reflexões sobre o estado da arte

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
ESCOLA DE ARQUIVOLOGIA
DEPARTAMENTO DE ESTUDOS E PROCESSOS ARQUIVÍSTICOS
RAFAEL RIBEIRO ROCHA
O VIDEOGAME COMO DOCUMENTO ARQUÍVISTICO: REFLEXÕES SOBRE O
ESTADO DA ARTE
RIO DE JANEIRO
2016
RAFAEL RIBEIRO ROCHA
O VIDEOGAME COMO DOCUMENTO ARQUIVÍSTICO: REFLEXÕES SOBRE O
ESTADO DA ARTE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola
de Arquivologia do Centro de Ciências Humanas e
Sociais da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro como requisito para obtenção do título de
Bacharel em Arquivologia.
Orientador: Prof. Marcelo Nogueira de Siqueira
RIO DE JANEIRO
2016
Rocha, Rafael Ribeiro
O videogame como documento arquivístico: reflexões sobre o estado da arte /
Rafael Ribeiro Rocha. Rio de Janeiro: R. R. Rocha, 2016.
88 p.
Trabalho de Conclusão de Curso – Escola de Arquivologia / Centro de Ciências
Humanas e Sociais / Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Orientador: Prof. Marcelo Nogueira de Siqueira.
Bibliografia.
1. Videogame 2. Arquivo 3. Documento arquivístico I. Rocha, Rafael Ribeiro
II. Título.
RAFAEL RIBEIRO ROCHA
O VIDEOGAME COMO DOCUMENTO ARQUIVÍSTICO: REFLEXÕES SOBRE O
ESTADO DA ARTE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola
de Arquivologia do Centro de Ciências Humanas e
Sociais da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro como requisito para obtenção do título de
Bacharel em Arquivologia.
Aprovado em: ___/___/2016
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Orientador: Prof. Marcelo Nogueira de Siqueira
________________________________________
________________________________________
Dedico este trabalho a todas as mentes
brilhantes que dedicaram suas vidas para
produzir tantos e tantos jogos de videogame
fantásticos que, para além das lembranças de
minha infância, serviram como inspiração e
motivação para que este trabalho fosse
possível.
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Marcelo Nogueira de Siqueira pela orientação, motivação e ajuda sempre que
solicitado durante a elaboração deste trabalho.
À minha família, especialmente meus queridos pais e irmã, por estimularem desde a infância
minha paixão pela leitura e investirem tudo o que podiam em minha educação.
A todos os professores e colegas do curso de Arquivologia da UNIRIO, pela amizade,
convivência e enriquecedoras visões de mundo que pude vivenciar ao longo das disciplinas.
À minha amada namorada, Jéssica, pela paciência e compreensão em relação aos momentos
em que tive que não pude lhe dar tanta atenção, enquanto me dedicava a esta pesquisa.
"Se eu fosse jovem hoje em dia, e quisesse fazer
histórias, eu gostaria muito de entrar no negócio
dos videogames, porque é o mais excitante.
Videogames e filmes são as formas mais
emocionantes
do
entretenimento.
Mas
um
videogame é muito mais imaginativo, e tem mais
variedade. Em um filme, você segue a linha do
roteiro, e em um videogame você vai por um
milhão de direções diferentes. Eu não faço ideia
de como eles são capazes de fazer isso. É como
um milagre”.
(Stan Lee)
RESUMO
Este trabalho tem como tema as possíveis relações entre os videogames e os arquivos. O
objetivo principal é verificar se os videogames podem ser considerados documentos
arquivísticos. Para isto, inicialmente apresentou-se um breve histórico sobre os videogames.
Realizou-se uma revisão de conceitos na literatura acadêmica e legislação brasileira,
relacionados com a pesquisa, dentro da área da Arquivologia. Aplicou-se um questionário
para instituições arquivísticas brasileiras e instituições estrangeiras que trabalham com a
preservação dos videogames. Com base nesta revisão conceitual, foi possível perceber que
não há nenhum tipo de limitação nos conceitos de documento arquivístico que excluam os
videogames, portanto concluiu-se que os videogames podem sim exercer a função de
documentos arquivísticos, desde que as características deste tipo de documento estejam
presentes. Através das respostas ao questionário aplicado, analisou-se a situação da
preservação dos videogames e apontaram-se os desafios para a realização desta tarefa, além
da importância do estímulo ao debate desta temática na área da Arquivologia.
Palavras-chave: Videogame. Arquivo. Documento arquivístico.
ABSTRACT
This work has as its theme the possible relationship between video games and archives. The
main objective is to check if video games can be considered archival documents. For this,
initially presented a brief history of video games. Conducted a review of concepts in the
academic literature and Brazilian legislation, related to the research, within the area of
Archival Science. Applied a questionnaire to Brazilian archival institutions and foreign
institutions that work with the preservation of video games. Based on this conceptual review,
it was revealed that there is no limitation on the concepts of archival document which exclude
video games, so it was concluded that video games can indeed exercise archival documents
function, since the characteristics of this type of document are present. Through the answers
to the questionnaire, analyzed the situation of the preservation videogames and pointed up the
challenges to carry out this task and the importance of stimulating debate this issue in the area
of Archival Science.
Keywords: Videogame. Archive. Archival document.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Tennis for Two (esq.) e Spacewar! (dir.) ---------------------------------------------- 20
Figura 2 – Magnavox Odyssey (esq.), Atari Pong (centro) e Philco Telejogo (dir.) ---------- 21
Figura 3 – Fairchild Channel F (esq.), Atari 2600 (centro) e Atari 5200 (esq.) --------------- 22
Figura 4 – Pac-Man (esq.), Pitfall! (centro) e Asteroids (dir.) ----------------------------------- 23
Figura 5 – Atari 7800 (esq.), Sega Master System (centro) e Nintendo Entertainment System
(dir.) ------------------------------------------------------------------------------------------------------ 24
Figura 6 – Escavações no deserto dos EUA encontram cartuchos da Atari enterrados, entre
eles E.T. -------------------------------------------------------------------------------------------------- 25
Figura 7 – Alex Kidd in Miracle World (esq.), Super Mario Bros. (centro) e The Legend of
Zelda (esq.) ---------------------------------------------------------------------------------------------- 26
Figura 8 – Sega Mega Drive (esq.), SNK NeoGeo (centro) e Super Nintendo (dir.) --------- 26
Figura 9 – Sonic the Hedgehog (esq.), Super Mario World (centro) e Donkey Kong Country
3 (esq.) --------------------------------------------------------------------------------------------------- 27
Figura 10 – Sega Saturn (esq.), Sony Playstation (centro) e Nintendo 64 (dir.) --------------- 27
Figura 11 – Final Fantasy VII (esq.), Gran Turismo 2 (centro) e GoldenEye 007 (dir.) ----- 29
Figura 12 – Sega Dreamcast (cima, esq.), Sony Playstation 2 (cima, centro), Nintendo Game
Cube (cima, dir.) e Microsoft Xbox (baixo, centro) ----------------------------------------------- 29
Figura 13 – Shenmue (esq.), Final Fantasy X (centro) e Grand Theft Auto: San Andreas (dir.)
------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 31
Figura 14 – Microsoft Xbox 360 (esq.), Sony Playstation 3 (centro) e Nintendo Wii (dir.) - 31
Figura 15 – Halo 3 (esq.), Grand Theft Auto V (centro) e Wii Sports (dir.) ------------------- 33
Figura 16 – Nintendo Wii U (esq.), Sony Playstation 4 (centro) e Microsoft Xbox One (dir.) ------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 33
Figura 17 – Mario Kart 8 (esq.), Forza Motorsport 5 (centro) e Metal Gear Solid V: The
Phantom Pain (dir.) ------------------------------------------------------------------------------------- 34
Figura 18 – Fliperamas: Space Invaders (esq.), Donkey Kong (centro) e Street Fighter II
(dir.) ------------------------------------------------------------------------------------------------------ 34
Figura 19 – Computadores e jogos: Toshiba MSX (esq.), Doom II (centro) e Age of Empires
(dir.) ------------------------------------------------------------------------------------------------------ 35
Figura 20 – Jogos para portáteis: Tetris (esq.), Pokémon Yellow (centro) e Angry Birds (dir.)
------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 36
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Respostas ao questionário das instituições arquivísticas brasileiras -------------- 54
Gráfico 2 – A instituição possui documentos audiovisuais? ------------------------------------- 56
Gráfico 3 – Desde quando? --------------------------------------------------------------------------- 56
Gráfico 4 – Quais tipos de documentos audiovisuais a instituição possui no acervo? -------- 57
Gráfico 5 – Os documentos audiovisuais estão armazenados em condições especiais? ------ 58
Gráfico 6 – Se sim, quais seriam essas diferenças? ----------------------------------------------- 58
Gráfico 7 – Existem funcionários especializados no acervo de documentos audiovisuais? - 59
Gráfico 8 – Eles possuem formação em qual área? ----------------------------------------------- 60
Gráfico 9 – Quais os objetivos mais comuns para a consulta do acervo audiovisual pelos
usuários? ------------------------------------------------------------------------------------------------- 61
Gráfico 10 – Quais os desafios enfrentados na preservação e tratamento arquivístico dos
documentos audiovisuais? ----------------------------------------------------------------------------- 61
Gráfico 11 – A instituição possui videogames em seu acervo? ---------------------------------- 62
Gráfico 12 – Se possuir, quais os tipos de videogame? Se não, existe algum plano ou
expectativa para incorporá-los ao acervo? ---------------------------------------------------------- 63
Gráfico 13 – Um jogo de videogame pode ser considerado como um documento arquivístico?
------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 64
Gráfico 14 – Você acredita que é papel dos arquivos cuidar da preservação dos videogames?
------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 64
Gráfico 15 – Respostas ao questionário das instituições internacionais ------------------------ 67
Gráfico 16 – Qual o objetivo/missão da instituição? ---------------------------------------------- 70
Gráfico 17 – Qual o orçamento anual da instituição? --------------------------------------------- 71
Gráfico 18 – Orçamento anual em dólares (aproximado) ---------------------------------------- 71
Gráfico 19 – Quantos profissionais trabalham na instituição? ----------------------------------- 72
Gráfico 20 – Qual a área de formação desses profissionais? ------------------------------------- 72
Gráfico 21 – Tipos de contrato ----------------------------------------------------------------------- 73
Gráfico 22 – Qual o tamanho total do acervo? (aproximado) ------------------------------------ 74
Gráfico 23 – Quais tipos de suporte compõem o acervo? ---------------------------------------- 74
Gráfico 24 – O acervo de videogames está armazenado em condições especiais? ------------ 75
Gráfico 25 – Se sim, quais são? ---------------------------------------------------------------------- 76
Gráfico 26 – As novas aquisições do acervo são feitas por compra ou doação? -------------- 77
Gráfico 27 – Quais os canais de divulgação (mídias sociais) utilizadas? ---------------------- 78
Gráfico 28 – Quais são os motivos mais comuns pelos quais os usuários justificam a busca
pelo seu acervo de videogames? ---------------------------------------------------------------------- 79
Gráfico 29 – Quais os desafios enfrentados na preservação dos videogames? ---------------- 80
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------------------- 16
2 HISTÓRICO DOS VIDEOGAMES ------------------------------------------------------------ 19
2.1 As origens dos videogames ---------------------------------------------------------------------- 20
2.2 Primeira geração ---------------------------------------------------------------------------------- 21
2.3 Segunda geração ---------------------------------------------------------------------------------- 22
2.4 Terceira geração ---------------------------------------------------------------------------------- 24
2.5 Quarta geração ------------------------------------------------------------------------------------ 26
2.6 Quinta geração ------------------------------------------------------------------------------------ 27
2.7 Sexta geração -------------------------------------------------------------------------------------- 29
2.8 Sétima geração ------------------------------------------------------------------------------------ 31
2.9 Oitava geração ------------------------------------------------------------------------------------- 33
2.10 Outros tipos de videogames ------------------------------------------------------------------- 34
2.11 Comparativo entre as gerações de consoles ------------------------------------------------ 37
3 REVISÃO DE CONCEITOS --------------------------------------------------------------------- 40
3.1 Arquivo --------------------------------------------------------------------------------------------- 40
3.2 Documento arquivístico ------------------------------------------------------------------------- 46
3.3 Videogame ------------------------------------------------------------------------------------------ 49
3.4 Videogames como documentos arquivísticos ------------------------------------------------ 51
4 ANÁLISE DAS RESPOSTAS DO QUESTIONÁRIO -------------------------------------- 53
4.1 Questionário para instituições arquivísticas brasileiras ---------------------------------- 53
4.1.1 Pergunta 1 ---------------------------------------------------------------------------------------- 56
4.1.2 Pergunta 2 ---------------------------------------------------------------------------------------- 57
4.1.3 Pergunta 3 ---------------------------------------------------------------------------------------- 58
4.1.4 Pergunta 4 ---------------------------------------------------------------------------------------- 59
4.1.5 Pergunta 5 ---------------------------------------------------------------------------------------- 60
4.1.6 Pergunta 6 ---------------------------------------------------------------------------------------- 61
4.1.7 Pergunta 7 ---------------------------------------------------------------------------------------- 62
4.1.8 Pergunta 8 ---------------------------------------------------------------------------------------- 63
4.1.9 Pergunta 9 ---------------------------------------------------------------------------------------- 64
4.1.10 Pergunta 10 ------------------------------------------------------------------------------------- 64
4.1.11 Considerações gerais sobre as respostas das instituições arquivísticas brasileiras -- 65
4.2 Questionário para instituições internacionais ----------------------------------------------- 66
4.2.1 Pergunta 1 ---------------------------------------------------------------------------------------- 70
4.2.2 Pergunta 2 ---------------------------------------------------------------------------------------- 70
4.2.3 Pergunta 3 ---------------------------------------------------------------------------------------- 72
4.2.4 Pergunta 4 ---------------------------------------------------------------------------------------- 74
4.2.5 Pergunta 5 ---------------------------------------------------------------------------------------- 74
4.2.6 Pergunta 6 ---------------------------------------------------------------------------------------- 75
4.2.7 Pergunta 7 ---------------------------------------------------------------------------------------- 76
4.2.8 Pergunta 8 ---------------------------------------------------------------------------------------- 77
4.2.9 Pergunta 9 ---------------------------------------------------------------------------------------- 78
4.2.10 Pergunta 10 ------------------------------------------------------------------------------------- 79
4.2.11 Considerações gerais sobre as respostas das instituições internacionais -------------- 80
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS --------------------------------------------------------------------- 82
REFERÊNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 87
16
1 INTRODUÇÃO
Os Arquivos surgiram como instrumento administrativo de apoio à organização do
Estado, mas foi adquirindo outras funções ao longo de sua evolução histórica, como preservar
a memória de uma sociedade. A historiadora Marcia Eckert Miranda resume essa evolução,
em seu trabalho apresentado no XXVI Simpósio Nacional de História:
De guardiões do passado e das informações estratégicas para a segurança
militar, para a proteção e o desenvolvimento da atividade econômica e para o
exercício do poder, os arquivos passaram a ser considerados, no final do século
XVIII, como lugar de guarda de evidências e como patrimônio nacional disponível
ao cidadão. Nessa transição, desenvolveram-se diversos movimentos: os primeiros
passos da Arquivologia como disciplina, a valorização dos arquivos enquanto
depositários do patrimônio nacional e como instituições-chave para se pensar o
passado e o presente (MIRANDA, 2011, p. 1-2).
José Maria Jardim, professor do Departamento de Estudos e Processos Arquivísticos
da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, reflete sobre as transformações dos
arquivos nas últimas décadas:
Os arquivos não são mais os mesmos? Nas últimas décadas, as tecnologias
da informação provocaram novas formas de se criar, armazenar e usar os
documentos arquivísticos. Tornaram-se mais intensas em diversos países – inclusive
no Brasil – as demandas sociais pelos direitos à informação, à memória, à
privacidade, à propriedade intelectual, enfim, aos arquivos públicos e privados.
Ampliaram-se as interpretações sobre os arquivos, seus produtores e usos. Da
história à sociologia, passando pela antropologia e a arquivologia, (re) leituras do
fenômeno arquivístico têm suscitado abordagens inovadoras (JARDIM, 2012, orelha
do livro).
Considerando a missão dos Arquivos como guardiões da memória da sociedade em
que está inserido, os documentos arquivísticos são o registro, objeto de estudo de
historiadores e outros profissionais em busca da compreensão de determinada época, evento,
sociedade, etc. Se daqui a 100 anos algum pesquisador estiver buscando compreender o modo
de vida da sociedade em algum período de tempo localizado após os anos 1980 até a presente
data, sua pesquisa só estará completa se ele conseguir informações confiáveis a respeito dos
videogames, que de um simples brinquedo para crianças tornou-se uma das mais lucrativas
17
indústrias do entretenimento desse período, superando inclusive a indústria do cinema. Além
da importância financeira, também adquiriu uma importância cultural, com personagens
marcantes que viraram ícones e polêmicas sobre incentivo a violência e outros prejuízos à
saúde das crianças jogadoras.
Ou seja, os videogames foram (e são) importantes culturalmente no modo de viver
dessa sociedade. Logo, preservar a memória dessa sociedade significa preservar os
videogames criados e jogados por essa sociedade. Mas poderia o videogame ser um
documento arquivístico, fazendo com que a responsabilidade pela preservação e tratamento
desse material também fosse uma missão dos Arquivos?
Essa pergunta foi o problema de pesquisa que serviu de ponto de partida desse
trabalho. O interesse pessoal do autor pela temática contribuiu para a realização do mesmo,
pois já existia um conhecimento prévio sobre os videogames que contribuiu para localizar
determinadas informações e continuar a pesquisa.
Durante a realização do presente trabalho uma das maiores dificuldades encontradas
foi a escassa bibliografia acadêmica sobre os videogames. Quando possível recorreu-se a
livros, leis ou artigos, mas na falta destes a única fonte possível para determinadas
informações citadas no trabalho foi a internet. Esta escassez de trabalhos acadêmicos sobre os
videogames reforça a importância de um trabalho que aborde o tema, especialmente
considerando a relação entre videogames e arquivos, praticamente inexplorada no Brasil.
Para efeitos de padronização do trabalho, foi feita a opção pela utilização do termo
“videogame”, embora também exista a grafia “vídeo-game”. As duas formas são utilizadas na
língua portuguesa, mas a primeira é mais reconhecida na literatura especializada da área e
entre os próprios jogadores. No português de Portugal, o termo “videojogo” (que é a tradução
literal de videogame) é a forma mais comum.
Inicialmente apresentou-se um breve histórico com a evolução dos videogames desde
seu surgimento até os aparelhos mais recentes. O capítulo teve foco na história dos consoles
(videogames domésticos), por serem os mais populares e de certa forma representarem a
indústria. Com isso, pretendeu-se de certa forma contextualizar os videogames e sua
importância para a sociedade, abrindo terreno para as discussões posteriores. As ilustrações
utilizadas neste capítulo foram todas retiradas de banco de dados de imagens na internet
(Flickr, Google Images, etc.) e não possuem restrições para utilização não comercial.
18
No terceiro capítulo buscou-se discutir a possibilidade dos videogames como
documentos arquivísticos, através da revisão de literatura que apresentou diversos conceitos
de arquivos, documentos, documentos arquivísticos e também de videogames. Procurou-se
verificar se os conceitos mais aceitos pela área limitariam ou não que os videogames
pudessem ser considerados documentos arquivísticos.
O quarto capítulo apresenta uma análise das respostas aos questionários enviados para
instituições arquivísticas nacionais e instituições internacionais que trabalham com a
preservação dos videogames. A aplicação do questionário é o núcleo desse trabalho, a base
para buscar uma resposta à questão apontada previamente. O questionário foi aplicado por
meio eletrônico e para auxiliar na análise das respostas foram elaborados gráficos para melhor
visualização dos resultados obtidos.
As considerações finais reúnem os pontos mais importantes levantados na aplicação
dos questionários, os conceitos discutidos nos capítulos anteriores e responde ao problema de
pesquisa. O trabalho também inclui os anexos, onde estão reunidas as respostas originais
completas dos questionários, incluindo a tradução para as respostas dos questionários para
instituições estrangeiras.
19
2 HISTÓRICO DOS VIDEOGAMES
Antes de poder apresentar um breve panorama histórico dos videogames, é importante
esclarecer qual o conceito será o foco deste trabalho, já que o termo “videogames”,
especialmente no Brasil, acaba sendo usado genericamente para qualquer tipo de jogo
eletrônico. Embora o objeto de estudo desta pesquisa sejam os videogames em geral, neste
capítulo o foco será no videogame doméstico, cujo termo mais utilizado no Brasil é
“console”. Sempre que não for especificado de outra forma, o termo videogame estará
representando essa definição, talvez a que mais represente culturalmente os videogames para
a sociedade.
Para apresentar a evolução dos videogames ao longo da história, costuma-se utilizar-se
comumente uma divisão por “gerações” de videogames. O principal critério utilizado para
separar as gerações é o poder de processamento gráfico dos videogames mais populares de
cada época. Essa divisão é utilizada pelos jogadores, revistas especializadas e também na
Wikipédia (termo: “História dos jogos eletrônicos”), por exemplo. O autor Alan Richard da
Luz, em seu livro “Vídeo game: história, linguagem e expressão”, escreve a respeito das
gerações dos videogames:
As chamadas “gerações” de vídeo games (Figura 2.1) sempre foram uma
maneira didática de segregarmos as tecnologias e posicionar cronologicamente os
consoles e seus títulos. Desde o nascimento do vídeo game como conhecemos, os
recursos gráficos sempre ditaram a fronteira dessas gerações, delimitando e
separando consoles e jogos e direcionando, até mesmo, a publicidade dos sistemas.
Como uma medida absoluta do potencial de entretenimento, os avanços dos recursos
gráficos são aguardados e os consoles, bem como os jogos de gerações “antigas”,
rejeitados e encarados como datados e ultrapassados. (LUZ, 2010, p. 78)
Portanto, como essa divisão já está estabelecida como padrão, será adota no presente
capítulo. Serão apresentadas todas as gerações dos videogames, desde as suas origens até os
lançamentos mais recentes, reunindo as características principais e os videogames e jogos
mais representativos de cada uma, em ordem cronológica. Obviamente não será possível
cobrir todos os videogames já lançados até aqui e nem é esse o propósito do trabalho. Será
realizado um breve resumo histórico dessa indústria para melhor compreensão do objeto de
20
estudo, buscando que as relações entre videogames e Arquivologia discutidas nos capítulos
posteriores tenham uma contextualização.
2.1 As origens dos videogames
Fig. 1 – Tennis for Two (esq.) e Spacewar! (dir.)
Como tantas outras invenções, os videogames tiveram sua origem como uma
conseqüência de pesquisas científicas, não sendo o objetivo inicial das mesmas. Neste caso, as
pesquisas relacionadas à ciência da computação, com foco na área da inteligência artificial. E
não existe um consenso mesmo entre os especialistas de qual seria o primeiro videogame da
história, já que depende muito de qual o conceito de videogame utilizado. Sobre essa questão,
Alan Richard da Luz (2010, p. 21) afirma: “Começar uma história comentada do vídeo game
pode parecer fácil. Porém, o nascimento do vídeo game é algo polêmico e pode ter até três
datas dependendo do critério utilizado, cada um com seus próprios (e válidos) argumentos”.
A data mais antiga de que se tem registro é o ano de 1958. O físico norte-americano
William Higinbotham queria criar algo que atraísse a atenção dos convidados da visita anual
ao Laboratório Nacional de Brookhaven. O que ele criou foi algo mais parecido com um
brinquedo, mas que se valia de um computador analógico que exibia um jogo interativo em
um monitor de osciloscópio. Sua invenção simulava um jogo de tênis, em que cada jogador
controlava uma raquete que rebatia a bolinha na tela, sem nenhum tipo de placar ou pontuação
no jogo. A invenção foi denominada “Tennis for Two” e foi um grande sucesso na exposição,
virando uma atração permanente do laboratório. Mesmo não havendo consenso de que foi o
primeiro videogame, é certamente a primeira interação em um tudo de raios catódicos, no
caso o monitor, portanto foi um passo importante para originar os videogames dali a alguns
anos (HISTÓRIA DOS JOGOS ELETRÔNICOS, 2015).
21
Poucos anos depois, em 1961, surge a primeira interação entre um monitor juntamente
com o uso de um software. Naquela época, ainda era raro os computadores que tinham
monitores de vídeos acoplados. O Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) era um dos
locais que possuíam um computador desse tipo, além de ser um dos mais importantes centros
de pesquisa em computação do mundo. Um grupo de engenheiros estudantes do MIT
começaram a testar ferramentas de programação para esse computador. Steve Russel liderou
um grupo de colegas que criaram um jogo chamado Spacewar!, um jogo eletrônico de tiros
com naves com objetivos e pontuação. Sua importância se deu por ter sido incluído como um
programa de teste em microcomputadores da época, o que fez com que chegasse a outras
universidades norte-americanas e servisse como fonte de inspiração para outros estudantes
desenvolverem seus próprios jogos à época (HISTÓRIA DOS JOGOS ELETRÔNICOS,
2015).
Embora essas duas experiências iniciais certamente tenham contribuído e muito para a
invenção do videogame, nenhuma delas é a mais aceita como o ponto de partida para a
história dos videogames. Ainda não existia um objeto próprio dedicado exclusivamente aos
jogos eletrônicos, que foi a forma com que o videogame se tornou uma nova forma de
entretenimento e uma indústria com forte apelo comercial. Isso aconteceria a partir da
invenção que surgiu na terceira das datas importantes para a origem do videogame, que será
detalhada no próximo subitem desse capítulo.
2.2 Primeira geração
Fig. 2 – Magnavox Odyssey (esq.), Atari Pong (centro) e Philco Telejogo (dir.)
Pensando no conceito de videogame mais próximo ao que ele ficou conhecido
mundialmente, um aparelho exclusivo para reproduzir jogos eletrônicos e que deveria ser
conectado à TV, seu inventor seria o inventor alemão naturalizado norte-americano Ralph
Baer, o primeiro a registrar a patente de um aparelho desse tipo. Ele trabalhava para a
indústria de TV e vendeu seu projeto de console doméstico para a Magnavox, que deu origem
22
ao primeiro console de videogame da história, o Odyssey 100. Ele possuía apenas variações
do mesmo jogo (pingue-pongue, futebol, vôlei, etc.), consistindo em duas barras que rebatiam
uma bolinha, com gráficos e mecânicas rudimentares. O console não fez muito sucesso à
época, sendo mais importante pelo pioneirismo como o primeiro videogame a ser vendido, em
1972 nos EUA (HISTÓRIA DOS JOGOS ELETRÔNICOS, 2015).
Na mesma época, o engenheiro norte-americano Nolan Bushnell baseou-se no jogo
Spacewar! para criar outro jogo eletrônico mais simples, em um aparelho próprio com
monitor acoplado. Ele o batizou de “Computer Space”, e foi a origem do primeiro arcade
(fliperama) da história. Em 1972 ele resolve abrir suas própria empresa, a Atari, fundamental
para a popularização dos videogames em seus primórdios. Bushnell cria o Pong, outra
variação do jogo de rebater uma bolinha com duas barras na tela. As máquinas de Pong da
Atari foram o primeiro grande sucesso dos videogames, e por sua simplicidade de
programação, foram facilmente pirateadas, gerando inúmeros “clones” (o mesmo conceito de
jogo com outro nome e lançado por outra empresa). No Brasil o clone mais famoso seria
chamado de Telejogo, lançado pela Philco em 1977 (HISTÓRIA DOS JOGOS
ELETRÔNICOS, 2015).
Na primeira geração dos videogames os maiores sucessos acabaram sendo os arcades.
O Pong da Atari foi o primeiro caso de sucesso comercial, sendo um ícone das origens dos
videogames. Daniel Gularte (2010, p. 46) afirma: “A criação de Pong representou o marco
zero na indústria de jogos eletrônicos. Induziu a abertura dos dois maiores mercados dos jogos
eletrônicos e é o símbolo de uma cultura que se disseminava vertiginosamente”. Os
videogames domésticos só teriam um salto de popularidade na próxima geração, liderados
pela própria Atari, empresa mais importante nos primeiros anos da indústria dos videogames.
2.3 Segunda geração
Fig. 3 – Fairchild Channel F (esq.), Atari 2600 (centro) e Atari 5200 (esq.)
O marco que dá início à segunda geração dos videogames foi o lançamento do
Fairchild Channel F em 1976. Ele foi o primeiro videogame que possuía jogos que eram
23
vendidos separadamente do videogame, tornando muito mais atrativo os videogames
domésticos. Essa seria a característica mais importante iniciada nessa geração (HISTÓRIA
DOS JOGOS ELETRÔNICOS, 2015).
O pioneirismo do Fairchild Channel F fez seus concorrentes se moverem. Um ano
depois, em 1977, a Atari lança o Video Computer System (VCS), rebatizado posteriormente
de Atari 2600. Ele também permitia o uso de diferentes cartuchos para jogos de videogame,
aumentando e muito as possibilidades para o consumidor. De certa forma essa é uma lógica
que o mercado obedece ainda hoje, sendo o console uma ferramenta para que os jogos sejam
vendidos, que é onde se concentra a maior parte dos lucros dessa indústria (HISTÓRIA DOS
JOGOS ELETRÔNICOS, 2015).
Em seu livro “Jogos Eletrônicos: 50 anos de interação e diversão”, Daniel Gularte
resume a segunda geração de videogames:
A segunda geração dos videogames foi uma experiência única para os
jogadores. Finalmente, estes puderam escolher seus jogos prediletos, desfrutaram de
campeonatos em casa e configuraram suas necessidades de entretenimento com
comodidade. Porém, as empresas pensavam no desenvolvimento e na expansão em
massa de jogos e versões adaptadas dos árcades para os consoles, produzindo ainda
mais jogos e em pouco tempo. Esse comportamento comercial teve conseqüências
drásticas no início dos anos 1980. (GULARTE, 2010, p. 67)
O Atari 2600 foi o primeiro console de grande sucesso e tornou definitivamente
conhecida a empresa na sociedade norte-americana. O jogo mais vendido do console, PacMan, teve o primeiro personagem dos videogames a se tornar um ícone pop, reconhecido
mundialmente. A popularidade dos videogames explodiu, e o tamanho do sucesso da Atari
teria consequências para as mudanças que o mercado enfrentaria na transição até a próxima
geração.
Fig. 4 – Pac-Man (esq.), Pitfall! (centro) e Asteroids (dir.)
24
2.4 Terceira geração
Fig. 5 – Atari 7800 (esq.), Sega Master System (centro) e Nintendo Entertainment System (dir.)
No começo da década de 80 a Atari liderava o crescimento constante da indústria de
videogames. As vendas já atingiam o patamar de bilhões de dólares. Todo esse sucesso
acabou limitando as inovações das produtoras, que preferiam criar inúmeras versões
repetitivas de jogos consagrados (especialmente Pac-Man), inundando o mercado com jogos
de qualidade duvidosa. Em seu artigo “O processo de consolidação dos jogos eletrônicos
como instrumento de comunicação e de construção do conhecimento”, o autor Gláucio
Aranha escreve sobre isso:
Ocorre que a profusão de jogos que assolava o mercado norte-americano de
Jogos Eletrônicos deixou de lado as questões do aperfeiçoamento técnico e da
elaboração temática, privilegiando simplesmente o caráter quantitativo da produção,
postura mais evidente na Atari. Posição inversa do cenário japonês da mesma
indústria. (ARANHA, 2004)
Um dos maiores símbolos dos péssimos jogos produzidos na época foi o caso do jogo
de Atari “E.T., o Extraterrestre”. Foram produzidas milhões de cópias do cartucho, na esteira
do sucesso do filme. O jogo era tão ruim que foi um gigantesco fracasso de vendas. Por muito
tempo comentou-se que milhões de cartuchos do jogo foram enterrados num deserto dos
EUA, por estarem encalhados. Recentemente, essa “lenda” foi confirmada pelo documentário
Atari: Game Over (2014), em que escavaram o deserto e encontraram milhões de cartuchos da
Atari. A decadência da indústria dos videogames ficaria conhecida como “crash de 1983”.
Daniel Gularte exemplifica o tamanho do fracasso:
O jogo ET foi considerado a primeira grande bomba da história dos
videogames. Juntamente com outros jogos como Bobby is going home (Bitcorp,
1986), os jogadores mal tinham noção do objetivo do jogo, do seu desafio e das suas
regras.
(...) A reação da indústria foi forte. As lojas que compraram milhares de
consoles e cartuchos para o Natal de 1982 tiveram que baixar o valor dos seus
25
produtos drasticamente. Um cartucho de Atari, que custava em média 75 dólares
(valor corrigido para 2009), era vendido por cinco dólares (valor corrigido para
2009). Cartuchos do jogo ET viraram lixo. (GULARTE, 2010, p. 69).
Fig. 6 – Escavações no deserto dos EUA encontram cartuchos da Atari enterrados, entre eles E.T.
O declínio da indústria dos videogames abriu espaço para os computadores caseiros,
que devido à diminuição dos custos começaram a se popularizar (sendo dominantes por um
bom tempo na Europa). A indústria dos videogames nos EUA só começaria a se recuperar do
crash de 1983 com a entrada das empresas japonesas em seu mercado. No Japão, as duas
empresas dominantes eram a Sega e a Nintendo, que faziam sucesso com seus consoles de 8
bits, Master System e Famicom, respectivamente. Vendo o potencial a ser explorado nos
EUA, elas lançaram seus produtos no mercado norte-americano. E a grande responsável pelo
renascimento dos videogames nos EUA seria a Nintendo. Daniel Gularte explica a estratégia
adotada pela empresa japonesa para vencer a resistência do mercado:
Era 1985 quando as lojas americanas anunciavam um novo produto de
entretenimento. Os americanos ainda estavam sofrendo as conseqüências do crash
de 1983 e por isso olhavam com descrença qualquer nova tentativa de
reaquecimento do mercado de consoles. A Nintendo então optou por chamar seu
videogame de Nintendo Entertainment System (NES), prometendo uma central de
entretenimento completa nas residências americanas. (GULARTE, 2010, p. 71)
Mesmo que o NES não tenha cumprido essa promessa de ser uma central de
entretenimento, a estratégia da Nintendo funcionou, e seu console foi um grande sucesso de
vendas. O personagem Mario acabaria superando Pac-Man e se tornando o maior ícone dos
videogames. Os jogos Super Mario Bros e Super Mario Bros3 ainda figuram na lista dos mais
vendidos de todos os tempos. A Sega acabou tendo mais sucesso com seu Master System na
Europa e no Brasil, tendo pouco destaque nos EUA. A disputa entre as duas empresas
japonesas aumentaria muito na próxima geração dos videogames.
26
Fig. 7 – Alex Kidd in Miracle World (esq.), Super Mario Bros. (centro) e The Legend of Zelda (esq.)
2.5 Quarta geração
Fig. 8 – Sega Mega Drive (esq.), SNK NeoGeo (centro) e Super Nintendo (dir.)
A quarta geração seria conhecida como a dos consoles de 16 bits, e teria início com o
lançamento do Turobgrafx, de uma união entre Hudson Soft e NEC em 1987. A SNK também
tentou ter o seu próprio console, o NeoGeo, especializado em jogos de luta e com preços
muito superiores aos da concorrência. As verdadeiras estrelas dessa geração seriam os novos
consoles da Sega e da Nintendo. A Sega lançou primeiro o seu Mega Drive, em 1988 que
começou a abocanhar o mercado anteriormente dominado pelo NES. A Nintendo foi obrigada
a contra-atacar para não perder a liderança, surgindo o Super Nintendo em 1990.
Embora no Japão a Nintendo continuasse dominando o mercado com os consoles de
16 bits, nos Estados Unidos a disputa se acirrou. Enquanto a Nintendo continuava apostando
forte no Mario e exercendo um controle que tornava seus jogos “seguros” para as famílias, a
Sega investiu forte num marketing mais agressivo, visando principalmente o público
adolescente. A própria mascote escolhida para enfrentar o sucesso do Mario reflete essa
estratégia. Alan Richard da Luz detalha a escolha da mascote da Sega:
Outro jogo muito característico da geração 16 bits é o Sonic The Hedgehog
(Sega, 1991) Mostrar o máximo número de cores simultâneas em tela parecia ser
também uma prerrogativa desse jogo, no qual a Sega tentava criar uma personagem
ícone tal como Mario era para a Nintendo. O jogo tinha propositadamente um visual
cartunesco, mas mais juvenil, ao contrário de Mario, que era infantil e trazia um
27
mundo fantástico assim como Super Mario Bros, mas, ao contrário deste, que
prezava o jogo mais cadenciado e os pulos precisos nas plataformas, o Sonic era só
velocidade.
(...) O Sonic é um porco-espinho que expressa toda a transgressão e rebeldia
da Sega em seu auge, nos anos 1990. Seu olhar compenetrado (quase que irritado),
sua postura de peito estufado, e seu cabelo espetado como um punk londrino eram a
perfeita antítese do bonachão Mario e sua bondade ingênua. Toda essa personalidade
de Sonic é expressa em sua linguagem visual, graças à capacidade gráfica dessa
geração. (LUZ, 2010, p 103-104).
Apesar do crescimento da Sega, a Nintendo ainda seria a vencedora e manteria a
liderança nessa geração dos videogames. Os últimos grandes lançamentos do Super Nintendo,
em especial a série “Donkey Kong Country”, exploraram ao máximo as capacidades do
console e ajudaram a garantir a liderança do mercado.
Os dados de vendas explicam o equilíbrio maior nessa geração dos videogames. Na
geração anterior, o NES liderou com folga, vendendo mais de 61 milhões de consoles contra
apenas cerca de 13 milhões do Master System. Já na quarta geração, o Mega Drive da Sega
atingiu a marca de 40 milhões de unidades vendidas, perdendo por pouco para o Super
Nintendo, que teve pouco mais de 49 milhões de consoles vendidos (LIST OF MILLIONSELLING GAME CONSOLES, 2015).
Fig. 9 – Sonic the Hedgehog (esq.), Super Mario World (centro) e Donkey Kong Country 3 (esq.)
2.6 Quinta geração
Fig. 10 – Sega Saturn (esq.), Sony Playstation (centro) e Nintendo 64 (dir.)
Enquanto a quarta geração viu a disputa entre as mesmas empresas e uma evolução da
geração anterior, a quinta geração trouxe muitas novidades. Ela teria início com o lançamento
28
do 3DO, da Panasonic, em 1993. Mas a grande novidade foi a chegada da empresa japonesa
Sony, que viria a dominar o mercado após alguns erros estratégicos da Nintendo. Os lucros da
indústria de videogame continuavam crescendo, aumentando também os investimentos em
marketing. Daniel Gularte apresenta o cenário:
A quinta geração dos consoles marcou a presença dos videogames de 32 e 64
bits. Muito se questionou a real potência de processamento dos videogames.
Empresas rivais se justificavam a ataques da concorrência, gerando assim polêmica
entre consumidores das diversas tecnologias e marcas do mercado. Portanto, esta
geração foi repleta de estratégias comerciais baseadas nas tecnologias
revolucionárias e francos ataques publicitários, focados nas promessas de jogos
jamais vistos (GULARTE, 2010, p. 80).
O CD passaria a ser a mídia de armazenamento dos jogos dominante na época, por ser.
A Nintendo tinha uma parceria com a Sony para desenvolver um novo console que adotaria o
CD como mídia principal. A parceria teve uma série de conflitos e o contrato acabou rompido
pela Nintendo. Mas a Sony decidiu levar adiante o projeto sozinha em 1995 lançaria o
Playstation.
O console da Sega foi o Saturn, e assim como o Playstation, tinha um processador de
32 bits e leitor de CDs. O Saturn fez sucesso apenas no Japão. Sua programação era muito
complexa, o que fazia as produtoras preferirem desenvolver jogos para o console da Sony.
O Playstation foi o líder absoluto de vendas dessa geração, com mais de 100 milhões
de unidades vendidas (LIST OF MILLION-SELLING GAME CONSOLES, 2015). A Sony
provocou uma verdadeira revolução na indústria. Primeiro com o foco no 3D, graças ao maior
poder gráfico dos aparelhos. Ela também deu muito mais liberdade às empresas produtoras de
jogos, que sofriam limitações para abordar conteúdos de temática mais adulta nos consoles da
Nintendo. As facilidades e incentivos para a produção dos jogos fez com que o Playstation
tivesse uma das maiores variedades de títulos da história, sendo a plataforma de surgimento
de inúmeras franquias de sucesso até hoje. Alan Richard da Luz detalha a política da Sony
para as produtoras de jogos:
O nome da Sony por trás do Playstation facilitou as coisas dando
credibilidade ao console e o esquema de licenciamento acessível às pequenas
softwarehouses, com uma taxa de licença de 10 dólares por CD vendido, era liberal
e acompanhado de ferramentas de desenvolvimento e apoio nunca antes vistos.
29
Apesar de ser nova nesse mercado a Sony sabia da importância de uma boa base de
software. Isso atraiu todos os grandes desenvolvedores e permitiu a entrada de
pequenos também, renovando o mercado. (LUZ, 2010, p. 65)
Já a Nintendo, após desprezar e ver surgir a Sony como uma forte concorrente, lançou
em 1996 o sucessor do Super Nintendo: o Nintendo 64. Embora ele tivesse um processador de
64 bits, manteve o cartucho como mídia dos jogos. Talvez com medo da facilidade da
pirataria dos CDs, essa decisão se revelou um grande erro, pois a capacidade de
armazenamento de um cartucho era muito menor do que a do CD. Isso fez com que os
grandes jogos do Nintendo 64 fossem aqueles produzidos pela própria Nintendo, enquanto
séries de grande sucesso de vendas, (Final Fantasy, por exemplo), fossem lançadas apenas
para o Playstation.
Fig. 11 – Final Fantasy VII (esq.), Gran Turismo 2 (centro) e GoldenEye 007 (dir.)
2.7 Sexta geração
Fig. 12 – Sega Dreamcast (cima, esq.), Sony Playstation 2 (cima, centro.), Nintendo Game Cube (cima, dir.) e
Microsoft Xbox (baixo, centro)
A sexta geração teria início com o último console lançado pela Sega: o Dreamcast, em
1998, o primeiro videogame de 128 bits. Apesar da boa recepção da crítica e de trazer
30
novidades, como um modem acoplado, o console não obteve grande sucesso, não
conseguindo fazer frente ao novo videogame da Sony. Daniel Gularte explica o fracasso da
Sega:
O Dreamcast, como produto de luxo e com títulos caros e poucos, foi
perdendo espaço para seus concorrentes, que abriram seu mercado com parcerias e
franquias novas. Por fim, a Sega, em 2002, deixa o mercado de fabricação de
consoles, deixando saudades para os mais nostálgicos fãs. (GULARTE, 2010, p. 88)
O grande líder da sexta geração continuaria sendo a Sony, com seu Playstation 2
lançado em 2000. Ele continua com o recorde de videogame mais vendido de todos os
tempos, com mais de 155 milhões de unidades (LIST OF MILLION-SELLING GAME
CONSOLES, 2015). A empresa continuou com os jogos de mais sucesso de público, e tinha a
vantagem de também ser um leitor de DVDs, um dos mais baratos do mercado à época do
lançamento. O Playstation 2 praticamente repetiu a estratégia de sucesso de seu antecessor,
como aponta Daniel Gularte:
A Sony continuou, por assim dizer, com sua fórmula mágica. Manteve os
mesmos aspectos de design do seu console anterior e lançou o Playstation 2 em
2000. Com títulos de jogos chamativos, rapidamente o Playstation 2 subiu ao topo
de vendas, desbancando o Dreamcast. Utilizando mídias de DVD, o videogame da
Sony era bem mais acessível a cópias piratas do que o complicado Giga-disk ReadonlyMemory (GD-ROM) do Dreamcast (GULARTE, 2010, p. 88).
A Nintendo de certa forma cometeu os mesmos erros da geração passada. Seu console
da sexta geração, o Gamecube, tinha um formato de mídia própria (mini-DVDs), o que mais
uma vez prejudicou o apoio de outras produtoras. Os jogos de maior sucesso mais uma vez
foram os da própria Nintendo, e apesar de não ter sucumbido como a Sega, a empresa
manteve-se como coadjuvante no período.
A grande novidade dessa geração foi a entrada de uma empresa norte-americana no
mercado de videogames: a Microsoft. Ela lançou o Xbox em 2001, com uma arquitetura
próxima do computador e buscando ser uma central multimídia. Apesar de ter o processador
mais poderoso da geração e um forte investimento da Microsoft, o Xbox não conseguiu
31
superar o domínio da Sony, embora tenha conseguido um honroso segundo lugar no mercado,
superando Nintendo e Sega, empresas muito mais tradicionais nesse ramo.
Além do domínio completo da Sony, outra característica marcante dessa geração foi
que os jogos aprofundaram um processo iniciado na geração passada, de abordar conteúdos
adultos, afastando-se da imagem infantil popularizada pela Nintendo. O jogo mais vendido do
Playstation 2, por exemplo, foi Grand Theft Auto: San Andreas, que aborda o mundo do
crime. Com isso a polêmica em torno dos malefícios do videogame também aumentou, e até
hoje existe a polêmica se os videogames poderiam estimular o comportamento violento,
especialmente nas crianças.
Fig. 13 – Shenmue (esq.), Final Fantasy X (centro) e Grand Theft Auto: San Andreas (dir.)
2.8 Sétima geração
Fig. 14 – Microsoft Xbox 360 (esq.), Sony Playstation 3 (centro) e Nintendo Wii (dir.)
Com a Sega definitivamente fora da disputa, coube à Microsoft dar início à sétima
geração, lançando o Xbox 360 em 2005. Um ano depois, a Sony lançaria o Playstation 3.
Ambos os consoles apostaram na mesma estratégia da geração passada, valendo-se dos
avanços tecnológicos para conquistar o público. Daniel Gularte apresenta o cenário da época:
A criação de novos padrões de tecnologia, como o High-definition
Television (HDTV), TV digital, VOIP, Wireless, som 5.1, High-definition Digital
VideoDisc (HD-DVD) e Blu-Ray, exigiu o redesenho de novos projetos de
videogames. Com resoluções até quatro vezes maiores, som de cinema e capacidade
32
de armazenamento de informações dez vezes maior, desenhava-se uma tendência de
arquitetura dos novos consoles (GULARTE, 2010, p. 93).
Enquanto a Microsoft e a Sony esperavam repetir a disputa da geração passada, a
Nintendo foi por um caminho diferente, e dessa vez sua estratégia teria sucesso com o
lançamento do Nintendo Wii, em 2006. Em uma estratégia de mercado conhecida como
“Oceano Azul”, a empresa buscou o público não-fanático, novos consumidores para seu novo
console. Sony e Microsoft investiam milhões para provar qual dos seus consoles era mais
potente, e a Nintendo preferiu focar na simplificação da jogabilidade para atrair esse novo
público negligenciado até então pela indústria dos videogames. Daniel Gularte detalha essas
escolhas:
Como a Nintendo teve sempre a proposta de gerar não videogames, mas
centrais de lazer para todas as idades, surgiu o Nintendo Wii. Um console não muito
poderoso (praticamente metade do processamento dos concorrentes), mas com um
diferencial: interatividade total e novas experiências para os usuários. A proposta do
console era atingir jogadores, não-jogadores, ex-jogadores, pais e até avós (ADAM,
2006).
Para atender a todos esses públicos, a Nintendo lançou um modelo de
interação totalmente novo, uma forma de controlar as ações dos jogos da forma mais
intuitiva possível. Por meio de sensores de movimento em bastões especiais, os
jogadores poderiam recriar movimentos semelhantes à realidade e estes eram
interpretados pelos sensores, que traduziam os movimentos em comandos do jogo
(GULARTE, 2010, p. 95).
Graças a essa nova revolução dos controles, o sucesso do Wii fez a Nintendo recuperar
a liderança de mercado nessa geração. Ela vendeu mais de 100 milhões de unidades, perdendo
apenas para os dois primeiros Playstation na lista dos videogames mais vendidos de todos os
tempos (LIST OF MILLION-SELLING GAME CONSOLES, 2015).
Mesmo com o impacto das novidades do Wii, a Microsoft e a Sony também
conquistaram um grande público, praticamente empatando no segundo lugar, com mais de 80
milhões de Xbox 360 e Playstation 3 vendidos, com pequena vantagem para o primeiro. Além
dos jogos com gráfico cada vez mais realistas, outra característica marcante dessa geração foi
o multiplayer online dos jogos, graças à popularização da internet de banda larga pelo mundo.
Uma assinatura anual para se jogar ou obter vantagens online passou a ser uma nova e
importante fonte de receita para as fabricantes de consoles e produtoras de jogos. Jogos de tiro
em primeira pessoa (FPS), liderados por Call of Duty e seu multiplayer online, quebraram
33
sucessivos recordes de vendas, superados apenas por Grand Theft Auto V, que em apenas três
dias após o lançamento superou a marca de US$ 1 bilhão em vendas, sendo até o ano de 2015
o produto de entretenimento que mais rápido atingiu essa marca, segundo o Guinness (Livro
dos Recordes).
Fig. 15 – Halo 3 (esq.), Grand Theft Auto V (centro) e Wii Sports (dir.)
2.9 Oitava geração
Fig. 16 – Nintendo Wii U (esq.), Sony Playstation 4 (centro) e Microsoft Xbox One (dir.)
A oitava geração de videogames é a mais recente até o momento. Ela tem início no
final de 2012, com o lançamento do novo console da Nintendo, o Wii U. O grande diferencial
desse console é seu controle com uma tela de toque. Ele não causou, porém, o mesmo impacto
do Wii na geração passada, e seu poder gráfico ainda é inferior aos concorrentes.
A Microsoft e a Sony lançaram em 2013 os seus consoles da nova geração, o Xbox
One e Playstaton 4, respectivamente. Ambos tem foco na jogatina online, permitindo
inclusive a transmissão ao vivo de partidas. As vendas ainda são baixas em comparação às
gerações anteriores, pelo pouco tempo no mercado e também pelos consoles ainda não terem
recebido lançamentos de grande impacto para o público. Muitos jogos lançados até aqui são
apenas remasterizações com melhorias gráficas para jogos das gerações passadas. Por
enquanto o Playstation 4 lidera o mercado com mais de 25 milhões de unidades vendidas,
enquanto o Xbox One e o Wii U disputam a vice-liderança, com cerca de 10 milhões de
consoles vendidos para cada um (LIST OF MILLION-SELLING GAME CONSOLES, 2015).
Não é possível prever até quando irá durar essa geração de videogames e quais as
inovações que ela ainda apresentará. Existem projetos promissores no campo da realidade
34
virtual patrocinados pela indústria dos videogames, mas o apelo comercial dos mesmos é uma
incógnita. O que parece certo é que essa indústria continuará forte, com lucros na casa dos
bilhões e uma concorrência cada vez mais acirrada, produzindo jogos que impactam
culturalmente na sociedade e que fazem frente para outras formas de entretenimento, como a
televisão e o cinema.
Fig. 17 – Mario Kart 8 (esq.), Forza Motorsport 5 (centro) e Metal Gear Solid V: The Phantom Pain (dir.)
2.10 Outros tipos de videogames
Fig. 18 – Fliperamas: Space Invaders (esq.), Donkey Kong (centro) e Street Fighter II (dir.)
Embora o foco deste capítulo sejam os consoles domésticos, outros tipos de
videogames também foram importantes para a evolução da indústria. No início do surgimento
dos videogames, os fliperamas (“arcades”) eram mais avançados graficamente do que os
consoles, sendo que jogos de grande sucesso na época, como o Pac-Man, surgiram
inicialmente para essas máquinas. Alguns dos jogos de fliperama foram grandes fenômenos
comerciais, como neste caso narrado por Daniel Gularte:
Toshihiro Nishikado foi o criador e programador responsável pelo jogo
considerado ícone dos arcades. A partir de um sonho que teve sobre invasão de
alienígenas, Toshihiro criou Space Invaders, em que uma bateria antiaérea
controlada pelo jogador na base da tela atirava em alienígenas que se aproximavam
da Terra. O jogo foi lançado pela Taito no Japão e vendeu mais de 100 mil unidades.
O sucesso foi tanto que o governo japonês teve que aumentar a produção de moedas
de 100 Yens, em virtude do uso excessivo de moedas (GULARTE, 2010, p. 50).
35
Os fliperamas foram muito populares principalmente entre os anos 80 até o começo da
década de 90. Como seu lucro dependia de uma alta rotatividade de jogadores, os gêneros de
jogos eram limitados, sendo o de luta um dos mais comuns. Street Fighter II foi um dos jogos
de fliperama de maior sucesso, um verdadeiro fenômeno de sua época. Daniel Gularte detalha
a importância do jogo:
Street Fighter II montou uma cultura de jogos de luta. Filas e filas eram
montadas em frente à máquina do jogo, onde jogadores desafiavam entre si para
saber quem era o melhor de todos. Ao mesmo tempo, multidões de amontoavam
para ver um único jogador enfrentar o mais forte dos guerreiros, contra o último
inimigo. Além disso, o jogo caprichou em riqueza de detalhes e levou a níveis
superiores os conceitos dos personagens (GULARTE, 2010, p. 57).
No final da década de 90 os fliperamas foram perdendo seu espaço, entre outros
motivos, por já não existir mais a defasagem tecnológica em relação aos consoles domésticos
como antigamente. Eles ainda existem e continuam lançando novos jogos atualmente, mas
sem a mesma relevância que tiveram em seus anos mais gloriosos.
Fig. 19 – Computadores e jogos: Toshiba MSX (esq.), Doom II (centro) e Age of Empires (dir.)
Os jogos para computadores também possuem sua história própria. As origens do
videogame estão diretamente ligadas aos computadores de uso geral. Já na década de 80 os
jogos para computadores domésticos eram muito mais populares do que os jogos para
consoles na Europa, por exemplo. Daniel Gularte explica esse cenário:
A indústria de computadores foi muito favorecida com o crash dos
videogames de 1983. Na Europa e no Japão, o mercado de computadores domésticos
estava consolidado.
(...) Nesse intervalo de tempo, os jogos criados para computadores buscavam
o entretenimento individual. Quanto à usabilidade, criavam-se soluções para que os
jogadores utilizassem o teclado em vez de controles de jogo, pois na época, um
36
joystick era um caro acessório e poucos modelos vinham com esse produto
(GULARTE, 2010, p. 101-102).
Assim como os fliperamas, os jogos para computador também fizeram mais sucesso
em determinados gêneros, devido à adaptação dos controles para teclado. Jogos de estratégia e
de tiro eram os de maior apelo comercial. Também tinham como característica serem mais
graficamente avançados que os jogos de console da mesma época, acompanhando a evolução
mais rápida dos computadores. Alguns dos jogos de sucesso desenvolvidos originalmente
para computadores foram: Doom, Age of Empires, The Sims, Half-Life, etc. Outra
característica importante vista mais recentemente foi que os computadores eram a porta de
entrada de jogos de produtoras independentes no mercado dos videogames. Atualmente eles
representam uma importante fatia da indústria dos videogames, e plataformas unificadas de
vendas como o Steam, facilitou o acesso e expandiu o público desses jogos.
Fig. 20 – Jogos para portáteis: Tetris (esq.), Pokémon Yellow (centro) e Angry Birds (dir.)
Também merecem destaque os videogames portáteis, aparelhos de pequeno porte que
reproduzem jogos eletrônicos. O Game Boy da Nintendo é o maior ícone de sucesso nesse
ramo da indústria dos videogames. Daniel Gularte afirma:
Foi por meio da Nintendo que o mundo abraçou o mercado de portáteis. O
Game Boy, lançado em abril de 1989, revolucionava com um dispositivo que
utilizava o mesmo sistema de controle do Nintendo NES e a possibilidade de troca
de cartuchos. O aparelho foi concebido por Gumpei Yokoi, o mesmo criador dos
primeiros minigames de sucesso no mundo e também da série de jogos Metroid.
Como praxe da Nintendo, o Game Boy vinha com um cartucho incluso, no
caso o jogo Tetris, extremamente popular nos árcades. Foi através do Game Boy que
esse título se tornou um dos mais jogados do mundo (GULARTE, 2010, p. 115).
37
Outro grande sucesso de vendas do Game Boy foi a franquia Pokémon. Com
sucessivos recordes de vendas era sempre o maior atrativo para os novos portáteis lançados
pela Nintendo após o Game Boy. Além dos jogos, Pokémon virou um fenômeno comercial,
através de animes, filmes, produtos e etc., se espalhando pelo mundo e sendo quase tão
importante para a Nintendo como o Mario.
A Sony tentou disputar com a Nintendo o mercado de portáteis através do PSP e do
PSP Vita, mas nunca conseguiu incomodar muito a concorrente. A Nintendo sempre teve uma
liderança tranqüila, desde as várias versões do Game Boy, até chegar ao mais recente
Nintendo 3DS.
A grande ameaça para esse mercado acabou sendo os jogos para celulares, devido ao
enorme crescimento e avanço tecnológico desses aparelhos nos últimos anos. Jogos mais
casuais, acessíveis para todos os públicos, e com outras estratégias de vendas (baixo preço e
lucro através da compra dentro do jogo) fazem com que atualmente os celulares sejam um dos
mais importantes aparelhos utilizados para jogar, mesmo não tendo sido desenvolvidos
especificamente para este fim. Angry Birds ainda é o maior símbolo de sucesso de jogos para
celulares, mas já existem outros casos de sucesso, como o Candy Crush, e é cada vez maior o
número de franquias dos consoles que recebem versões para celulares, tentando alcançar um
público consumidor potencialmente muito mais numeroso do que de qualquer outro aparelho
de videogame.
2.11 Comparativo entre as gerações de consoles
Para concluir o capítulo, reuniremos as características mais importantes de cada uma
das gerações em uma tabela comparativa. Ela será inspirada na tabela elaborada por Alan
Richard da Luz (2010, p. 79, Figura 2.1) e também na página “Lista de consoles de
videogames” (WIKIPÉDIA, 2015), com algumas modificações. Fica a ressalva que as datas
adotadas seguem os lançamentos nos Estados Unidos, pois no Brasil quase sempre os
videogames chegavam com algum atraso. Além da evolução tecnológica dos videogames,
talvez a conclusão mais importante que devemos levar desse capítulo para os objetivos do
presente trabalho seja a rápida obsolescência dos videogames, característica que terá
conseqüências nas discussões referentes ao tratamento arquivístico que serão levantadas nos
próximos capítulos. Segue abaixo a tabela comparativa entre as gerações de videogames:
38
Poder Gráfico
Características
Consoles
principais
Jogos
representativos
1ª
1972
a
1977
Microprocessadores
de até 4 bits
Baseados em
circuitos
elétricos, um
único jogo na
memória
Odissey
100, Atari
Pong,
Coleco
Telstar
Pong, Tank (e
outros “clones”)
2ª
1976
a
1984
Microprocessadores
de até 8 bits com
arquitetura simples
Primeiros
consoles com
cartuchos
Fairchild
Channel F,
Atari 2600,
Atari 5400
Pac-Man,
Pitfall!,
Asteroids
Microprocessadores
de 8 bits com
arquitetura complexa
Jogos criativos,
empresas
japonesas
conquistam os
EUA
Atari 7800,
Master
System,
NES
Alex Kidd in
Miracle World,
Super Mario
Bros, The
Legend of
Zelda
Microprocessadores
de 16 bits
Rivalidade
acirrada entre
Sega e Nintendo,
personagens
como ícones pop
Mega Drive,
NeoGeo,
Super
Nintendo
Sonic the
Hedgehog,
Super Mario
World, Donkey
Kong Country
Saturn,
Playstation,
Nintendo 64
Final Fantasy
VII, Gran
Turismo,
GoldenEye 007
Geração Data
3ª
1983
a
1992
4ª
1987
a
1996
5ª
1993
a
1999
Microprocessadores
de 32 e 64 bits
CDs passam a ser
a mídia
dominante,
introdução do 3D
6ª
1998
a
2004
Microprocessadores
de 64 bits com
arquitetura de 128
bits
Aprimoramento
do 3D, busca por
uma linguagem
cinematográfica
Dreamcast,
Playstation
2,
GameCube,
Xbox
Shenmue, Final
Fantasy X,
Grand Theft
Auto: San
Andreas
7ª
2005
a
2012
Capacidade gráfica
HD
Massificação do
conteúdo online,
recordes de
vendas, novas
formas de
controle
Xbox 360,
Playstation
3, Nintendo
Wii
Halo 3, Grand
Theft Auto V,
Wii Sports
8ª
2013
a
(...)
Capacidade gráfica
Full HD
Central
multimídia, jogos
ultra realistas
Nintendo
Wii U,
Playstation
Mario Kart 8,
Metal Gear
Solid V: The
39
4, Xbox
One
Phantom Pain,
Forza
Motorsport 5
40
3 REVISÃO DE CONCEITOS
No presente capítulo, pretendemos analisar se os videogames podem ser considerados
como documentos arquivísticos e quais as implicações e desafios para um arquivo incorporar
os videogames em seu acervo.
Para dar fundamento a essa análise, discutiremos separadamente os conceitos de
arquivo, documento arquivístico e videogame. Compreendendo cada um desses três
conceitos-base para esta pesquisa, tentaremos estabelecer como eles podem se relacionar,
relação essa que será estudada mais detalhadamente no terceiro capítulo, com a aplicação do
questionário para instituições arquivísticas e projetos de preservação de videogames.
Fica a ressalva que não se pretende esgotar os conceitos aqui apresentados, pois não é
essa a intenção de uma monografia de conclusão de curso. O intuito é apenas situar os
videogames dentro do contexto dos arquivos e documentos arquivísticos, contribuindo para a
análise dos questionários, foco do presente trabalho.
3.1 Arquivo
A palavra “arquivo” tem sua origem etimológica no termo grego “arkheion”, que é
composto pelos termos “arkhaios” (antigo) e “epo” (dispor, ter cuidado). Seu primeiro
significado foi “cuidar de coisas antigas” (sendo que o termo “coisas antigas” adquiriria o
significado de documentos com o passar do tempo). O termo grego daria origem ao termo em
latim “archivum”, o qual acabou se transformando em “arquivo” na Língua Portuguesa (em
Portugal também é utilizado o termo “ficheiro”).
Atualmente, o termo “arquivo” apresenta diferentes significados. Pode ser empregado
para designar o objeto onde se guardam documentos (um tipo específico de armário), uma
instituição cuja finalidade seja guardar documentos (Arquivo Nacional, por exemplo) ou o
próprio acervo em si, significado que mais se aproxima do objeto de estudo desse trabalho.
Também pode adquirir significados completamente distintos para a área da Informática.
41
Schellenberg, arquivista norte-americano, discute as consequências de um mesmo
termo apresentar diferentes sentidos (observemos que o termo em inglês “archives” não
apresenta exatamente os mesmos sentidos que em português):
A palavra archives, de origem grega, é definida no Oxford English
Dictionary como: a) “lugar onde são guardados os documentos públicos e outros
documentos de importância; e b) registro histórico ou documento assim preservado”.
Essa definição é um pouco confusa, em virtude do seu duplo sentido. Na linguagem
corrente, principalmente na literatura técnica, deve-se distinguir entre a instituição e
os materiais de que se ocupa (SCHELLENBERG, 2006, p. 35).
No Dicionário de Português Online Michaelis, encontramos a seguinte definição da
palavra arquivo (ele também recupera um segundo termo, que está ligado à área da
informática e não é aquele que interessa a esse trabalho):
arquivo1
ar.qui.vo1
sm (lat archivu, do grarkheîon) 1 Casa ou móvel onde se conservam ou guardam
documentos escritos. 2 Repositório ou coleção de qualquer espécie de documentos
ou outros materiais, como manuscritos, fotografias, correspondência etc. importantes
para as instituições civis ou governamentais, ou de valor histórico. 3 Conjunto de
tradições. 4 Indivíduo que retém tudo de memória. 5 Registro. 6 Título, no singular
ou plural, de publicações de sociedades científicas: Arquivos de Biologia. A.
morto: o de documentos muito antigos, numa repartição, e que raramente é
consultado. A. público: Repartição oficial onde se conservam documentos do
governo. A. vivo: o de documentos de interesse no presente [sublinhado nosso]
(MICHAELIS, 2015).
Para o nosso estudo, a definição do Dicionário Michaelis que mais interessa é a
segunda (sublinhada). Mesmo sendo uma definição conforme uma visão comum da sociedade
e não o conceito adotado pela área da Arquivologia, já expressa uma aproximação com este.
Importante ressaltar que já no dicionário o termo “arquivo” não se limita a documentos
exclusivamente em papel, citando exemplos de suportes diferentes para os documentos de um
arquivo.
O primeiro registro detalhado sobre a prática de organização de arquivos e uma
referência para a Arquivologia no mundo ocidental ficou conhecida como Manual dos
42
Arquivistas Holandeses, escrita por S. Muller, J. A. Feith e R. Fruin e publicado em 1898. Em
seu capítulo inicial encontra-se a definição de arquivo por eles utilizada:
Arquivo é o conjunto de documentos escritos, desenhos e material impresso,
recebidos ou produzidos oficialmente por determinado órgão administrativo ou por
um de seus funcionários, na medida em que tais documentos se destinavam a
permanecer na custódia desse órgão ou funcionário (ARQUIVO NACIONAL, 1973,
p. 11).
Esta definição representa a visão daquela época, restringindo os documentos de
arquivo aos materiais impressos. Apesar dessa limitação, já apresenta características que
seriam as bases de conceitos futuros, como o conjunto de documentos produzidos ou
recebidos pela instituição detentora do acervo. Caso esta definição ainda fosse aceita
integralmente atualmente, os videogames não poderiam jamais poderiam ser documentos
arquivísticos, e esta pesquisa não teria motivo para ser realizada.
Partindo para conceitos mais atuais da área da Arquivologia, encontra-se essa
definição de arquivo segundo o Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística, elaborado
pelo CONARQ:
1 Conjunto de documentos produzidos e acumulados por uma entidade coletiva,
pública ou privada, pessoa ou família, no desempenho de suas atividades,
independentemente da natureza do suporte. Ver também fundo.
2 Instituição ou serviço que tem por finalidade a custódia, o processamento
técnico, a conservação e o acesso(1) a documentos.
3 Instalações onde funcionam arquivos(2).
4 Móvel destinado à guarda de documentos (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 27).
Neste caso, o conceito que nos interessa é o primeiro, em que arquivos significam
conjunto de documentos. Nele está explícito que o suporte desse conjunto de documentos não
é um fator limitador para que possa ser considerado como arquivo. E outra característica
essencial que norteia o conceito é que esses documentos são produzidos como conseqüência
das atividades do produtor.
Embora já tenha mais de 20 anos, a Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991, conhecida
como Lei dos Arquivos, ainda é referência no país para qualquer discussão da área. Em seu
Capítulo I, nas Disposições Gerais, ela define assim o conceito de arquivo:
43
Art. 2º - Consideram-se arquivos, para os fins desta Lei, os conjuntos de documentos
produzidos e recebidos por órgãos públicos, instituições de caráter público e
entidades privadas, em decorrência do exercício de atividades específicas, bem
como por pessoa física, qualquer que seja o suporte da informação ou a natureza dos
documentos (BRASIL, 1991).
O conceito nela apresentado é semelhante ao do Dicionário Brasileiro de Terminologia
Arquivística, embora um pouco mais detalhado, incluindo também o termo “informação”
além de documentos. Mais uma vez está presente expressamente no conceito que o
documento que compõe o arquivo pode estar em qualquer tipo de suporte.
Já o arquivista norte-americano Theodore Roosevelt Schellenberg é um dos teóricos
mais tradicionais da área da Arquivologia. Em seu livro “Arquivos modernos: princípios e
técnicas”, ele faz uma revisão do conceito de “arquivo” ao longo do tempo para poder
formular a sua própria. A respeito dos diferentes conceitos de “arquivo” pelo mundo,
Schellenberg diz:
Se analisarmos os elementos destacados nas definições dos arquivistas dos
diversos países, veremos que se relacionam tanto a fatores concretos (tangible) como
a fatores abstratos (intangible). Os elementos relativos aos fatores concretos - a forma
dos arquivos, a fonte de origem e o lugar de sua conservação - não são essenciais à
caracterização do material de arquivo, pois os arquivistas, em suas definições, deixam
claro que os arquivos podem ter várias formas, podem vir de várias fontes e podem
ser guardados em vários lugares. Os elementos relativos a fatores abstratos são os
elementos essenciais. Sou de opinião que só existem dois elementos nessa natureza;
contudo, consideraremos também um terceiro elemento que Jenkinson reputa
essencial (SCHELLENBERG, 2006, p. 37).
Pode-se notar que na opinião de Schellenberg, o suporte também não deve ser
considerado como uma característica definidora dos documentos de arquivo. Em relação aos
elementos essenciais definidores dos arquivos, o autor detalha:
O primeiro elemento essencial refere-se à razão pela qual os materiais foram
produzidos e acumulados. Para serem considerados arquivos, os documentos devem
ter sido criados e acumulados na consecução de algum objetivo. (...)
O segundo dos elementos essenciais refere-se aos valores pelos quais os
arquivos são preservados. Para que os documentos sejam arquivados devem ser
preservados por razões outras que não apenas aquelas para as quais foram criados ou
acumulados. Essas razões tanto podem ser oficiais quanto culturais. (...)
44
Um terceiro elemento, que, segundo Jenkinson, é essencial à característica
dos arquivos, refere-se à custódia. Para este autor os documentos são arquivos se “o
fato da custódia ininterrupta” puder ser estabelecido, ou, se ao menos, se puder
estabelecer uma “presunção razoável” do mesmo. Uma “razoável presunção” desse
fato, segundo aquele autor, é a differentia entre um documento que é e um que não é
considerado material de arquivo (SCHELLENBERG, 2006, p. 37-39).
Após a análise das definições de “arquivo” de outros autores, Schellenberg formula
sua própria definição:
O termo “arquivos” pode agora ser definido como:
“Os documentos de qualquer instituição pública ou privada que hajam sido
considerados de valor, merecendo preservação permanente para fins de referência e
de pesquisa e que hajam sido depositados ou selecionados para depósito, num
arquivo de custódia permanente.”
As características essenciais dos arquivos relacionam-se, pois, com as razões
pelas quais os documentos vieram a existir e com as razões pelas quais foram
preservados (SCHELLENBERG, 2006, p. 41).
Para compreender a definição de arquivo de Schellenberg, é importante esclarecer que
na tradição arquivística norte-americana existe uma separação entre os arquivos correntes e
arquivos permanentes. O termo “arquivos” em sua definição se aproxima mais do que
chamamos de arquivos permanentes. Essa característica será mais bem compreendida no
próximo subitem deste capítulo, quando apresentaremos também a definição de Schellenberg
para documentos.
De toda forma, pode-se observar que em geral a definição de “arquivos” para
Schellenberg é bastante próxima da encontrada em dicionários e na legislação arquivística
brasileira. Seus elementos essenciais definidores do termo estão representados nas definições
de arquivo válidas no Brasil. São esses os elementos que iremos analisar posteriormente para
responder se os videogames podem ser considerados como documentos integrantes de um
acervo arquivístico.
Outro pensador importante para a área da Arquivologia é o arquivista português
Armando Malheiro da Silva. Em seu livro “Arquivística: Teoria e prática de uma ciência da
informação”, junto com outros pesquisadores portugueses ele revisita alguns conceitos e
propõe uma definição de arquivo que considera mais adequada. Sua definição é a seguinte:
45
Arquivo é um sistema (semi-)fechado de informação social materializada em
qualquer tipo de suporte, configurado por dois factores essenciais – a natureza
orgânica (estrutura) e a natureza funcional (serviço/uso) – a que se associa um
terceiro – a memória – imbricado nos anteriores (SILVA et al, 1999, p. 214).
Embora este conceito de arquivo fuja um pouco do tradicional, ao considerar um
arquivo não como um conjunto de documentos e sim como um sistema de informação social,
faz-se presente novamente que o suporte não é uma característica definidora do arquivo. O
sistema (semi-)fechado de informação social não restringiria por si só a inclusão dos
videogames no acervo, desde que respeitado os fatores essenciais de que fala o autor.
Outro conceito que contribui para o entendimento de arquivos é o conceito de
“arquivo pessoal”. Se antigamente era visto com ressalvas pelos arquivistas, atualmente já é
mais aceito como algo de interesse da Arquivologia. Heloísa Belloto, em seu livro “Arquivos
permanentes: tratamento documental”, apresenta sua definição para arquivos pessoais:
conjunto de papéis e material audiovisual ou iconográfico resultante da vida e da
obra/atividades de estadistas, políticos, administradores, líderes de categorias
profissionais, cientistas, escritores, artistas etc. Enfim, pessoas cuja maneira de
atuar, agir, pensar e viver possa ter algum interesse para as pesquisas nas respectivas
áreas onde desenvolveram suas atividades; ou ainda pessoas detentoras de
informações inéditas em seus documentos que, se divulgadas na comunidade
científica e na sociedade civil, trarão fatos novos para as ciências, a arte e a
sociedade (BELLOTO, 2004, p. 266).
Luciana Heymann faz uma análise sobre como os arquivos pessoais são vistos pela
Arquivologia em sua obra “O lugar do arquivo: a construção do legado de Darcy Ribeiro”:
As definições de arquivos pessoais pela disciplina arquivística em geral
caracterizam os titulares desses fundos como “estadistas”, “políticos”, “cientistas”
ou “literatos”, vinculando a identidade do acumulador ao desempenho de uma
atividade profissional. As representações associadas aos arquivos pessoais – entre as
quais operam os juízos históricos sobre o que pode ter valor para a pesquisa e para o
patrimônio documental da coletividade – parecem consagrar, nessa acanhada
tipologia, arquivos de titulares cuja atuação pública conferiria a seus papéis um
interesse público e histórico inconteste, de um lado, e os arquivos que melhor
expressariam a natureza “autoral” dos conjuntos documentais acumulados por
indivíduos, cuja atividade literária poderia ser acompanhada pela análise de
rascunhos e versões, caros aos estudos de crítica genética, de outro. Os cientistas
ocupariam, talvez, uma posição intermediária, pois estão inseridos em grupos e
instituições de pesquisa, ao mesmo tempo que desenvolvem atividades que
conferem a seus papéis também uma dimensão autoral. Seja como for, a
46
caracterização dos arquivos pessoais ressalta a dimensão “funcional” da vida de seus
titulares, ou seja, as atividades que desempenharam na cena pública (HEYMANN,
2012, p. 54-55).
Os arquivos pessoais, pelo que foi apresentado pelas duas autoras, também não
possuem restrição de suporte e focam no interesse daquele acervo para pesquisas e
compreensão da sociedade em que a pessoa esteve inserida. São acervos de pessoas que
ocuparam algum papel de destaque em suas atividades profissionais. A possibilidade de
videogames integrarem acervos de arquivos pessoais será discutida também no presente
trabalho, em um momento posterior.
3.2 Documento arquivístico
Com a compreensão de que para os efeitos desse trabalho o conceito de arquivo que
nos interessa é aquele em que arquivos são conjuntos de documentos, passamos para a
próxima análise, tentando compreender o que seriam esses documentos, lembrando que
também existe uma diferença entre documentos e documentos arquivísticos.
Inicialmente, recorreremos a uma definição mais genérica, encontrada no Dicionário
de Português Online Michaelis:
documento
do.cu.men.to
sm (lat documentu) 1 Dir Instrumento escrito que, por direito, faz fé daquilo que
atesta; escritura, título, contrato, certificado, comprovante. 2 Escrito ou impresso
que fornece informação ou prova. 3 Qualquer fato e tudo quanto possa servir de
prova, confirmação ou testemunho. 4 obsol Aquilo que ensina, que serve de
exemplo. 5 Escrito oficial de identificação pessoal. D. autêntico: o exarado por
oficial público, ou com intervenção deste exigida por lei. D. composto,
Inform:documento que contém informações criadas através de várias outras
aplicações.D. particular: documento redigido e firmado por qualquer pessoa sem
intervenção de oficial público. D. precatório, Dir: documento pelo qual um órgão
judicial requer a outro, do município diferente, a prática de ato processual que é
realizado nos limites territoriais do município solicitado. Tamanho não é
documento:expressão que significa a insuficiência da superioridade física
(MICHAELIS, 2015).
47
Podemos perceber que para o senso comum, o significado mais importante de
documento está ligado ao caráter de prova, que comprova algo ou um direito. Também é
citado que além da prova, o documento pode conter informação. A característica de ser um
objeto escrito está presente nessa definição, mas podemos relativizar esse entendimento, pois
é natural que para grande parte da população documento seja sinônimo de papel, já que esse
foi o suporte predominante já há muitos séculos.
Procurando por uma fonte mais especializada, encontra-se uma definição de
documento bem mais sucinta no Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística:
“documento: Unidade de registro de informações, qualquer que seja o suporte ou formato”
(ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 73). Nesta definição já podemos verificar o mesmo
conceito presente na definição de arquivos, ou seja, que não existe um tipo determinado de
suporte ou formato para que seja considerado um documento.
O Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística apresenta definições de outros
tipos de documentos. Abaixo serão relacionados dois termos mais próximos da linguagem
audiovisual:
documento audiovisual
Gênero documental integrado por documentos que contêm imagens, fixas ou em
movimento, e registros sonoros, como filmes(2) e fitas videomagnéticas. Ver
também documento filmográfico, documento iconográfico e documento sonoro.
documento especial
Documento em linguagem não-textual, em suporte não convencional, ou, no caso
de papel, em formato e dimensões excepcionais, que exige procedimentos
específicos para seu processamento técnico, guarda e preservação, e cujo acesso
depende, na maioria das vezes, de intermediação tecnológica (ARQUIVO
NACIONAL, 2005, p. 73 e 75).
O termo “documento especial” é mais antigo e costumava ser utilizado quase que
genericamente para documentos que fugissem dos padrões convencionais de documentos de
arquivo. Já o termo “documento audiovisual”, nessa definição, é considerado um gênero
documental, abrangendo tipos diferentes de documentos, como fotografias, filmes e registros
sonoros.
A Câmara Técnica de Documentos Audiovisuais, Iconográficos e Sonoros (CTDAIS),
ligada ao CONARQ, elaborou um glossário em 2014 que possui uma versão mais atualizada
para o termo “documento audiovisual”, pois separa este termo de documento iconográfico,
48
documento musical e documento sonoro. Ele está assim definido: “Documento audiovisual:
Gênero documental integrado por documentos que contém imagens, com finalidade de criar a
impressão de movimento, associadas ou não a registros sonoros” (CONARQ, 2014, p. 8-9).
Este glossário também apresenta uma definição de documento arquivístico:
“Documento dotado de organicidade, produzido ou recebido por uma instituição, pessoa ou
família no decorrer de suas atividades, independente do suporte e linguagem” (CONARQ,
2014, p. 8). Este conceito segue a mesma linha dos demais apresentados, ressaltando a
organicidade, característica essencial para um documento de arquivo.
Na ISAD (G), Norma geral internacional de descrição arquivística, do Conselho
Internacional de Arquivos, encontra-se as seguintes definições de documento e documento de
arquivo:
Documento(document) - Informação registrada, independentemente de suporte ou
características. (Ver tb. Documento de arquivo)
Documento de arquivo(record) - Informação registrada, independentemente de
forma ou suporte, produzida ou recebida e mantida por uma instituição ou pessoa no
decurso de suas atividades públicas ou privadas (ARQUIVO NACIONAL, 2000, p.
15).
Mais uma vez notamos uma coerência entre a definição de documentos de arquivo e as
definições de arquivos levantadas anteriormente. O suporte ou forma em que o documento
está armazenado não importa, mas sim o motivo pelo qual o documento foi produzido ou
acumulado.
Outro importante definição de documentos para a área da Arquivologia é a de
Schellenberg. Em seu livro “Arquivos modernos: princípios e técnicas”, o termo está assim
definido:
Minha definição de documentos (records) é a seguinte:
“Todos os livros, papéis, mapas, fotografias ou outras espécies
documentárias, independentemente de sua apresentação física ou características,
expedidos ou recebidos por qualquer entidade pública ou privada no exercício de
seus encargos legais ou em função das suas atividades e preservados ou depositados
para preservação por aquela entidade ou por seus legítimos sucessores como prova
de suas funções, sua política, decisões, métodos, operações ou outras atividades, ou
em virtude do valor informativo dos dados neles contidos.” (SCHELLENBERG,
2006, p. 40 – 41)
49
Pode-se observar que a definição de documentos segundo Schellenberg está
contemplada na definição de arquivos aceita no Brasil. Mais uma vez podemos comprovar
que os documentos que integram um arquivo podem estar em diferentes tipos de suportes,
sendo mais importante o motivo pelo qual foram produzidos e por que deveriam ser
preservados. O autor ressalta esses pontos no mesmo livro citado anteriormente:
Aceitamos, agora, que para serem arquivos, os documentos devem ter sido
produzidos ou acumulados na consecução de um determinado objetivo e possuir
valor para fins outros que não aqueles para os quais foram produzidos ou
acumulados (SCHELLENBERG, 2006, p. 41).
Após essa apresentação de algumas definições aceitas pela área referente a arquivos e
documentos arquivísticos, percebe-se que eles são conceitos complementares e que uma
característica fundamental para perceber se videogames poderiam compor um acervo
arquivístico é que já é um consenso na área de que não existe uma limitação de suportes para
esse tipo de documento. Com essa constatação, podemos passar para o próximo termo base
para o presente estudo, os videogames, que será analisado no próximo subitem.
3.3 Videogame
Conforme já visto no capítulo referente à história dos videogames, a palavra
“videogame” em português apresenta mais de um sentido, podendo ser o objeto que roda os
jogos (console) ou os próprios jogos eletrônicos. Para além desses sentidos, os videogames
também pode ser de diferentes tipos, como consoles domésticos, arcades, consoles portáteis
ou jogos para computadores. O foco desse trabalho será os consoles domésticos e seus jogos,
mas fica o registro que “videogames” é um termo muito mais amplo em nossa língua.
Antes de definir o termo “videogame”, lembramos que apesar de ser eletrônico e
dependente da tecnologia, ele não deixa de ser um tipo de jogo. Para compreender o que isso
significa, recorremos aos autores Katie Salen e Eric Zimmerman, que em seu livro “Regras do
jogo: fundamentos do design de jogos”, debatem o ato de jogar e a interação lúdica:
50
A relação entre jogos e interação lúdica pode ser estruturada de duas
maneiras:
- Os jogos são um subconjunto da interação lúdica. Os jogos constituem uma
parte formalizada de todas as atividades consideradas como sendo jogar.
- A interação lúdica é um elemento de jogos. A interação lúdica é uma maneira de
enquadrar o fenômeno complexo dos jogos (SALEN e ZIMMERMAN, 2012, p 33).
Os videogames são uma forma mais evoluída tecnologicamente de interação lúdica.
Possuem regras próprias e diferentes para cada jogo jogado. Os jogadores precisam jogar
contra ou cooperando com outros jogadores, humanos ou controlados por inteligência
artificial. Fazem parte dessa atividade mais genérica do “jogar”, existente desde os primórdios
da vida humana em sociedade.
Como feito anteriormente, consultaremos um dicionário de Língua Portuguesa para
apresentar uma definição do termo. No Dicionário de Português Online Michaelis encontrase:
videogame
vi.de.o.ga.me
(vídeo guêim) sm (ingl videogame) 1 Software interativo com fim recreativo,
acoplado a um dispositivo para exibição visual de dados e a um outro dispositivo de
entrada de dados, o que permite ao usuário interagir com o mesmo. 2 Videocassete
com gravação de jogo eletrônico; videojogo. 3 Eletrôn Computador dedicado,
com joystick e adaptador de vídeo, projetado exclusivamente para jogos; console de
jogos (MICHAELIS, 2015).
Percebe-se nesta definição os diferentes sentidos para o termo, embora não apresente
os diferentes tipos de videogames existentes. Também podemos argumentar que atualmente já
não temos apenas a recreação como finalidade de um videogame, pois já existem muitos jogos
desenvolvidos ou utilizados para fins educacionais ou mesmo pela medicina como apoio no
tratamento de algumas doenças. Mas a definição básica está ali presente, um software que
necessita de um aparelho específico para rodar, e que tem como principal característica a
interatividade, o que o diferencia de quase todas as outras formas de entretenimento.
A Wikipédia define assim o termo videogames, dentro da página do verbete “Jogo
Eletrônico”:
51
Um jogo eletrônico (português brasileiro) ou jogo eletrónico (português europeu)
(ou também videogame ou vídeo game no Brasil e jogo de vídeo ou videojogo, em
Portugal), é um jogo no qual o jogador interage com imagens enviadas a um
dispositivo que as exibe, geralmente uma televisão ou um monitor. O termo
videogame, também, é amplamente utilizado, no Brasil, para se referir ao console
onde os jogos são processados (JOGO ELETRÔNICO, 2015).
Já o livro “Jogos eletrônicos: 50 anos de interação e diversão” descreve um tipo
específico de videogame, os consoles:
Conhecidas mundialmente com o nome de consoles, possuem no Brasil um
nome mais genérico para todos os jogos eletrônicos: o videogame. Trata-se de um
dispositivo preparado para se conectar ao televisor ou qualquer outro dispositivo
visual, tornando-se uma unidade de processamento de dados, vídeo e som.
Apesar de seus primeiros modelos apenas possuírem de um a quatro jogos,
os consoles se tornaram mundialmente conhecidos pela capacidade de processar
diferentes jogos, por meio de cartuchos ou diferentes mídias, como Compact Disc
(CD) e Digital Video Disc (DVD).
Outra característica dos consoles é a facilidade de conexão e uso em
residências, diferenciando-se assim dos árcades. Assim, os consoles dividem o
mercado consumidor intitulando-se centrais de entretenimento caseiro.
Os consoles são os dispositivos de jogos eletrônicos mais consumidos e
populares do mercado. Com sua proposta de aparelho doméstico de entretenimento,
oferece aos seus usuários experiências ricas e variadas. Com o avanço das novas
tecnologias e a fusão de mídias e padrões, os videogames se tornaram mais do que
uma central de jogos, mas adotam também o conceito de central multimídia, como
os computadores (GULARTE, 2010, p. 35-36).
Embora existam os mais diferentes tipos de videogames, alguns deles com suas
trajetórias detalhadas no capítulo anterior, a característica mais fundamental para diferenciálos de outras obras de entretenimento é sua interatividade. Ele se vale de imagens, sons, etc.,
reproduzidos em um aparelho eletrônico, mas é o controle do jogador sobre o personagem que
o define como um videogame. O jogador de videogame é um participante ativo da história
contada, ela só prossegue após o jogador atingir determinados objetivos através de seu próprio
esforço. Essa característica definidora dos videogames acaba sendo também um dos fatores
que dificultam sua preservação, e será discutida nas conclusões deste trabalho.
3.4 Videogames como documentos arquivísticos
52
Finalizando o capítulo, com as definições aqui apresentadas de videogames, arquivos e
documentos arquivísticos, fica claro que, conceitualmente falando, não há nada nas definições
mais utilizadas na área da Arquivologia que impeçam videogames de serem considerados
documentos arquivísticos.
O não impedimento constatado na terminologia da área não significa automaticamente
que os videogames são sim documentos arquivísticos. Faz-se necessário levar outros fatores
em consideração, para determinar se no contexto da instituição ou pessoa em questão os
videogames cumprem os outros requisitos de um documento arquivístico.
Para aprofundar essa questão, no capítulo seguinte serão analisadas as respostas
obtidas após a aplicação de um questionário em instituições arquivísticas brasileiras e
instituições internacionais que trabalham com a preservação de videogames. Nas conclusões
do presente trabalho os dados obtidos serão cruzados com os conceitos discutidos neste
capítulo.
53
4 ANÁLISE DAS RESPOSTAS DOS QUESTIONÁRIOS
Um dos objetivos do presente trabalho é averiguar como os videogames são vistos
e/ou tratados pelos Arquivos. Para poder compreender melhor o atual cenário, foram
elaborados dois questionários enviados por e-mail para alguns Arquivos, nacionais e
internacionais. Fez-se necessário elaborar dois questionários diferentes, pois no Brasil, como
já era imaginado, não foi localizada nenhuma instituição arquivística que trate os videogames
como parte do acervo, ao contrário do que já ocorre em algumas instituições estrangeiras.
Com isso, no questionário elaborado para as instituições nacionais as perguntas tiveram foco
nos documentos audiovisuais, incluindo a temática dos videogames somente em algumas
questões. As respostas eram abertas, para maior liberdade do participante, e foram limitadas a
10 questões, para maior objetividade e visando também um maior número de respostas. A
apresentação das respostas obtidas será primeiramente pelas instituições nacionais e depois
pelas internacionais, para melhor visualização das mesmas.
4.1 Questionário para instituições arquivísticas brasileiras
Foram selecionadas 10 instituições arquivísticas brasileiras para participarem da
pesquisa. Todas estão localizadas em São Paulo e no Rio de Janeiro, as duas maiores cidades
do país. Também são instituições de referência para a Arquivologia no Brasil, e algumas estão
diretamente ligadas aos documentos audiovisuais.
As instituições escolhidas para a pesquisa foram: Arquivo Nacional, Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro, Arquivo Público do Estado de São Paulo, Arquivo Geral da
Cidade do Rio de Janeiro, Arquivo Histórico de São Paulo, Museu da Imagem e do Som do
Rio de Janeiro, Museu da Imagem e do Som de São Paulo, Arquivo Geral da Universidade de
São Paulo, Arquivo da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e Arquivo da
Universidade Federal Fluminense. Apenas o Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, o
Museu da Imagem e do Som de São Paulo e o Arquivo da Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro não responderam ao questionário, não dando qualquer retorno ao e-mail
enviado, mesmo em tentativas posteriores.
54
O índice de retorno de 70% pode ser considerado satisfatório, dado a média baixa de
participação que esse tipo de pesquisa costuma apresentar. O gráfico abaixo mostra a
participação das instituições na pesquisa:
Respostas ao questionário para instituições
arquivísticas brasileiras
60%
30%
10%
Respostas completas
Não responderam
Respostas parciais
Gráfico 1 – Respostas ao questionário das instituições arquivísticas brasileiras
O Arquivo da Universidade de São Paulo respondeu apenas 4 das 10 questões,
portanto foi classificado como uma resposta parcial. O Arquivo da Universidade Federal
Fluminense não respondeu apenas uma questão (oitava), portanto será considerado como uma
resposta completa por aproximação estatística. Já as outras cinco instituições participantes
responderam a todas as 10 questões formuladas.
Foi feita uma breve apresentação do estudante e da pesquisa, seguida do questionário,
sendo que todo o contato foi feito por meio de comunicação eletrônica. Procurou-se o e-mail
para contato geral da instituição, disponível no web site das mesmas, dentro da seção de
contatos, em geral, e quando não houve retorno buscou-se outro e-mail de alguém responsável
pela pesquisa ou setor audiovisual. A própria instituição escolheu quem seria o responsável
pela resposta, numa tentativa de institucionalizá-las ao máximo, embora seja impossível evitar
alguma individualização em determinadas questões.
O e-mail com o questionário da pesquisa foi escrito e enviado conforme reprodução
abaixo:
55
Título do e-mail: Pesquisa acadêmica sobre documentos audiovisuais em Arquivos.
Texto do e-mail:
Olá, meu nome é Rafael, sou estudante de Arquivologia da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e estou escrevendo um Trabalho de Conclusão de Curso
sobre os documentos audiovisuais em Arquivos, pesquisando a questão dos videogames como
possíveis documentos arquivísticos. Elaborei um questionário com algumas perguntas sobre
o tema, e caso sua instituição possa responder, seria de grande ajuda.
Caso tenha questões adicionais, estou à disposição para esclarecimentos. Desde já,
agradeço a atenção!
Questionário:
1. A instituição possui documentos audiovisuais? Desde quando?
As perguntas 2, 3, 4, 5 e 6 só serão respondidas caso a resposta para a pergunta 1
seja afirmativa. Caso seja negativa, favor continuar a partir da pergunta 7.
2. Quais tipos de documentos audiovisuais a instituição possui no acervo?
3. Os documentos audiovisuais estão armazenados em condições diferentes dos
documentos em papel? Se sim, quais seriam essas diferenças?
4. Existem funcionários especializados no acervo de documentos audiovisuais? Eles
possuem formação em qual área?
5. Quais os objetivos mais comuns para a consulta do acervo audiovisual pelos
usuários?
6. Quais os desafios enfrentados na preservação e tratamento arquivístico dos
documentos audiovisuais?
7. A instituição possui videogames em seu acervo?
8. Se possuir, quais os tipos de videogames? Se não, existe algum plano ou expectativa
para incorporá-los ao acervo?
9. Um jogo de videogame pode ser considerado como um documento arquivístico?
10. Você acredita que é papel dos arquivos cuidar da preservação dos videogames?
56
O questionário foi enviado inicialmente para todas as instituições brasileiras em
outubro de 2014 e reenviadas para aquelas que não responderam em julho de 2015, portanto
refletem a situação desses órgãos somente até as datas em que foram respondidos.
A seguir, as respostas ao questionário serão analisadas por cada questão, considerando
como 100% o universo das instituições que responderam ao e-mail (e em algumas questões a
somatória poderá superar 100% pois uma mesma instituições pode responder com mais de
uma opção). A resposta parcial do Arquivo Geral da Universidade de São Paulo entrará no
total quando a mesma tiver respondido à determinada questão, e não terá representatividade
nas questões em que optou por não responder.
4.1.1 Pergunta 1
A instituição possui documentos
audiovisuais?
85%
15%*
Sim
Não
Gráfico 2 – A instituição possui documentos audiovisuais?
*O Arquivo Geral da Universidade de São Paulo respondeu que não,
mas fez a ressalva de que a USP possui outros acervos arquivísticos.
Desde quando?
44%
14%
14%
14%
Década de 80 Década de 60 Década de 90 Não informado
Gráfico 3 – Desde quando?
14%
Não possui
57
Quase todas as instituições arquivísticas que responderam a pesquisa possuem
documentos audiovisuais em seu acervo. Até a Universidade de São Paulo, embora o Arquivo
Geral que foi o escolhido não os tenha, é muito provável que outros arquivos dessa mesma
universidade tenham esse tipo de documento no acervo. Apesar das instituições pesquisadas
poderem ser considerada como uma “elite” em comparação a outros arquivos menores pelo
país, pode-se observar que os documentos audiovisuais já são uma realidade nos arquivos
brasileiros.
Já a complementação à pergunta inicial revela que a inclusão de documentos
audiovisuais é relativamente recente, pois a maioria das instituições só os incorporou no
acervo a partir da década de 80, ou seja, há menos de 30 anos. Considerando que quase todos
os arquivos pesquisados existem a bem mais tempo do que isso, e os documentos audiovisuais
também são bem mais antigos, verifica-se que houve uma demora até que esse tipo de
documento fosse aceito pela área como um documento arquivístico. A antiga denominação
“documentos especiais” em que se enquadravam os documentos audiovisuais é um dado
relevante, pois indica que já existia uma necessidade de tratamento desses documentos e
também uma resistência em fazê-lo, ficando como algo separado, periférico dos demais
documentos arquivísticos do acervo.
4.1.2 Pergunta 2
Quais tipos de documentos audiovisuais a
instituição possui no acervo?
83%
Fitas videomagnéticas
66%
66%
Películas cinematográficas
Mídias e arquivos digitais
Gráfico 4 – Quais tipos de documentos audiovisuais a instituição possui no acervo?
58
Pelos resultados verificados, nota-se que os 3 principais suportes para documentos
audiovisuais estão presentes nas instituições arquivísticas brasileiras, com maior destaque
para as fitas videomagnéticas (VHS, Betacam, U-Matic, etc.). As películas cinematográficas
(8, 16, e 35mm) e mídias e arquivos digitais (CDs, DVDs, etc.) aparecem logo atrás, e alguns
desses arquivos possuem os três tipos de documentos audiovisuais.
Apenas uma das respostas mencionou fotografias como um tipo de documento
audiovisual presente no acervo. Essa resposta acabou descartada, pois segundo os conceitos
aceitos atualmente, as fotografias são documentos iconográficos, e não audiovisuais. As
respostas também são uma síntese da evolução da indústria audiovisual ao longo de sua
história, e certamente as mídias e arquivos digitais, já tão comuns para a sociedade atual,
serão o suporte predominante dos documentos audiovisuais presentes nos arquivos em um
futuro próximo.
4.1.3 Pergunta 3
Os documentos audiovisuais estão
armazenados em condições
especiais?
83%
17%
Sim
Não
Gráfico 5 – Os documentos audiovisuais estão armazenados em condições especiais?
Se sim, quais seriam essas
diferenças?
66%
50%
Espaço próprio
Controle da
temperatura
17%
17%
Adaptado às
características
físico-químicas
Nenhuma
Gráfico 6 – Se sim, quais seriam essas diferenças?
59
Apenas uma das instituições, o MIS do Rio de Janeiro, não oferece condições
especiais de armazenamento para os documentos audiovisuais de seu acerto. As demais os
armazenam em espaço separado de documentos em outros suportes e realizam um controle de
temperatura nesses espaços (o Arquivo da UFF não realiza controle climático, mas já possui
um projeto para implementá-lo). O Arquivo Nacional respondeu de forma mais genérica,
dizendo que os documentos audiovisuais estão armazenados de acordo com as características
físico-químicas de cada suporte documental. Imagina-se que isso quer dizer que os
documentos audiovisuais estão armazenados em um espaço específico e com controle da
temperatura, mas como não foi a resposta dada na pesquisa, não entrou para efeitos
estatísticos.
Analisando apenas pelas respostas, as instituições pesquisadas parecem estar atentas às
necessidades específicas de preservação dos documentos audiovisuais. Claro que somente
uma observação pessoal e mais detalhada pode afirmar se o espaço próprio e o controle de
temperatura estão sendo realizados de forma adequada. Mas o importante é constatar que já
está consolidada a consciência nas instituições que os documentos audiovisuais necessitam de
cuidados diferenciados de documentos em outros suportes.
4.1.4 Pergunta 4
Existem funcionários
especializados no acervo de
documentos audiovisuais?
83%
17%
Sim
Não
Gráfico 7 – Existem funcionários especializados no acervo de documentos audiovisuais?
60
Eles possuem formação em qual
área?
66%
33%
33%
33%
17%
17%
17%
17%
17%
Gráfico 8 – Eles possuem formação em qual área?
Apenas o Arquivo Histórico de São Paulo respondeu que não possui funcionários
especializados em documentos audiovisuais, todos os demais responderam afirmativamente a
essa questão. Era de se esperar que o “sim” fosse prevalecer, pois as características
específicas desse tipo de documento exigem do funcionário conhecimentos diferentes do que
daqueles que lidam somente com documentos em papel. Isso pode ser comprovado na
complementação da questão, pois além da formação que possuem, na maioria das instituições,
além de sua formação os funcionários possuem especialização ou cursos mais voltados para a
preservação e tratamento de documentos audiovisuais.
Ainda a respeito da formação, comprova-se um convívio interdisciplinar, pois foram
citados 9 tipos de formação diferentes, sendo que em quase todas as instituições ao menos
mais de uma área está contemplada. O predomínio é dos historiadores, seguidos por
arquivistas, sociólogos e formados em Cinema. Pode-se afirmar também que existe um
potencial de mercado de trabalho ainda não ocupado pelos arquivistas nessa área, pois mesmo
em uma pesquisa voltada para arquivos, eles não predominam entre os funcionários
especializados no tratamento de documentos audiovisuais.
4.1.5 Pergunta 5
61
Quais os objetivos mais comuns para a
consulta do acervo audiovisual pelos
usuários?
83%
50%
Pesquisas acadêmicas
Produtores audiovisuais
Gráfico 9 – Quais os objetivos mais comuns para a consulta do acervo audiovisual pelos usuários?
Pelo retorno obtido fica claro que os documentos audiovisuais nos arquivos brasileiros
ainda estão restritos a dois nichos de usuários: estudantes e professores, principalmente
universitários, à procura de fontes para suas próprias pesquisas e produtores de conteúdo
audiovisuais em busca de materiais de referência para a produção de novos conteúdos
audiovisuais. Isso pode facilitar o trabalho dos responsáveis, pois se pode organizar esses
documentos pensando em como esse tipo de público irá pesquisá-los, porém também pode ser
um fator de incentivo para que essas instituições pensem em como atrair outro tipo de público
para esse acervo, além dos estudantes e profissionais da área.
4.1.6 Pergunta 6
Quais os desafios enfrentados na
preservação e tratamento arquivístico dos
documentos audiovisuais?
83%
83%
33%
Estrutura Adequada
Obsolescência do suporte
Recursos Humanos
Gráfico 10 – Quais os desafios enfrentados na preservação e tratamento arquivístico dos documentos
audiovisuais?
62
Os maiores obstáculos apontados pelas instituições para a preservação e tratamento
arquivístico dos documentos audiovisuais foram aqueles relacionados diretamente às
características desse tipo de documento: a necessidade de estruturada dedicada
exclusivamente para a guarda desse material e a rápida obsolescência do suporte em que estão
armazenados, tornando difícil principalmente a manutenção dos equipamentos necessários
para a reprodução de determinados tipos de suportes mais antigos. Também foi citada a
dificuldade em contratar ou ter no quadro de funcionários pessoas com a capacitação
necessária para trabalhar com esse tipo de material, o que novamente reforça um campo de
atuação não devidamente ocupado.
Implicitamente, podemos entender que a falta de estrutura adequada é uma
consequência direta da falta de recursos financeiros destinados para os setores responsáveis
pelos documentos audiovisuais. Já a obsolescência dos equipamentos audiovisuais é um
desafio maior, pois mesmo com verba para tal, nem sempre será possível adquirir
determinados tipos de equipamentos, já que muitos não são mais produzidos. Nesses casos, os
profissionais terão que buscar outras estratégias de preservação, e algumas delas serão
apontadas nas considerações finais dessa pesquisa.
4.1.7 Pergunta 7
A instituição possui videogames em seu
acervo?
100%
0%
Não
Sim
Gráfico 11 – A instituição possui videogames em seu acervo?
63
A única questão que teve uma resposta unânime ajuda a explicar a importância dessa
pesquisa. Todas as participantes responderam que não possuem videogames como parte de
seu acervo. Analisando-a isoladamente, é uma prova irrefutável de que os videogames e seus
jogos ainda não são objetos de interesse das maiores e mais importantes instituições
arquivísticas do Brasil (sendo algumas delas especializadas em documentos audiovisuais). E
logo a seguir veremos a contradição que surge quando relacionarmos o resultado dessa
questão com as duas últimas do questionário.
4.1.8 Pergunta 8
Se possuir, quais os tipos de videogame? Se
não, existe algum plano ou expectativa para
incorporá-los ao acervo?
80%
20%
Não tem planos
Aguarda posição oficial
Gráfico 12 – Se possuir, quais os tipos de videogame? Se não, existe algum plano ou expectativa para incorporálos ao acervo?
Como nenhuma das instituições possuem videogames no acervo, essa questão visa
descobrir se ao menos existem intenções ou projetos de incorporá-los futuramente.
Novamente verificou-se uma barreira entre os arquivos e os videogames no Brasil, pois a
grande maioria não possui nenhum tipo de planejamento para trabalhar com esse tipo de
material. Apenas o Arquivo Nacional respondeu que poderá se preparar para receber os
videogames a partir do momento em que o mesmo seja considerado oficialmente um
documento de arquivo. Pelas respostas obtidas, fica novamente claro que as instituições
arquivísticas brasileiras não parecem ainda interessadas e/ou preocupadas em tratar os
videogames como documento arquivístico.
64
4.1.9 Pergunta 9
Um jogo de videogame pode ser
considerado como um documento
arquivístico?
85%
15%
Sim
Necessita um maior debate
Gráfico 13 – Um jogo de videogame pode ser considerado como um documento arquivístico?
Quando questionadas se um jogo de videogame poderia ser considerado um
documento arquivístico, a resposta foi quase unânime que sim. Novamente, apenas o Arquivo
Nacional ressaltou que reconhece que já existe um debate sobre o tema, principalmente nas
universidades, mas aguarda um posicionamento oficial, sugerindo o CONARQ como um
espaço apropriado para tal.
As respostas vão de encontro ao que foi discutido no capítulo 2, de que dependendo do
contexto em que foi produzido, não há nada nos conceitos atuais de arquivo e documento
arquivístico que impeçam que os videogames sejam considerados documentos arquivísticos.
Muitas das respostas ressaltaram a necessidade de analisar o contexto da produção e algumas
delas dão a entender que a preservação desse material seriam responsabilidade exclusiva das
produtoras de videogames.
4.1.10 Pergunta 10
Você acredita que é papel dos arquivos
cuidar da preservação dos videogames?
58%
28%
Sim
Não (para Arquivos Públicos)
14%
Necessita um maior debate
Gráfico 14 – Você acredita que é papel dos arquivos cuidar da preservação dos videogames?
65
Para a última questão, ao responderem se seria papel dos arquivos cuidar da
preservação dos videogames, a maioria opinou que sim, é responsabilidade dos arquivos
assumir a tarefa. Duas das respostas afirmam que não é uma missão dos Arquivos Públicos
preservar esse tipo de material, que seria responsabilidade das empresas produtoras ou de
museus. E o Arquivo Nacional reforçou sua posição que poderá ser papel dos arquivos cuidar
dos videogames, desde que seja debatido e definido oficialmente o videogame como
documento arquivístico.
A resposta a essa questão mostra uma clara contradição com a constatação de que
nenhuma dessas instituições possuem videogames no acervo ou ao menos planos de como
recebê-los. Mesmo quando dizem que seria tarefa de museus ou das empresas, parece mais
uma maneira de se esquivar da responsabilidade ou mesmo desconhecimento do
funcionamento da área, pois já existem jogos educativos ou mesmo comerciais financiados
em parte com dinheiro público, em projetos recentes do Ministério da Cultura. Essa aparente
contradição será mais bem discutida ao comparar a realidade estrangeira sobre a temática e
nas considerações finais da presente pesquisa.
4.1.11 Considerações gerais sobre as respostas das instituições arquivísticas brasileiras
O índice de participação das instituições à aplicação do questionário foi muito
satisfatório, com um retorno maior do que o esperado inicialmente. Embora seja uma amostra
limitada, são instituições de renome e que deveriam ter mais condições de verbas e mesmo
profissionais para estarem à frente das demais no país, principalmente em temas ainda
polêmicos para a área. Em geral, os participantes mostraram compreender e responder as
questões de acordo com o que foi perguntando, com um ou outro caso de respostas que
exigiram interpretação para se adequarem às estatísticas.
Pelas respostas obtidas, é possível apontar algumas características em comum: as
instituições arquivísticas brasileiras já incorporaram os documentos audiovisuais em seus
acervos, ainda que as condições não sejam as ideais para esse tipo de documento. Já em
relação aos videogames, ainda estão muito distante de abrirem seus acervos para recebê-los,
mesmo considerando que podem sim ser documentos arquivísticos. Não existe um consenso e
parece fundamental que o debate sobre o tema passe a ser realizado pela Arquivologia no
66
Brasil. No próximo subitem desse capítulo, as respostas de um questionário para instituições
internacionais com a mesma temática será analisado, e ficarão claras as diferenças de cenário
existentes entre o Brasil e os países mais desenvolvidos. Ao final da pesquisa, será feita uma
comparação entre os dois questionários aplicados e uma tentativa de reflexão sobre o tema,
apontando os problemas e possíveis soluções para a área encarar essa temática.
4.2 Questionário para instituições internacionais
Dando continuidade ao objetivo principal da presente pesquisa, nesse capítulo será
apresentado o resultado do questionário enviado para instituições internacionais que já
realizam algum trabalho de preservação de videogames. O critério de escolha dessas
instituições foi que todas ela são participantes do grupo “Game Preservation”, da International
Game Developers Association (IGDA), ou seja, são instituições teoricamente em um estágio
mais avançado na temática abordada, o que permite outra visão em relação à obtida com o
questionário para instituições arquivísticas nacionais.
As 15 instituições internacionais que receberam o questionário foram: Learning
Games Research Archive, Computer & Video Game Archive University of Michigan,
University of Texas Videogame Archive, Archivio Videoludico Cineteca di Bologna,
National Videogame Archive, Computer History Museum, DigiBarn Computer Museum,
Library of Congress Moving Image Section, How They Got Game Stanford University
Libraries, The Strong – National Museum of Play, Association MO5, The Centre for
Computing History, Oldenburger Computer-Museum, The National Museum of Computing,
Retro Computer Museum e Silicium.
O gráfico abaixo mostra o índice de retorno das instituições selecionadas na pesquisa:
67
Respostas ao questionário das instituições
internacionais
50%
31%
19%
Respostas completas
Não responderam
Respostas somente aos e-mails
Gráfico 15 – Respostas ao questionário das instituições internacionais
Das instituições que deram algum retorno aos e-mails, três delas indicaram artigos ou
seções do site com informações sobre o funcionamento, mas não responderam diretamente ao
questionário: Learning Games Initiative Research Archive, National Videogame Archive e
Library of Congress Moving Image Section. Cinco instituições não deram qualquer tipo de
resposta, mesmo em tentativas posteriores: University of Texas Videogames Archive,
DigiBarn Computer Museum, HowTheyGot Game Stanford University Libraries, The Strong
– National Museum of Play e The National Museum of Computing. E as demais responderam
às dez questões do questionário, totalizando oito respostas, exatamente a metade das
instituições selecionadas, um bom índice de participação.
O modelo do envio do e-mail foi parecido com o aplicado para instituições brasileiras.
Fez-se uma apresentação inicial do estudante e do estudo, e logo a seguir as dez questões
elaboradas para o propósito da pesquisa. As instituições selecionadas estão localizadas nos
Estados Unidos ou em países da Europa. Optou-se por utilizar a língua inglesa para a
comunicação, e mesmo nos países que não tem o inglês como língua principal essa decisão
não prejudicou a resposta. Novamente foram as próprias instituições que escolheram quem
responderia o questionário, buscando um caráter mais institucional dessas respostas.
O e-mail com o questionário da pesquisa foi escrito e enviado conforme reprodução
abaixo:
68
Título do e-mail: Academic paper about videogames and archives.
Texto do e-mail:
Hello, my name is Rafael, I live in Brazil and I study Archival Science.
I'm doing an academic paper and my topic is videogames and archives. Searching in
the web (IDGA Game Preservation SIG) about this subject, I found your institution. I wonder
if I can count on your help, I wrote a questionnaire with some questions about your institution
and your work, and if you could answer, it would help me a lot.
If you have additional questions, I am available to clarify. Thanks in advance!
Questionnaire:
1) What is the purpose/mission of the institution?
2) What is the annual budget of the institution?
3) How many professionals work in the institution? Which are the areas of formation of
these professionals?
4) What is the total size of your collection?
5) What media types make up the collection?
6) Is the collection of videogames stored in special conditions? If so, which are these?
7) New additions to the collection, are they purchased or donated?
8) Which are the channels of communication (social media) used?
9) What are the most common given reasons why users reach for your collection of
videogames?
10) What are the challenges faced in the preservation of video games?
E a tradução deste e-mail para a língua portuguesa segue abaixo:
Título do e-mail: Trabalho acadêmico sobre videogames e arquivos.
Texto do e-mail:
Olá, meu nome é Rafael, moro no Brasil e sou estudante de Arquivologia.
69
Estou fazendo um trabalho acadêmico e meu tema é arquivos e videogames.
Pesquisando na internet (IDGA Game Preservation SIG) sobre o tema, descobri a sua
instituição. Gostaria de saber se posso contar com a sua ajuda, eu escrevi um questionário
com algumas questões sobre a sua instituição e o seu trabalho, e caso você possa responder,
me ajudaria bastante.
Caso tenha questões adicionais, estou à disposição para esclarecimentos. Agradeço
desde já!
Questionário:
1. Qual o objetivo/missão da instituição?
2. Qual o orçamento anual da instituição?
3. Quantos profissionais trabalham na instituição? Quais as áreas de formação desses
profissionais?
4. Qual o tamanho total do acervo?
5. Quais tipos de suportes compõem o acervo?
6. O acervo de videogames está armazenado em condições especiais? Se sim, quais
são?
7. As novas aquisições para o acervo são feitas por compra ou doação?
8. Quais os canais de divulgação (mídias sociais) utilizados?
9. Quais são os motivos mais comuns pelos quais os usuários justificam a busca pelo
seu acervo de videogames?
10. Quais os desafios enfrentados na preservação dos videogames?
O questionário foi enviado inicialmente para todas as instituições escolhidas em
outubro de 2014 e reenviado para aquelas que não responderam em agosto de 2015, refletindo
o cenário dessas instituições somente até a data em que os mesmos foram respondidos.
70
A seguir, as respostas ao questionário serão analisadas por cada questão, considerando
como 100% o universo das instituições que responderam ao e-mail (e em algumas questões a
somatória poderá superar 100% pois uma mesma instituição pode responder com mais de uma
opção).
4.2.1 Pergunta 1
Qual o objetivo/missão da instituição?
38%
Preservação dos
videogames
38%
Exibição e acesso
25%
25%
Pesquisa acadêmica
História da Era da
Informação
Gráfico 16 – Qual o objetivo/missão da instituição?
A primeira pergunta foi feita para saber qual o objetivo principal da instituição
pesquisada. Os dois objetivos mais citados foram a preservação dos videogames e a exibição e
acesso dos mesmos. As outras duas respostas que apareceram foram o suporte à pesquisa
acadêmica e contar a história da Era da Informação. Ou seja, basicamente as instituições
internacionais pesquisadas tem como foco a preservação, acesso, história e pesquisa
acadêmica, na temática dos videogames, jogos e todo o universo de entretenimento
relacionado.
4.2.2 Pergunta 2
71
Qual o orçamento anual da instituição?
25%
Dinheiro arrecadado
12%
12%
Varia com o orçamento geral
Não sabe informar
Gráfico 17 – Qual o orçamento anual da instituição?
Orçamento anual em dólares (aproximado)
193,000
35,500
25,500
Centre for Computing Computer & Videogame Oldenburger ComputerHistory
University of Michigan
Museum e.V.
10,600
Silicium
Gráfico 18 - Orçamento anual em dólares (aproximado)
A segunda questão visava descobrir o orçamento anual das instituições internacionais
pesquisadas. Metade delas não informaram um valor exato, pois duas responderam que
sobrevivem com o dinheiro arrecadado por diversos meios (eventos, exposições, doações,
etc.), uma que o orçamento varia de acordo com o orçamento geral da instituição e outra não
soube informar.
Da outra metade, as respostas obtidas foram convertidas em dólares para fins de
comparação (cotação de dezembro de 2015), e todas são valores aproximados. A média
orçamentária ficou por em U$ 66.000, sendo que apenas o “Centre for Computing History”
superou os U$ 100.000, as outras três possuem um orçamento bem mais modesto. Por serem
instituições localizadas apenas em países desenvolvidos, provavelmente não é um valor alto
72
em comparação a outras instituições de documentação. Isso ficará mais claro após a análise
das outras questões, mas já mostra o tipo de limitação que essas instituições enfrentam, até
pelo pioneirismo em tratar dos videogames. E também serve de exemplo para instituições
arquivísticas brasileiras, que com freqüência sofrem com a falta de verbas, provando que é
possível enfrentar esse desafio mesmo com esse tipo de limitação.
4.2.3 Pergunta 3
Quantos profissionais trabalham na
instituição?
100
58
40
15
Silicium
Computer
History
Museum
Archivo
Retro Computer
Videoludico di
Museum
Bologna*
8
7
Centre for
Computing
History**
Computer &
Video Game
University of
Michigan
Gráfico 19 – Quantos profissionais trabalham na instituição?
* 40 funcionários da Cineteca, mas apenas 2 para o Arquivo de Videogames;
** 8 funcionários gerais, apenas 2 em tempo integral diretamente com o arquivo.
Qual a área de formação desses
profissionais?
50%
25%
12%
12%
12%
12%
Gráfico 20 – Qual a área de formação desses profissionais?
12%
12%
73
Tipos de contrato
50%
50%
Remunerados
Voluntários
Gráfico 21 – Tipos de contrato
A média de profissionais que trabalham nas instituições, dentre as que responderam, é
de 38. Mas é preciso observar o que ela levaram em conta na resposta, pois algumas delas
consideraram o número geral da instituição, incluindo funcionários que trabalham em outros
setores não ligados aos videogames. Por isso o número total varia de 7 até 100 funcionários.
Talvez fosse uma pergunta que precisaria ser mais bem detalhada para uma realidade mais
verídica constatada.
Em relação à área de formação dos funcionários, metade das respostas não souberam
informar. Das respostas obtidas, observa-se uma semelhança com o perfil dos profissionais
que trabalham em acervos audiovisuais no Brasil: um caráter multidisciplinar, com 6 áreas de
formação diferentes, com uma leve predominância de formação ligada aos videogames. Em
somente uma das instituições houve uma citação explícita à área dos Arquivos, mas aqui
também fica a ressalva que o caráter aberto da questão e o fato de metade delas não ter
respondido também pode ter distorcido o cenário.
E talvez o dado mais relevante a se destacar dessa pergunta seja que metade das
instituições possuem apenas funcionários voluntários, que não recebem nenhuma
remuneração pelo seu trabalho. Isso mostra que existe um grande fator de “paixão” motivando
o funcionamento dessas instituições, ainda mais considerando que nem todas também
possuem um orçamento próprio.
74
4.2.4 Pergunta 4
Qual o tamanho total do acervo?
(aproximado)
100,000
35,000
22,000
21,000
5,100
4,500
4,300
2,000
Gráfico 22 – Qual o tamanho total do acervo? (aproximado)
As respostas da quarta pergunta revelam que o tamanho médio do acervo das
instituições pesquisadas é de 24.000 itens. Apenas o “Computer History Museum” aparece
fora da curva, com mais de 100.000 itens, com as demais variando o acervo entre 2.000 a
35.000 itens no total. O tamanho do acervo revela que apesar de muitas dessas instituições
serem recentes, já possuem acervos de tamanho considerável. Todas as respostas são um valor
aproximado e podem incluir os mais variados tipos de suporte, que serão detalhados na
próxima questão.
4.2.5 Pergunta 5
Quais tipos de suporte compõem o acervo?
62% 62%
50%
38% 38% 38% 38% 38%
25% 25% 25% 25% 25% 25%
12% 12% 12%
Gráfico 23 – Quais tipos de suporte compõem o acervo?
75
A quinta questão procurou descobri quais os tipos de suporte fazem parte do acervo
das instituições internacionais participantes da pesquisa. E talvez revele uma das
características mais importantes de um acervo de videogames: a variabilidade dos suportes.
Mesmo considerando que a questão aberta faz com que termos que poderiam ser agrupados
apareçam mais de uma vez, a evolução tecnológica dos videogames está refletida nas
respostas, já que existem jogos desde cartões e disquetes até o conteúdo exclusivamente
digital da atualidade. Essa grande variação dos suportes é um dos grandes desafios que a
instituição responsável por um acervo de videogames terá que lidar, pois cada um deles exige
tem características próprias que exigem um cuidado diferente. Vale o destaque também para
os livros e materiais impressos relacionados com a área, que aparecem ao lado dos jogos
propriamente dito como o suporte mais comum, provando que mesmo em acervos ligados aos
videogames os materiais em papel ainda são importantes. E fica a ressalva que essa pergunta
poderia trazer melhores resultados caso tivesse opções pré-definidas, evitando a confusão na
escolha de termos de algumas respostas (embora essa também seja uma característica de uma
área ainda carente de definições acadêmicas).
4.2.6 Pergunta 6
O acervo de videogames está armazenado
em condições especiais?
63%
25%
12%
Sim
Não
Resposta inconclusiva
Gráfico 24 – O acervo de videogames está armazenado em condições especiais?
76
Se sim, quais são?
60%
40%
Controle de
temperatura
Embalagens de
proteção
20%
20%
20%
Restrição aos itens
antigos
Prateleiras
fechadas
Limpeza constante
Gráfico 25 – Se sim, quais são?
A sexta questão está relacionada à preservação. A maioria das instituições afirma que
o acervo de videogames está armazenado em condições especiais. Em apenas duas delas o
acervo não tem nenhuma condição diferente dos demais acervos e uma deu uma resposta
apenas com as medidas físicas de onde o acervo está armazenado, impossibilitando de tirar
alguma conclusão.
Para os que responderam sim à questão, foi pedido que detalhassem quais seriam essas
condições especiais. A maioria respondeu que realizam algum tipo de controle de temperatura
no ambiente em que o acervo se encontra. Duas instituições disseram que guardam os jogos
em embalagens de proteção reforçadas. E como respostas adicionais também foram citadas a
restrição de acesso aos itens mais antigos, prateleiras fechadas e limpeza constante dos jogos.
O que se pode concluir das respostas obtidas é que parece existir uma consciência da
importância de que os jogos fiquem armazenados em condições especiais, e se todas não o
fazem muito provavelmente é pela pouca verba disponível, conforme respostas anteriores.
4.2.7 Pergunta 7
77
As novas aquisições do acervo são feitas por
compra ou doação?
75%
Maioria por doação
75%
Compras específicas
12%
12%
Apenas por doação
Compra e doação
Gráfico 26 – As novas aquisições do acervo são feitas por compra ou doação?
A sétima pergunta se refere à forma com que são realizadas as novas aquisições do
acervo dessas instituições, se por compra ou doação. Embora praticamente todas usem as duas
formas, a doação é predominante, pois é como a maioria dos itens do acervo é recebida. As
compras acontecem mais pontualmente, geralmente de itens importantes para eventos ou
exibições realizadas por essas instituições.
Essas respostas reforçam o fator “passional” para o funcionamento dessas instituições.
Boa parte delas é dependente de trabalho voluntário e de doações para alimentar seu acervo.
A doação por si só não é ruim, desde que critérios sejam estabelecidos e seguidos para o
desenvolvimento do acervo. Arquivisticamente falando, o maior perigo seria que as doações
sejam recebidas sem critérios definidos, prejudicando a organicidade desses acervos, algo
primordial para que um documento possa ser tratado como um documento arquivístico.
4.2.8 Pergunta 8
78
Quais os canais de divulgação (mídias
sociais) utilizadas?
100%
75%
62%
38%
12%
12%
12%
12%
12%
Gráfico 27 - Quais os canais de divulgação (mídias sociais) utilizadas?
Em relação aos canais de divulgação, especialmente as mídias sociais utilizadas para
se comunicar com o público, as instituições internacionais pesquisadas mostraram estar
atentas à importância delas para a sociedade, ainda mais se consideramos que o público dos
jogadores de videogame é, em geral, mais conectado do que a média. Todos eles utilizam o
Facebook, a rede social de maior público do mundo, e a maioria também está no Twitter e
possui site próprio na internet. O blog também é utilizado em algumas delas, e com uma
citação pra cada, aparecem o Instagram, Google+, Fórum, Photostream e assessoria de
imprensa. Quanto mais presente nas redes sociais, maior o alcance e visibilidade que as
instituições podem ter. Essa presença se torna ainda mais importante no caso dessas
instituições que dependem de doações e voluntariado, e elas mostraram estar dispostas a
utilizar esses canais de comunicação.
4.2.9 Pergunta 9
79
Quais são os motivos mais comuns pelos
quais os usuários justificam a busca pelo seu
acervo de videogames?
38%
25%
Jogar
Pesquisas
acadêmicas
25%
Pesquisas
comerciais
12%
12%
12%
12%
Conhecer
pessoas
Diversão
Manter
material em
evidência
Não possui
dados
Gráfico 28 – Quais são os motivos mais comuns pelos quais os usuários justificam a busca pelo seu acervo de
videogames?
A penúltima questão objetivou descobrir quais os motivos que levam os usuários
dessas instituições a buscar o acervo de videogames. O motivo mais citado foi o próprio ato
de jogar algum jogo de videogame, o que obviamente faz sentido, pois é a “razão de ser”
dessa mídia. As pesquisas apareceram logo atrás, sendo que podem ser estudantes fazendo
trabalhos acadêmicos ou profissionais com interesse em novos projetos. Com apenas uma
citação para cada, ficaram a diversão (que pode ser considerado um sinônimo do “jogar”), a
vontade de manter certos itens em evidência e um ambiente propício para conhecer pessoas
com gostos em comum. Uma das instituições respondeu que não possui esse tipo de dados.
Esse dado é fundamental para o planejamento dessas instituições. Se o principal
motivo que leva os usuários a buscarem o acervo é poderem jogar os jogos que querem, essas
instituições devem concentrar seus esforços em ampliar ao máximo o acesso as seus acervos,
atendendo o desejo dos seus usuários. Mas essa não é uma questão tão simples, e tem reflexos
na próxima e última pergunta do questionário.
4.2.10 Pergunta 10
80
Quais os desafios enfrentados na
preservação dos videogames?
62%
38%
25%
25%
25%
12%
12%
12%
12%
12%
Gráfico 29 – Quais os desafios enfrentados na preservação dos videogames?
A última questão era sobre quais são os desafios enfrentados na preservação dos
videogames. O problema mais repetido foi a manutenção dos videogames no acervo, pois até
por sua característica industrial de sofrer uma obsolescência programada, é muito difícil
manter os jogos e sistemas em perfeito funcionamento. Esse desafio também está
representado na segunda resposta, pois preservar a experiência completa ao se jogar significa
manter os sistemas da mesma forma em que foram desenvolvidos originalmente. A estrutura
física necessária, os recursos financeiros e os direitos legais foram problemas citados por mais
de uma instituição. E com apenas uma resposta ficaram a dificuldade em encontrar recursos
humanos adequados, o restauro, migração de suportes e o controle das doações recebidas.
Comparando essa questão com a sexta questão do questionário para arquivos
brasileiros (Quais os desafios enfrentados na preservação e tratamento arquivístico dos
documentos audiovisuais?), percebe-se problemas parecidos enfrentados, principalmente a
falta de recursos e estrutura. No caso da preservação dos videogames, como já citado a sua
rápida obsolescência parece ser o maior problema, e se pensarmos neles como documentos
arquivísticos, sua preservação fica ainda mais complexa, pois o contexto só estaria
verdadeiramente preservado se os jogos fossem jogados em seus sistemas e com seus
controles originais. Os arquivos, os produtores, a indústria, enfim, nenhum dos possíveis
interessados na preservação dos jogos possui respostas fáceis para esse problema.
4.2.11 Considerações gerais sobre as respostas das instituições internacionais
81
Novamente alcançou-se um índice de participação das instituições internacionais
selecionadas para a pesquisa satisfatória, representando diferentes países do mundo. Os
participantes mostraram ter compreendido praticamente todas as questões, com uma ou outra
resposta confusa, que não atrapalharam o resultado final.
As instituições internacionais que buscam preservar os videogames, mesmo
localizadas em alguns dos países mais ricos do mundo, não possuem orçamentos abastados.
As respostas provaram que essas instituições sobrevivem apesar da verba escassa, pouco
apoio público e outros obstáculos. Parecem mais motivadas pela paixão de seus voluntários e
associados, ocupando um vácuo na temática da preservação dos videogames, como se
assumissem uma responsabilidade enquanto outros não o fazem. Mesmo com todas essas
limitações, já apresentam acervos consideráveis e procuram difundir suas experiências em
grupos, associações, pela internet, etc. Ocupam um papel fundamental em um tema ainda tão
pouco debatido e pesquisado.
Após a análise dos dois questionários enviados e das respostas obtidas, o capítulo final
buscará refletir sobre o que foi exposto nos capítulos anteriores, apontar problemas detectados
e responder aos objetivos propostos para a presente pesquisa.
82
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O problema de pesquisa que norteou este trabalho foi descobrir se os videogames
podem ser considerados documentos arquivísticos. Com a revisão de conceitos discutida no
capítulo 3, ficou explícito que nenhum dos conceitos mais utilizados pela área limitariam que
os videogames também pudessem ser documentos arquivísticos. Então a resposta ao problema
de pesquisa é sim, os videogames podem ser considerados documentos arquivísticos, desde
que inseridos em determinados contextos e respeitando as mesmas regras que fazem um
documento poder ser considerado um documento arquivístico.
Para exemplificar essa resposta, pode-se pensar em alguns casos em que os
videogames podem cumprir os requisitos de um documento arquivístico:
- Produtoras de videogames: as empresas produtoras têm na produção de jogos de videogame
sua atividade-fim. Os jogos de suas autorias são o objeto final produzido em decorrência de
suas atividades. Logo, todo arquivo de uma produtora de videogame inevitavelmente terá
jogos de videogame como parte central de seu acervo. Infelizmente, por serem empresas que
visam o lucro e pela própria característica dos videogames de renovação tecnológica
constante, a maioria delas não investe na preservação de seus jogos mais antigos, como
comprovado em uma reportagem que fala sobre o Arquivo Nacional de Videogames, da
Inglaterra:
Criado em parceria pela Universidade de Nottingham Trent e o Museu Nacional
de Mídia em 1998, o arquivo tentava diminuir um processo de perda da história da indústria
nacional de jogos, principalmente no período entre 1970 e 1990. “A indústria de
videogames reconhece o valor intrínseco da preservação dos jogos e muitos executivos do
setor com os quais tive contato contaram histórias horríveis de materiais mais antigos
simplesmente desaparecendo ou se estragando dentro de uma caixa debaixo da mesa de
alguém”, disse o arquivista Wheatley (MENDONÇA, 2011).
- Arquivos pessoais: assim como as empresas que produzem os jogos, os profissionais da área
que o fazem também possuem responsabilidade na autoria dos mesmos. Alguns desses
desenvolvedores têm a mesma importância para os jogadores que os mais famosos cineastas
possuem para os cinéfilos. Logo, um arquivo pessoal de algum profissional ligado à indústria
de videogames deverá ter os jogos por ele produzidos em seu acervo, já que foram produzidos
83
em decorrência de suas atividades e serão essenciais para a preservação da organicidade da
atividade do profissional em questão.
- Instituições de ensino: ainda são poucas as instituições de ensino com cursos ligados à área
dos videogames no Brasil, mas é um número crescente. Eles surgiram como cursos em
instituições particulares e em 2014 começou o primeiro curso universitário de programação de
videogames em uma faculdade federal, no Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de Engenheiro Paulo de Frontin (RJ). Esses cursos terão jogos desenvolvidos
como atividades acadêmicas ou projetos de estudantes e professores. Portanto, é de se esperar
que os arquivos dessas instituições tenham que armazenar videogames em seus acervos, já
que esses jogos produzidos são uma conseqüência natural do processo de ensino e
aprendizagem desses cursos.
- Jogos com fins publicitários ou educacionais: existem dois tipos de jogos de videogames
com características que os diferenciam dos outros jogos tradicionais: são os advergames e os
jogos educativos. Aqueles denominados advergames (fusão das palavras advertise, termo em
inglês para propaganda, e videogames) são jogos eletrônicos desenvolvidos para fins
publicitários. Podem ter também a função de atrair um público maior para determinado site,
dentro de determinada estratégia de marketing. Os advergames devem fazer parte do acervo
da empresa que está investindo em sua produção, pois ela é responsável direto pela sua
existência. Mesmo nos casos em que a produção seja completamente terceirizada, a empresa
patrocinadora não deixa de ter responsabilidade intelectual sobre esses jogos, o que justifica
que pertençam ao acervo institucional da mesma.
Um dos exemplos mais representativos dos advergames é o “America’s Army”. Tratase de um jogo simulador de guerra, que não fica muito atrás em termos de tecnologia dos
jogos comerciais desenvolvidos na mesma época. A sua peculiaridade é que foi desenvolvido
inteiramente com recursos do Exército norte-americano e disponibilizado gratuitamente para
download pela internet. O jogo fez grande sucesso na época, e o objetivo do Exército dos
EUA ao criá-lo era aumentar o número de jovens que se alistariam voluntariamente. O
Exército acreditou que um jogo de videogame seria muito mais eficaz para atrair os jovens do
que outros tipos de propaganda. Esse é um exemplo claro da importância dos jogos de
videogame dentro de um contexto institucional. Por mais documentos que se reúnam a
respeito do jogo e de seus resultados, os objetivos do Exército norte-americano nesse caso só
poderá ser mais bem compreendido por quem também experimentar o jogo America’s Army,
o produto tangível de sua estratégia de alistamento.
84
Já os jogos educativos são aqueles que são desenvolvidos com fins educacionais.
Atualmente já existem muitos jogos educativos disponíveis, a maioria deles acessível pela
internet, de forma gratuita, já que visam atingir o maior público possível. Esses tipos de jogos
são desenvolvidos não apenas por instituições de ensino, mas também por ONGs, fundações
ou mesmo empresas não ligadas à educação que atuam como patrocinadoras. Em todos esses
casos, o mesmo raciocínio dos advergames é válido: essas instituições foram responsáveis
pela produção do jogo educativo em busca de um determinado objetivo, logo deverão
incorporar esse jogo em seu arquivo institucional.
Esses são quatro possíveis exemplos de videogames que podem ocupar o papel de
documentos arquivísticos, mas existem muitas outras possibilidades, que tendem a aumentar à
medida que os videogames passem a consolidar seu espaço no cotidiano da sociedade.
No Brasil, conforme demonstrado pelas respostas obtidas no questionário aplicado, os
videogames ainda estão longe de ocuparem algum espaço nas instituições arquivísticas.
Curioso notar que mesmo que muitas delas considerem que os videogames podem sim ser um
documento arquivístico, nenhuma possua videogames em seus acervos, mesmo sendo
instituições de referência no país para documentos audiovisuais. Mesmo com todas as
limitações conhecidas e comuns em órgãos públicos no país (falta de estrutura, verba,
recursos humanos), o fato é que os videogames não são objeto relevante para essas
instituições. Mesmo na área acadêmica, no campo da Arquivologia no Brasil as discussões
sobre o tema ainda são praticamente inexistentes. Podem até existir opiniões pessoais
divergentes a respeito, mas quando nem o debate existe o resultado é um vazio que poderá
resultar em perdas impossíveis de serem recuperadas futuramente.
Situação parecida já ocorreu com outros meios de entretenimento: rádio, cinema,
televisão, etc. Inicialmente foram marginalizados e ignorados pelo meio acadêmico, e
somente com o tempo passaram a ser objeto de estudo e considerados relevantes para a
compreensão da sociedade de determinada época. Infelizmente, durante esse período em que
foram ignorados, boa parte dos registros desses meios se perderam, por não existirem
cuidados suficientes para a preservação desse material.
Pode imaginar-se que o mesmo irá acontecer com os videogames (se já não o está).
Com o agravante de eles serem uma mídia em constante atualização, sofrendo da chamada
obsolescência programada, ou seja, as plataformas são desenvolvidas para serem substituídas
por outras mais modernas após determinado tempo, para manter em alta os lucros da
indústria. A constante troca de suportes dos jogos e consoles torna ainda mais difícil a
preservação desse material. Quanto maior o tempo levado para que a preservação dos
85
videogames seja enfrentada, maiores serão as chances dos jogos mais antigos desgastarem-se
fisicamente ou não existirem mais máquinas capazes de fazê-los funcionarem.
Uma das poucas iniciativas pioneiras no Brasil é o Museu do Videogame Itinerante,
um projeto do colecionador de videogames Cleidson Lima, que roda o país fazendo exibições
públicas da sua coleção pessoal. Criado em 2011, recentemente foi reconhecido e premiado
pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), e não possui sede fixa. Embora essa também
seja uma questão em que não há consenso na área da informação, a resposta obtida à questão
desta pesquisa faz refletir de que também existe espaço nos arquivos para os videogames, que
não precisam estar limitados aos museus ou bibliotecas, por exemplo.
Essa idéia vai de encontro às respostas obtidas no questionário aplicado às instituições
internacionais ligadas à preservação de videogames. Algumas delas até tinham o termo
“arquivo” no nome, mas não todas. Ou seja, os arquivos não devem ser os únicos
responsáveis pela preservação dos videogames, mas podem desempenhar o seu papel dentro
dos limites de sua atuação.
Outra constatação decorrente do questionário foi que grande parte das instituições
internacionais também não possuem um orçamento folgado ou as melhores condições de
trabalho. Pelo menos metade das instituições pesquisadas só funcionam graças a doações e
trabalho de voluntários. Essa situação mostra que mesmo nos países desenvolvidos a questão
da preservação dos videogames não é um tema resolvido, e que existem alternativas para não
depender exclusivamente do poder público. Cabe aos arquivistas (e outros profissionais da
informação) enfrentarem o desafio e assumirem a responsabilidade da preservação dos
videogames, o que já vem acontecendo em algumas das instituições internacionais
pesquisadas. Mesmo em condições longe das ideais, elas vêm tentando buscar soluções para o
problema e iniciar o debate e troca de experiências.
Nenhuma das estratégias de preservação dos videogames adotadas atualmente está
isenta de defeitos ou limitações. Algumas esbarram em questões legais, como a emulação,
pois mesmo os jogos mais antigos ainda estão distantes de caírem em domínio público, então
é preciso considerar a lei de direitos autorais de cada país. Também existe a questão técnica
da já citada obsolescência programada. A manutenção dos videogames mais antigos é
particularmente difícil, pois são poucos os técnicos e mesmo material de reposição para os
aparelhos. A migração de suportes também é complicada, pois nem sempre é possível
reproduzir os jogos na mesma condição original, principalmente considerando que ao trocar a
86
plataforma, quase sempre os controles serão diferentes, e eles fazem parte da experiência de
qualquer jogo de videogame.
Essa questão de buscar manter os sistemas fiéis à forma com que foram produzidos
originalmente é essencial na discussão dos videogames como documentos arquivísticos.
Embora guardem semelhanças com outras mídias como a televisão e o cinema, os videogames
tem como característica mais importante e diferenciadora a interatividade entre o jogador e
um jogo. O jogador de videogame é um participante ativo da história que lhe está sendo
contada, a jogabilidade é um fator de sucesso ou fracasso para qualquer jogo. Como preservar
o contexto original em que o jogo era reproduzido? Será isso possível? Por quanto tempo? É
um desafio enorme para qualquer profissional que lide com a questão.
Basicamente, como todo jogo é feito para jogar, parece razoável supor que a
organicidade dos jogos de videogame só estará inteiramente preservada enquanto eles
puderem ser jogados da forma mais parecida possível com que foram desenvolvidos
originalmente. Buscar soluções para esse desafio exige colaboração entre todos os
profissionais responsáveis pela preservação dos videogames. O profissional arquivista não
conseguirá lidar sozinho com este problema, pois exige conhecimentos técnicos que ele não
tem. Felizmente, conforme demonstrado pelas respostas dos dois questionários, as instituições
arquivísticas e as internacionais pesquisadas já são um espaço multidisciplinar. Essa
integração deve ser estimulada cada vez mais, para ao menos minimizar os efeitos da
obsolescência programada dos videogames.
Longe de ter a pretensão de esgotar o tema, a presente pesquisa é uma tentativa de
estimular o debate de como lidar com os videogames, no campo da Arquivologia no Brasil.
Se um videogame pode ser um documento arquivístico, os arquivistas não podem se eximir da
responsabilidade de se prepararem para incorporá-los ao seu acervo. E para que isso possa
acontecer, fazem-se necessários estudos científicos e pesquisas acadêmicas, e a disseminação
das mesmas, a respeito do tema abordado. Somente assim algumas respostas poderão ser
encontradas e testadas para as inúmeras dúvidas e desafios que rondam a temática, e que
também aparecem neste estudo. Se esta pesquisa contribuir de alguma forma para que sejam
realizados novos trabalhos na área sobre o tema, terá conseguido desempenhar um papel
maior do que qualquer objetivo inicialmente desejado.
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