Julgamento antecipado e parcial da lide: a possibilidade de cisão

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Julgamento antecipado e parcial da lide: a possibilidade de cisão da
sentença
Mateus Costa Pereira
no
Sumário: Introdução. Considerações Prévias. A técnica da Antecipação de Tutela
Julgamento
parcial
da
lide.
Conclusão.
Referências
Bibliográficas.
Introdução
Poucos anos de vivência do Código Buzaid revelaram a necessidade de um dispositivo
inclinado à provocação imediata da jurisdição, que não aquelas poucas hipóteses
guarnecidas com as medidas cautelares e o remédio heróico. Consigne-se que o uso
irrefletido das medidas cautelares impunha um maior rigor a ser expresso em lei.
Nos findos de 1994, a então chamada Reforma do Código de Processo Civil, primeira
grande alteração processual desde a compilação, inovou, dentre muitos institutos, com a
antecipação de tutela, que trouxe um enorme avanço na efetividade do processo.
A tutela antecipada foi idealizada para aparelhar o tormentoso procedimento ordinário no
combate à ação do tempo, vez que possibilita ao autor, muito antes do provimento final,
não raro inaudita altera parte, a satisfação total ou parcial do direito. Até então, a melhor
panacéia
já
vista
pelos
processualistas.
Tão verdadeira quanto a afirmação de sua importância é a de que a excessiva preocupação
pelo estudo e aplicação do instituto atesta o caótico estado de crise de nosso sistema na
busca
do
amplo
acesso
à
justiça.
Sem embargo das dispendiosas palavras sobre a tutela antecipada, o presente opúsculo a
aborda apenas como incidente de percurso necessário, uma vez que trata do julgamento
antecipado e parcial da lide, cuja aplicação teria por fundamento o §6º, do Art. 273, do
CPC.
Cuida-se da possibilidade de cisão da sentença, considerando que parcela do mérito, a
"parte incontroversa da demanda", está apta ao pronunciamento final. Logo, muito além da
antecipação, por restar evidente o direito, a decisão teria cunho definitivo.
Como não poderia ser diferente nossas palavras seguem o influxo do inciso LXXVIII, do
art.
5º,
da
Constituição
Federal.
Considerações
Prévias
Segundo o renomado jurista Couture, para se abstrair o sentido de uma lei é necessário
proceder à interpretação e integração do direito, vez que em se restringindo a uma parcela
deste, sem traçar suas relações, estar-se-ia desprezando o todo(1), por conseguinte,
conquanto existisse alguma atividade, não poderíamos falar em interpretação.
No escólio imortal de Maximiliano, depreender o significado normativo implica em
atividade de contextualização sistêmica, mediante a qual o intérprete não desvirtuará da
mens legislatoris, sendo-lhe possível vislumbrar o entendimento do legislador se
contemporâneo do momento, realizando caminho inverso ao que culminou com a
positivação(2).
Não descuidamos, contudo, que em algumas hipóteses pode ser necessário destoar da
intenção do legislador a fim de buscar um sentido na lei, próximo às necessidades da
sociedade consideradas holisticamente. Resgatar o interesse público primário em
detrimento
de
minorias
contempladas
na
legislação.
Necessário ter sempre em mente que por trás do complexo normativo das compilações
legais, existe um agregado de princípios que as precede e lhes dá o substrato básico(3). Um
arcabouço que futuramente será preenchido por leis, de modo que cada norma guarda em
seu
bojo
um
princípio.
Mas o direito não se resume ao positivo. Afirmamos satisfeitos: a uma, sabido que nossos
principais legisladores estão distantes do convívio populacional (não só em termos
geográficos), quando não "desatentos"; a duas, é quase imediata a desatualização das
normas ante o lapso temporal que intermedeia suas fases no moroso procedimento de sua
confecção. Numa analogia forçada, como imaginar um bolo que após ser retirado do forno
está frio. Perdeu seu calor e frescor de outrora há muito, face ao longo período que restou
ocioso. Entenda-se, no interregno de tempo que o forno se tornou apenas um
compartimento
estocando
alimento.
Digna de chancela a posição dos magistrados que não se limitando a interpretar a lei,
delimitar seu alcance e sentido atual, prolatam sentenças que constituem verdadeiras
construções e inovações no direito. Preservam o espírito do Art. 5º da Lei de Introdução ao
Código Civil - LICC: "na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige
e às exigências do bem comum", velando para que não se torne um dispositivo obsoleto.
Note-se que a legislação não apresenta soluções para todos os casos submetidos aos
tribunais. Eis que surge o problema das lacunas, isto é, a possibilidade de existirem ou não,
omissões no direito. Ensina-nos Couture que o direito não possui lacunas, e nem poderia.
Todas os casos postos à apreciação de um magistrado serão compostos em uma perpétua
busca
de
formatação
das
fontes
que
originam
o
direito.
Segundo o entendimento do saudoso jurista, o direito não convive com lacunas. O uso deste
termo impróprio teria gerado inúmeras controvérsias. Preconizando por termo mais
apropriado, aponta o fato do direito não regular todas as hipóteses de conduta,
mencionando
existirem
nele
"omissões
de
previsão
expressa"(4).
No Brasil em observância ao art. 4º da LICC, todos os casos confiados a um juiz, devem
por ele ser resolvidos(5), não podendo se furtar da sua função constitucional alegando
obscuridade ou lacunas na lei, recorrendo nesta hipótese, às demais fontes do direito. O juiz
quando atua é a corporificação do Estado. Na absurda hipótese do juiz se omitir, os mais
lúcidos vislumbrariam a omissão Estatal. Inadmissível em nosso modelo constitucional.
Com efeito, hodiernamente, os esforços despendidos devem ser cada vez maiores rumo ao
"acesso efetivo à justiça"(6). Não bastam os direitos e garantias ínsitos na lei, seja qual for
sua hierarquia. O esforço deve se pautar no sentido de buscar métodos de facilitar o acesso
e garanti-los, efetivá-los. A demanda populacional requer uma prestação jurisdicional
efetiva, com garantia de juízes imparciais, que primem pelo conceito de Justiça, e que sem
prejuízo deste e de outros valores máximos, o serviço prestado seja célere.
A questão ganhou novos contornos com o advento da Emenda Constitucional nº 45, que
introduziu o inciso LXXVIII ao rol dos direitos e garantias fundamentais, art. 5º da Carta
Magna, in verbis: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam celeridade na sua tramitação."
Embora seja um conceito deveras vago o de "razoável duração", cláusula aberta
aguardando preenchimento pelo hermeneuta constitucional, todos nós somos capazes de
apontar o que estaria além do razoável, e o que dela, exorbitaria.
No ensejo, en passant, na Itália a Lei Pinto (Legge Pinto) prevê a obrigação do Estado em
indenizar, quando descumprida a ragionevole durata(7), desde que as partes não tenham
concorrido para a excessiva duração, ou mesmo, decorrência da complexidade da matéria.
O fator tempo constitui famoso óbice a um acesso efetivo à justiça, propiciando acordos em
valores razoavelmente inferiores aos inicialmente pleiteados, violando direitos
fundamentais, desencorajando a busca da solução legítima, leia-se, judicial, desacreditando
a justiça e propiciando a busca da satisfação por meios escusos, em total arrepio da lei.
Se o Estado veda a autotutela(8), a busca pela satisfação ou proteção do direito por meios
próprios daquele que foi lesado ou está na iminência de sê-lo, tipificado como crime de
Exercício Arbitrário das Próprias Razões - Art. 345 do Código Penal(9), obriga-se a
fornecer uma contraprestação. Em nenhum momento incita os cidadãos a recorrerem à
tutela jurisdicional se as prestações não são céleres e efetivas, perdendo o objeto em alguns
casos
pelo
decurso
de
tempo.
Estruturados os pilares do raciocínio, no panorama contextual exposto, adentremos o tema.
A
técnica
da
Antecipação
de
Tutela
no
Julgamento
Parcial
da
Lide
No direito pátrio a técnica da tutela antecipatória através do julgamento antecipado de
parcela do pedido ou de um dos pedidos cumulados é sustentada por, dentre outros,
processualistas do jaez de Luiz Guilherme Marinoni, Teresa Arruda Alvim Wambier e
Leonardo
José
Carneiro
da
Cunha;
cujas
lições
merecem
análise.
O fracionamento da sentença de mérito teria alicerces legais na técnica da tutela antecipada
- §6º, do art. 273, do CPC, que fala em parcela incontroversa da demanda, permitindo-se a
entrega da prestação jurisdicional em momentos distintos, sem comprometimento da
segurança jurídica, vez que sempre que estará calcada na certeza, cognição exauriente.
Cuida-se de mecanismo com nítido escopo de afastar o dogma da morosidade, arvorando-se
na tutela antecipada, mas que, desde já, faz-se pertinente o pronunciamento, em tese,
definitivo de mérito, haja vista parcela do pedido ou um dos pedidos em cumulação estarem
suficientemente maduros para tal, admitindo-se somente nas hipóteses de cumulação
simples
e
sucessiva(10).
Em sede de cognição exauriente - plano vertical, alçado o juízo de certeza caberia ao
magistrado, analisando as afirmações expendidas e em cotejo com a prova dos autos,
antecipar parcela do provimento final. Para isso, como corolário básico, seria rompido o
princípio chiovendiano "della unità e unicità della decisione" (da unidade e unicidade da
decisão).
Um fundamento para que o princípio chiovendiano não mais encontre aplicação, sem atacar
sua feição clássica, repousa em outro princípio formulado pelo mestre italiano, segundo o
qual o processo não pode prejudicar o autor que tem razão (11), e ainda, preleciona
Marinoni, com o da tutela tempestiva, que antes ainda da EC 45, estaria açambarcado no
inc.
XXXV,
do
Art.
5º
da
Carta
Magna(12).
Pelo ensejo, a nosso sentir o princípio em tela foi bastante mitigado pelo nova sistemática
infundida no Código pela Lei 11.232/05. Celebre-se a proposta legislativa confeccionada
pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual - IBDP, trazendo substanciais alterações ao
sistema processual pátrio, dentre outras, redesenhando a realização do direito após seu
reconhecimento
no
exaustivo
processo
cognitivo.
O referido diploma reformulou a orientação de sentença definitiva do estatuto de direito de
processual civil que adotava o critério de julgamento da celeuma conjugado à aptidão do
ato judicial de extinguir o processo(13), bastando a interpretação literal do §1º, do art. 162,
remissiva
ao
269,
do
CPC(14).
O novo §1º do art. 162, fazendo alusão ao conceito de sentenças como qualquer dos atos
arrolados nos incisos espalhados pelos arts. 267 ou 269 afasta a preponderância do critério
da finalidade resultando na extinção, agora priorizando seu conteúdo(15).
O julgamento seria realizado somente após a fixação do contraditório que, há muito já
acenava Carnelutti, indispensável ao desvelar da verdade(16), habilitando o julgador à
resolução
da
celeuma.
Superada a visão clássica do processo, nas lições de José Cretella Neto, não deve ser a outra
a orientação desta relação de direito público, que não a da busca pela verdade real, no misto
e temperamento dos princípios inquisitivo e dispositivo(17). Conquanto a redundância
guardada pelo termo, verdade no sentido de retratar os fatos como sucederam. Admitindose
outro
caminho,
verdade
formal,
apenas
acidentalmente.
Calha notar que, acaso os fatos não sejam desnudados, a busca pelo direito aplicável à
espécie partirá de falsos alicerces, por dedução lógica, prejudicando a subsunção normativa,
o
exercício
da
Jurisdição.
Razão pela qual, sem afirmações peremptórias, dificilmente poderíamos admitir o
pronunciamento de mérito inaudita altera parte, isto é, com supedâneo em cognição
sumária, que se escora nas provas apresentadas até aquele momento, trabalhando com a
probabilidade de existência do direito que, não alcançando o patamar da certeza, requer
dilação probatória. Insuficiente, destaque-se, à segurança jurídica que se espera e goza uma
sentença
(Art.
468
do
CPC).
Nosso Estatuto Processual Civil consagra o princípio do ônus da prova descrito no Art.
333, pelo qual o autor deve provar o fato constitutivo de seu direito (Art. 333, I), cabendo
ao réu, apresentar a contraprova, isto é, fato impeditivo, modificativo ou extintivo de direito
(Art. 333, II), a chamada exceção substancial de mérito indireta(18).
Ainda no concernente a princípios, pelo da concentração e do ônus da impugnação
específica, recepcionados pelos Arts. 300 e 302 (caput) do CPC, respectivamente, toda
matéria de defesa deve estar contida na contestação, devendo o réu rechaçar
minuciosamente
a
narrativa
do
autor.
Com efeito, os causídicos seguem com extremo rigor tais princípios, chegando alguns a
apresentarem defesas contraditórias consideradas per se. Sob a égide do princípio da
eventualidade, inicialmente o réu impugna diretamente o mérito alegando que determinado
fato não existiu ou ocorreu de maneira diversa da discorrida na prefacial, em seguida,
fazendo alusão à eventualidade do magistrado não acatar a primeira tese(19), apresenta uma
segunda tese, antagônica a primeira, desta feita, fundada em fato impeditivo, modificativo
ou
extintivo
do
direito
do
autor.
Elucidando a explanação supra, exemplificamos: numa ação que lhe é movida de
indenização por perdas e danos face ao inadimplemento de um contrato, o réu, inicialmente
aduz a inexistência do pacto, afirmando posteriormente, ainda na peça contestatória, que o
contrato foi efetivamente cumprido (imaginemos a compra a venda), com a devida entrega
do bem, tradição, que se perdeu quando em posse do comprador.
Ora, quando a defesa apresenta contradições em seu corpo, há fortes indícios da má-fé do
réu (Art. 17, II do CPC) e, refutando diretamente o mérito, em seguida, indiretamente, nas
hipóteses de fato extintivo e modificativo, por dedução lógica, o réu assume o fato
constitutivo
do
direito
do
autor.
Afastemos de plano a revelia, ausência de contestação, quando admitidos seus efeitos (Arts.
320 e 302 do CPC), vez que a mera ausência de contestação induz somente a uma
presunção iuris tantum, podendo ocorrer por inúmeras hipóteses que não a simples
negativa, fruto de uma manifestação espontânea e esclarecida de não comparecimento em
juízo
para
apresentação
de
defesa.
Quando presente a contestação, cogitando a possibilidade de um julgamento de parte do
pedido ou de pedidos fracionado, atentamos para os casos de contestação genérica,
reconhecimento jurídico do pedido, e noutras situações em que os fatos sejam tidos por
incontroversos. Saliente-se que o reconhecimento jurídico do pedido, em muito superando
o reconhecimento fático(20), entendido como verdadeira submissão ao pleito autoral, é
impeditivo
do
direito
de
recorrer
no
caso
de
acolhimento.
Por força do já mencionado princípio da impugnação específica, uma contestação genérica
não deve ser considerada defesa de mérito propriamente dita, apesar da simples juntada
tempestiva obstar a revelia, afastemos o olhar ingênuo, e sim um subterfúgio do réu que
não tem razão em procrastinar a marcha processual arquitetando possíveis meios de fraudar
o juízo no futuro, ressalvada a questão do art. 302, III, do CPC, quando em contradição
com a defesa considerada em seu conjunto. Novamente atentamos para os deveres das
partes enumerados no Art. 14 do Código de Processo Civil. A posição não é radical,
pressupondo
a
análise
do
caso
concreto.
Situação mais favorável ao posicionamento adotado é a do reconhecimento jurídico do
pedido ou de um dos pedidos em cumulação, v.g., quando perseguido um ressarcimento de
determinada monta (R$ 2.000,00) e o réu impugna apenas parcela (R$ 1.200,00); numa
ação de indenização por danos morais e materiais só é contestado o pedido de danos
morais; ou ainda numa obrigação de fazer, imagine a construção de uma casa, onde os
executores da obra estancam seu andamento, alegando não terem convencionado a
construção de uma piscina que o requerente teria exigido, condicionando o pagamento do
preço global sem os acréscimos de valor necessários a esse novo serviço. Os exemplos
multiplicam-se...
Nestas situações o pedido do autor, fracionado ou um deles, encontra-se maduro a uma
resolução definitiva de mérito. Não só os fatos já não são discutíveis, incontroversos, como
o réu reconhece tacitamente a procedência do direito em que está fulcrado o pedido do
autor(21). O direito está evidenciado, podendo agora, afirmarmos com veemência ser
injusto submeter o autor à espera do provimento final, caso outros pedidos por ele
formulados, e refutados pelo réu, necessitem de instrução probatória.
Quando os fatos são tidos por incontroversos dispensa-se a produção de prova - Art. 334,
III do CPC, o que não implica em dizer que o pedido do autor será acolhido. Imprescindível
o cotejo das alegações e as conseqüências jurídicas que o autor defendeu na inicial.
Todavia, o mesmo não se conclui do reconhecimento, haja vista neste, o direito ser tido por
certo.
Conquanto Marinoni defenda a estabilização da tutela (22), Leonardo Cunha vai além,
entendendo que haverá a formação da coisa julgada material, não havendo subordinação ao
§ 4º, do Art. 273, vez que a cognição não encontra limitações no plano vertical(23). Com
ela o juiz já possui elementos suficientes a formarem sua convicção, podendo e devendo
desde
já
declarar
o
direito.
É de suma importância a distribuição do ônus do tempo entre as partes. Se o autor faz prova
cabal de seu direito e o réu, quando da apresentação da defesa, não produz a contraprova à
altura, pugnando pela dilação probatória a fim de serem produzidos outros tipos de prova,
tais como perícia e testemunhal, seria injusto, porquanto não equânime, impor o ônus da
espera ao provimento jurisdicional de mérito ao autor, o que o processualista paranaense é
enfático
ao
sustentar(24).
Em complemento as justificativas já expendidas, que não a distribuição igualitária do ônus
do tempo no processo entre as partes e a injustiça em impelir ao autor a demora na
prestação jurisdicional de um direito não mais controvertido, destaca-se uma terceira: a
necessidade
de
evitar
o
abuso
de
defesa.
Preleciona Marinoni: "a tutela antecipatória do art. 273, § 6º, evita que o réu seja tentado a
abusar de seu direito de defesa apenas para protelar a tutela da integralidade do direito
postulado"(25). Vendo-se em situação desfavorável o réu se sente inibido a praticar
condutas temerárias, recursos infundados... Salvo quando provar que a intenção do autor
em
alterar
o
status
quo
não
deve
proceder.
A prática esclarece os iniciantes que mesmo nas causas em que se figura na posição de
autor da demanda, os interesses da parte podem não dizer respeito a uma sentença
favorável. De plano, alguns litigantes sabem não deter a ratio, ingressando em juízo apenas
para ganhar tempo ou situação favorável. E mesmo o réu que não tenha razão, não se vê
compelido a adotar uma conduta ética e cumprir pontualmente a obrigação, enxergando na
morosidade
da
justiça
uma
eterna
companheira.
Por fim, acreditamos que todos os instrumentos devem ser conjugados para garantir à parte
interessada os "meios que garantam a celeridade" na tramitação do processo, tal como
propugna o inciso LXXVIII, do art. 5º, da CF. O julgamento antecipado também caminha
neste sentido, não tendo utilização corriqueira nos tribunais ante a hesitação em concebê-lo
livre das amarras da medida de urgência em que foi introduzido no código.
Conclusão
As leis são compartimentos estanques. Nascem de fatos passados para regular fatos
póstumos,
não
acompanhando
a
dinâmica
das
relações
sociais.
Nesta esteira, sobressai a importância dos princípios que, dado o alto grau de abstração,
dificilmente se desatualizam, não raro, porém, ganhando novas dimensões sociais e status
dentro
do
ordenamento
jurídico.
Em muitos casos podem não ser necessárias significativas alterações legislativas, de modo
a permitir avanços na pacificação dos conflitos com a devida aplicação do direito, e
conseqüente,
distribuição
de
Justiça.
Aguardar reformas, quedando-se na inércia seria bastante cômodo para muitos. As reformas
surgem, admitamos. Mas com passos tímidos, vacilantes. De maneira que se consolida um
ciclo onde os anseios e necessidades da população, e os que sobrevirão, estarão sempre
muitos
horizontes
além
das
leis
e
projetos.
Outrossim, ainda que as normas se tornem institutos obsoletos, já não atendendo às
situações para as quais foram elaboradas, na omissão do legislador, ampla deve ser a
contribuição dos juízes e tribunais quando de sua interpretação e aplicação, sem receios de
inovações
no
campo
jurídico.
Mas a esperança não falece, sabido: "A nova lei vem de cima; as boas jurisprudências
fazem-se embaixo" (26). Que os aplicadores do direito tenham sempre sensibilidade e
flexibilidade para conosco, cidadãos que não admitem sejam seus direitos calcados aos pés
sem
resistência,
e
inconformados,
buscamos
sua
reparação.
Notas:
(1) "Ninguém, certamente, considera que interpretar a lei seja interpretar a passagem de um
artigo ou de um inciso, colocando-o ao microscópio e examinando suas partículas,
absolutamente desinteressado de todo o organismo vivo, do qual faz parte esse fragmento.
Isso não é interpretar, é apenas ler um texto. (...) Mas se o trabalho não vai além disso, se se
limita a examinar o fragmento que se encontra ao microscópio, não haverá interpretação."
COUTURE, Eduardo J. Interpretação das Leis Processuais. 4. ed. Tradução: Dra. Gilda
Maciel Corrêa Meyer Russomano. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 28.
(2) MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18. ed. Rio de Janeiro:
Forense,
2000.
(3) idem. ibidem. p. 295 : "Todo conjunto harmônico de regras positivas é apenas o resumo,
a síntese, o substratum de um complexo de altos ditames, o índice materializado de um
sistema orgânico, a concretização de uma doutrina, série de postulados que enfeixam
princípios superiores. Constituem estes as diretivas idéias do hermeuta, os pressupostos
científicos
da
ordem
jurídica."
(4) COUTURE, Eduardo J. Interpretação das Leis Processuais. 4. ed. Tradução: Dra. Gilda
Maciel Corrêa Meyer Russomano. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 33.
(5) Não necessariamente resolvido no sentido da controvérsia ser dirimida. Haverá, no
entanto, em todos os casos, prolação de sentença, tocando ou não, o mérito da causa.
(6) CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie
Northfleet.
Porto
Alegre:
Fabris,
1988.
p.
15.
(7) HOFFMAN, Paulo. Razoável Duração do Processo. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p.
71-72.
(8) Diferente da autodefesa, v.g. , desforço imediato (art. 1.210 do CC); legítima defesa
(Art. 25 do CP) etc. Somente admitida nos casos expressos na lei.
(9) Art. 345 do Código Penal: "Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão,
embora
legítima,
salvo
quando
a
lei
o
permite."
(10) "... o pedido pode ser decomposto, porquanto o juiz, diante dos elementos carreados
aos autos, rejeita a pretensão do autor ou concede-lhe toda a quantidade postulada ou,
ainda, defere-lhe apenas parte dela. Assim, pleiteado o recebimento de dez unidades,
poderão ser concedidas as dez ou parte delas, como, por exemplo, três, cinco ou sete."
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O §6º do Artigo 273 do CPC: Tutela antecipada
parcial ou julgamento antecipado parcial da lide? Disponível em: . Acesso em: 08 ago.
2006.
(11) MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Antecipatória e Julgamento Antecipado: Parte
Incontroversa da Demanda. 5. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais,
2002.
p.
138.
(12) MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do Processo Civil. 4. ed. rev. ampl. São
Paulo:
Malheiros,
2000.
p.
47-48.
(13) DIAS, Jean Carlos. A Reforma do CPC e o Fim da Teoria da Unidade da Sentença Lei 11.232/05. Revista Dialética de Direito Processual, n. 40, jul. 2006. p. 79-84.
(14) "Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e
269
desta
Lei."
(15) "De outra parte, prestigiosa doutrina preferiu referir-se a "sentença" não pela sua
finalidade... mas, bem diferentemente, levando em conta o seu conteúdo. Daí falar-se em
sentença como o ato do juiz que tem por conteúdo uma das várias hipóteses descritas nos
arts. 267 e 269. Mais importante que encerrar o "processo" (até por que a sentença não o
encerra, e quanto a isso parecem todos estar de acordo), é caracterizar a sentença como o
ato do juiz que tem por conteúdo uma das situações constantes daqueles dois dispositivos
legais." BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo
Civil. V. 2. Comentários sistemáticos às Leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-2006,
e
11.280,
de
16-2-2006.
São
Paulo:
Saraiva,
2006.
p.
13.
(16) CARNELUTTI, Francesco. Como se faz um processo. Tradução: Hiltomar Martins de
Oliveira. Belo Horizonte: Líder Cultura Jurídica, 2004. p. 67. "Mas, se a colaboração de
uma parte é parcial ou, em outras palavras, tendenciosa, este defeito se corrige com a
colaboração da parte contrária, posto que esta tem interesse em descobrir a outra parte da
verdade; portanto, o que torna possível e útil dita colaboração é o contraditório."
(17) CRETELLA NETTO, José. Fundamentos Principiológicos do Processo Civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2006. p. 338 "Advoga a melhor doutrina que se busque, não apenas no
processo penal, mas também no processo civil, conformidade ao princípio da verdade real,
que é aquele pelo qual o juiz deve investigar e apreciar toda e qualquer prova, bem como
avaliar o conjunto do material probatório, de forma a que os fatos e as circunstâncias
determinantes para permitir-lhe o convencimento, deles exsurjam com a máxima
correspondência
em
relação
ao
efetivamente
ocorrido."
(18)
Termo
empregado
em
sentido
lato;
sinônimo
de
defesa.
(19) Expressões utilizadas: ad cautelam, "pelo amor ao debate" - ad argumentandum
tantum.
(20) idem. Manual do Processo de Conhecimento. 4. ed. rev. ampl. atual. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005. p. 132. "Ao revés, no reconhecimento da procedência do
pedido, não se limita o réu a tomar por verdadeiro os fatos deduzidos pelo autor; vai além,
reconhecendo que o pedido formulado pelo autor é legítimo e tem cabimento. Toma-se,
assim, por verídicos não apenas os fatos, mas ainda o direito que incide sobre eles."
(21) "Se o caput do art. 273 do Código de Processo Civil autoriza a concessão de tutela
antecipada com base em cognição sumária, ou seja, diante da probabilidade da existência
do direito do autor, com muito mais razão deve se admitir esta tutela célere e eficiente para
os casos em que o próprio réu já reconheceu a pretensão do autor (cognição exauriente). A
demora no processo é algo, por si só, injusta e problemática. Mas é considerara um ônus
com o qual as partes têm de conviver sempre que houver a controvérsia. Desaparecendo
essa controvérsia, como ocorre diante da não contestação e do reconhecimento jurídico do
pedido, a demora processual assume outra condição. Passa a ser inadmissível e odiosa.
Insustentável cientificamente". DORIA, Rogéria Dotti. A tutela antecipada em relação à
parte incontroversa da demanda. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais,
2003.
p.
112.
(22) MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 8. ed. ver. ampl. São Paulo:
Malheiros,
2002.
p.
350-351.
(23) "Sendo a cognição exauriente, não há como se aplicar o disposto no §4º do art. 273 do
CPC, não sendo possível ao juiz, a qualquer momento, revogar ou modificar sua decisão. É
que, diante da incontrovérsia e da decisão nela fundada, não sobeja mais cognição a ser
feita em torno dos fatos ou de suas conseqüências jurídicas." CUNHA, Leonardo José
Carneiro da. O §6º do Artigo 273 do CPC: Tutela antecipada parcial ou julgamento
antecipado parcial da lide? Disponível em: . Acesso em: 08 ago. 2006.
(24) MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Antecipatória e Julgamento Antecipado: Parte
Incontroversa da Demanda. 5. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
passim.
(25)
idem.
ibidem.
p.
158.
(26) CRUET, Jean. A Vida no Direito e a Inutilidade das Leis. 1908. p. 77. apud
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2000. p. 180.
Disponível em < http://www.infojus.com.br/webnews/noticia.php?id_noticia=2581& >
Acesso dia 30/05/07.
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