possibilidade de sua fixação nos 180 dias anteriores às eleições

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REMUNERAÇÃO DE VEREADOR:
Possibilidade de sua fixação nos 180 dias anteriores às
eleições: Inaplicabilidade do art. 21, parágrafo único da Lei
de Responsabilidade Fiscal.
Rachel Farhi
Procuradora do Estado do Rio de Janeiro
Chefe da Consultoria Jurídica do IBAM.
O presente trabalho busca atender à reiterada indagação registrada no
plantão telefônico do IBAM, no sentido de haver o Ministério Público, em
algumas comarcas, entendido estar o Legislativo Municipal impedido de fixar a
remuneração dos Vereadores, para a próxima legislatura, nos cento e oitenta dias
anteriores ao final do mandato dos atuais agentes políticos municipais, em razão
do disposto no art. 21, parágrafo único da Lei da Responsabilidade Fiscal.
Temos ciência de ação civil pública movida pelo Ministério Público do
Estado de Minas Gerais, através da Curadoria do Patrimônio Público da Comarca
de Ouro Branco – MG, contra fixação de remuneração de Vereadores para o
exercício de 2001 a 2004, em desacordo com os limites do art. 29 da Constituição
Federal e, dentre outros, ao disposto no art. 21, parágrafo único da LRF.
A decisão de primeiro grau, proferida pelo Juízo daquela comarca,
apenas deu provimento ao pedido relativamente aos limites constitucionais,
desacolhendo as alegações relativas à nulidade da fixação de subsídios em
desacordo com a LRF, art. 21, parágrafo único.
Esses os fatos ante os quais passamos ao exame da questão.
Preliminarmente, impõe-se salientar ser de conhecimento público a triste
tradição dos governos brasileiros de gastar mais do que arrecadam, de iniciar
obras sem a preocupação de terminá-las, do superfaturamento propiciador de
proveitos ilícitos e da paralisação dos investimentos do governo antecessor,
entre outras práticas congêneres, evidenciadoras da absoluta irresponsabilidade
fiscal e orçamentária dos governantes, tanto mais agravada, nos finais
de mandato, em que, de há muito, tem sido praxe a concessão de favores
fiscais, aumento de vencimentos e atribuição de vantagens aos servidores e
de realização de toda sorte de despesa pública, para ser paga pelo próximo
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governante, sem falar na inflação e na corrupção daí resultante. Desse
lamentável quadro é claro, decorreu imensa crise orçamentária bem como
justa resistência da sociedade em suportar os desmedidos gastos públicos.
Todos esses fatores, entre outros, determinaram a necessidade de
disciplinamento mais rigoroso dos gastos públicos, de modo a possibilitar o
equilíbrio das contas públicas, o que veio a materializar-se na Lei Complementar
nº 101, de 04 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
A Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF– inaugurou o conceito de gestão
fiscal responsável, tornando dever do administrador manter o equilíbrio das
contas públicas, além de submeter-se à legalidade e legitimidade dos gastos,
importando este último no exercício obrigatório da prudência fiscal, consoante
se conclui do direcionamento expresso no respectivo art 1°, § 1°.
Esse princípio figura no Capítulo IV, Seção I, da LRF, art. 15, que dispõe
sobre geração de despesas, ao considerar “não autorizadas, irregulares e lesivas
ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que
não atendam o disposto no arts. 16 e 17”.
Na nomenclatura consagrada pela Lei nº 4.320/64 (art. 58), o ato que cria
para o ente público a obrigação de pagamento é o empenho, a este segue o
ato que declara a satisfação da condição denominado liquidação; seguindo-se
este do ato que efetiva a entrega do dinheiro público ao credor denominado
pagamento. Trata-se, pois, de atos dispostos processualmente, de modo que
o conseqüente pressupõe o antecedente como requisito de validade.
A LRF, diversamente, adota as expressões “geração de despesas”
e “assunção de obrigação”, nitidamente relacionadas às fases anteriores
do processo de gestão fiscal, ampliado de modo a permitir o exercício da
“prudência fiscal”, antecipando-se àquelas fases de empenho, liquidação e
pagamento, dilatando, assim, a fase preparatória da despesa pública.
Ao tratar das Despesas de Pessoal, a LRF impõe limites rigorosos com
aferição periódica de tais despesas, prevendo no respectivo art. 18, referentes,
dentre outras, àquelas realizadas com membros de Poder, fixas e variáveis,
subsídios etc.; e nos arts. 19 e 20 fixa percentuais calculados sobre a receita
corrente líquida que constituem limite de despesa de pessoal, o qual para o
Legislativo Municipal, incluído o Tribunal de Contas, quando houver, é de
6%.
12
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O art. 21, parágrafo único da LRF, objeto do questionamento em exame,
estatui:
Artigo 21 – É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa
com pessoa e não atenda:
(...)
Parágrafo Único – Também é nulo de pleno direito o ato que resulte aumento
da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final
do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no artigo 20.
Diante de tais dispositivos, pode à primeira vista parecer aplicar-se à
fixação dos subsídios dos Vereadores a vedação do parágrafo único do art.
21 transcrito acima. Tal todavia não ocorre pelas razões que passamos a
aduzir:
1. A Constituição Federal, art. 29, reconhece a autonomia municipal para
elaborar a própria lei orgânica, atendidos os princípios nela estabelecidos e na
Constituição do Estado, bem como os explicitados nos incisos desse dispositivo,
entre os quais os incisos VI e VII que dispõem sobre fixação e limites dos subsídios
de Vereadores Municipais determinando expressamente no inciso VI que:
o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais,
em cada legislatura para a subseqüente, observado o que dispõe esta
Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei
Orgânica e os seguintes limites máximos:
a- em Municípios de até dez mil habitantes, o subsídio máximo dos
Vereadores corresponderá a vinte por cento do subsídio dos Deputados
Estaduais;
bem Municípios de dez mil e um a cinqüenta mil habitantes, o
subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a trinta por cento do
subsídio dos Deputados Estaduais;
cem Municípios de cinqüenta mil e um a cem mil habitantes, o
subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a quarenta por cento do
subsídio dos Deputados Estaduais;
dem Municípios de cem mil e um a trezentos mil habitantes, o
subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a cinqüenta por cento do
subsídio dos Deputados Estaduais;
eem Municípios de trezentos mil e um a quinhentos mil habitantes,
o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a sessenta por cento do
subsídio dos Deputados Estaduais.
fEm Municípios de mais de quinhentos mil habitantes, o subsídio
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máximo dos Vereadores corresponderá a setenta e cinco por cento do
subsídio dos deputados Estaduais (grifamos).
Já o art. 29-A, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 25 de 14 de
fevereiro de 2000, estabelece:
O total da despesa do Poder Legislativo Municipal, incluídos os subsídios
dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar
os seguintes percentuais, relativos ao somatório da receita tributária e
das transferências previstas no §5° do art. 153 e nos arts. 158 e 159,
efetivamente realizado no exercício anterior:
I – oito por cento para Municípios com população de até cem mil
habitantes;
II – sete por cento para Municípios com população entre cem mil e um
e trezentos mil habitantes;
III – seis por cento para Municípios com população entre trezentos mil e
um e quinhentos mil habitantes;
IV – cinco por cento para Municípios com população acima de quinhentos
mil habitantes .
§1° A Câmara Municipal não gastará mais de setenta por cento de
sua receita com folha de pagamento, incluído o gasto com o subsídio
de seus Vereadores (grifamos).
Como se vê, não só a Constituição Federal impõe às Câmaras Municipais
a obrigação de fixar os subsídios dos Vereadores e, conseqüentemente, lhes
garante direito a tais subsídios, como impõe sejam eles fixados de uma
legislatura para outra, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei
Orgânica, além dos limites constitucionalmente previstos.
Assim, devem as Câmaras fixar os subsídios dos agentes políticos eletivos
municipais na data ou período estabelecido pela Lei Orgânica Municipal;
e sendo ela omissa, poderá fazê-lo, consoante entendimento de nossos
tribunais, até a véspera da eleição municipal, restando assim preservado o
princípio protetor da moralidade pública, que impede a gestão em causa
própria, inspirador da imposição de fixação de subsídios de uma legislatura
para outra.
Averbe-se que, a partir da vigência da Emenda Constitucional n° 19/98
o termo subsídio, utilizado para designar os estipêndio dos parlamentares,
passou a revestir caráter remuneratório, diversamente daquele que até então
lhe era atribuído, de mero auxílio, sem natureza remuneratória.
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É que, a partir da EC 19/98, passaram a configurar contraprestação por
serviços prestados, tanto que o eleito deve com ele manter-se e à sua família,
enquanto exercer o mandato, fato que evidencia sua natureza alimentar.
Em suma, os Vereadores são agentes políticos eletivos, titulares do
1
direito constitucional a subsídios, os quais revestem caráter alimentar
e que têm tratamento de direito constitucional, sendo, conseqüentemente,
o ato legislativo que o institui para os Vereadores, de uma legislatura
para outra, integrador da eficácia do disposto no art. 29, VI “caput” da Lei
Maior, assegurador do direito aos subsídios, fixados por ato normativo de
vigência temporária, porque correspondente ao período do mandato, daí ser
indispensável a respectiva fixação.
Tratando-se, pois, de direito constitucionalmente assegurado, não tem
sentido deixar-se os Vereadores sem subsídios – notadamente porque revestem
caráter alimentar – por todo o período dos respectivos mandatos, apenas pelo
fato meramente formal de não terem sido fixados antes dos 180 dias anteriores
às eleições, considerado “período suspeito”.
2
Vanice Regina Lírio do Valle , manifestando sua estranheza por não ter
sido referido dispositivo objeto de questionamento quanto à constitucionalidade
da uniformidade de sua imposição de suspeição por 180 dias, a todos os Poderes
e órgãos públicos autônomos, averba o seguinte:
Uma das primeiras distorções que o texto ora sob análise traz – e são muitas,
como se verá – é a instituição de um desequilíbrio de tratamento entre os
Poderes, ao fixar-se regra de presunção de ilegalidade de atos expedidos
nos 180 dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder
ou órgão (seja ele qual for) referido no art. 20 da Lei Complementar nº
101/2000. Isso porque, como se sabe, não obstante o mandato eletivo dos
Chefes do Poder Executivo seja de 4 anos, o dos Titulares dos Poderes
Legislativo, Judiciário e Ministério Público, normalmente não o são; ao
3
contrário, são de 2 anos. Assim, o período de cento e oitenta dias representa
1
Confira-se em SILVA, José Afonso da. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1989. p. 461-462.
2
Controle de pessoal e chave da gestão fiscal responsável. São Paulo: Forense. p. 214-215
3
Não parece restar dúvida em relação à aplicabilidade da regra quanto ao Presidente de Tribunal, tampouco com relação ao Procurador Geral de Justiça, pela circunstância de que também
tais titulares são selecionados por sufrágio – ainda que cada qual das instituições tenha suas
regras próprias acerca de quem possa dele participar. Assim, mandato é expressão genérica
que se aplicará igualmente, seja àqueles que se submetem à eleição popular, seja aos que são
selecionados entre seus pares.
Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 8, n. 13, jan./dez. 2004
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1
para o Poder Executivo uma limitação correspondente a / de seu mandato;
8
já o mesmo período para os dirigentes dos demais poderes significa uma
1
limitação correspondente a / de seus mandatos. Do ponto de vista prático
4
portanto, uma mesma cláusula é duas vezes mais restritiva para os Poderes
Legislativo, Judiciário e Ministério Público, que para o Poder Executivo.
Existe óbvia assimetria entre os mandatos dos Chefes do Executivo (de
quatro anos) e dos outros Poderes, no caso da Câmara Municipal, equivalente
à metade daquele do Executivo, posto ser em geral de dois anos – o que atenta
4
contra o princípio de harmonia entre os poderes .
Há, portanto, que dar à regra geral de proibição de aumento de despesas
com pessoal constante do art. 21, parágrafo único, aplicação cautelosa.
5
Ocorre que a presunção de nulidade de pleno direito contida nesse dispositivo
não pode decorrer de mera irregularidade ou de vícios formais do ato com clara
inversão da presunção de validade dos atos da Administração, consagrada pelo
unânime entendimento doutrinário e, a partir da Constituição de 1988, em razão
de seu art. 37, caput, que prevê a legalidade como princípio administrativo,
valendo nesse sentido colacionar Vanice Regina Lírio do Vale, “verbis”:
... é da essência do sistema normativo brasileiro a presunção de legalidade
dos atos da Administração, em decorrência direta do princípio constitucional
consagrado no art. 37, caput da Carta Federal. Assim, tenho grave dúvida
de que possa a Lei Complementar nº 101/2000 inverter essa pressunção de
legalidade; e mais ainda, de forma absoluta, não permitindo ao administrador
público meios de, em se verificando claramente o interesse público, praticar,
nesse por assim dizer, “período suspeito”, ato que determine aumento da
despesa de pessoal. Nem se diga que ao administrador competente, que
planeja, seja possível evitar qualquer situação-limite em que o interesse
público exija, nos 180 dias imediatamente anteriores ao término do
mandato, providência que gere aumento de despesa. E valho-me aqui do
exemplo mais simples para refutar essa assertiva, própria dos que não têm,
6
a rigor, a vivência das dificuldades da gestão de pessoal .
No mesmo sentido averba Diogo de Figueiredo Moreira Neto,
... a presunção de lesividade não pode decorrer de simples irregularidade,
4
Confira-se em MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Considerações sobre lei de responsabilidade fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 190.
5
Como ocorre também no art. 15 relativamente à lesividade do ato. Vide MOREIRA NETO, loc. cit
6
MOREIRA NETO, op. cit., p. 227.
16
Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 8, n. 13, jan./dez. 2004
ou seja, da mera insatisfação formal dos requisitos estabelecidos nos
referidos arts. 16 e 17. É, pois, a combinação lesividade acrescida à
irregularidade que dá causa à nulidade.
É a prática da ação popular, na qual a lesividade conduz à nulidade, que
ensina que não basta a irregularidade formal, exigindo-se também o
prejuízo a valores definidos. Neste sentido, a jurisprudência firmou a
dupla condição: irregularidade mais lesão a valores, para a caracterização
da nulidade, não podendo ser consideradas isoladamente como motivo
7
para a desconstituição de ato .
Esse raciocínio, pelas mesmas razões e idêntico fundamento, também
se aplica à hipótese do art. 21, parágrafo único em exame.
Realmente, a existência de vícios formais poderia induzir uma intenção
de lesividade, jamais, porém, caracterizá-la efetivamente como presunção
absoluta de nulidade do ato, porque essa interpretação agrediria o sistema
de direitos fundamentais assegurado pela Constituição Federal, na medida
em que admite possa o gestor público ser presumidamente responsável por
lesão que dispensaria de comprovação, em desacato ao princípio do devido
processo legal. Não é isso o que pretende a Lei. O que ela busca preservar
é a satisfação das condições orçamentárias e financeiras materiais para a
realização da despesa pública.
Não decorre da lei qualquer vedação de prática de atos legislativos
impostos pela Constituição. Tal, por certo, não pretende a LRF, em seu art. 21,
parágrafo único. Esse dispositivo, aliás, tem nítido conteúdo eleitoral, próprio
de lei ordinária, afigurando-se deslocado em lei complementar financeira,
cujo objetivo, como se viu, é o de coibir que, por ato de vontade venha o
titular do Poder ou órgão a gerar aumento de despesa de pessoal ao longo
desse “período suspeito”, influindo na lisura do processo eletivo, risco esse
também inexistente, na presente hipótese.
Entender-se em contrário tornaria o dispositivo legal incompatível com o
art. 29, VI, bem como com o art. 37 caput da Constituição Federal, deixandose de aplicar à hipótese o princípio da interpretação conforme a Constituição
que há de ser utilizado consoante o averbado por Luís Roberto Barroso, nos
seguintes termos:
...À vista das dimensões diversas que sua formulação comporta, é possível e
7
Ibid., p. 157.
Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 8, n. 13, jan./dez. 2004
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conveniente decompor didaticamente o processo de interpretação conforme
a Constituição nos elementos seguintes:
1) Trata-se da escolha de uma interpretação da norma legal que a mantenha
em harmonia com a Constituição, em meio a outra ou outras possibilidades
interpretativas que o preceito admita.
2) Tal interpretação busca encontrar um sentido possível para a norma, que
não é o que mais evidentemente resulta da leitura de seu texto.
3) Além da eleição de uma linha de interpretação, procede-se à exclusão
expressa de outra ou outras interpretações possíveis, que conduziriam a
resultado contrastante com a Constituição.
4) Por via de conseqüência, a interpretação conforme a Constituição não
é mero preceito hermenêutico, mas, também, um mecanismo de controle
de constitucionalidade pelo qual se declara ilegítima uma determinada
leitura da norma legal.
(Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996.
p. 174-175).
Assim sendo, parece-nos indispensável interpretar a norma de “quarentena
financeira”, com o necessário cuidado, conformando-a à Constituição, pela
aplicação do princípio supra, para que não se leve o aplicador da lei à
interpretação absurda que conduzisse ao paradoxo de ter que cumprir obrigação
e satisfazer
direito constitucionalmente assegurados e o de não praticar uma
8
nulidade .
Esse é, sem dúvida, mais um dos inúmeros casos da incidência da nulidade
formal prevista no art. 21, parágrafo único da LRF, em razão de norma legal
preexistente – no caso, norma de estirpe constitucional – para validar o ato que
provoca o aumento da despesa, como se pode constatar da listagem colacionada
por Reinaldo Moreira Bruno, que se reportando a decisões do Tribunal de
Contas do Rio Grande do Sul em atendimento a consultas formuladas sobre
diversas situações enfrentadas pela Administração Pública, nos últimos cento e
oitenta dias de mandato dos Prefeitos, em caráter meramente exemplificativo,
elenca as seguintes hipóteses por ele assim resumidas:
8
Lei de Responsabilidade Fiscal. Despesas com pessoal nos 180 dias
anteriores ao final do mandato.Textos legais exigem interpretação
sistemática, sob pena de deturpação dos fins por eles pretendidos. A Lei
de Responsabilidade Fiscal visa a coibir a prática, pelo administrador,
de atos atentatórios ao interesse público mas, jamais, a paralisação da
administração. A regra geral de proibição de aumento de despesas com
Vide MOREIRA NETO, op. cit., p. 181-182.
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Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 8, n. 13, jan./dez. 2004
pessoal no período circunscrito no parágrafo único do art. 21 da LRF
não veda a mera prática de atos administrativos vinculados, que apenas
concretizam comandos legais, caracterizando poder-dever do administrador
de realizar os fins essenciais da administração pública.
[...]
Assim, e com caráter exemplificativo, e considerando ainda as hipóteses
específicas elencadas nas fls. 2 e 3 do Processo nº 5010-02.00/01-06,
enumeram-se as seguintes despesas com pessoal que podem ser assumidas
pelo titular de órgão ou Poder, “nos 180 dias anteriores ao término do seu
mandato”, consoante vedação posta no parágrafo único do art. 21 da LRF,
mesmo que impliquem em aumento desta despesa, como segue:
1) Provimento de cargos efetivos vagos, preexistentes, quer em substituição
de servidores inativos, falecidos, ou seja qual for a causa da vacância;
2) Provimento de cargos efetivos vagos, seja qual for a causa da vacância,
inclusive por vagas que venham a ser concretizadas no período de vedação
desde que a respectiva autorização legislativa para a sua criação tenha
sido encaminhada, pelo titular de Poder ou órgão competente, ao Poder
Legislativo, antes do início daquele prazo e, isto, porque a demora, aqui,
cabe ao Legislativo, não se podendo, por isso, imputar ao administrador
ilegitimidade para a prática de tais atos;
3) Nomeação para cargos em comissão preexistentes que vagarem, no
período;
4) Nomeação para cargos em comissão cujas vagas venham a ser
concretizadas no período de vedação, desde que a iniciativa legislativa
para sua criação tenha sido exercida pelo respectivo titular de Poder ou
órgão e encaminhada ao Poder Legislativo antes do início daquele prazo,
pelas razões expostas no nº 2, supra;
5) Contratação temporária de pessoal, porque autorizada pela própria
Constituição Federal, no inciso IX do art. 37, sempre que necessário para
‘atender a necessidade temporária de excepcional interesse público’,
devendo estar caracterizada a emergência desta forma de contratação;
6) Designação de funções gratificadas e suas substituições, bem como
atribuição de gratificações de representação, criadas por legislação anterior
ao período de vedação;
7) Designação de funções gratificadas ou suas substituições, bem como atribuição
de gratificações de representação, quando sua instituição for concretizada
posteriormente, desde que o respectivo projeto de lei para sua criação tenha sido
encaminhado pelo Poder ou órgão, a quem cabe sua iniciativa legislativa, ao
Poder Legislativo, antes do início do prazo excepcionado pela LRF;
8) Realização de concurso público, até porque esta é a forma constitucional
Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 8, n. 13, jan./dez. 2004
19
regular de provimento de cargos públicos (inciso II, art. 37 da Constituição
Federal);
9) Concessão de vantagens, inclusive as temporais – ex facto temporis
– reguladas em lei editada anteriormente ao período de vedação, porque
estes são benefícios pessoais do servidor, já adquiridos;
10) Concessão de promoções, reguladas em lei editada anteriormente ao
período de vedação, que deverão ser concedidas nos termos, na forma
e segundo os requisitos específicos previstos na respectiva legislação
reguladora preexistentes ao período de vedação. A efetivação de promoções,
em muitas situações, é inclusive indispensável à continuidade dos serviços
públicos como, por exemplo, para fins de provimento de comarcas ou
regionais de órgão, caso do Poder Judiciário, Ministério Público, do próprio
Tribunal de Contas, e outros;
11) Honorários, seja em função da participação do servidor como membro
de banca de concurso, ou de sua gerência, planejamento, execução ou outra
atividade auxiliar a ele correlata, em razão de que esta é remuneração a ele
devida por exercício de atividade extra cargo indispensável à prestação
dos serviços públicos e/ou sua continuidade. Aliás, não teria sentido aceitar
gastos com realização de concurso público e não se admitir o pagamento
de honorários aos membros da banca, bem como pelo exercício de outras
funções correlatadas ao concurso, pois esta negativa estaria inviabilizando
a realização de certame;
12) Pagamento de honorários a servidor por treinamento de pessoal ( inciso
IV, art. 85, e inciso III, art. 121 do Estatuto do Servidor Público do RS) não
se inclui na vedação do parágrafo único do art. 21 da LRF, na medida em que
estas atividades são necessárias ao aprimoramento do quadro de servidores
e, pois, à otimização dos serviços públicos prestados ou disponibilizados.
A única exigência para pagamento destes honorários no período referido
será sua devida motivação, que deverá deixar clara a indispensabilidade
da realização destas despesas no período exepcionado;
13) Pagamento de honorários a servidor por atuação como professor em
cargos legalmente instituídos (inciso IV do art. 85 e inciso IV do art. 1221
do Estatuto do Servidor Público do RS), pelas mesmas razões constantes
do item anterior e nas condições nele elencados;
14) Concessão de revisão salarial geral anual aos servidores públicos,
prevista no inciso X do art. 37 da Constituição Federal, desde que existente
política salarial prévia;
15) Não é admissível, contudo, a concessão de reajustes salariais setorizados
por categorias, instituído no período de vedação;
9
Concessão
de aumentos
salariais
previstos
em norma legal editada
Revista de 16)
Direito
Administrativo,
Rio de Janeiro,
n. 236,
p. 340-342.
anteriormente ao período de vedação, com repercussão, nele, de parcelas
20
Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 8, n. 13, jan./dez. 2004
determinadas na respectiva lei reguladora. FONTE: Parecer nº 51/2001
9
– Processos NºS 5.010-02.00/01-6 e 4.971-02.00/01-6.
Conclusão
Por todo o exposto, discordamos, com a devida “venia”, do entendimento
ensejador do presente trabalho. A fixação de subsídios dos Vereadores, por
ter acento constitucional, constitui obrigação da Câmara Municipal, da qual
resulta a necessária previsão de recursos orçamentários, para atender à despesa
dela decorrente, não estando a respectiva fixação sujeita à limitação imposta
pelo art. 21, parágrafo único, da LRF.
Os subsídios dos Vereadores estão submetidos aos limites do art. 29, VI e
VII, como, também, aos expressos no art. 29-A, referidos acima; e estes últimos
impõem ao Legislativo a necessidade de afeiçoar, mensalmente, o total de suas
despesas de pessoal, incluídos os subsídios do Vereador, ao limite percentual
fixado de acordo com a população do Município, nos respectivos itens I a IV,
sobre o somatório da receita tributária e das transferências previstas no § 5° do
art. 153 e nos arts. 158 e 159, efetivamente realizada no exercício anterior.
Além disso se impõe à Câmara observar o § 1° do art. 29-A , que
assegura a conformação de sua despesa ao limite de setenta por cento dos
recursos orçamentários que lhe são destinados, todas essas exigências afastam
a ocorrência de despesa que ponha em risco o equilíbrio das contas públicas,
cuja preservação é alvejada, pelo art. 21, parágrafo único da LRF.
Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 8, n. 13, jan./dez. 2004
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