Prefácio à 3ª edição ■ A Interculturalidade: Moda ou Tendência? No início de mais um Prefácio (o terceiro, mais exactamente) a uma mesma obra, ocorre-me aquela lengalenga que aprendemos quando éramos crianças (as lengalengas são sempre aprendidas quando somos crianças) e que reza qualquer coisa parecida com «se um elefante incomoda muita gente... dois elefantes incomodam muito mais». Para o leitor mais desprevenido, ou mais pressuroso em extrair conclusões precipitadas, devo deixar, desde já, a precisão de que me quero referir à possível colagem da dita lengalenga aos conteúdos dos meus Prefácios e não obviamente, à obra à qual se referem. Assim sendo, o risco que se corre (que eu corro, bem entendido) ao escrever três Prefácios de uma mesma obra, é cair numa situação passível de poder vir a ser apostrofada com uma declinação mais ou menos criativa da referida lengalenga, do tipo «se dois Prefácios incomodam muita gente...três Prefácios incomodam muito mais». Quanto ao livro em si, o risco é evidentemente erodido pela legitimidade inquestionável de uma terceira edição da mesma obra; o que, em si mesmo... é obra! Passando, portanto, o natural receio de incomodar o leitor (e, presumivelmente, o autor) com um terceiro Prefácio, creio que é de toda a legitimidade começar por realçar o renovado interesse suscitado por este excelente trabalho do Paulo Finuras e, sobretudo, pela abordagem apelativa que ele faz de um tema que, de ano para ano, se tem vindo a revelar como um assunto de grande actualidade, fazendo já parte incontornável da moderna agenda da gestão, dos gestores e dos líderes empresariais. Se tivermos em linha de conta que a primeira edição desta obra foi publicada em 2003 e que a época em que vivemos é caracterizada, entre outras coisas, pelo encurtamento dramático dos ciclos de vida dos produtos e, consequentemente, dos temas, conceitos e, até, paradigmas que os sustentam, creio que temos já matéria suficiente para afirmar que o assunto abordado neste livro, a Interculturalidade e as suas expressões na fenomenologia nas práticas de gestão e na intersubjectividade das vivências sociais, adquiriu já suficiente perenidade para passar a ter um estatuto de «cidadania» no areópago dos temas fundamentais da nossa «modernidade tardia» (Giddens). Baseando-me na dignidade discursiva e na imanente cientificidade de uma judiciosa caracterização que li (de um livro do qual não recordo a referência) da diferença entre o que é uma moda e o que é uma tendência, designadamente a de que «a moda é passageira e a tendência...fica», concluir-se-á, facilmente, que a Gestão Intercultural é já uma tendência; e está para durar. ■ A crise de valores... e os valores da crise Nos complexos contextos da Interculturalidade, tornados cada vez mais omnipresentes pelos efeitos do «encolhimento do mundo» (expressão referenciada no livro) provocados pela globalização, a questão dos valores assume uma criticidade crescente. No livro, Paulo Finuras salienta, com muita clareza, a total pertinência desta questão, tanto na sua essência, digamos assim, como, sobretudo, nas suas consequências, ao assinalar, a páginas tantas, que «as pessoas constroem organizações de acordo com os seus valores e as instituições sociais reflectem, portanto, os valores dominantes da sua cultura». Esta ideia convoca uma heurística muito rica de pistas possíveis de investigação e intervenção nas organizações. Mais concretamente, se os valores, de algum modo, estruturam a criação das instituições e, consequentemente, influenciam os seus modos de funcionamento, fará então sentido que qualquer plataforma que se utilize como suporte dos processos de mudança organizacional, tenha os valores como base, sejam os valores já interiorizados por uma determinada comunidade de pessoas, sejam os valores que se pretende que venham a ser desenvolvidos no contexto, e como expressão, dos próprios processos de mudança. Ora, se partirmos da «velha» definição sugerida por Talcott Parsons, segundo a qual os valores constituem «a demand on a solution», concluir-se-á que toda e qualquer prática organizacional ou social, individual ou colectiva, terá em si subjacente um determinado conjunto de «assunções básicas» (Schein) que, de um modo mais ou menos consciente, irão influenciar, de uma ou outra maneira, os comportamentos individuais e colectivos em qualquer comunidade humana. A consequência é que, de um modo muito linear, qualquer processo de mudança organizacional será pouco consistente e terá pouca sustentabilidade se não existir um trabalho sério sobre os valores organizacionais que deverão constituir o seu mais importante factor de suporte. Essa é, no meu ponto de vista, uma das razões para o facto de que, actualmente, se dá cada vez maior importância, nas intervenções organizacionais perspectivadas a um nível mais macro, à definição da Missão, da Visão e dos Valores que lhes são correlatos. Os valores são, de facto, o mais sólido e mais perene sustentáculo das atitudes, comportamentos e ações e constituem o mais poderoso factor de alavancagem de qualquer processo que tenha como finalidade a mudança individual e colectiva. Se, de acordo com as premissas apresentadas neste livro, as diferentes culturas nacionais têm subjacentes valores diferentes, a compreensão desses valores e as respectivas modalidades de expressão nos comportamentos e nas práticas dos cidadãos pertencentes a essas culturas, constituirá uma competência absolutamente fundamental para todos aqueles cuja amplitude de ação se alargue a contextos multiculturais. Assim, a inter e a multiculturalidade constituem, a uma só vez, uma filosofia social onde a mensagem é, mais do que a tolerância relativamente ao diferente, a valorização da diferença como um verdadeiro activo organizacional, e uma prática social orientada para a capitalização do potencial criativo dessa diferença para a geração de sinergias inovadoras que reinventem uma nova ordem social baseada na cooperação criativa e no interesse mútuo. Num mundo onde, atualmente, às vezes parece que a tão propalada crise de valores tem agora uma inesperada forma de superação através de um conglomerado de princípios e de práticas comuns, transnacionais, perspectivada numa ampla plataforma estratégica em tornos de arquétipos associados aos «valores da crise», vale a pena reforçar filosofias e práticas que reinventem um valor que, não sendo novo, assume agora uma expressividade e uma força sem precedentes: a confiança; a confiança em nós próprios, nas nossas organizações, nas nossas instituições sociais e, no limite, a nossa confiança no futuro. Mário Ceitil Director Associado da Cegoc Professor Universitário