não pode o Tribunal de Contas (controle externo),
deixar de julgar as contas de sua competência, ou fazê-lo de forma ineficaz, pela análise
imprecisa ou distanciada no tempo. Da mesma forma a gestão pública precisa manter em
funcionamento seu sistema de controle interno e a Sociedade precisa realizar o que lhe
cabe em relação ao controle social, do Governo e da Administração.
Isso porque, para a ocorrência fática do caráter democrático é
imprescindível que tanto a macroestrutura do Estado – Poderes, competências
constitucionais e sistemas - quanto a sua microestrutura - regramentos, instituições,
órgãos, entidades e subsistemas - funcionem adequadamente.
Destarte, à concretização dos aspectos democráticos interessa (i) o
exercício pleno e harmônico dos Poderes, (ii) a aplicação das diferentes competências
constitucionalmente estabelecidas, (iii) o correto funcionamento dos sistemas e
subsistemas que compõem a arquitetura do Estado, (iv) a efetividade do controle com
possibilidade de recondução à normalidade quando detectado erro e (v) a previsibilidade
de responsabilização.
No que tange à responsabilização no setor público essa ocorre
basicamente em três órbitas de atuação independentes, quais sejam: (i) política, (ii)
administrativa e (iii) judicial.
4.3
- Do Sistema que cuida da Prestação de Contas
O presente trabalho se detém sobre os mecanismos de prestação de
contas, na esfera administrativa, previstos na Constituição Federal do Brasil.
O Sistema de Controle da Administração Pública, a quem incumbe
examinar as prestações de contas, é composto pelo controle internovi, controle externovii
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e controle socialviii. Prevê a Constituição Federal - CF/88ix que prestará contas qualquer
pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou
administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a Uniãox responda, ou que,
em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.
Conforme os arts. 70 e 71 da CF/88 a fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta
e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e
renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo,
com o auxílio do Tribunal de Contas da União, e pelo sistema de controle interno de cada
Poder.
Destarte, pode-se afirmar que, na prática, o detentor do controle externo,
aquele que irá examinar as prestações de contas é o Tribunal de Contas, cujo modelo
vigente no Brasil atual possui corpo técnico, concursado, e comando com origem política.
Tal fato, de ser o Tribunal um órgão eminentemente técnico, mas com comando político,
tem suscitado, desde o seu nascedouro, dissidências que merecem, ao menos, reflexão.
Sabe-se que a estrutura de alocação política dos cargos do colegiado
permanece a mesma desde o século XIX, quando o Tribunal foi criado, em 1890, sendo
que à época replicou-se o padrão existente nas Juntas das Fazendas das Capitanias do
período colonial, sob jurisdição de Portugal, datadas de 1680, século XVII.
Consuetudinariamente, tais cargos têm sido ocupados, em sua maioria,
por políticos ou agregados ligados ao Presidente que os indica.
Consoante entendimento de Schedler, acima exposto, representaria o
colegiado do Tribunal de Contas instância de autoritarismo incrustada em uma instituição
formalmente democrática?
E no que tange ao método de Ginzburg, a escolha (nomeação) política de
cargos estratégicos em relação ao controle da gestão pública, à prestação de contas, à
accountability, é sinal de aproximação ou de afastamento em relação aos aspectos
democráticos do Estado?
Por certo, o fato de parte dos servidores de carreira dos Tribunais terem
acesso aos cargos mediante concurso público de provas e de títulos aproxima-se da ética
democrática, pois concretiza os princípios da eficiência e do mérito. O resto, não.
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Esclarecidas as bases acerca de quem faz o controle das prestações de
contas, segue o texto apontando as principais categorias previstas para a prestação de
contas: (i) as prestadas anualmente pelo Presidente da República, Governador e
Prefeito xi ; (ii) as contas de todos os
administradores e demais responsáveis por
dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as
fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas
daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte
prejuízo ao erárioxii.
4.4
Microsistema: detalhes da prestação de contas que fortalecem o controle
Dois elementos orientam a questão do controle atual: (i) o abuso de
poder/corrupção e (ii) a eficiência gerencial/eficácia e efetividade dos resultados
alcançados.
Nessa esteira, a Lei de Responsabilidade Fiscal, LC nº 101/2000, principal
normativo da gestão fiscal responsável, pressupõe a ação planejada e transparente, em
que se previnam riscos e corrijam desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas
públicas.
Para tanto, estabelece o cumprimento de metas de resultados entre
receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de
receita, geração de despesas com pessoal, dívidas e operações de crédito, concessão de
garantia e inscrição em Restos a Pagar.
De fato, há uma programação de prestação de contas atrelada ao
planejamento orçamentário, pela inclusão das metas e dos riscos fiscais, os quais devem
ser demonstrados no planejamento e na sua execução. A essa exigência, alia-se a
obrigatoriedade de transparência, detalhada na sequência.
5
TRANSPARÊNCIA NO SETOR PÚBLICO: OBRIGAÇÃO LEGAL NO BRASIL
A transparência no setor público é elemento essencial para a
concretização da accountability, porquanto dá a conhecer o que é de interesse de todos e
porque propicia condições para a efetiva participação popular.
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Conforme (MELO, 2004)xiii, em análise agente (governantes/detentores de
poder público) e principal (cidadão/sociedade),
a assimetria de informações entre a
sociedade e o governante contribui para que o agente se distancie do acordo ou pacto
inicial, caracterizando as chamadas perdas de delegação.
Segundo o autor isso ocorre porquanto o agente avalia racionalmente o
risco envolvido neste desvio, sendo certo que quanto menor a visibilidade das ações do
agente (governantes/detentores de poder público) pelo principal (cidadão/sociedade),
maior o incentivo para o desvio. Destarte, a promoção da transparência das ações dos
governantes atua minimizando a tendência ao desvio e reduzindo a lacuna de
informações por parte da sociedade.
Pode-se afirmar que não foi o desejo à realização volitiva da ética
democrática que conduziu o Brasil a maior transparência no setor público. Após nove
anos passados da Lei Complementar nº 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal, ou
simplesmente LRF, fez-se necessário a edição da Lei da Transparência, LC nº 131/2009,
a qual alterou o texto da LRF.
Prevê a norma, mais precisamente em seu art. 48, que são instrumentos
de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em
meios eletrônicos de acesso público: (i) os planos, orçamentos e leis de diretrizes
orçamentárias; (ii) as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; (iii) o Relatório
Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; (iv) e as versões
simplificadas desses documentos.
A transparência será assegurada, também, (i) mediante incentivo à
participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de
elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos; (ii)
liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de
informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios
eletrônicos de acesso público e (iii) adoção de sistema integrado de administração
financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido.
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Assim, os entes da Federação - União, Estados, Distrito Federal e
Municípios - deverão disponibilizar, a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a
informações referentes às receitas e despesas públicas.
No tocante à despesa, deverão ser divulgados todos os atos praticados
pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua
realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do
correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou
jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório
realizado.
Quanto à receita, a transparência abrange o lançamento e o recebimento
de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários.
E mais: as contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão
disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico
responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e
instituições da sociedade.
A prestação de contas da União deverá conter os demonstrativos do
Tesouro Nacional e das agências financeiras oficiais de fomento, incluído o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, especificando os empréstimos e
financiamentos concedidos com recursos oriundos dos orçamentos fiscal e da seguridade
social e, no caso das agências financeiras, a avaliação circunstanciada do impacto fiscal
de suas atividades no exercício.
Esclareça-se, ainda, acerca da necessidade da presença de três requisitos
- atualidade, confiabilidade e linguagem de fácil compreensão - concernentes às
informações divulgadas pelo setor público, a fim de que se realize a transparência
democrática, propiciando a inclusão do cidadão médio no efetivo controle social.
Destarte, quanto mais se cumprem as exigências de transparência
estabelecidas em lei, citadas, tanto mais se fortalece o aspecto da ética democrática.
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5.1
A transparência como elemento facilitador para a prestação de contas.
Conexão entre controle social e controle externo da Administração: a
Sociedade e o Tribunal de Contas parceiros na accountability democrática
Outro aspecto que merece especial atenção é a interseção dos controles
social e externo – Sociedade e Tribunais de Contas – porquanto representa indício de
realização de efetiva transparência e possibilidade de participação popular, ou a sua
ausência. Vale dizer: é paradigma indiciário relevante dentro da democracia.
A transparência - dos atos, decisões e gastos públicos - é essencial para o
exercício do controle social, realizado pelo cidadão interessado ou por grupos, como os
observatórios sociaisxiv ou organizações não governamentais voltadas a este propósito,
como a Transparência Internacionalxv ou a Transparência Brasilxvi.
Há que se destacar, mais, que o controle externo dos Tribunais de Contas
pode restar fortalecido pela conexão com o controle social, quando existe (i)
transparência dos atos públicos e (ii) atitude comprometida e participativa da sociedadexvii.
Afinal, o cidadão, morador do município e próximo à sua administração,
pode, dada a tal proximidade com a administração local, reconhecer indícios de desvios
de recursos públicos, licitações fraudulentas, sinais de corrupção, atitudes de abuso de
poder, favorecimentos pessoais, ausência de eficiência no trato da coisa pública,
comunicando tais circunstancias ao controle - Tribunal de Contas- para a investigação
devida. Assim, os laços de comunicação entre a sociedade e quem exerce o controle são
determinantes para o resultado do controle da gestão públicaxviii.
Todavia, pesquisaxix realizada junto aos Tribunais de Contas – Tribunal de
Contas da União (TCU) e Tribunal de Contas dos Estados (subnacionais) – evidenciou
que não existe um padrão nos canais de comunicação do TCU e dos Tribunais de Contas
dos Estados com a Sociedade. Demonstrou, também, que o desenho institucional dos
mecanismos de participação social – audiências públicas, ouvidorias e demais canais de
comunicação com a sociedade – podem favorecer a manifestação popular, ou dificultar o
seu acesso, a depender dos requisitos exigidos do cidadão para sua manifestação.
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À exemplo, no TCU as notificações de irregularidade ou ilegalidade podem
ser feitas diretamente à sua ouvidoria, cujo comando e filtro de triagem são técnicos. Por
comando técnico entende-se que o ouvidor tem autonomia no desempenho e é
desvinculado de aspectos políticos; por filtro técnico refere-se ao exame inaugural do
assunto, que é realizado com base em critérios objetivos atinentes à competência da
matéria por aquele Tribunal, e será feito por servidor, concursado, especialista em
controle, o qual verificará se a matéria, o fato e o jurisdicionado dizem respeito às
competências do TCU. A notificação poderá ser feita pessoalmente; ou de forma anônima,
por telefone ou por meio eletrônico.
Diferente do TCU, alguns Tribunais subnacionais possuem comando
político de suas ouvidorias (Conselheiro), sendo que a maioria não admite comunicação
anônima, além de exigir uma série de informações e provas do denunciante, dificultando
a ação do cidadão ou inviabilizando o seu propósito de denunciar, o que não contribui
para ampliar a participação popular.
Em reforço a essas afirmações, extraídas da referida pesquisa do autor
realizada
em
2011,
notícia
recente
divulgada
no
site
do
TCEMG,
http://www.tce.mg.gov.br, em julho de 2013, informa que a categoria com maior
demanda de esclarecimento junto à Ouvidoria do TCEMG é, desde 2011, referente à
orientação de como encaminhar denúncia àquele órgão, denotando a dificuldade dos
cidadãos do Estado em apresentar denúncias junto ao controle externo estadual.
“Em 2011, foram recebidas 67 demandas, sendo 16 relacionadas a
orientações sobre o encaminhamento de denúncias; em 2012 os
números cresceram para 338 demandas, sendo 55 sobre o tema
referido; e, apenas no primeiro semestre de 2013, a Ouvidoria já
registrou 388 demandas, sendo 83 delas com o foco nas orientações
sobre denúncias”
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A ouvidoria do TCEMG é comandada por um Conselheiro e não atende a
todas as notificações ainda que os elementos matéria/fato/jurisdicionado sejam de
competência do TCEMG, limitando-se em alguns casos a indicar quais os canais
competentes.
Para clareamento da questão, citem-se as exigências extraídas da
Resolução TCEMG 12/2008, normas regimentais para a admissibilidade da denúncia,
que deverá (i) ser encaminhada por escrito ao Presidente daquele Tribunal; (ii) referir-se
à matéria de competência do Tribunal; (iii) ser redigida com clareza; (iv) conter o nome
completo e a qualificação do denunciante, (v) o documento de denúncia deverá ser
acompanhado de cópia do documento de identidade e do Cadastro de Pessoa Física e o
endereço completo do denunciante; (vi) além de conter informações sobre o fato, a
autoria, as circunstâncias deverá indicar também os elementos de convicção; e mais (vii)
apontar as provas que deseja produzir ou indício veemente da existência do fato
denunciado. No caso da denúncia apresentada por pessoa jurídica, (viii) deverá ser
instruída, ainda, com prova de sua existência e (ix) comprovação de que os signatários
têm habilitação para representá-la.
O direito de denúncia será exercido mediante requerimento dirigido ao
Presidente do Tribunal que decidirá a respeito do seu cabimento, tendo em vista o
preenchimento dos nove requisitos assinalados. O denunciante é avisado, ainda, pela
mesma norma regimental, que se sujeitará a sanção administrativa, cível ou penal em
decorrência da denúncia, se comprovada a sua má-fé. Ou seja, o texto não incentiva a
participação popular, ao contrário, aponta-lhe obstáculos.
O mesmo texto regimental citado informa que preenchendo a denúncia os
requisitos de admissibilidade o Presidente determinará a sua autuação e distribuição,
mantendo-se o caráter sigiloso até que sejam reunidas as provas que indiquem a
existência de irregularidade ou ilegalidade.
Essa parte do normativo evidencia duas
circunstâncias: (i) o filtro de triagem da denúncia e (ii) a opção pelo sigilo como regra.
Aqui cabe registrar que a triagem inicial da denúncia no TCEMG difere do
padrão do TCU – porquanto este recebe via ouvidoria qualquer matéria incidente sobre o
campo de atuação do Controle Externo – e que a adoção do sigilo como preceito não se
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harmoniza com os tempos atuais, no qual prevalece como regra a transparência e
visibilidade dos atos e decisões, sendo certo que o sigilo, como exceção que é, deverá
ocorrer somente nos termos e condições autorizados por lei.
Nesse sentido prevê a Lei 12.527/2011- Lei de Acesso à Informação - as
seguintes diretrizes para o setor público: (i) observância da publicidade como preceito
geral e do sigilo como exceção; (ii) divulgação de informações de interesse público,
independentemente de solicitações; (iii) utilização de meios de comunicação viabilizados
pela tecnologia da informação; (iv) fomento ao desenvolvimento da cultura de
transparência na administração pública; (v) desenvolvimento do controle social da
administração pública.
E mais, considera como informação sigilosa
aquela submetida
temporariamente à restrição de acesso público, em razão de sua imprescindibilidade para
a segurança da sociedade e do Estado. À exemplo, as informações referentes a projetos
de pesquisa e desenvolvimento científicos ou tecnológicos cujo sigilo seja essencial à
segurança da sociedade e do Estado.
Assim, pela Lei de Acesso à Informação as matérias de interesse público,
mais do que à vista, transparentes, deverão ser divulgadas, independente de solicitação.
xx
Divulgar significa tornar público, fazer conhecido, apregoar, difundir. É o que diz a lei .
Nessa esteira, pode-se assentar que são sinais paradigmáticos da ética
democrática em relação aos canais de comunicação abertos à sociedade, (i) a
transparência e a isonomia como regras, (ii) a facilidade no acesso, (iii) o filtro de triagem
técnico, (ii) a independência e efetiva autonomia do ouvidor em relação às questões
políticas, (iv) o pronto e eficaz atendimento da demanda e (v) a possibilidade de o
cidadão acompanhar o estágio de atendimento de seu pedido.
Além de tudo isso, registre-se a importância da possibilidade da
simplificação dos processos, favorecendo a participação popular e o controle social.
Ademais, há que se considerar a possibilidade de denúncia anônima em hipóteses nas
quais o informante precisa do anonimato para assegurar a sua segurança física, em
especial nos casos de crimes, e dentre eles os de corrupção e correlatos.
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6
CONCLUSÃO
Se a transição de um contexto sociopolítico de um modelo ditatorial para a
Democracia, inobstante a mudança das regras do jogoxxi - consubstanciadas na nova
Constituição, coluna dorsal do Estado - é por si só insuficiente para assegurar a
concretização dos aspectos democráticos no cotidiano da vida da nação, resta, então a
necessidade do aggiornamento, da atualização das Instituições Públicas, de modo a
forjá-las dentro dos aspectos democráticos.
Para assegurar a concretização da verdadeira democracia é preciso, então,
um movimento binário, de enterrar ideias mortas e garantir a implantação dos aspectos
democráticos, a fim de se concretizar a ética democrática.
A existência de nichos de privilégios e de instâncias de autoritarismo,
conforme terminologia de Schedler, distanciados dos princípios da igualdade/equidade e
do mérito, próprios do modelo democrático, tendem a prejudicar a consolidação
democrática.
Considerando a complexidade e opacidade do Poder e a histórica
resistência às mudanças que tendem a coibir os privilégios do regime autoritário
precedente, torna-se difícil focalizar as instâncias autoritárias, a fim de se proceder à
necessária atualização de valores éticos democráticos.
Neste cenário, um dos métodos capazes de facilitar a pesquisa de tais
ocorrências é o método indiciário de Ginzburg, pelo qual a partir de sinais e evidências
jogam-se luzes no campo pesquisado, constatando-se com clareza e racionalidade os
fatos, como demonstrado.
Conduzidos pelos elementos essenciais da ética democrática, é possível
distinguir as estratégias de fuga à democracia dentro do sistema, como a instalação de
ferramentais com aparente democracia – ouvidorias que não ouvem ou ouvem e não dão
resposta, canais de denúncia de difícil acesso, etc - ou mesmo a blindagem de instâncias
de autoritarismo dentro de instituições democráticas.
Destarte, o atual momento histórico sugere que as pesquisas orientem-se
pelos sinais e indícios paradigmáticos dos elementos essenciais da ética democrática
vigente, em especial os elementos atinentes à prestação de contas e transparência
pública, iluminando a névoa que recobre as ocorrências embaçadas do campo
sociopolítico pós-redemocratização, para desvendar a realidade sob as aparências. Afinal,
só restando óbvio o afrontamento à ética democrática, será possível conduzir à
necessária atualização os remanescentes autoritários.
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i
Equidade consiste na adaptação da regra existente à situação concreta, buscando ao máximo
atingir a igualdade entre desiguais, observando-se o critério de justiça.
ii
Pesquisas revelam que os Conselhos de Política Pública sofrem na prática interferência de viés
político em suas decisões, a este respeito ver Políticas públicas & desenvolvimento regional /
Carlos Alberto Máximo Pimenta, Cecília Pescatore Alves (Organizadores). – Campina
Grande:EDUEPB,2010.http://static.scielo.org/scielobooks/j8gtx/pdf/pimenta9788578791216.pdf
iii
A exemplo cite-se, no Brasil, a forma de acesso aos cargos de Ministros (TCU) ou Conselheiros
(TCEs), sempre nomeados por forças políticas desde 1890, da mesma forma como se indicavam
os Chefes das Juntas da Fazenda das Capitanias, na época do Brasil colônia.
iv
Andreas Schedler, The menu of manipulation In Journal of Democracy. Vol. 13, N.º 2, 2002, pp.
36-50
v
SCHEDLER, Andréas “Conceptualizing accountability” In. Andreas Schedler, Larry Diamond,
Marc F. Plattner (eds.) The sel-Restraining State. Power and Accountability in new democracies.
Boulder and London, Lynne Rienner Publishers.1999
vi
Controle exercido no âmbito da própria Administração, visando a detecção de eventuais falhas e
a sua recondução à normalidade.
vii
É o controle exercido pelo Poder Legislativo e Tribunais de Contas.
viii
É o controle realizado pelo cidadão, ou por grupos sociais.
ix
Art. 70, § único, CF/88
x
A mesma determinação é válida em relação aos recursos dos demais entes federados, Estados,
Distrito Federal e Municípios, conforme art.75, CF/88
xi
Acerca desta categoria o Tribunal limita-se a exame e parecer técnico, sendo que o julgamento
de tais contas é político, pelo Legislativo, conforme inciso I do art. 71 da CF/88.
xii
Nos termos do inciso II do art. 71 da CF/88 essas contas são julgadas pelo tribunal de Contas.
xiii
Melo,.Marcos André. Empowerment e governança no Brasil: questões conceituais e análise
preliminar de experiências selecionadas. Banco Mundial: Brasil, 2004.
xiv
À exemplo, ver www.observatoriosocialdobrasil.org.br
xv
Organização criada por Peter Eigen, funcionário aposentado do Banco Mundial, e nove aliados
para pesquisar a questão da corrupção no mundo. Endereço eletrônico:www.transparency.org
xvi
É uma organização independente e autônoma, fundada em abril de 2000, por um grupo de
indivíduos e organizações não-governamentais comprometidos com o combate à corrupção.
Endereço eletrônico:www.transparencia.org.br
xvii
Para Anna Maria Campos “O desenvolvimento da consciência popular é a primeira précondição para uma democracia verdadeiramente participativa e, portanto, para a accountability do
serviçopúblico. À medida que a democracia vai amadurecendo, o cidadão, individualmente, passa
do papel de consumidor de serviços públicos e objeto de decisões públicas a um papel ativo de
sujeito. A mudança do papel passivo para o de ativo guardião de seus direitos individuais constitui
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um dramático avanço pessoal, mas, para alcançar resultados, há outro pré-requisito: o sentimento
de comunidade...A cidadania organizada pode influenciar não apenas o processo de identificação
de necessidades e canalização Disponível em: de demandas, como também cobrar melhor
desempenho do serviço público. Este parece ser o caminho para a accountability”.“Accountability:
Quando poderemos traduzi-la para o português? Revista de Administração Pública Rio de Janeiro,
24(2)30-50 fev/abr.1990.
xviii
Tal afirmação cresce de importância em Estados com muitos municípios, caso de Minas Gerais
(856) e São Paulo (645). Todavia, mesmo em Estados com poucos municípios, caso de Roraima,
que possui apenas 16 municípios, a boa comunicação sociedade/controle é decisiva para o bom
resultado do sistema de controle da Administração Pública.
xix
Pesquisa completa disponível na Dissertação de Mestrado da autora, defendida em 2011, na
Fundação João Pinheiro: Dos laços de conexão do controle social com o sistema de controle da
administração pública: avanços e desafios após a constituição federal de 1988. Disponível em:
http://www.fjp.mg.gov.br/tede/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=149
xx
Lei Federal 12.527/2011, art. 3º, inciso II.
xxi
Sobre Regras do Jogo ver: Bobbio, N. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra.2000
20
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