® BuscaLegis.ccj.ufsc.Br Julgamento antecipado e parcial da lide: a possibilidade de cisão da sentença Mateus Costa Pereira no Sumário: Introdução. Considerações Prévias. A técnica da Antecipação de Tutela Julgamento parcial da lide. Conclusão. Referências Bibliográficas. Introdução Poucos anos de vivência do Código Buzaid revelaram a necessidade de um dispositivo inclinado à provocação imediata da jurisdição, que não aquelas poucas hipóteses guarnecidas com as medidas cautelares e o remédio heróico. Consigne-se que o uso irrefletido das medidas cautelares impunha um maior rigor a ser expresso em lei. Nos findos de 1994, a então chamada Reforma do Código de Processo Civil, primeira grande alteração processual desde a compilação, inovou, dentre muitos institutos, com a antecipação de tutela, que trouxe um enorme avanço na efetividade do processo. A tutela antecipada foi idealizada para aparelhar o tormentoso procedimento ordinário no combate à ação do tempo, vez que possibilita ao autor, muito antes do provimento final, não raro inaudita altera parte, a satisfação total ou parcial do direito. Até então, a melhor panacéia já vista pelos processualistas. Tão verdadeira quanto a afirmação de sua importância é a de que a excessiva preocupação pelo estudo e aplicação do instituto atesta o caótico estado de crise de nosso sistema na busca do amplo acesso à justiça. Sem embargo das dispendiosas palavras sobre a tutela antecipada, o presente opúsculo a aborda apenas como incidente de percurso necessário, uma vez que trata do julgamento antecipado e parcial da lide, cuja aplicação teria por fundamento o §6º, do Art. 273, do CPC. Cuida-se da possibilidade de cisão da sentença, considerando que parcela do mérito, a "parte incontroversa da demanda", está apta ao pronunciamento final. Logo, muito além da antecipação, por restar evidente o direito, a decisão teria cunho definitivo. Como não poderia ser diferente nossas palavras seguem o influxo do inciso LXXVIII, do art. 5º, da Constituição Federal. Considerações Prévias Segundo o renomado jurista Couture, para se abstrair o sentido de uma lei é necessário proceder à interpretação e integração do direito, vez que em se restringindo a uma parcela deste, sem traçar suas relações, estar-se-ia desprezando o todo(1), por conseguinte, conquanto existisse alguma atividade, não poderíamos falar em interpretação. No escólio imortal de Maximiliano, depreender o significado normativo implica em atividade de contextualização sistêmica, mediante a qual o intérprete não desvirtuará da mens legislatoris, sendo-lhe possível vislumbrar o entendimento do legislador se contemporâneo do momento, realizando caminho inverso ao que culminou com a positivação(2). Não descuidamos, contudo, que em algumas hipóteses pode ser necessário destoar da intenção do legislador a fim de buscar um sentido na lei, próximo às necessidades da sociedade consideradas holisticamente. Resgatar o interesse público primário em detrimento de minorias contempladas na legislação. Necessário ter sempre em mente que por trás do complexo normativo das compilações legais, existe um agregado de princípios que as precede e lhes dá o substrato básico(3). Um arcabouço que futuramente será preenchido por leis, de modo que cada norma guarda em seu bojo um princípio. Mas o direito não se resume ao positivo. Afirmamos satisfeitos: a uma, sabido que nossos principais legisladores estão distantes do convívio populacional (não só em termos geográficos), quando não "desatentos"; a duas, é quase imediata a desatualização das normas ante o lapso temporal que intermedeia suas fases no moroso procedimento de sua confecção. Numa analogia forçada, como imaginar um bolo que após ser retirado do forno está frio. Perdeu seu calor e frescor de outrora há muito, face ao longo período que restou ocioso. Entenda-se, no interregno de tempo que o forno se tornou apenas um compartimento estocando alimento. Digna de chancela a posição dos magistrados que não se limitando a interpretar a lei, delimitar seu alcance e sentido atual, prolatam sentenças que constituem verdadeiras construções e inovações no direito. Preservam o espírito do Art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil - LICC: "na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum", velando para que não se torne um dispositivo obsoleto. Note-se que a legislação não apresenta soluções para todos os casos submetidos aos tribunais. Eis que surge o problema das lacunas, isto é, a possibilidade de existirem ou não, omissões no direito. Ensina-nos Couture que o direito não possui lacunas, e nem poderia. Todas os casos postos à apreciação de um magistrado serão compostos em uma perpétua busca de formatação das fontes que originam o direito. Segundo o entendimento do saudoso jurista, o direito não convive com lacunas. O uso deste termo impróprio teria gerado inúmeras controvérsias. Preconizando por termo mais apropriado, aponta o fato do direito não regular todas as hipóteses de conduta, mencionando existirem nele "omissões de previsão expressa"(4). No Brasil em observância ao art. 4º da LICC, todos os casos confiados a um juiz, devem por ele ser resolvidos(5), não podendo se furtar da sua função constitucional alegando obscuridade ou lacunas na lei, recorrendo nesta hipótese, às demais fontes do direito. O juiz quando atua é a corporificação do Estado. Na absurda hipótese do juiz se omitir, os mais lúcidos vislumbrariam a omissão Estatal. Inadmissível em nosso modelo constitucional. Com efeito, hodiernamente, os esforços despendidos devem ser cada vez maiores rumo ao "acesso efetivo à justiça"(6). Não bastam os direitos e garantias ínsitos na lei, seja qual for sua hierarquia. O esforço deve se pautar no sentido de buscar métodos de facilitar o acesso e garanti-los, efetivá-los. A demanda populacional requer uma prestação jurisdicional efetiva, com garantia de juízes imparciais, que primem pelo conceito de Justiça, e que sem prejuízo deste e de outros valores máximos, o serviço prestado seja célere. A questão ganhou novos contornos com o advento da Emenda Constitucional nº 45, que introduziu o inciso LXXVIII ao rol dos direitos e garantias fundamentais, art. 5º da Carta Magna, in verbis: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam celeridade na sua tramitação." Embora seja um conceito deveras vago o de "razoável duração", cláusula aberta aguardando preenchimento pelo hermeneuta constitucional, todos nós somos capazes de apontar o que estaria além do razoável, e o que dela, exorbitaria. No ensejo, en passant, na Itália a Lei Pinto (Legge Pinto) prevê a obrigação do Estado em indenizar, quando descumprida a ragionevole durata(7), desde que as partes não tenham concorrido para a excessiva duração, ou mesmo, decorrência da complexidade da matéria. O fator tempo constitui famoso óbice a um acesso efetivo à justiça, propiciando acordos em valores razoavelmente inferiores aos inicialmente pleiteados, violando direitos fundamentais, desencorajando a busca da solução legítima, leia-se, judicial, desacreditando a justiça e propiciando a busca da satisfação por meios escusos, em total arrepio da lei. Se o Estado veda a autotutela(8), a busca pela satisfação ou proteção do direito por meios próprios daquele que foi lesado ou está na iminência de sê-lo, tipificado como crime de Exercício Arbitrário das Próprias Razões - Art. 345 do Código Penal(9), obriga-se a fornecer uma contraprestação. Em nenhum momento incita os cidadãos a recorrerem à tutela jurisdicional se as prestações não são céleres e efetivas, perdendo o objeto em alguns casos pelo decurso de tempo. Estruturados os pilares do raciocínio, no panorama contextual exposto, adentremos o tema. A técnica da Antecipação de Tutela no Julgamento Parcial da Lide No direito pátrio a técnica da tutela antecipatória através do julgamento antecipado de parcela do pedido ou de um dos pedidos cumulados é sustentada por, dentre outros, processualistas do jaez de Luiz Guilherme Marinoni, Teresa Arruda Alvim Wambier e Leonardo José Carneiro da Cunha; cujas lições merecem análise. O fracionamento da sentença de mérito teria alicerces legais na técnica da tutela antecipada - §6º, do art. 273, do CPC, que fala em parcela incontroversa da demanda, permitindo-se a entrega da prestação jurisdicional em momentos distintos, sem comprometimento da segurança jurídica, vez que sempre que estará calcada na certeza, cognição exauriente. Cuida-se de mecanismo com nítido escopo de afastar o dogma da morosidade, arvorando-se na tutela antecipada, mas que, desde já, faz-se pertinente o pronunciamento, em tese, definitivo de mérito, haja vista parcela do pedido ou um dos pedidos em cumulação estarem suficientemente maduros para tal, admitindo-se somente nas hipóteses de cumulação simples e sucessiva(10). Em sede de cognição exauriente - plano vertical, alçado o juízo de certeza caberia ao magistrado, analisando as afirmações expendidas e em cotejo com a prova dos autos, antecipar parcela do provimento final. Para isso, como corolário básico, seria rompido o princípio chiovendiano "della unità e unicità della decisione" (da unidade e unicidade da decisão). Um fundamento para que o princípio chiovendiano não mais encontre aplicação, sem atacar sua feição clássica, repousa em outro princípio formulado pelo mestre italiano, segundo o qual o processo não pode prejudicar o autor que tem razão (11), e ainda, preleciona Marinoni, com o da tutela tempestiva, que antes ainda da EC 45, estaria açambarcado no inc. XXXV, do Art. 5º da Carta Magna(12). Pelo ensejo, a nosso sentir o princípio em tela foi bastante mitigado pelo nova sistemática infundida no Código pela Lei 11.232/05. Celebre-se a proposta legislativa confeccionada pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual - IBDP, trazendo substanciais alterações ao sistema processual pátrio, dentre outras, redesenhando a realização do direito após seu reconhecimento no exaustivo processo cognitivo. O referido diploma reformulou a orientação de sentença definitiva do estatuto de direito de processual civil que adotava o critério de julgamento da celeuma conjugado à aptidão do ato judicial de extinguir o processo(13), bastando a interpretação literal do §1º, do art. 162, remissiva ao 269, do CPC(14). O novo §1º do art. 162, fazendo alusão ao conceito de sentenças como qualquer dos atos arrolados nos incisos espalhados pelos arts. 267 ou 269 afasta a preponderância do critério da finalidade resultando na extinção, agora priorizando seu conteúdo(15). O julgamento seria realizado somente após a fixação do contraditório que, há muito já acenava Carnelutti, indispensável ao desvelar da verdade(16), habilitando o julgador à resolução da celeuma. Superada a visão clássica do processo, nas lições de José Cretella Neto, não deve ser a outra a orientação desta relação de direito público, que não a da busca pela verdade real, no misto e temperamento dos princípios inquisitivo e dispositivo(17). Conquanto a redundância guardada pelo termo, verdade no sentido de retratar os fatos como sucederam. Admitindose outro caminho, verdade formal, apenas acidentalmente. Calha notar que, acaso os fatos não sejam desnudados, a busca pelo direito aplicável à espécie partirá de falsos alicerces, por dedução lógica, prejudicando a subsunção normativa, o exercício da Jurisdição. Razão pela qual, sem afirmações peremptórias, dificilmente poderíamos admitir o pronunciamento de mérito inaudita altera parte, isto é, com supedâneo em cognição sumária, que se escora nas provas apresentadas até aquele momento, trabalhando com a probabilidade de existência do direito que, não alcançando o patamar da certeza, requer dilação probatória. Insuficiente, destaque-se, à segurança jurídica que se espera e goza uma sentença (Art. 468 do CPC). Nosso Estatuto Processual Civil consagra o princípio do ônus da prova descrito no Art. 333, pelo qual o autor deve provar o fato constitutivo de seu direito (Art. 333, I), cabendo ao réu, apresentar a contraprova, isto é, fato impeditivo, modificativo ou extintivo de direito (Art. 333, II), a chamada exceção substancial de mérito indireta(18). Ainda no concernente a princípios, pelo da concentração e do ônus da impugnação específica, recepcionados pelos Arts. 300 e 302 (caput) do CPC, respectivamente, toda matéria de defesa deve estar contida na contestação, devendo o réu rechaçar minuciosamente a narrativa do autor. Com efeito, os causídicos seguem com extremo rigor tais princípios, chegando alguns a apresentarem defesas contraditórias consideradas per se. Sob a égide do princípio da eventualidade, inicialmente o réu impugna diretamente o mérito alegando que determinado fato não existiu ou ocorreu de maneira diversa da discorrida na prefacial, em seguida, fazendo alusão à eventualidade do magistrado não acatar a primeira tese(19), apresenta uma segunda tese, antagônica a primeira, desta feita, fundada em fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Elucidando a explanação supra, exemplificamos: numa ação que lhe é movida de indenização por perdas e danos face ao inadimplemento de um contrato, o réu, inicialmente aduz a inexistência do pacto, afirmando posteriormente, ainda na peça contestatória, que o contrato foi efetivamente cumprido (imaginemos a compra a venda), com a devida entrega do bem, tradição, que se perdeu quando em posse do comprador. Ora, quando a defesa apresenta contradições em seu corpo, há fortes indícios da má-fé do réu (Art. 17, II do CPC) e, refutando diretamente o mérito, em seguida, indiretamente, nas hipóteses de fato extintivo e modificativo, por dedução lógica, o réu assume o fato constitutivo do direito do autor. Afastemos de plano a revelia, ausência de contestação, quando admitidos seus efeitos (Arts. 320 e 302 do CPC), vez que a mera ausência de contestação induz somente a uma presunção iuris tantum, podendo ocorrer por inúmeras hipóteses que não a simples negativa, fruto de uma manifestação espontânea e esclarecida de não comparecimento em juízo para apresentação de defesa. Quando presente a contestação, cogitando a possibilidade de um julgamento de parte do pedido ou de pedidos fracionado, atentamos para os casos de contestação genérica, reconhecimento jurídico do pedido, e noutras situações em que os fatos sejam tidos por incontroversos. Saliente-se que o reconhecimento jurídico do pedido, em muito superando o reconhecimento fático(20), entendido como verdadeira submissão ao pleito autoral, é impeditivo do direito de recorrer no caso de acolhimento. Por força do já mencionado princípio da impugnação específica, uma contestação genérica não deve ser considerada defesa de mérito propriamente dita, apesar da simples juntada tempestiva obstar a revelia, afastemos o olhar ingênuo, e sim um subterfúgio do réu que não tem razão em procrastinar a marcha processual arquitetando possíveis meios de fraudar o juízo no futuro, ressalvada a questão do art. 302, III, do CPC, quando em contradição com a defesa considerada em seu conjunto. Novamente atentamos para os deveres das partes enumerados no Art. 14 do Código de Processo Civil. A posição não é radical, pressupondo a análise do caso concreto. Situação mais favorável ao posicionamento adotado é a do reconhecimento jurídico do pedido ou de um dos pedidos em cumulação, v.g., quando perseguido um ressarcimento de determinada monta (R$ 2.000,00) e o réu impugna apenas parcela (R$ 1.200,00); numa ação de indenização por danos morais e materiais só é contestado o pedido de danos morais; ou ainda numa obrigação de fazer, imagine a construção de uma casa, onde os executores da obra estancam seu andamento, alegando não terem convencionado a construção de uma piscina que o requerente teria exigido, condicionando o pagamento do preço global sem os acréscimos de valor necessários a esse novo serviço. Os exemplos multiplicam-se... Nestas situações o pedido do autor, fracionado ou um deles, encontra-se maduro a uma resolução definitiva de mérito. Não só os fatos já não são discutíveis, incontroversos, como o réu reconhece tacitamente a procedência do direito em que está fulcrado o pedido do autor(21). O direito está evidenciado, podendo agora, afirmarmos com veemência ser injusto submeter o autor à espera do provimento final, caso outros pedidos por ele formulados, e refutados pelo réu, necessitem de instrução probatória. Quando os fatos são tidos por incontroversos dispensa-se a produção de prova - Art. 334, III do CPC, o que não implica em dizer que o pedido do autor será acolhido. Imprescindível o cotejo das alegações e as conseqüências jurídicas que o autor defendeu na inicial. Todavia, o mesmo não se conclui do reconhecimento, haja vista neste, o direito ser tido por certo. Conquanto Marinoni defenda a estabilização da tutela (22), Leonardo Cunha vai além, entendendo que haverá a formação da coisa julgada material, não havendo subordinação ao § 4º, do Art. 273, vez que a cognição não encontra limitações no plano vertical(23). Com ela o juiz já possui elementos suficientes a formarem sua convicção, podendo e devendo desde já declarar o direito. É de suma importância a distribuição do ônus do tempo entre as partes. Se o autor faz prova cabal de seu direito e o réu, quando da apresentação da defesa, não produz a contraprova à altura, pugnando pela dilação probatória a fim de serem produzidos outros tipos de prova, tais como perícia e testemunhal, seria injusto, porquanto não equânime, impor o ônus da espera ao provimento jurisdicional de mérito ao autor, o que o processualista paranaense é enfático ao sustentar(24). Em complemento as justificativas já expendidas, que não a distribuição igualitária do ônus do tempo no processo entre as partes e a injustiça em impelir ao autor a demora na prestação jurisdicional de um direito não mais controvertido, destaca-se uma terceira: a necessidade de evitar o abuso de defesa. Preleciona Marinoni: "a tutela antecipatória do art. 273, § 6º, evita que o réu seja tentado a abusar de seu direito de defesa apenas para protelar a tutela da integralidade do direito postulado"(25). Vendo-se em situação desfavorável o réu se sente inibido a praticar condutas temerárias, recursos infundados... Salvo quando provar que a intenção do autor em alterar o status quo não deve proceder. A prática esclarece os iniciantes que mesmo nas causas em que se figura na posição de autor da demanda, os interesses da parte podem não dizer respeito a uma sentença favorável. De plano, alguns litigantes sabem não deter a ratio, ingressando em juízo apenas para ganhar tempo ou situação favorável. E mesmo o réu que não tenha razão, não se vê compelido a adotar uma conduta ética e cumprir pontualmente a obrigação, enxergando na morosidade da justiça uma eterna companheira. Por fim, acreditamos que todos os instrumentos devem ser conjugados para garantir à parte interessada os "meios que garantam a celeridade" na tramitação do processo, tal como propugna o inciso LXXVIII, do art. 5º, da CF. O julgamento antecipado também caminha neste sentido, não tendo utilização corriqueira nos tribunais ante a hesitação em concebê-lo livre das amarras da medida de urgência em que foi introduzido no código. Conclusão As leis são compartimentos estanques. Nascem de fatos passados para regular fatos póstumos, não acompanhando a dinâmica das relações sociais. Nesta esteira, sobressai a importância dos princípios que, dado o alto grau de abstração, dificilmente se desatualizam, não raro, porém, ganhando novas dimensões sociais e status dentro do ordenamento jurídico. Em muitos casos podem não ser necessárias significativas alterações legislativas, de modo a permitir avanços na pacificação dos conflitos com a devida aplicação do direito, e conseqüente, distribuição de Justiça. Aguardar reformas, quedando-se na inércia seria bastante cômodo para muitos. As reformas surgem, admitamos. Mas com passos tímidos, vacilantes. De maneira que se consolida um ciclo onde os anseios e necessidades da população, e os que sobrevirão, estarão sempre muitos horizontes além das leis e projetos. Outrossim, ainda que as normas se tornem institutos obsoletos, já não atendendo às situações para as quais foram elaboradas, na omissão do legislador, ampla deve ser a contribuição dos juízes e tribunais quando de sua interpretação e aplicação, sem receios de inovações no campo jurídico. Mas a esperança não falece, sabido: "A nova lei vem de cima; as boas jurisprudências fazem-se embaixo" (26). Que os aplicadores do direito tenham sempre sensibilidade e flexibilidade para conosco, cidadãos que não admitem sejam seus direitos calcados aos pés sem resistência, e inconformados, buscamos sua reparação. Notas: (1) "Ninguém, certamente, considera que interpretar a lei seja interpretar a passagem de um artigo ou de um inciso, colocando-o ao microscópio e examinando suas partículas, absolutamente desinteressado de todo o organismo vivo, do qual faz parte esse fragmento. Isso não é interpretar, é apenas ler um texto. (...) Mas se o trabalho não vai além disso, se se limita a examinar o fragmento que se encontra ao microscópio, não haverá interpretação." COUTURE, Eduardo J. Interpretação das Leis Processuais. 4. ed. Tradução: Dra. Gilda Maciel Corrêa Meyer Russomano. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 28. (2) MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. (3) idem. ibidem. p. 295 : "Todo conjunto harmônico de regras positivas é apenas o resumo, a síntese, o substratum de um complexo de altos ditames, o índice materializado de um sistema orgânico, a concretização de uma doutrina, série de postulados que enfeixam princípios superiores. Constituem estes as diretivas idéias do hermeuta, os pressupostos científicos da ordem jurídica." (4) COUTURE, Eduardo J. Interpretação das Leis Processuais. 4. ed. Tradução: Dra. Gilda Maciel Corrêa Meyer Russomano. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 33. (5) Não necessariamente resolvido no sentido da controvérsia ser dirimida. Haverá, no entanto, em todos os casos, prolação de sentença, tocando ou não, o mérito da causa. (6) CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 15. (7) HOFFMAN, Paulo. Razoável Duração do Processo. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 71-72. (8) Diferente da autodefesa, v.g. , desforço imediato (art. 1.210 do CC); legítima defesa (Art. 25 do CP) etc. Somente admitida nos casos expressos na lei. (9) Art. 345 do Código Penal: "Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite." (10) "... o pedido pode ser decomposto, porquanto o juiz, diante dos elementos carreados aos autos, rejeita a pretensão do autor ou concede-lhe toda a quantidade postulada ou, ainda, defere-lhe apenas parte dela. Assim, pleiteado o recebimento de dez unidades, poderão ser concedidas as dez ou parte delas, como, por exemplo, três, cinco ou sete." CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O §6º do Artigo 273 do CPC: Tutela antecipada parcial ou julgamento antecipado parcial da lide? Disponível em: . Acesso em: 08 ago. 2006. (11) MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Antecipatória e Julgamento Antecipado: Parte Incontroversa da Demanda. 5. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 138. (12) MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do Processo Civil. 4. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 47-48. (13) DIAS, Jean Carlos. A Reforma do CPC e o Fim da Teoria da Unidade da Sentença Lei 11.232/05. Revista Dialética de Direito Processual, n. 40, jul. 2006. p. 79-84. (14) "Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei." (15) "De outra parte, prestigiosa doutrina preferiu referir-se a "sentença" não pela sua finalidade... mas, bem diferentemente, levando em conta o seu conteúdo. Daí falar-se em sentença como o ato do juiz que tem por conteúdo uma das várias hipóteses descritas nos arts. 267 e 269. Mais importante que encerrar o "processo" (até por que a sentença não o encerra, e quanto a isso parecem todos estar de acordo), é caracterizar a sentença como o ato do juiz que tem por conteúdo uma das situações constantes daqueles dois dispositivos legais." BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil. V. 2. Comentários sistemáticos às Leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-2006, e 11.280, de 16-2-2006. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 13. (16) CARNELUTTI, Francesco. Como se faz um processo. Tradução: Hiltomar Martins de Oliveira. Belo Horizonte: Líder Cultura Jurídica, 2004. p. 67. "Mas, se a colaboração de uma parte é parcial ou, em outras palavras, tendenciosa, este defeito se corrige com a colaboração da parte contrária, posto que esta tem interesse em descobrir a outra parte da verdade; portanto, o que torna possível e útil dita colaboração é o contraditório." (17) CRETELLA NETTO, José. Fundamentos Principiológicos do Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 338 "Advoga a melhor doutrina que se busque, não apenas no processo penal, mas também no processo civil, conformidade ao princípio da verdade real, que é aquele pelo qual o juiz deve investigar e apreciar toda e qualquer prova, bem como avaliar o conjunto do material probatório, de forma a que os fatos e as circunstâncias determinantes para permitir-lhe o convencimento, deles exsurjam com a máxima correspondência em relação ao efetivamente ocorrido." (18) Termo empregado em sentido lato; sinônimo de defesa. (19) Expressões utilizadas: ad cautelam, "pelo amor ao debate" - ad argumentandum tantum. (20) idem. Manual do Processo de Conhecimento. 4. ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 132. "Ao revés, no reconhecimento da procedência do pedido, não se limita o réu a tomar por verdadeiro os fatos deduzidos pelo autor; vai além, reconhecendo que o pedido formulado pelo autor é legítimo e tem cabimento. Toma-se, assim, por verídicos não apenas os fatos, mas ainda o direito que incide sobre eles." (21) "Se o caput do art. 273 do Código de Processo Civil autoriza a concessão de tutela antecipada com base em cognição sumária, ou seja, diante da probabilidade da existência do direito do autor, com muito mais razão deve se admitir esta tutela célere e eficiente para os casos em que o próprio réu já reconheceu a pretensão do autor (cognição exauriente). A demora no processo é algo, por si só, injusta e problemática. Mas é considerara um ônus com o qual as partes têm de conviver sempre que houver a controvérsia. Desaparecendo essa controvérsia, como ocorre diante da não contestação e do reconhecimento jurídico do pedido, a demora processual assume outra condição. Passa a ser inadmissível e odiosa. Insustentável cientificamente". DORIA, Rogéria Dotti. A tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 112. (22) MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 8. ed. ver. ampl. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 350-351. (23) "Sendo a cognição exauriente, não há como se aplicar o disposto no §4º do art. 273 do CPC, não sendo possível ao juiz, a qualquer momento, revogar ou modificar sua decisão. É que, diante da incontrovérsia e da decisão nela fundada, não sobeja mais cognição a ser feita em torno dos fatos ou de suas conseqüências jurídicas." CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O §6º do Artigo 273 do CPC: Tutela antecipada parcial ou julgamento antecipado parcial da lide? Disponível em: . Acesso em: 08 ago. 2006. (24) MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Antecipatória e Julgamento Antecipado: Parte Incontroversa da Demanda. 5. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. passim. (25) idem. ibidem. p. 158. (26) CRUET, Jean. A Vida no Direito e a Inutilidade das Leis. 1908. p. 77. apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 180. Disponível em < http://www.infojus.com.br/webnews/noticia.php?id_noticia=2581& > Acesso dia 30/05/07.