UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS DO DIRETO PROCESSUAL ALEX PATRICIO CÓRDOVA ACESSO À JUSTIÇA E PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE: CONTRIBUIÇÕES DA ADMINISTRAÇÃO JUDICIÁRIA CATARINENSE NOS ANOS DE 2002 A 2004 CRICIÚMA, 2005 1 ALEX PATRICIO CÓRDOVA ACESSO À JUSTIÇA E PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE: CONTRIBUIÇÕES DA ADMINISTRAÇÃO JUDICIÁRIA CATARINENSE NOS ANOS DE 2002 A 2004 Monografia apresentada à Diretoria de PósGraduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, para a obtenção do título de especialista em Tendências Contemporâneas do Direito Processual. Orientadora: Prof. Msc. Letícia de Campos Velho Martel. CRICIÚMA, 2005 2 À minha mulher Cida e à minha filha Anna Maria, pelo estímulo e força que representaram, sem o que teria sido impossível resistir aos sacrifícios dos últimos tempos. 3 AGRADECIMENTOS Agradeço à Professora Msc. Letícia de Campos Velho Martel, pelo apoio e compreensão, permitindo liberdade na elaboração do trabalho, dando a assistência e orientação necessárias, sendo compreensiva para com as dificuldades, sem deixar que desistisse do objetivo. Agradeço ao Prof. Dr. Rui Portanova, inspirador do tema principal acesso à justiça, adaptado que foi às condições de tempo para pesquisa, mas que servirão para prosseguir em futuros trabalhos. 4 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 06 1.2 Objetivos ........................................................................................................... 08 1.2.1 Objetivo Geral ................................................................................................ 08 1.2.2 Objetivos Específicos ................................................................................... 09 1.3 Metodologia ...................................................................................................... 09 2. DO ACESSO À JUSTIÇA .................................................................................... 10 2.1 Noções introdutórias........................................................................................ 10 2.2 Conceito de Acesso à Justiça e de Efetividade: Visões e Tendências........ 13 2.2.1 Quanto ao Princípio da Efetividade do Processo ....................................... 18 2.3 Perspectiva Histórica ....................................................................................... 23 2.3.1 Assistência Liberal ........................................................................................ 23 2.3.2 A Primeira Onda............................................................................................. 24 2.3.3 A Segunda Onda do Acesso à Justiça ........................................................ 26 2.3.4 A Terceira Onda do Acesso à Justiça.......................................................... 27 3 DIFICULDADES ENCONTRADAS NO ACESSO À JUSTIÇA: APONTAMENTOS ................................................................................................... 29 3.1 Os Problemas de Desigualdade Socioeconômica......................................... 30 3.2 Os Problemas de Desigualdade Social e Cultural. ........................................ 34 3.3 Os Problemas Políticos e Técnicos. ............................................................... 37 3.4 Outras Dificuldades.......................................................................................... 43 4 CONTRIBUIÇÕES DA ADMINISTRAÇÃO JUDICIÁRIA CATARINENSE PARA FACILITAR O ACESSO À JUSTIÇA NOS ANOS DE 2002 A 2004. ...................... 45 4.1 Notas Introdutórias........................................................................................... 45 5 4.2 Alterações na Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina à Luz das Normas Vigentes. ............................................................................................ 46 4.3 Da Academia Judicial....................................................................................... 53 4.4 Planejamento Estratégico no Poder Judiciário Catarinense. ....................... 57 4.5 Projeto de Racionalização da Justiça Catarinense. ...................................... 58 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 63 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 67 6 1. INTRODUÇÃO O acesso à Justiça está incluso entre os direitos e garantias fundamentais. A Constituição da República Federativa do Brasil assegura como garantia e direito fundamental do indivíduo e da coletividade: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;” (art. 5º, inc. XXXV, da CF). Depreende-se daquele dispositivo da Constituição Federal um dos sentidos atribuíveis à expressão “acesso à justiça”, na qual o termo “justiça” é sinônimo de Poder Judiciário. Há, todavia, um segundo sentido fundamental atribuível à mesma expressão, considerada a partir da visão axiológica da expressão justiça, a respeito da qual ter-lhe acesso significará o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais da pessoa. O acesso à justiça, tendo como perspectiva a obtenção de uma célere prestação jurisdicional, com anseio de que a resposta seja socialmente justa, está em constante e severa crítica, havendo sentimento de falta de esperança de que a Justiça seja efetivamente alcançada, com a crença ou, no mínimo, a dúvida quanto ao estado de falência do sistema processual como meio de atender a tais anseios. A inquietação deste pesquisador surge da experiência obtida no exercício da profissão de Advogado, ao longo de mais de treze anos, durante a qual vive a se comover com a constante frustração das partes na demora da prestação jurisdicional, implicando em crescente indignação ante a condição de refém que se torna o titular de um direito em relação às partes contrárias, as quais tem se valido, muitas das vezes, da certeza da morosidade da solução dos litígios pela via judicial. 7 O Advogado, na condição de agente indispensável à administração da justiça (art. 133, da CF), deve contribuir no estudo e na pesquisa de meios para que o acesso à justiça seja efetivo, na sua expressão axiológica. Ao mesmo tempo, não se pode deixar de ponderar quanto ao esforço que a Administração Judiciária Catarinense possa estar empreendendo para tornar efetivo o acesso à justiça, merecendo análise científica, de forma que se possa verificar o quanto às críticas possam ser merecidas e reconhecer-se o que de eficaz tenha sido feito, podendo traçar-se novas expectativas. A pesquisa será desenvolvida com base na segunda visão do conceito de acesso à justiça, por desejo de prosseguir na semelhante linha de pensamento, visando alcançar a efetividade dos direitos. Princípio da Efetividade. O conceito gramatical da expressão “efetivo” leva para o sentido de indicar aquilo que tem efeito; real; permanente; positivo; verdadeiro; bem como o que existe realmente. Portanto, considerar o princípio da efetividade do processo, implica em tê-lo como aquele que designa a necessidade de que o processo seja apto a pacificar com justiça, que seja célere e leve à ordem jurídica justa. O tema/problema escolhido foi: Acesso à Justiça e Princípio da Efetividade – contribuições da Administração Judiciária Catarinense nos anos de 2002 a 2004. O primeiro capítulo deste trabalho estará voltado a enunciar os principais fundamentos doutrinários a respeito do acesso à justiça e do princípio da efetividade, apontando noções conceituais, tendências, a perspectiva histórica da evolução e movimento universal de acesso à justiça, de forma a obter base teórica para compreensão dos capítulos seguintes. 8 O capítulo segundo tecerá apontamentos encontrados na doutrina das dificuldades encontradas no acesso à justiça, elementos e aspirações. Finalmente, o capítulo terceiro concentrar-se-á na pesquisa e exposição das contribuições da Administração Judiciária Catarinense, visando facilitar o acesso à Justiça nos anos 2002 e 2004. A limitação a esse período decorre da indispensabilidade da rigorosa comprovação científica dos fatos apurados, cujo prazo existente para pesquisa é modesto, no presente caso de monografia voltada à pós-graduação "latu-sensu". Todavia, outros importantes avanços que venham a ser encontrados durante a pesquisa, próximos ao período objeto, por respeito e para ilustração serão destacados. A conclusão do trabalho será dedicada a ponderações quanto às contribuições da Administração Judiciária Catarinense terem de alguma forma efetivamente alcançado resultado positivo, na comparação com as dificuldades apontadas no capítulo segundo, e do estágio de evolução de quanto ainda falta para que o acesso à justiça seja efetivo. 1.2 Objetivos 1.2.1 Objetivo Geral O objetivo geral da pesquisa será apurar as contribuições da Administração Judiciária Catarinense ao acesso à justiça nos anos de 2002 a 2004. 9 1.2.2 Objetivos Específicos a) Enunciar as visões conceituais, perspectiva histórica e dificuldades apontadas para o efetivo acesso à justiça; b) apontar as tentativas e contribuições dadas pela Administração Judiciária Catarinense para enfrentar algumas das dificuldades no acesso à justiça nos anos de 2002 a 2004; c) Tentar avaliar se aquelas contribuições caminham ao encontro da consecução do princípio da efetividade almejado. 1.3 Metodologia A investigação será promovida pelo uso do método hipotético-dedutivo, a partir de pesquisa bibliográfica sobre o tema; análise da legislação vigente e das orientações dos Tribunais. 10 2. DO ACESSO À JUSTIÇA 2.1 Noções Introdutórias O acesso à justiça é anseio antigo. O efetivo acesso é preocupação crescente na sociedade contemporânea. Constitui um Direito Humano e, nas palavras de Alexandre César, “mais do que isto, um elemento essencial ao exercício integral da cidadania, já que, indo além do simples acesso à tutela jurisdicional, não se limita ao mero acesso ao Poder Judiciário”1. O direito à justiça é reconhecido a todos os indivíduos no artigo 10, pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), assim como no artigo 14 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), sendo assim enunciado naquela Declaração Universal: Art. 10. Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja eqüitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de 2 qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida. Nas palavras de Rui Portanova: Trata-se de filosofia libertária, aberta socialmente e realista, que busca, imperativa e ingentemente, métodos idôneos de fazer atuar os direitos sociais e uma justiça mais humana, simples e acessível. Enfim, é um movimento para efetividade da igualdade material almejada por todos e 3 consagrada pelo Estado Social. 1 CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: EdUFMT, 2002, p. 46. Ibid, p. 46. 3 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.112. 2 11 No pensamento de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, o direito ao acesso efetivo à justiça, progressivamente, é reconhecido como de importância fundamental entre os novos direitos individuais e sociais. Não terá sentido a titularidade de direitos, inexistindo mecanismos de efetiva reivindicação destes. O acesso à justiça pode ser encarado como o mais básico direito humano4 num sistema jurídico moderno e igualitário, o qual pretenda garantir e mais do que proclamar os direitos de todos.5. Continua Cappelletti: O enfoque sobre o acesso – o modo pelo qual os direitos se tornam efetivos – também caracteriza crescentemente o estudo do moderno processo civil. A discussão teórica, por exemplo, das várias regras do processo civil e de como elas podem ser manipuladas em várias situações hipotéticas pode ser instrutiva, mas, sob essas descrições neutras, costuma ocultar-se o modelo freqüentemente irreal de duas (ou mais) partes em igualdade de condições perante a corte, limitadas apenas pelos argumentos jurídicos que os experientes advogados possam alinhar. O processo, no entanto, não deveria ser colocado no vácuo. Os juristas precisam, agora, reconhecer que as técnicas processuais servem a funções sociais[...]; que as cortes não são a única forma de solução de conflitos a ser considerada [...] e que qualquer regulamentação processual, inclusive a criação ou o encorajamento de alternativas ao sistema judiciário formal tem um efeito importante sobre a forma como opera a lei substantiva – com que freqüência ela é executada, em benefício de quem e com que impacto social. Uma tarefa básica dos processualistas modernos é expor o impacto substantivo dos vários mecanismos de processamento de litígios. Eles precisam, conseqüentemente, ampliar sua pesquisa para mais além dos tribunais e utilizar métodos de análise da sociologia, da política, da psicologia e da economia, e ademais, aprender através de outras culturas. O “acesso”não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e 6 métodos da moderna ciência jurídica. Dada a importância do tema, afirma Portanova: “Erige-se o acesso à justiça como princípio informativo da ação e da defesa, na perspectiva de se colocar 4 Direito humano aqui considerado como aquele previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem pela ONU, em 1948. 5 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p.11-12. 6 Ibid., p.12-13. 12 o Poder Judiciário como local onde todos os cidadãos podem fazer valer seus direitos individuais e sociais”7. As exigências que vêm pesando sobre o papel do Poder Judiciário, incidindo constantes críticas e cobranças, por parte de toda a sociedade e não mais somente dos Advogados, juristas e “consumidores” das indispensáveis atribuições daquele Poder, têm servido para fomentar projetos, discussões e alterações voltadas a facilitar o acesso à justiça. O movimento universal pelo acesso à justiça, de forma efetiva, tem produzido no Brasil também efeitos. Tem mexido inclusive na postura da Administração Judiciária. Vem crescendo a busca por nova mentalidade, voltada ao social, sem esquecer do direito individual, quer de forma espontânea, pela autocrítica de alguns, quer pela pressão popular. Exemplo da intenção de mudança de mentalidade colhe-se do discurso do Presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Ministro Nelson Jobim, na abertura do Ano Judiciário de 2005, quando roga aos juízes e ministros que assumam o trabalho como “servidores” e não como “donos da Nação”8. 2.2 Conceito de Acesso à Justiça e de Efetividade: visões e tendências O Estado proíbe as pessoas de solucionarem as contendas pelas próprias mãos, avocando com isso o poder de resolver os litígios, inerentes à vida social e, ao mesmo tempo, passou a ter o dever de prestar certo serviço público, que é a jurisdição. Aos interessados na jurisdição o Estado reconhecer o direito de provocá- 7 PORTANOVA, op. Cit., p. 113. JOBIM, Nelson. Discurso na abertura do ano judiciário de 2005. Disponível em: htttp;//www.turbovia.net/ webmail / src/read_body.php?mailbox=INBOX& passed_id=564&startMess. Acessado em: 11 de fev. 2005. 8 13 la, de forma preventiva ou repressiva, conforme garantia constitucional prevista no artigo 5°, XXXV, da CF/88.9 No conceito dado por Cappelletti & Garth: A expressão “acesso à Justiça” é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que 10 sejam individual e socialmente justos. Ainda na lição esclarecedora de Cappelletti & Garth, o conceito de acesso à justiça vem se transformando, correspondente às mudanças equivalentes no estudo e ensino do processo civil. Nos estados liberais “burgueses” dos séculos XVIII e XIV, os procedimentos para resolver os litígios civis refletiam a filosofia individualista dos direitos, que então vigorava. Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo de propor ou contestar uma ação. Entendia-se que, ainda que o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, tais direitos não dependiam de uma ação do Estado para protegê-los. Eram considerados anteriores ao Estado, pelo que a preservação desses direitos exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. Destarte, o Estado mantinha-se passivo, com relação a real e prática aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente.11 Acentua José Renato Nalini, a respeito do acesso à justiça no Brasil: O acesso à justiça deixou de ser tema teórico para encontrar reflexo no texto constitucional e para representar um contínuo esforço de todo o operador jurídico brasileiro, no sentido de alargar a porta da justiça a todos, 12 principalmente os excluídos . 9 PERROT, Roger apud ASSIS, Araken. Garantia de acesso à justiça: benefício da assistência judiciária gratuita In: Garantias constitucionais do processo civil. José Rogério Cruz e Tucci (Coord.). 1.ed. São Paulo: RT, 1999, p. 9. 10 CAPPELLETI; GARTH, op. Cit., p. 8. 11 Ibid., p. 9. 12 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p.19. 14 O tema do acesso à justiça, na ótica de Boaventura de Sousa Santos, equaciona as relações entre o processo civil e a justiça social, entre igualdade jurídico-formal e desigualdade socioeconômica. Na esfera da justiça civil, com maior propriedade que na justiça penal, pode se falar de procura, real ou potencial, da justiça.13 Parece que a melhor síntese conceitual de acesso à justiça vem em Horácio Wanderlei Rodrigues, que assinala: Preliminarmente é necessário destacar, frente à vagueza do termo acesso à justiça, que a ele são atribuídos pela doutrina diferentes sentidos. São eles fundamentalmente dois: o primeiro, atribuindo ao significante justiça o mesmo sentido e conteúdo que o de Poder Judiciário, torna sinônimas as expressões acesso à justiça e acesso ao Judiciário; o segundo, partindo de uma visão axiológica da expressão justiça, compreende o acesso a ela como o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano. Esse último, por ser mais amplo, engloba 14 no seu significado o primeiro. Pedro Manoel Abreu, em sua recente obra “Acesso à Justiça e Juizados Especiais”, na qual condensa estudo sobre o tema, face à larga pesquisa que instruiu o trabalho, aponta e referencia: Numa visão gramsciana, concebendo o acesso à justiça numa perspectiva da guerra de posições, Alessandro Octaviani acentua que, em termos contemporâneos ambientados na cena jurídica, pode-se pensar em novos padrões de relações sociais “a partir da disputa empreendida pelos 15 movimentos contestatórios junto ao Poder Judiciário” . O pesquisador cita Alessandro Octaviani: 13 SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça. In: Direito e Justiça: a função social do judiciário. José Eduardo Faria (Org.). São Paulo: Ática, 1989, p.45. 14 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1994, p 28. 15 ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis. Fundação Boiteux. 2004, p. 43. 15 ao invés de um Poder Judiciário ideologicamente vinculado às falas do ordenamento remanescentes do período de política legislativa liberal ou oriundas da inflação normativa neoliberal, abrir-se-ia espaço para um Poder Judiciário que ordenasse baseado em outra ordem de valores, alguns dos quais já consagrados na atual Constituição Federal, alguns outros passíveis de serem criados e concretizados. [...] O “acesso à justiça”, nessa perspectiva, não seria simplesmente a porta de entrada que o Estado oferece ao indivíduo, para lhe garantir os mínimos direitos ( o que não é nada desprezível). Na perspectiva proposta, o “acesso à justiça” seria um dos vários eixos de produção e reprodução de relações sociais, nos padrões escolhidos pelos grupos contestatórios dos atuais padrões vigorantes. Seria um momento para que se instituísse um novo padrão de propriedade, um novo padrão de relação do cidadão com o mítico poder de autoridade, um novo padrão com as palavras e conceitos complexos, um novo padrão de relação com as normas que ordenam os serviços públicos, um novo padrão de relação psicofísica com os espaços físicos onde 16 funcionam os aparatos judiciários. Fecha-se as breves considerações sobre as visões e tendências conceituais do acesso à justiça, citando a brilhante afirmação de Dinamarco: Falar em instrumentalidade do processo ou em sua efetividade significa, no contexto, falar dele como algo posto à disposição das pessoas com vistas a fazê-las mais felizes (ou menos infelizes), mediante a eliminação dos conflitos que as envolvem, com decisões justas. Mais do que um princípio, o acesso à justiça é a síntese de todos os princípios e garantias do processo, seja a nível constitucional ou infraconstitucional, seja em sede legislativa ou doutrinária e jurisprudencial. Chega-se à idéia do acesso à justiça, que é o pólo metodológico mais importante do sistema processual na atualidade, 17 mediante o exame de todos e de qualquer um dos grandes princípios. É esse pensamento de direito humano que entusiasma a continuar a pesquisa; é a escolha por viver em sociedade. 16 ABREU, Pedro Manoel, 2004, apud OCTAVIANI, Alessandro. Acesso à justiça: a perspectiva da guerra de posições. In: FÓRUM SOCIAL MUNDIAL, 2., 2002, Porto Alegre. Oficina: “Justiça para todos? Democracia e acesso ao Judiciário”. Disponível em: http://www.ajuris.org.br/ofajuris/artigo9.htm. Acessado em: 18 de mar. 2002. 17 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.372-373. 16 2.2.1 Quanto ao Princípio da Efetividade do Processo É palavra de ordem atual e inafastável que no acesso à justiça esteja presente a essência do princípio da efetividade. Ensina Rui Portanova: Como se viu no princípio da instrumentalidade, o processo, menos formalista e mais participativo, não poderia transformar-se num mero lenitivo de uma sociedade que tanto sofreu com os privilégios de uma sociedade liberal. Por evidente, não se vá abrir o Judiciário, chamar o cidadão e entregar-lhe a jurisdição com os mesmos valores individualistas tão criticados. Por isso, o processo se enriquece de função social com seu escopo social. Aqui reside a luta do processo contra os valores 18 individualistas da democracia liberal. Ainda, arremata Portanova a respeito do escopo da jurisdição imbuída da aplicação do princípio da efetividade:“Não basta pacificar, tem que pacificar com justiça social”19. Ao denominar o princípio da efetividade também como princípio da efetividade social e de princípio da supremacia do interesse social no processo, evidenciando a elevada acuidade para o social, Rui Portanova nos traz a visão mais profunda de que: Pelo princípio da efetividade social, o processo abre amplo espaço para a crítica e para a prática contra um sistema que dá relevância ao individualismo, contra um Estado que não cumpre sua tarefa de gerente da redistribuição de riquezas e contra uma parte que põe sua razão em direitos afrontosos ao interesse social. Ademais, o processo se torna capaz de, no caso concreto, pôr em questão o jogo do mercado, o favorecimento e privilégios a minorias, o exercício de direitos baseados em ilegítimas 20 acumulações de riquezas e o lucro abusivo. 18 PORTANOVA, op. Cit., p.54. Ibid., p. 54. 20 Ibid., p. 55. 19 17 Os objetivos constitucionais do Estado, estabelecidos no artigo 3º da Constituição Brasileira, servem para que o processo na realidade seja enraizado pelo princípio informativo da supremacia do interesse social,21 sem descurar do respeito aos direitos individuais. Enfrenta Dinamarco a difícil tarefa de estabelecer um conceito claro e objetivo para a expressão “efetividade do processo”, quando enuncia [...] “constitui expressão resumida a idéia de que o processo deve ser apto a cumprir integralmente toda a sua função sócio-político-jurídica, atingindo em toda a sua plenitude todos os seus escopos institucionais”22. Mais adiante, Dinamarco enfatiza e explica o conceito, deixando-o completo, o qual não merece ser alterado por qualquer paráfrase: Pois a efetividade do processo, entendida como se propõe, significa a sua almejada aptidão a eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito, além de valer como meio de educação geral para o exercício e respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos nos destinos da 23 sociedade e assegurar-lhes a liberdade. A procura incansável da efetividade, um dos temas mais estudados contemporaneamente, impõe ao legislador e ao operador do Direito o empenho na busca de meios capazes de dar soluções satisfatórias aos anseios sociais24. Mais adiante, destacam os Wambier: A verdade reside em que, nestes dias que correm, aumentam, cada vez mais, as exigências sociais por efetivo acesso à justiça, isto é, acesso a mecanismos de prestação da tutela jurisdicional capazes de promover alterações no mundo real, como fruto do processo, em período de tempo mais consentâneo com a dinâmica da vida da sociedade contemporânea. 21 PORTANOVA, op. Cit., p .55. DINAMARCO, op. Cit., p. 330. 23 Ibid., p. 331. 24 WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre a efetividade do processo. Revista Jurídica, São Paulo, n. 324, p. 7, out. 2004. 22 18 Para atender a tantos e insistentes reclamos é que os sistemas jurídicos contemporâneos procuram aparelhar-se de mecanismos capazes de garantir, em última análise, o exercício da cidadania pela via do acesso à justiça. Direito ao processo efetivo insere-se, portanto, no conjunto de outras tantas demandas sociais, igualmente relevantes, como o são, por exemplo, as exigências da sociedade por serviços efetivos de saúde pública, 25 educação, segurança, previdência. Há que se reconhecer que o legislador, ante as constantes pressões da sociedade, tem feito esforço razoável no sentido de alterar o sistema processual civil, incluindo mecanismos para efetividade do processo. Reconhecem os Wambier: [...] as regras relativas ao processo de conhecimento têm sido alteradas de molde a que se construa um novo modelo, com destaque para a adoção, cada vez com maior amplitude, de situações em que o Poder Judiciário está autorizado a antecipadamente (em relação à sentença final) prover o pedido do autor, ainda que provisória e parcialmente. Há também as regras relativas à concessão de tutela específica, com prevalência sobre a tutela substitutiva. Assim são, por exemplo, as regras dos arts. 461 e 461-A, este último recentemente inserido no CPC e, que estende os mecanismos de 26 efetivação das obrigações de entregar coisa. Tratando da indispensabilidade da participação reafirmam o pensamento da doutrina que trata do acesso à justiça, no sentido de que para que o processo seja efetivo realmente, anseio de juristas, juízes e demais operadores do direito, devem ser produzidas novas alterações na lei. Demais disso, é indispensável uma dose importante de boa vontade dos intérpretes, mais coragem do Poder Judiciário visando se desamarrar do esquema exagerado de segurança do processo civil do passado, ainda que atualmente tenham ocorrido mudanças na mentalidade, pelo que opinam aqueles doutrinadores, “tendo, todos nós, a permanente consciência de 25 26 WAMBIER, op. Cit., p. 11. Ibid., p. 12. 19 que se abrir mão desse esquema em troca de maior efetividade será um grande negócio, em que todos nós sairemos ganhando”27. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira relembra a lição de Jhering, a respeito de que o direito tende à realização da resolução dos problemas: O direito existe para se realizar. A realização é a vida e a verdade do direito, é o próprio direito. O que não se traduz em realidade, o que está apenas na lei, apenas no papel, é um direito meramente aparente, nada mais do que palavras vazias. Pelo contrário, o que se realiza como direito é direito, mesmo quando não se encontre na lei e ainda tenham tomado 28 consciência. O próprio Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, entretanto, chama atenção para o equilíbrio entre o desejo de efetividade e outros valores do processo: A nosso entender a efetividade só se revela virtuosa se não colocar no limbo outros valores importantes do processo, a começar pelo da justiça, mas não só por este. Justiça no processo significa exercício da função jurisdicional de conformidade com os valores e princípios normativos conformadores do processo justo em determinada sociedade (imparcialidade e independência do órgão judicial, contraditório, ampla defesa, igualdade formal e material das partes, juiz natural, motivação, publicidade das audiências, término do processo em prazo razoável, direito á prova). [...] Não desconheço, é claro, que o próprio valor justiça, espelhando a finalidade jurídica do processo, encontra-se intimamente relacionado com a atuação concreta e eficiente do direito material, entendido em sentido amplo como todas a situações subjetivas de vantagem conferidas pela ordem jurídica aos sujeitos do direito. [...] O que ponho em questão é a eficiência como fim, sem temperamentos, como meta 29 absoluta, desatenta a outros valores e princípios normativos. O estudo da efetividade do processo comporta ainda outra consideração, de ordem crítica, muito bem refletida por José Carlos Barbosa Moreira, quando se refere a alguns mitos a respeito do futuro da Justiça. Aquele insigne jurista destaca quatro mitos: a rapidez acima de tudo (ou quanto mais depressa melhor), a “fórmula 27 WAMBIER, op. Cit., p. 15. JHERING, Rudolf von, apud OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Efetividade e processo de conhecimento. Revista da Faculdade da UFRGS, Porto Alegre, v. 16, p. 7, 1999. 29 Ibid., p. 9. 28 20 mágica”, a supervalorização de modelos estrangeiros, e, por último, a onipotência da norma (ou “vale o escrito”)30. O primeiro mito, o doutrinador chama de “a rapidez acima de tudo (ou quanto mais depressa melhor)”, porquanto a duração dos processos é causa visível de “a crise da Justiça”, desdobrando-o em quatro submitos. O primeiro deles referese à crença de que o problema da lentidão dos processos é exclusivamente brasileiro, quando, em verdade, o problema é praticamente universal, incluindo os ditos países de Primeiro Mundo. O segundo submito lança à face a hipocrisia de que a solução rápida dos litígios é desejo de todos. E diz o doutrinador: “Idéia ingênua: basta alguma experiência da vida forense para mostrar que, na maioria dos casos, o grande desejo de pelo menos um dos litigantes é o de que o feito se prolongue tanto quanto possível. Identifica o terceiro submito na crença de que os defeitos da legislação processual têm a maior responsabilidade pela morosidade nos pleitos. Destaca que “a demora resulta da conjugação de múltiplos fatores, entre os quais não me parece que a lei, com todas as imperfeições que tem, ocupe o lugar de máximo relevo”. Chama a atenção para que deve ser lembrada a escassez de órgãos judiciais, a baixa relação entre o número deles e a população, agravada pela vacância dos cargos, que os concursos públicos não conseguem preencher. Ao mesmo tempo, relembra que “há uma demora fisiológica”, decorrente da necessidade de salvaguardar na atividade judicial certos valores e interesses de que uma sociedade democrática não pode prescindir, residentes nas outras garantias individuais além do acesso efetivo à justiça, que precisam ser equilibradas, mas que tornam o processo menos célere. O quarto submito: 30 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O futuro da Justiça: Alguns Mitos. Notadez Informação. Datadez n. 20. Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 282, p. 20-26, 2004. (Cd room). 21 [...] consiste em hiperdimensionar a malignidade da lentidão e sobrepô-la, sem ressalvas nem matizes, a todos os demais problemas da Justiça. Para muita gente, na matéria, a rapidez constitui o valor por excelência, quiçá o único. Seria fácil invocar aqui um rol de citações de autores famosos, apostados em estigmatizar a morosidade processual. Não deixam de ter razão, sem que isso implique – nem mesmo, quero crer, no pensamento desses autores – hierarquização rígida que não reconheça como imprescindível, aqui e ali, ceder o passo a outros valores. Se uma Justiça lenta demais é decerto uma Justiça má, daí não se segue que uma Justiça muito rápida seja necessariamente uma Justiça boa. O que todos devemos querer é que a prestação jurisdicional venha a ser melhor do que é. Se para torná-la melhor é preciso acelerá-la, muito bem; não, contudo, a qualquer 31 preço. O segundo mito – “a fórmula mágica” (ou Abracadabra) – diz o professor: “não poucos críticos da situação atual deixam entusiasmar-se por um determinado remédio que lhes parece capaz de debelar todos os males. [...] Desdobram-se, a propósito de tudo e até sem propósito algum, em exortações ao uso da receita”32. Com sabedoria, lembra que são diversificadas as causas do desempenho da máquina judiciária, a qual não satisfaz, em função de diversidade dos contextos institucional, econômico, social, cultural em que ela está presente. Cita o caso da oralidade, defendido por alguns como solução, a qual em países onde era esta era a regra, tornou-se facultativa, mencionando o caso da Áustria. Logo, conclui que não há fórmula mágica, universal, para resolver por inteiro a equação. “Temos de combinar estratégias e táticas, pondo de lado o receio de parecermos incoerentes se, para enfermidades de diferente diagnóstico, experimentarmos remédios também diferenciados”33. Por terceiro supervalorização de mito, modelos destaca José estrangeiros. Carlos Os Barbosa estudos Moreira, comparativos a são importantes e não podem ser dispensados. Entretanto, contesta o deslumbramento ingênuo que leva a imitação sem crítica de modelos estrangeiros. Subordina as 31 MOREIRA, op. Cit., p. 20-21. Ibid., p. 22. 33 Ibid., p. 22. 32 22 operações de importação de modelos a dois pressupostos: o modo como na prática funciona o instituto no país de origem, incluindo o dever se análise diretamente na fonte, a fim de evitar erros em vista da realidade. Em segundo pressuposto, fala da necessidade de convencimento, fruto da reflexão de que a inovação proposta seja compatível com o tecido do ordenamento no qual se quer introduzi-la.34 Por derradeiro, fala Moreira do quarto mito, que consiste na “onipotência da norma” (ou “Vale o escrito”), explicando: Tenho criticado mais uma vez o erro dos que desdenham por questão de princípio reformas legislativas, entendendo que nada adianta modificar a norma. Se assim fosse, do mesmo jeito que não nos daria motivo de alegria a adoção de reforma boa, não precisaríamos preocupar-nos ante a ameaça de reforma ruim: tanto uma como outra deixariam as coisas exatamente onde estavam. Agora, no entanto, desejo equilibrar os pratos da balança, denunciando o erro oposto: a crença simplista de que, alterando a redação de um artigo ou introduzindo-lhe novo parágrafo, se pode dar como solucionando um problema da vida jurídica. A norma, vale sublinhar, nem é 35 impotente, nem onipotente. Com severa razão, Barbosa Moreira afirma que a ânsia reformista da lei cresce na proporção inversa da disposição para pesquisar a realidade em que vivemos de forma científica. Antes de se reformar a legislação processual, carece fazer-se o diagnóstico dos problemas que se quer combater. Depois das alterações, necessário o acompanhamento da reforma no dia-a-dia forense, único modo de descobrir o que realmente mudou, em que sentido e em que alcance, e arremata: Cumpre renunciar a ilusão de que a vida da norma termina no momento em que começa a viger, e daí por diante já não precisamos interessar-nos pelo respectivo destino. Muito ao contrário: nesse preciso momento é que se inicia a sua verdadeira vida – e é a partir daí que ela demanda nossa maior atenção. Aí nem sempre “vale o escrito”, como no jogo inventado pelo Barão de Drummond e habitualmente praticado por senhoras de moral acima de 36 qualquer suspeita, embora incluído na lista das contravenções penais. 34 MOREIRA, op. Cit., p. 24. Ibid., p. 24. 36 Ibid., p. 25-26. 35 23 O princípio da efetividade do processo, o do efetivo, é anseio, indispensável para que o acesso à justiça ocorra em plenitude. Alcançar os meios de que seja implementado é um desafio de toda a sociedade. Investimentos em educação, saúde, distribuição de renda e efetivo acesso aos meios de produção compreendem elementos prioritários, juntamente com adequado estudo, pesquisa e experiência das reformas processuais que se façam necessários para implementação daquele princípio. 2.3. Perspectiva Histórica do Acesso à Justiça 2.3.1 Assistência Liberal As revoluções burguesas ocorridas no Século XVIII positivaram “o princípio de Direito Natural de que todos são iguais perante a lei”, fundamento da assistência judiciária pública, estabelecida como dever do Estado, através da Declaração de Direitos do Estado da Virgínia (EUA), no ano de 1776, e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França), no ano de 1789; conduzindo os países como Holanda, Áustria e Bélgica, em 1814, 1815 e 1824, a instituírem assistência judiciária aos pobres, denominada “Pro Deo”. Em 1851, porém , foi a França que editou o “Code de L´Assitence Judiciaire”, legando o termo a outros ordenamentos.37 A crítica que se faz é que, apesar de se reconhecer o direito ao acesso à Justiça, nenhum instrumento foi criado para garantia efetiva de tal acesso, posto que insuficientes, sendo os serviços prestados por advogados particulares, na maioria 37 MORAES apud CESAR, op. Cit., p. 55. 24 dos casos, sem remuneração qualquer. Igualmente o acesso à Justiça não chegava a todos os cidadãos. Permanecia a filosofia liberal e individualista dos séculos XVIII e XIX nos procedimentos para resolução dos litígios civis. O acesso era apenas formal, posto que somente os que pudessem arcar com as despesas realmente conseguiam buscar a Justiça.38 2.3.2 A “Primeira Onda” É no século XX que os chamados “novos direitos humanos” surgem, os quais vão tornar efetivos os direitos anteriormente reconhecidos pelas “declarações de direitos do homem”, sendo o efetivo acesso à justiça o meio desses direitos realmente ocorrerem.39 Boaventura de Souza Santos afirma com lucidez: “a consagração constitucional dos novos direitos econômicos e sociais e a sua expansão paralela à do estado de bem-estar transformou o direito ao acesso efetivo à justiça num direito charneira, um direito cuja denegação acarretaria a de todos os demais”40. Prossegue o sociólogo, evidenciando o valor da efetividade do acesso: Uma vez destituídos de mecanismos que fizessem impor o seu respeito, os novos direitos sociais e econômicos passariam a meras declarações políticas, de conteúdo e função mistificadores. Daí a constatação de que a organização da justiça civil e em particular a tramitação processual não podiam ser reduzidas à sua dimensão técnica, socialmente neutra, como era comum serem concebidas pela teoria processualista, devendo investigar-se as funções sociais por elas desempenhadas e em particular o modo como as opções técnicas no seu seio veiculavam opções a favor ou 41 contra interesses sociais divergentes ou mesmo antagônicos. No mesmo diapasão, prossegue historiando Alexandre César: 38 CESAR, op. Cit., p. 55-56. Ibid., p. 57. 40 SANTOS, op. Cit., p. 45. 41 Ibid., p. 45-46. 39 25 É dentro do “Welfare State”, do Estado de Bem-Estar, que estes direitos ganham materialidade, buscando-se a transformação do dever honorífico dos advogados de prestar assistência judiciária aos pobres em dever público em propiciar esses meios. [...] Mas é a partir da década de sessenta que a busca ao acesso efetivo à justiça passa a se consolidar como um movimento de caráter global, na “esteira” dos movimentos contestatórios que sacudiram aquela década, sendo alçado ao cume das propostas de reestruturação e reformas judiciárias. Num primeiro momento, denominado de “primeira onda”, os esforços “concentram-se [...] em proporcionar serviços jurídicos aos pobres. Tais reformas se realizam através do sistema “Judicare” e através de advogados remunerados pelos cofres públicos. Alguns países, mais recentemente, adotaram os dois modelos 42 combinados. O sistema, também adotado que foi na Áustria, Inglaterra, Holanda, França e Alemanha, apresentava limitações, tais como a localização dos escritórios longe dos bairros mais pobres, nos quais estão os que mais precisam de atenção, bem como não servia para auxiliar os necessitados no entendimento de seus direitos, bem como ainda ficavam limitados aos interesses individuais, ficando de lado os interesses coletivos ou difusos. 43 Comenta Alexandre César: Em razão dessas limitações, algumas modificações passaram a ser feitas nos serviços jurídicos gratuitos, chegando-se, inclusive, a adotar um sistema fulcrado na contratação de advogados pelo próprio Estado. Tal sistema de assistência judiciária com advogados remunerados pelos cofres públicos (“salaried staff lawyers”) foi implantado em primeiro lugar nos Estados Unidos da América (“Legal Services Corporation”), tendo origem no programa de Serviços Jurídicos do “Office of Economic Opportunity – OEO” e caracteriza-se por prestar assistência não só judiciária, mas também a jurídica, prévia e informativa, aos pobres [...]. Como limitação a esse sistema, aponta-se a excessiva ênfase aos direitos coletivos e difusos, relegando as causas de cunho individual a uma posição de menor importância, por não atender aos anseios de resolução de litígios intersubjetivos cotidianos, e provocando a burocratização dos advogados oficiais, que se transformam simplesmente em novos funcionários. Por outro lado, o mais sério desse sistema é que ele necessariamente depende de apoio governamental, seja institucional, seja financeiro, para realizar atividades eminentemente políticas, muitas vezes dirigidas contra o próprio Governo, tantas vezes omisso na efetivação das promessas e políticas de 44 natureza social voltadas ao combate e erradicação da pobreza. 42 CAPPELLETTI; GARTH apud CESAR, op. Cit., p. 58-59. CAPPELLETTI; GARTH, op. Cit. p. 38-39. 44 CESAR, op. Cit., p. 60-61. 43 26 2.3.3. A Segunda Onda do Acesso à Justiça O chamado “movimento universal de acesso à justiça” enfrenta novo obstáculo, após a reformulação da assistência judiciária: de caráter organizacional, buscando solucionar a representação dos interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos45. O movimento busca a ampliação da legitimação para agir, bem como a modificação de conceitos básicos do processo civil, tal como a citação e a coisa julgada, em decorrência de que nem todos os titulares do direito transindividual podem estar em juízo, necessitando de representante em nome da coletividade. Do mesmo modo, a coisa julgada, voltada a “fazer lei entre as partes litigantes”, precisou ser modificada para alcançar a proteção dos interesses difusos e coletivos, voltada a obrigar todos os membros de um grupo, ainda que não tenham sido ouvidos no curso da ação.46 Daí a modificação na legitimação ativa: Com relação à ampliação da legitimação ativa, de longa tradição individualista nos ordenamentos jurídicos ocidentais, em um primeiro momento atribuiu-se ao Ministério Público a tutela destes direitos, mas sendo o “parquet” “representante natural em juízo dos interesses públicos tradicionais – por exemplo, do interesse do Estado em perseguir a criminalidade, esta solução não prosperou, vez que tais direitos, apesar de eminentemente públicos, possuem tamanho grau de novidade e especialização técnica que na maioria das vezes inviabilizam a ação daquele órgão estatal. Daí o surgimento de agências especializadas, como por exemplo a Environmental Proctetion /agency (EPA), nos Estados Unidos, o Ombudsman público dos consumidores, na Suécia, e a Diretor General Protection Agency, na Inglaterra. [...] Além dessas instituições, as legislações passaram a ampliar a possibilidade de participação no pólo ativo das ações para defesa desses direitos. Foram gradualmente admitidas inúmeras organizações não estatais (associações, sindicatos, partidos políticos, etc.) como legitimadas para tutela de direitos coletivos e difusos, além da criação de novas ações, como, por exemplo, as class action ou ações coletivas nos EUA, as Populakarklage, do Estado alemão da Bavária, as Verbandwsklagen, ações de associações na Alemanha e na Áustria, e as 47 ações populares e ações civis públicas, no Brasil. 45 São direitos difusos os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas por circunstâncias de fato; interesses coletivos são os direitos transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; interesses individuais homogêneos são os decorrentes de origem comum (art. 81 do CDC Lei nº8.078/90). 46 CESAR, op. Cit., p.62-63. 47 CAPPELLETTI; GARTH apud CESAR, op. Cit., p. 63-64. 27 2.3.4 A Terceira Onda do Acesso à Justiça O “movimento universal de acesso à justiça” alcança uma terceira onda, voltada a prosseguir na busca de novas soluções para os conflitos, que não se limitem ao ordenamento processual, haja vista que os mecanismos existentes eram insuficientes para proporcionarem o efetivo acesso à justiça, ideal maior a ser alcançado. Os autores explicam bem a terceira onda: O progresso na obtenção de reformas da assistência jurídica e da busca de mecanismos para a representação de interesses “públicos” é essencial para proporcionar um significativo acesso à justiça. Essas reformas serão bem sucedidas – e, em parte, já o foram – no objetivo de alcançar proteção judicial para interesses que por muito tempo foram deixados ao desabrigo. Os programas de assistência judiciária estão finalmente tornando disponíveis advogados para muitos dos que não podem custear seus serviços e estão cada vez mais tornando as pessoas conscientes de seus direitos. Tem havido progressos no sentido da reivindicação dos direitos, tanto tradicionais quanto novos, dos menos privilegiados. Um outro passo, também de importância capital, foi a criação de mecanismos para representar os interesses difusos não apenas dos pobres, mas também dos consumidores, preservacionistas e do público em geral, na reivindicação agressiva de seus novos direitos sociais. O fato de reconhecermos a importância dessas reformas não deve impedir-nos de enxergar os seus limites. Sua preocupação é basicamente encontrar representação efetiva para interesses antes não representados ou mal representados. O novo enfoque de acesso à Justiça, no entanto, tem alcance muito mais amplo. Essa “terceira onda” de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além. Ela centra sua atenção no conjunto geral das instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas. Nós o denominamos “o enfoque do acesso à Justiça” por sua abrangência. Seu método não consiste em abandonar as técnicas das duas primeiras ondas de reforma, mas em tratálas como apenas algumas de uma série de possibilidades para melhorar o 48 acesso. Para fixar o que foi dito, Rui Portanova consegue resumir as três ondas, com as seguintes exposições: 48 CAPPELLETI; GARTH, op. Cit., p. 67-68. 28 A primeira onda data da representação legal do pobre: a pobreza como obstáculo ao acesso ao Judiciário. Não se trata só da pobreza econômica, mas também de seus efeitos culturais, sociais e jurídicos, que levam ao desconhecimento de seus direitos e à descrença neles. Procuram-se soluções antes do processo (assistência jurídica) e durante a causa (patrocínio gratuito para ação e defesa e atendimento das despesas processuais). A segunda onda diz com a proteção aos interesses difusos.[...] A terceira onda diz respeito ao risco da burocratização do Poder Judiciário. Nesse particular, aparecem duas propostas. A primeira fala de uma atuação mais humana do julgador para acolher os consumidores pobres que agora acorrem ao Judiciário, bem como para protegê-los sem denegar justiça. Depois, fala na simplificação do procedimento e dos atos 49 judiciais e do próprio direito substancial. No capítulo seguinte deste trabalho a dedicação maior será indicar as dificuldades encontradas para o efetivo acesso à justiça, em forma de apontamentos, levando-as em consideração que as três ondas não encerram o alcance do objetivo, tendo muito por ser feito. 49 PORTANOVA, op. Cit., p.112-113. 29 3. DIFICULDADES ENCONTRADAS NO ACESSO À JUSTIÇA: APONTAMENTOS Relembra-se o conceito de justiça trazido por Horácio Wanderlei Rodrigues: Preliminarmente é necessário destacar, frente à vagueza do termo acesso à justiça, que a ele são atribuídos pela doutrina diferentes sentidos. São eles fundamentalmente dois: o primeiro, atribuindo ao significante justiça o mesmo sentido e conteúdo que o de Poder Judiciário, torna sinônimas as expressões acesso à justiça e acesso ao Judiciário; o segundo, partindo de uma visão axiológica da expressão justiça, compreende o acesso a ela como o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano. Esse último, por ser mais amplo, engloba 50 no seu significado o primeiro. No caso presente de verificação das dificuldades no acesso à justiça, os dois sentidos são importantes e serão considerados, posto que afetos a ambos. Há entraves no acesso à justiça? Quais seriam os entraves ao acesso à justiça efetivo? Muitos enfoques têm dado a doutrina. Não falta quem aponte dificuldades; desde o bacharel recém formado até os mais renomados juristas e pesquisadores. Serão descritos os principais problemas apontados, de um modo geral, em parte importante da doutrina especializada. As causas e as dificuldades que se costuma apontar para o acesso efetivo à justiça são múltiplas, incluindo-se causas econômicas, sociais, de cultura, políticas e técnicas (legislação e processo). 50 RODRIGUES, op. Cit., p. 28. 30 3.1 Os Problemas de Desigualdade Sócio-Econômica A desigualdade sócio-econômica freqüenta a lista das dificuldades, na visão constante da doutrina, para o acesso efetivo à justiça, que sofre o obstáculo da insuficiência ou dos baixos recursos econômicos por parte de parcela elevada da população, na busca de seus direitos. José Afonso da Silva discorre no seguinte sentido: É que o acesso à justiça não é só uma questão jurídico-formal, mas é também, e especialmente, um problema econômico-social, de sorte que sua aplicação real depende da remoção de vários obstáculos de caráter material para que os pobres possam gozar do princípio de uma justiça igual para todos. Ter acesso ao Judiciário sem a garantia de um tratamento igualitário não é participar de um processo justo. A igualdade é elemento comum a toda concepção de justiça, mormente na sua manifestação mais característica e mais relevante, que é a igualdade perante o juiz. Pois é nesse momento que a igualdade ou a desigualdade se efetiva concretamente, como coisa julgada. O princípio da igualdade da justiça só será respeitado, no sentido atual, se o juiz perquirir a idéia de igualdade real, que busca realizar a igualização das condições dos desiguais em consonância com o postulado da justiça concreta, não simplesmente da 51 justiça formal. As custas judiciais, extrajudiciais e demais despesas do processo, incluindo-se honorários de advogado, constituem entraves de ordem econômica significante. Pesam exatamente sobre as camadas mais pobres, sem deixar de atingir a classe média e média baixa, as que quais de um modo geral, estão cada vez mais desaparecendo, alcançando também a pobreza, ante os problemas de má distribuição de renda, conhecimento que é de domínio público e freqüentemente objeto de questionamentos nos meios de comunicação de massa e dos institutos de pesquisa. 51 SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular: estudos a Constituição. São Paulo: Malheiros, 2000, p.155-156. 31 As custas processuais, de modo geral, são elevadas e proporcionalmente mais altas, quanto menor é o valor da causa. No Estado de Santa Catarina, por exemplo existe valor mínimo e máximo para cada um dos itens envolvidos no tipo de processo, sobre os quais há cobrança de custas. Assim, sob o aspecto financeiro parece haver uma certa eqüidade; entretanto, sob o aspecto econômico ocorre exatamente o contrário, considerando que os valores mínimos costumam significar um percentual bem maior do valor nas causas de pequeno valor, justamente aquelas que mais se referem às camadas mais pobres da população.52 Ainda que existam os Juizados Especiais de Pequenas Causas, onde na primeira instância não há cobrança de custas (exceto de oficial de justiça para diligências), muitas causas há que precisam tramitar no juízo comum, onde há tais encargos.53 Do mesmo modo, as outras despesas com o processo são caras, como a produção da prova, nos casos em que se exige perícia. As audiências de instrução implicam em gastos com testemunhas, tais como a perda de dia de serviço, transporte, etc. Mesmo a prova documental tem seu custo, haja vista ser freqüente a necessidade de autenticação de documentos e de reconhecimento de firmas. Para as pessoas mais pobres, tais despesas são muitas vezes insuportáveis, bastando ver que o custo de uma simples autenticação de documento custa mais do que um litro de leite ou que o preço dos pães para a refeição de uma família de tamanho médio.54 Claro está que casos como este, que são inúmeros, têm mais relação com a péssima distribuição de renda, sendo mais um problema da economia do país e da política-econômica, mas que são reais entraves ao acesso efetivo à justiça. 52 SANTOS, op. Cit., p.46. BRASIL. Lei nº9.099, de 26.09.1995. DOU 27.09.1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. O artigo 3º estabelece as causas que podem ser submetidas aos Juizados, indicando no §2º daquele artigo as causas excluídas. 54 BRASIL. SANTA CATARINA. LC nº242, de 30.12.2002, DOE SC 31.12.2002, com atualização pela LC nº279/04, DOE SC de 27.12.2004. Tabela I – Do Tabelião, item 8, estabelece o custo do reconhecimento de firma em R$1,50. O litro de leite integral, caixa longa vida, custava R$1,19, conforme NF 295215 Giassi & Cia; o pão francês custa em média R$0,20 a unidade. 53 32 Os honorários de advogado costumam ser caros, haja vista que as condições de trabalho para obtenção de sucesso na causa exige tempo de estudo e, principalmente, gasto de tempo e de recursos no acompanhamento do processo. Logo, as camadas de menor renda têm séria dificuldade, ou simplesmente não conseguem suportar estas despesas. Boaventura de Sousa Santos, explana: Quanto aos obstáculos econômicos, verificou-se que nas sociedades capitalista em geral os custos da litigação eram muito elevados e que a relação entre o valor da causa e o custo da sua litigação aumentava à medida que baixava o valor da causa. [...] Estes estudos revelam que a justiça civil é proporcionalmente mais cara para os cidadãos economicamente mais débeis. É que são eles fundamentalmente os protagonistas e os interessados nas ações de menor valor e é nessas ações que a justiça é proporcionalmente mais cara, o que configura um fenômeno 55 da dupla vitimização da justiça. Horácio Wanderlei Rodrigues descreve muito bem a matéria: Sabe-se muito bem das despesas que envolvem uma demanda judicial: no mínimo custas processuais e honorários advocatícios. A isso podem se somar outros gastos, como perícias, por exemplo. Como poderão esses brasileiros, que não ganham o suficiente nem para se alimentarem, custear um processo judicial? Esse o primeiro entrave – talvez o mais grave – ao efetivo acesso à justiça. Agrava-o ainda mais o fato de todas as partes envolvidas possuírem formalmente os mesmo direitos; igualdade essa que, em regra geral, não se concretiza em razão das diferenças sociais, econômicas e culturais existentes entre as partes. Ou seja, todos são livres e iguais para buscarem a realização da justiça, mas de fato alguns são mais iguais do que outros. A situação será mais grave quanto maiores forem as 56 diferenças entre as partes. E conclui o pensamento, mais adiante: 55 56 SANTOS, op. Cit., p.46. RODRIGUES, op. Cit., p. 35. 33 Tem-se então, como pode ser visto pelo que foi exposto, que a desigualdade sócio-econômica gera, em termos de acesso à justiça, dois problemas: (a) dificulta o acesso ao Direito e ao Judiciário, tendo em vista a falta de condições materiais de grande parte da população para fazer frente aos gastos que impõe uma demanda judicial; e (b) mesmo quando há esse acesso, a desigualdade material, em contraste com a igualdade formal prevista no ordenamento jurídico, acaba colocando o mais pobre em 57 situação de desvantagem dentro do processo. A respeito de honorários, Pedro Manoel Abreu, aproveitando o pensamento de Marinoni, expõe: No concernente aos honorários, constata-se que de fato o custo do processo é agravado por esse fator, considerando que em alguns sistemas, como o americano, o vencido não é obrigado a responder por esse encargo frente à parte vencedora. Num sistema processual como o nosso, que adota o princípio da sucumbência, o risco é maior e pode inibir o litigante em potencial de ingressar em juízo, a menos que esteja certo de vencer, pois, em caso de derrota, além de arcar com os honorários do próprio patrono, terá de ressarcir ainda a parte adversa a esse título. Todavia, nenhum óbice 58 de caráter econômico pode impedir o direito de ação. A respeito das possibilidades das partes, Cappelletti & Garth, destacam como dificuldade de acesso efetivo à justiça a questão dos recursos financeiros: Pessoas ou organizações que possuam recursos financeiros consideráveis a serem utilizados têm vantagens óbvias ao propor ou defender demandas. Em primeiro lugar, elas podem pagar para litigar. Podem, além disso, suportar as delongas do litígio. Cada uma dessas capacidades, em mãos de uma única das partes, pode ser uma arma poderosa; a ameaça do litígio torna-se tanto plausível quanto efetiva. De modo similar, uma das partes pode ser capaz de fazer gastos maiores que a outra e, como resultado, apresentar seus argumentos de maneira mais eficiente. Julgadores passivos, apesar de suas outras e mais admiráveis características, exacerbam claramente esse problema, por deixarem às partes a tarefa de 59 obter e apresentar as provas, desenvolver e discutir a causa. 57 RODRIGUES, op. Cit., p. 35. MARINONI, op.Cit., p. 58. 59 CAPPELLETI; GARTH, op. Cit., p 21-22. 58 34 3.2 Os Problemas da Desigualdade Social e Cultural O efetivo acesso à justiça sofre a influência negativa dos evidentes problemas de desigualdade social e cultural existentes. De acordo com o trabalho de Boaventura de Sousa Santos, os estudos têm demonstrado que a distância dos cidadãos em relação à administração da justiça aumenta proporcionalmente quanto mais baixo é o estado social a que pertencem, bem como que essa distância originase não apenas de fatores econômicos, como também de fatores sociais e culturais, ainda que alguns possam estar mais remotamente relacionados com as desigualdades econômicas.60 Coloca que os cidadãos de menor poder aquisitivo tendem a conhecer pior os seus direitos e, portanto, a ter mais dificuldades em reconhecer um problema que os atinge como sendo um problema jurídico. Outrossim, ainda que reconheçam o problema como jurídico, como violação de um direito, é necessário que a pessoa tenha ânimo e disposição para propor a ação.61 Depois desses estudos do sociólogo, houve alguma mudança, no Brasil, com o advento dos Juizados Especiais, cujos efeitos reais merecem ainda ser mais bem estudados, haja vista que sem estrutura material e humana adequadas, transferir-seá o problema das Varas Cíveis para os Juizados Especiais, os quais ficarão repletos de processos e a lentidão poderá ser ainda maior e a qualidade questionável, apenas para referenciar de passagem, cuja pesquisa não faz parte desse trabalho. Destaca aquele sociólogo: 60 61 SANTOS, op. Cit., p. 48. Ibid. 35 Dois fatores parecem explicar esta desconfiança ou esta resignação: por um lado, experiências anteriores com a justiça de que resultou uma alienação em relação ao mundo jurídico (uma reação compreensível à luz dos estudos que revelam ser grande a diferença de qualidade entre os serviços advocatícios prestados às classes de menores recursos), por outro lado, uma situação geral de dependência e de insegurança que produz o temor de represálias se recorrer aos tribunais. Em terceiro e último lugar, verificase que o reconhecimento do problema como problema jurídico e o desejo de recorrer aos tribunais para resolver não são suficientes para que a 62 iniciativa seja de fato tomada. [...] O conjunto destes estudos revelaram que a discriminação social no acesso à justiça é um fenômeno muito mais complexo do que à primeira vista pode parecer, já que para além das condicionantes econômicas, sempre mais óbvias, envolve condicionantes sociais e culturais resultantes de processos de socialização e de 63 interiorização de valores dominantes muito difíceis de transformar. Como diz Alexandre César: “São barreiras pessoais que necessitam ser superadas para garantir acessibilidade à justiça.”64 Descreve pesquisa importante, ainda de repercussão atual: Prova dessa quase completa desinformação acerca de assuntos legais e do próprio papel do Judiciário é o resultado de pesquisa realizado entre julho e agosto de 1998 e divulgada pelo periódico Folha de São Paulo, segundo a qual 28% das pessoas entrevistas disseram não saber para que serve a Justiça no Brasil, 26% afirmaram não servir para nada e somente 46% 65 apresentaram alguma noção acerca do papel que ela exerce. E prossegue diligentemente: Ressalte-se também o fato de que quanto mais excluída a camada social a que pertence o cidadão, tanto mais distante ele reside dos bairros onde funcionam os escritórios de advocatícios e os fóruns e tribunais. Além disto, estes locais funcionam quase que exclusivamente nos mesmo horários em que estas pessoas estão trabalhando, inviabilizando-lhes a utilização 66 desses serviços. Horácio Wanderlei Rodrigues explana com muita acuidade sobre a influência da falta de informação do cidadão para o efetivo acesso à justiça. Diz que as pesquisas no país sobre o tema servem para demonstrar um baixo grau de 63 SANTOS, op. Cit., p.48-49. CESAR, op. Cit., p. 97. 65 População desconhece papel da Justiça, afirma pesquisa. CESAR, op. Cit., p. 98. 66 Ibid., p. 98-99. 64 36 informação com relação à legislação vigente, sendo que muitas pessoas desconhecem seus direitos básicos, assim como desconhecem, corolário disto, os instrumentos processuais existentes para garantir esses mesmo direitos. Afirma que a razão disso está em pelo menos três elementos: o sistema educacional, os meios de comunicação e a quase inexistência de instituições encarregadas de prestar assistência jurídica preventiva e extrajudicial.67 Com propriedade arremata, tema que prossegue atual, de um modo geral: No que se refere ao meios de comunicação, a televisão é o instrumento mais ágil e que atinge a maioria da população. E ela, em termos educacionais, presta um desserviço ao país. Seu trabalho, sem controle efetivo por parte da sociedade e do Estado, tem sido o de reprodução de determinados valores locais, impondo-os a todo o país, bem como o da criação de um certo culto pela violência e pelo “jeitinho”. A terceira questão, referente ao acesso à informação, é a da inexistência ou insuficiência das instituições oficiais encarregadas de prestarem a assistência jurídica preventiva e extrajudicial. O acesso à justiça pressupõe, como já colocado anteriormente, os conhecimentos dos direitos. Sem a existência de órgãos que possam ser consultados pela população, sempre que houver dúvidas jurídicas sobre determinadas de fato, a possibilidade de plena efetividade do 68 Direito se torna acanhada. A desigualdade sócio-econômica não é problema exclusivo do Brasil. Todavia, é entrave indiscutível que precisa ser superado, para que o acesso efetivo à justiça seja alcançado. É fato notório a grandiosidade das riquezas e dos recursos brasileiros, logo a desigualdade sócio-econômica pode ser superada, como é o desejo de qualquer um que realmente valorize o ser humano e tenha efetivo anseio de justiça, no conceito axiológico já exposto. 67 68 RODRIGUES, op. Cit., p. 36-37. Ibid., p.37. 37 3.3 Os Problemas Políticos e Técnicos O acesso efetivo à justiça também sofre obstáculos de fatores políticos e de ordem técnica, no que reconhece Pedro Manoel Abreu, o qual aproveita o estudo de Horácio Wanderlei Rodrigues, obra também considerada nesta monografia, quando diz que o Poder Judiciário, no Brasil, tem problemas de ordem estrutural histórica, com destaque para a excessiva morosidade processual, a carência de recursos materiais e de pessoal, a falta de autonomia efetiva perante os demais poderes, a centralização geográfica de suas instalações, o que dificulta o acesso daqueles que vivem na periferia. Demais disto, relembra o despreparo intelectual dos magistrados e a falta de conhecimento mais crítico do fenômeno jurídico, o que os leva muitas vezes a um conflito entre os próprios sentimentos e pensamentos com o direito que têm de aplicar, induzindo o Poder Judiciário a das respostas que não são suficientes ou equivocadas a diversos conflitos existentes ou que estão emergentes, além da crescente descrença da população na justiça e no próprio direito.69 Da obra de Kafka, a respeito da burocratização do Judiciário, extrai-se o conto que merece ser reproduzido, ante o fato de que não foge da realidade: Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo chega a esse porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem do campo reflete e depois pergunta se então não pode entrar mais tarde. É possível – diz o porteiro. – Mas agora não. Uma vez que a porta da lei continua como sempre aberta e o porteiro se põe de lado o homem se inclina para olhar o interior através da porta. Quando nota isso o porteiro ri e diz: - Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para sala porém existem porteiros cada um mais poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a simples visão do terceiro. O homem do campo não esperava tais dificuldades : a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com o seu casaco de pele, o grande nariz pontudo, a longa barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a 69 RODRIGUES apud ABREU, op. Cit., p. 63. 38 permissão de entrada. O porteiro lhe dá um banquinho e deixa-o sentar ao lado da porta. Ali fica sentado dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido e cansa o porteiro com seus pedidos. Às vezes o porteiro submete o homem a pequeno interrogatórios, pergunta-lhe a respeito da terra natal e de muitas outras coisas, mas são perguntas indiferentes, como as que os grandes senhores fazem, e para concluir repete-lhe sempre que ainda não pode deixá-lo entrar. O homem, que havia se equipado com muitas coisas para viagem, emprega tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Com efeito, este aceita tudo, mas sempre dizendo: - Eu só aceito para você não julgar que deixou de fazer alguma coisa. Durante todos esses anos o homem observa o porteiro quase sem interrupção . Esquece os outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para entrada na lei. Nos primeiros anos amaldiçoa em voz alta e desconsiderada o ocaso infeliz; mais tarde,quando envelhece, apenas resmunga consigo mesmo. Torna-se infantil e uma vez que , por escutar o porteiro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas da sua gola de pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião. Finalmente sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato está ficando mais escuro em torno ou se os olhos o enganam. Não obstante reconhece agora no escuro um brilho que irrompe inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até então não havia feito daquele tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime, pois não pode mais endireitar o corpo enrijecido. O porteiro precisa curvar-se profundamente até ele, já que a diferença de altura mudou muito em detrimento do homem: - O que é que você ainda quer saber? – pergunta o porteiro. – Você é insaciável. Todos aspiram ‘a lei – diz o homem. – Como se explica que em anos ninguém além de mim pediu para entrar? O porteiro percebe que o homem já está no fim e para ainda alcançar sua audição em declínio ele berra: - Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava 70 destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a. A narrativa pode parecer cruel. A realidade do acesso à justiça do Brasil acompanha à diversidade e a dimensão territorial do país, cuja efetividade da organização do Estado varia de acordo com diversos aspectos, tais como políticos, culturais, e principalmente com a economia de cada Região. Portanto, há Unidades da Federação melhor organizadas e que mais atendem aos interesses realmente públicos e sociais, devendo-se reconhecer que o Estado de Santa Catarina tem produzido alguns avanços importantes, como se verá mais adiante. Todavia, tamanha a diversidade de interesses, causas, pessoas e necessitados, que o conto de Kafka continua podendo ser aplicado a qualquer lugar do País, ainda que em algumas Regiões o respeito ao indivíduo e ao cidadão seja maior. 70 KAFKA apud ABREU, op. Cit., p. 63-64. 39 A lentidão do processo é uma das causas mais fustigantes no aspecto técnico e político do acesso efetivo à Justiça. Se a morosidade na obtenção do bem jurídico pretendido, nos casos em que se consegue obtê-lo, não fosse tão grande, a Justiça não estaria tão desacreditada e o acesso efetivo não estaria tão distante. Na visão de José Rogério Cruz e Tucci, tempo e processo estão em constante confronto. Em alguns casos o tempo age em prol da verdade e da justiça. Todavia, constantemente conspira em desfavor do processo. Diz o autor que Chiovenda falava do processo como sendo fonte autônoma de bens; mas agora é mais certo dizê-lo como fonte autônoma de males.71 Descreve humoradamente: Com efeito, não deixava de ter razão o saudoso Prof. Joaquim Canuto Mendes de Almeida quando pesarosamente gracejava, há mais de vinte anos, que o advogado, em muitas ocasiões, deve sentir incontido desejo de exibir nos autos a “foto de um bolo de aniversário”, para comemorar, juntamente com o juiz, o transcurso de mais um ano sem ter-se chegado ao 72 ato decisório. Mais adiante explica, a respeito da temporalidade: Para a filosofia clássica, portanto, o conceito de duração ostenta dois significados bem nítidos: a) o termo temporal que circunscreve a existência de uma coisa qualquer; e b) o prolongar-se indefinido do tempo, isto é, a eternidade (Abbagnano, Duração). É a primeira destas acepções – que concebe o tempo com a parte mensurável (duração) do movimento – que irá nos interessar ao longo deste trabalho (a despeito da “eternização” de 73 muitos processos judiciais). Cruz e Tucci ainda apresenta o processo como o instrumento voltado à aplicação da vontade da lei, pelo que deve, sempre que possível, desenvolver-se 71 TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: RT, 1997, p. 11. 72 Ibid., p.15. 73 Ibid., p. 18. 40 mediante um procedimento célere, sob o enfoque externo, a fim de que a tutela jurisdicional seja realmente oportuna e alcance efetividade.74 Rui Portanova mostra um conceito de processo, mais atual, o qual merece consideração, dizendo o autor que este precisava de mudança, iniciada com o constitucionalismo, prosseguindo “até que ele seja instrumento de efetiva realização dos direitos e aporta no processo como instrumento de justiça”.75 A respeito dos protagonistas do processo, referindo-se ao indispensável papel do juiz não desenvolvimento do processo, assinala Cruz e Tucci: O juiz, pois, como principal protagonista do processo, tem o poder-dever de assegurar a trajetória regular do processo, já que é investido de amplas prerrogativas para, de um lado, organizar a seqüência de atos, e, de outro, reprimir o comportamento abusivo dos litigantes. [...] Na verdade, o processo de época contemporânea, seja qual for a natureza da causa, não mais comporta a inatuação daquele juiz passivo que se limita a assistir o 76 “duelo” entre os litigantes ou interessados! O dever único de proporcionar a celeridade do processo não pode ser imposto exclusivamente ao juiz, cabendo aos advogados, representante do Ministério Público, funcionários de cartório e outros eventuais envolvidos, agirem e contribuírem com a regular marcha do processo, sem dilações indevidas. Todavia, cabe ao magistrado tomar as medidas necessárias a impedir as procrastinações. A função institucional do processo civil está ligada a ser efetivo, consistente em assegurar a cada jurisdicionado receber tudo o que porventura tenha razão. Para que processo civil seja efetivo é mister seja célere, sem dilações indevidas. Por dilações, José Rogério Cruz e Tucci apontam um conceito atribuído por José Antonio Tomé Garcia muito claro com sendo: 74 TUCCI, op. Cit., p. 27. PORTANOVA, op. Cit., p. 48. 76 Ibid., p. 35. 75 41 [...] os atrasos ou delongas que se produzem no processo por inobservância dos prazos estabelecidos, por injustificados prolongamentos das etapas mortas que separam a realização de um ato processual de outro, sem subordinação a um lapso temporal fixado, e, sempre, sem que aludidas 77 dilações dependam da vontade das partes ou de seus mandatários. Não obstante o desejo de que não ocorram as dilações indevidas no processo civil, são elas causas dificultadoras do acesso efetivo à Justiça, ante a conseqüente morosidade do processo e fundamentalmente do longo atraso na obtenção do bem jurídico pretendido, escopo daquele instituto. A Obra de José Rogério Cruz e Tucci, “Garantia do Processo sem Dilações Indevidas”, já mencionada nesta monografia, merece atenção e aproveitamento, pela natureza descritiva, questionadora e crítica, aqui referenciado porque a profundidade do tema foge ao objetivo deste trabalho, a respeito do qual aproveita-se por último o conceito e conclusão. Não basta, pois, que se assegure o acesso aos tribunais, e, conseqüentemente, o direito ao processo. Delineia-se inafastável, também a absoluta regularidade deste (direito no processo), com a verificação efetiva de todas as garantias resguardadas ao consumidor da justiça, em um breve prazo de tempo, insto é, dentro de um tempo justo, para a consecução do escopo que lhe é reservado. Em síntese, a garantia constitucional do devido processo legal deve ser uma realidade durante as múltiplas etapas do processo judicial, de sorte que ninguém seja privado de seus direitos, a não ser que no procedimento em que este se materializa se constatem todas as formalidades e exigências em lei previstas. Desdobram-se estas nas garantias: a) de acesso à justiça; do juiz natural ou preconstituído; c) de tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo; d) da plenitude de defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos processuais e da motivação das decisões jurisdicionais; e) da tutela jurisdicional dentro de um lapso temporal razoável. Conclui-se, portanto, que, também, em nosso país, o direito ao processo sem dilações indevidas, como corolário do devido processo legal, vem expressamente, assegurado ao membro da comunhão social por norma de aplicação 78 imediata (art. 1º, CF). No aspecto técnico e político, como dito anteriormente, sendo a lentidão do processo uma das causas mais significativas de dificuldade no acesso efetivo à 77 78 GARCIA apud TUCCI, op. Cit., p.238. Ibid., p. 259-260. 42 justiça, da obra Tempo e Processo, de José Rogério Cruz e Tucci, de leitura obrigatória sobre o tema, aproveita-se a conclusão daquele trabalho, nas partes que tem imediata relação com o tema do presente capítulo, conclusão a qual deixa uma visão quase completa da importância do tempo para efetividade do processo e, conseqüentemente, para o acesso efetivo à justiça: 1. O tempo constitui importantíssimo vetor no plano do direito material; 2. São notórios os reflexos do tempo na órbita do processo judicial; 3. O processo é um instituto essencialmente dinâmico que se desenvolve no tempo; os atos processuais devem ser realizados, mediante um procedimento célere, no momento oportuno – omnia tempus habent -, conciliando-se a presteza com a segurança; 4. Os protagonistas do processo devem envidar todo esforço, em regime de colaboração recíproca, para a rápida solução da causa; 18. Quanto mais distante da ocasião propícia for proferida a sentença, a respectiva eficácia será proporcionalmente mais fraca e ilusória; 21. Para detectar num caso concreto a ocorrência de indevida dilação processual é necessário proceder ao exame: a) da complexidade do assunto; b) do comportamento dos litigantes e de seus procuradores ...; e c) da atuação do órgão jurisdicional; 23. A nossa Constituição Federal recepciona, no §2º do art. 5º, a regra contida no art. 8º, 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que contempla o direito ao processo dentro de um prazo razoável; 25. A intolerável duração do processo constitui enorme obstáculo para que ele cumpra, de forma efetiva e tempestiva, os seus compromissos institucionais; 26. O exame conjunto da problemática que envolve a intempestividade da tutela jurisdicional sinaliza que as causas da demora em nosso país podem, em princípio, ser agrupadas em três itens, a saber: a) fatores institucionais; b) fatores de ordem técnica e subjetiva; e c) fatores derivados da 79 insuficiência material; Quando o trabalho referenciado foi escrito, a conclusão daquele autor decorria de interpretação dos princípios constitucionais integrados aos tratados e à doutrina. Atualmente, demonstrando que toda a luta pela facilitação do acesso à efetiva justiça, na qual se inclui a celeridade da prestação jurisdicional, a EMC nº45, de 08.12.2004, publicada no D.O.U. de 31.12.2004, incluiu o inciso LXXVIII no art. 5º da CF, dispondo: 79 GARCIA apud TUCCI, op. Cit., p. 143-145. 43 "Art. 5º..................................................... ................................................................ LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Resta saber como os Tribunais Brasileiros, em especial o Supremo Tribunal Federal, virão a qualificar e quantificar o que seja “razoável duração”, tendo em vista que dessa interpretação advirá a fixação das conseqüências – punições aos causadores da morosidade? – para o não cumprimento da novel explícita garantia constitucional. 3.4 Outras Dificuldades Há outras dificuldades e entraves ao acesso efetivo à justiça. Cada um dos estudiosos do assunto costuma dar uma roupagem ou nomenclatura pessoal, ainda que para simplesmente ter alguma diferença extrínseca. Todavia, pode-se dizer, resumidamente, que aparecem com maior freqüência a referência a: a) entraves de ordem processual, derivados de questões das condições em que a norma processual foi editada, a época e a filosofia influente, bem como da necessidade de estudos e pesquisas, adequação e aplicação de mudanças processuais, muitas das quais, no caso brasileiro, tem sido feitas, sempre visando alcançar a celeridade desejada, havendo muito ainda por fazer; b) questões materiais, tais como: fóruns mais próximos dos cidadãos; melhoramento da estrutura dos fóruns, parte imóvel e equipamentos diversos, especialmente informatização; c) questões de pessoal, mais magistrados e principalmente mais funcionários (quantidade e qualidade – treinamento para adequado atendimento do consumidor da justiça); d) qualificação do ensino jurídico, de forma a dar conhecimento que leve o bacharel a realmente adquirir condições de, em qualquer das atividades, ter e 44 aplicar os conhecimentos jurídicos em sintonia com as necessidades das pessoas, e não apenas virar um número nas estatísticas e reprodutor dos vícios e imperfeições do sistema. Foram indicadas nos capítulos um e dois do presente trabalho as noções conceituais, para possibilitar a compreensão das etapas seguintes, e os apontamentos das principais dificuldades apontadas no acesso efetivo à justiça, para que no capítulo terceiro, a seguir, atinja-se o objetivo principal de identificar-se as eventuais e principais contribuições da Administração Judiciária Catarinense, nos anos 2002 a 2004, de forma a comparar se tais medidas, de alguma forma, voltaram-se a combater as principais dificuldades apresentadas. 45 4. CONTRIBUIÇÕES DA ADMINISTRAÇÃO JUDICIÁRIA CATARINENSE PARA FACILITAR O ACESSO À JUSTIÇA NOS ANOS DE 2002 À 2004 4.1 Notas Introdutórias Tratar-se-á de apresentar material mais pragmático, assim entendido como as mais relevantes contribuições oferecidas pela Administração Judiciária Catarinense, no período que envolve o triênio de 2002 à 2004, que se destinaram ou tinham o potencial de facilitar o acesso à justiça de alguma forma, no entender do pesquisador, diante das características e dos fundamentos existentes. Considera-se aqui Administração Judiciária Catarinense o conjunto que envolve o Poder Judiciário, seus órgãos vinculados ou controlados e as instituições mantidas. Não se deixará de incluir os atos mais relevantes instituídos por norma jurídica editada pelo Poder Legislativo, ante as regras próprias e competências para edição das respectivas leis, as quais, porém, surgiram por iniciativa do Tribunal de Justiça ou que por meio deste se desenvolveu. Incluem-se medidas já em prática, como aquelas em desenvolvimento, ainda que o resultado concreto dependerá da efetiva implantação, ciente de que não se conseguirá aqui ser exaustivo, mas atento ao que ante os conceitos doutrinários e dificuldades narradas parecem mais significativos ao tema. O Estado conta com 293 municípios, mas tem apenas 110 comarcas instaladas, nas quais há 231 Varas Oficiais/Juizados Especiais e 11 Unidades de Cooperação.80 Ao mesmo tempo, de acordo com censo do ano de 2000, a 80 BRASIL. Estado de Santa Catarina. Tribunal de Justiça. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/cgj-bin/nphmgwcgj. Acessado em: 27 de fev. 2005. 46 população catarinense é de 5.356.360 habitantes, para os quais tem-se 303 cargos de magistrados (236 titulares e 67 substitutos), em juízo de primeira instância, o que significa um número de jurisdicionados de 16.037 para cada juiz, correspondendo a uma brutal disparidade, sendo notória a conseqüência: morosidade na prestação jurisdicional, por mais que os mecanismos de acesso sejam facilitados. 4.2 Alterações na Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina à Luz das Normas Vigentes – Principais Apontamentos Editada em 25 de julho de 2001, influenciando o período de que trata o presente trabalho a Lei Complementar Estadual nº211, de 25.07.2001, introduziu importante alteração, dando competência ao Tribunal de Justiça do Estado para especializar Varas, em qualquer matéria, mediante ato do Órgão Especial do Tribunal, posteriormente extinto, cujas atribuições passaram a ser do Tribunal Pleno, destacando a LC: “de acordo com a conveniência do Poder Judiciário e a necessidade de agilização da prestação jurisdicional.”81 A alteração da competência, ainda que de forma lenta, implicou na instalação, no Juízo Cível da Comarca da Capital, primeira do país, da Unidade de Direito Bancário, em Regime de Exceção, ocorrida efetivamente em 09.11.2004, três anos após a LC nº211, mas que constitui um avanço concreto na agilização de processos daquela natureza, que nos dias atuais sobrecarregam os escaninhos cartorários, decorrentes dos sucessivos planos econômicos, que levam os consumidores a bater às portas do Judiciário em busca de equacionamento e 81 BRASIL. Estado de Santa Catarina. LC nº211, de 25.07.2001. Outorga ao Tribunal de Justiça competência para, mediante ato próprio, especializar varas em qualquer matéria. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/jur/orgãos/lc211_01.htm. Acessado em: 27 de fev. 2005. 47 discussão da legalidade dos contratos e das taxas de juros consideradas abusivas de um modo geral.82 O Provimento nº006/2004, da Corregedoria-Geral da Justiça, de 15.07.2004, regrou a distribuição e redistribuição de processos à Unidade de Direito Bancário, dando conta do que tocará àquela Unidade julgar, fixando-se no artigo 1º, §1º: Art. 1º. A competência prevista no artigo 1º da Resolução Conjunta nº04/2004 cuida das ações típicas de Direito Bancário que tenham como objeto a atividade fim das instituições financeiras subordinadas à fiscalização do Banco Central e também das empresas de factoring, independentemente do pólo processual que ocupem, inclusive na condição de litisconsortes. §1º. Indica-se, em caráter exemplificativo, que serão deslocadas para a nova unidade, independentemente do tipo de procedimento, as ações referentes à: a. abertura de crédito em conta corrente (cheque especial); b. adiantamento de câmbio; c. alienação fiduciária; d. arrendamento mercantil (leasing); e. cartões de crédito; f. cédulas de crédito (rural, comercial e industrial); g. consórcio; h. descontos de duplicata; i. financiamento, Inclusive da casa própria; j. mútuo; k. seguro; l. títulos vinculados aos contratos e operações bancárias como as notas 83 promissórias e as confissões de dívida. O Ato Regimental nº57/02 TJ, de 04.12.2002, consolida o processo de aumento de desembargadores do Tribunal de Justiça, de 35 para 40, disposto na Lei Complementar nº195, de 22.05.2000. Aquele ato alterou a estrutura do Tribunal de 82 NOTADEZ. Informação em grau máximo. Notadez Ltda. Disponível em: www.notadez.com.br. Acessado em: 04 de nov. 2004. Também disponível em: OAB NOTÍCIAS. OAB/SC, ano 2, n. 95, de 12 a 19 nov. 2004. Disponível em: [email protected]. Acesso em: 11 de nov. 2004. 83 BRASIL. Estado de Santa Catarina. Provimento nº006/2004, de 15.07.2004, da Corregedoria-Geral da Justiça. Disponível em: http.://www.tj.sc.go.br. Acessado em: 26 de fev. 2005. 48 Justiça, criando e instalando novos órgãos julgadores e definindo suas respectivas competências, “para atender ao crescente volume de seus serviços”.84 O destaque da inovação encontra-se na criação da 3ª Câmara de Direito Civil; conversão das 3ª e 4ª Câmaras Civis em 1ª e 2ª Câmaras Comerciais, respectivamente, e principalmente pela criação da 3ª Câmara de Direito Comercial; a 5ª e 6ª Câmara de Direito Civil, transformaram-se em 1ª e 2ª Câmara de Direito Público, criando-se a 3ª Câmara de Direito Público. Tal redistribuição e o incremento de novas câmaras, pelo aumento do número de desembargadores, tiveram por objetivo possibilitar maior celeridade de julgamentos, elemento que se inclui na possibilidade, ou de alguns passos, para tão almejada efetividade do processo. No plano das condições materiais (instalações) de serviço judiciário, destaca-se o uso das verbas do Fundo do Reaparelhamento para construção e reforma dos Fóruns, nesse período de 2002-2004. Pela Lei nº12.162, de 15.04.2002, restou aprovada a construção dos prédios dos Fóruns de Guaramirim, Rio Negrinho, Estreito (Capital), São Bento do Sul, Balneário Camboriú, e Jaguaruna; além da reforma dos prédios dos Fóruns de Araranguá, Biguaçu, Laguna, Piçarras Videira, Cunha Porá, Mafra, São Francisco do Sul e Turvo. A referida lei, prosseguindo o projeto de aproximação do Tribunal com os cidadãos, trouxe a aprovação das construções das Casas da Cidadania de Angelina, Antonio Carlos, Apiúna, Arabutã, Araquari, Campo Belo do Sul, Distritos de Barra da Lago, Campeche e Ingleses, na Capital, duas em Capecó, uma em Doutor Pedrinho, Ipumirim, Ita, Joinville, Nova Trento, Nova Veneza, Paulo Lopes, Petrolândia, e em mais 14 cidades, além da construção do prédio do Juizado Especial de Joinville. 85 84 BRASIL. Estado de Santa Catarina. Ato Regimental nº57/02-TJ, de 04 de dezembro de 2002. Diário da Justiça, n. 11.095, de 13 dez. 2002, p.01. 85 BRASIL. Estado de Santa Catarina. Lei nº12.162, de 15.04.2002. DOE SC, 19 de abr. de 2002. 49 “Casa da Cidadania” advém de um programa do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, com o objetivo geral de “humanizar a Justiça, implementando ações que visem o pleno exercício da cidadania, gerando uma cultura de democracia participativa, como corolário de uma prática integrada com a comunidade”86 A instalação das Casas da Cidadania deu-se em 21.03.2001, com a Resolução nº02/01 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na qual, no artigo 1º, encontra-se a definição de Casa da Cidadania: “[...] é a denominação do local público, sob a supervisão do Poder Judiciário, na pessoa do Juiz de Direito, visando proporcionar serviços úteis ao exercício da cidadania.” Consta no parágrafo único daquele artigo 1º, que a Casa da Cidadania servirá para acolher o Juizado de Conciliação e Mediação e, sempre que possível, o Juizado Especial, Conselho Tutelar, Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, Conselho Municipal de Entropecentes, PROCON, INCRA, serviços da Justiça Eleitoral, ainda, de expedição de carteira de identidade, cobrança amigável de tributos municipais, e outros serviços de interesse comunitário que surgirem. 87 A instituição “Casa da Cidadania” veio inspirada no desejo de aproximar o Judiciário do Cidadão, facilitando o acesso. No período de que trata o presente trabalho, entre 01.11.2002 a 24.09.2003, foram inauguradas 11 Casas da Cidadania no Estado.88 Ainda no ano de 2002, foi aprovada a construção de mais catorze Fóruns e a reforma de 27 outros nos Estado, por intermédio da Lei nº12.553, de 30.12.2002, 86 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/ institucional/ casadacidania/cidadania5.htm. Acessado em: 25 de fev. 2005. 87 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Resolução nº02/01-TJ. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/ institucional/ casadacidania/cidadania5.htm. Acessado em: 25 de fev. 2005. 88 BRASIL Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Site do TJSC. Casas da Cidadania. Disponível em: http:/www.tj.sc.gov.br./institucional/casadacidadania/cc_implantadas/implantadas.htm. Acessado em: 28 de fev. 2005. 50 que ainda incluiu a construção de mais 28 Casas da Cidadania.89 Conforme anotação acima, nem todas chegaram a ser inauguradas, mas, sim, 11 delas: Romelândia, Lacerdópolis, Ouro, Ipira, Luzerna, Joaçaba, Balneário Barra do Sul, Balneário Camboriú, Nova Trento, Erval Velho e Petrolância. Todas essas construções e reformas, aprovadas as dotações orçamentárias, tiveram implantação no período em estudo, podendo alguma estar em fase de conclusão, cujos detalhes não foram localizados, mas que representam efetiva evolução no ajuste físico de atendimento dos jurisdicionados. Tais contribuições voltam-se a atender apenas uma parcela da demanda pela facilitação no acesso à justiça. A doutrina, na parte que trata das dificuldades de acesso, também inclui a necessidade de estabelecimentos próximos dos usuários da justiça. Procedimentos semelhantes estenderam-se ao longo dos anos de 2003 e 2004, e prosseguem, com novas autorizações de reforma e construções, conforme leis nº12.634, de 04.07.2003, nº13.184, de 29.11.2004, nº13.235, de 27.12.2004. De um modo mais significativo, pela Lei Complementar nº224, de 10.01.2002, para atendimento mais célere dos jurisdicionados, agora, sim, atos mais destinados à agilidade dos processos, foram criadas: duas Varas no Foro da Capital e uma no Foro Distrital do Continente; três Varas e um Juizado Especial em Blumenau; duas Varas na Comarca de Criciúma; cinco Varas em Joinville; uma Vara em Brusque, Chapecó, Itajaí, Joaçaba, Lages, Rio do Sul e Tubarão; cinco Varas em Balneário Camboriú; duas em Jaraguá do Sul; três Varas em São José, uma Vara em Campos Novos, Caçador, Indaial, Laguna, Palhoça, São Miguel do Oeste e Xanxerê, duas Varas em Braço do Norte, Gaspar e Imbituba, e uma em Capinzal, 89 BRASIL. Estado de Santa Catarina. Lei nº12.553, de 30.12.2002. DOE SC, 31 de dez. 2002 51 Fraiburgo, Guaramirim, Ibirama Içara, Itapema, Ituporanga, Sombrio e Urussanga, totalizando a criação de 52 Varas e um Juizado especial.90 Como ponto negativo no acesso à justiça, ainda que a ordem financeira exija, por intermédio da Lei Complementar nº242, em 30.12.2002, e posteriormente, pela Lei Complementar nº279, de 27.12.2004, os emolumentos judiciais e extrajudiciais foram reajustados, fazendo com que as custas se tornem mais caras, e, neste ponto, sendo um prejuízo ao acesso efetivo à justiça, diante das dificuldades econômicas porque passa a maioria da população. Nesse período, do trabalho pesquisado, diversas Centrais de Mandados foram criadas, visando dar celeridade ao cumprimento das diligências e celeridade ao processo, encontram-se dispostas nos provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça.91 Nesse interregno também foram editadas resoluções, com o fim de auxiliar no acesso à justiça, pela facilitação na prática de atos processuais, tais como emissão de guias de custas (GRJ), em comarcas distintas, com a assistência da contadoria respectiva, via e-mail.92 Contribuindo para a melhor avaliação dos novos juízes, bem como proporcionando possibilidade de estudos e aperfeiçoamento, o juiz substituto, ao tomar posse, será matriculado na Academia Judicial , em cujo curso, a aprovação será requisito para vitaliciamento.93 A exigência de melhor preparo e treinamento de 90 Brasil. Estado de Santa Catarina. Lei Complementar nº224, de 10.01.2002. DOE SC, 15 de jan. de 2002 BRASIL. Estado de Santa Catarina. Tribunal de Justiça. Corregedoria-Geral de Justiça. Provimentos em: http://www.tj.sc.gov.br/consultas/jurisprudencia/jsp/ provimentoscirculares_avançada.jsp. Acessado em: 26 de fev. 2005. 92 BRASIL. Estado de Santa Catarina. Tribunal de Justiça. Corregedoria-Geral de Justiça. Provimento nº01/2002. http://www.tj.sc.gov.br/consultas/jurisprudencia/jsp/ provimentoscirculares_avançada.jsp Acessado em: 14 de jan. de 2005. 93 BRASIL. Estado de Santa Catarina. Tribunal de Justiça. Corregedoria-Geral de Justiça. Provimento nº19/2002. http://www.tj.sc.gov.br/consultas/jurisprudencia/jsp/provimentoscirculares_ avançada.jsp Acessado em: 14 de jan. de 2005. 91 52 juízes consta das sugestões para combate de dificuldade no acesso efetivo à justiça sugerido quase que por unanimidade pela doutrina, já anunciada nesta obra. Notícia mais cidadã, veio com o provimento nº004/2003, ao dispor sobre a isenção de custas, para o fornecimento de certidão para fins empregatícios. As custas costumam ser elevadas, ainda mais, senão insuperáveis, seriam as custas no caso em que visa a certidão informar dados que interessam para obtenção de trabalho remunerado. Cobrar seria causar injustiça social e individual à pessoa, a qual é resguardado o direito ao trabalho. Por derradeiro, registra-se a implantação de 23 (vinte e três) novas comarcas no Estado, criadas que foram pela Lei Complementar nº181, de 21.09.1999, instaladas entre os anos de 2002 e 2004, tais como Armazém, Capivari de Baixo, Campo Belo do Sul, Camboriú, Catanduvas, Garopaba, Garuva, Herval do Oeste, Itá, Itapema, Itapoá, Rio do Campo, Rio do Oeste, Modelo, Navegantes, Porto Belo, Presidente Getúlio, Ascurra, Santa Rosa do Sul, Forquilhinha, Araquari, Três Barras e Impumirim. Novas Comarcas representam a aproximação do EstadoJuiz, por intermédio dos Fóruns de Justiça, das pessoas que necessitam da intervenção judicial para garantia de seus direitos e obtenção do bem jurídico em litígio. As medidas e atos tomados, supra enumerados, servem para demonstrar alguns dos esforços, ao quais se pode atribuir característica de estarem objetivando, de alguma forma, facilitar o acesso à justiça. Deixa-se para os subtítulos seguintes, tratar do projeto de racionalização e simplificação dos serviços judiciários e da instalação da academia judicial. 53 4.3 Da Academia Judicial Ao lado do problema do ensino jurídico no país, costuma se colocar a carência de formação dos próprios magistrados, como causa de dificuldade no acesso efetivo à justiça. Horácio Wanderlei Rodrigues já mencionava: Ao lado disso, a falta de um conhecimento da melhor qualidade sobre o fenômeno jurídico leva, em muitos casos, os magistrados a serem servos da lei, pondo-os em diversos momentos em um conflito entre o que sentem e pensam e o direito que têm de aplicar. Isso gera a ausência de respostas – ou a presença de respostas insuficientes ou equivocadas – por parte do Judiciário – a muitos conflitos existentes e emergentes. Como conseqüência, tem-se uma tendência de descrença crescente da população com relação às instituições jurisdicionais e muitas vezes um questionamento do próprio direito. A não consideração desse aspecto, somada à lentidão, 94 burocratização e corrupção, desemboca na crise do Poder Judiciário. O Tribunal de Justiça tem demonstrado sintonia com os estudos da doutrina, reconhecendo a dificuldade e buscando solução para o problema, relacionado ao ensino jurídico e a melhor formação do magistrado. A criação da Academia Judicial demonstra atitude concreta em busca do objetivo de qualificar o magistrado, esperando-se que a intenção não pereça no comodismo e na mera aparência. A Academia Judicial foi criada com a Resoluçãonº06/00-TJ, de 06.11.2000, posteriormente com alguma modificação introduzida pela Resolução nº11/02-TJ, de 05.06.2002(Dj Nº10.964, DE 11.06.2002), que no texto original dispôs: 94 RODRIGUES, op. Cit., p. 46-47. 54 Art. 1º. – Fica criada a Academia Judicial do Poder Judiciário de Santa Catarina, com o objetivo de promover, através de curso específico ao desempenho da função judicante, a preparação dos Juízes Substitutos em Fase de Vitaliciamento, bem como a especialização e o aperfeiçoamento 95 dos magistrados em geral. O próprio Tribunal apresenta a justificativa para a criação, atento à modernidade e às exigências da sociedade: As novas atribuições conferidas ao Judiciário nesta era pós-moderna, globalizada, principalmente no que concerne à condição de guarda e defensor contra os abusos e as omissões dos Poderes políticos do Estado exigem do magistrado um maior ativismo judicial, quer na preservação da racionalidade do ordenamento jurídico, como nos novos direitos sociais e nas questões de interesse coletivo e difuso. [...] Além das regras constitucionais, o excesso de legislação infraconstitucional resulta em contradições e interpretações dúbias, cabendo ao Poder Judiciário a harmonização sistemática e o esclarecimento de sentido. Afastar antinomias, lacunas, corrigir defeitos redacionais, manter intacta a racionalidade do ordenamento jurídico são tarefas do magistrado, 96 independentemente da esfera judicial. E reconhecendo as deficiências, explica: Ainda, as exigências de desempenho funcional do judiciário, observadas as atribuições conferidas pela Carta Magna, indicam que o “juiz” deve possuir elevadas qualidades morais, ter o conveniente preparo técnico, ser diligente, operoso e capaz de promover inovações quando necessárias. No entanto, que por massificação do ensino, que por deficiências no ensino jurídico, dentre outras, há uma certa dificuldade na adequação dos 97 procedimentos jurídicos. A visão humanística é desejada, quando afirma: 95 BRASIL. Estado de Santa Catarina. Tribunal de Justiça. Resolução nº06/00-TJ, de 06 de novembro de 2000. Diário da Justiça, n. 10.580, de 10 de nov. 2000. 96 JUSTIFICATIVA PARA A IMPLANTAÇÃO DA ACADEMIA JUDICIAL. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/academia/institucional/institucionall.htm. Acessado em: 19 de jan. 2005. 97 Ibid. 55 Uma visão humanística e interdisciplinar é indispensável, com a inserção de aspectos sociológicos, psicológicos, econômicos, políticos e filosóficos de fundamental importância na compreensão do fenômeno jurídico e do ser humano. A Academia Judicial espera contribuir para o surgimento de uma magistratura voltada à reflexão crítica e criativa, para a rigorosidade na interpretação e análise jurídica, para o compromisso com a realidade social 98 do país e com os valores democráticos e constitucionais. A Academia Judicial está subordinada ao Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, o qual define as prioridades, competindo-lhe ativa participação para verificar o aproveitamento dos destinatários. Conta pretender imprimir como perfil da instituição o desenvolvimento e o aprimoramento da atividade jurisdicional, criando oportunidade de aperfeiçoamento da administração da Justiça. Destaca que o perfil de excelência do magistrado venha expresso por meio de:99 cidadania ativa, conhecimento técnico-científico, espírito humanista, público de solidariedade; de um pensar crítico e responsável a respeito da relação entre os fundamentos teóricos e a prática jurídica; do compromisso coma realidade social do país na identificação dos valores democráticos e institucionais; de atitudes compromisso com os valores éticos no exercício da função judicante; de senso de justiça e eqüidade; da rigorosidade técnica na interpretação da análise jurídica; da prática dos deveres e dos direitos 100 assumidos consigo, com seus semelhantes e com a sociedade. O curso para Juízes empossados em fase de vitaliciamento tem como objetivo a formação destes para o ingresso na magistratura de carreira. Os candidatos que obtêm aprovação no concurso de ingresso na magistratura ingressam na Academia, como juízes substitutos. O período de estudos é de um ano, com subseqüentes estágios, até que completem o período probatório de dois anos previsto no art. 95, I, da Constituição da República, mantido mesmo após e EC nº45, de 08.12.2004 (DOU. 31.12.2004), além das disposições contidas no Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça, ocasião em que podem adquirir 98 JUSTIFICATIVA PARA A IMPLANTAÇÃO DA ACADEMIA JUDICIAL. Disponível http://www.tj.sc.gov.br/academia/institucional/institucionall.htm. Acessado em: 19 de jan. 2005. 99 Ibid. 100 Ibid. em: 56 vitaliciedade, contato que fique comprovado o aproveitamento exigido além das qualidades inerentes ao cargo. A Academia Judicial tem como objetivo ainda ministrar curso de atualização e aperfeiçoamento para magistrados, bem como cursos de capacitação para servidores do Poder Judiciário. Exige a titulação de mestre para o integrante do corpo docente, quando destinados ao ensino de magistrados, o qual não será permanente, estabelecendo a composição curricular mínima como sendo: I – Direito Constitucional; II – Direitos Humanos; III – Direito Civil e Processual Civil; IV – Direito Penal e Processo Penal; V – Direito Administrativo e Tributário; VI – Hermenêutica Jurídica; VII – Novos Direitos (Eleitoral, Ambiental, Consumidor, Criança e Adolescente e outros); VIII – Mediação, Conciliação e Relações Humanas; IX – Deontologia Jurídica; X – Organização Judiciária – Aspectos Práticos da atividade judicial e Prática Correicional; 101 XI – Linguagem Jurídica. Trata-se de um avanço, do ponto de vista teórico ou do desejo de que o magistrado esteja bem preparado para as funções que deverá exercer. A Academia Judicial representa atendimento a uma das reclamações que a doutrina tem feito, tratando das dificuldades no acesso à justiça. O sucesso dessa medida para combater a dificuldade ao efetivo acesso à justiça, causada pelo despreparo de magistrados apontado pela doutrina , dependerá na prática da qualidade do ensino e do real comprometimento dos novos juízes. Conseguir-se-á cumprir a carga horária já estabelecida, o estágio e as avaliações previstas? Haverá possibilidade de os 101 JUSTIFICATIVA PARA A IMPLANTAÇÃO DA ACADEMIA JUDICIAL. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/academia/institucional/institucionall.htm. Acessado em: 19 de jan. 2005. Anexo II, da Resolução 11/02 –TJ. 57 juízes vitaliciando se dedicarem ao curso, ou será que terão que interromper constantemente o curso, para atender às urgências forenses de falta de magistrados, ficando o ensino em segundo plano? Só tempo dará a resposta, mediante pesquisas constantes. 4.4 Planejamento Estratégico no Poder Judiciário Catarinense O Poder Judiciário Catarinense tomou a decisão de adotar a política de planejamento estratégico, iniciado que foi no ano 2.000, adotando a premissa de “humanizar a justiça”, por intermédio de uma administração compartilhada e aspirando a ser democrática, visando ao crescimento e ao desenvolvimento, incluindo investimentos financeiros, transformações físicas e modificações nas estruturas administrativas, conforme divulga o próprio Tribunal de Justiça.102 Constam como expectativas criadas pelo planejamento estratégico: - - antecipação dos acontecimentos; preocupação com o futuro da organização; tomada de decisões de forma organizada; preocupação com a eficácia; correta utilização dos recursos internos; preocupação com a cultura organizacional; caracterização de um processo interno de mudanças; 103 caracterização do processo de aprendizado institucional. Aquilo que parece simples - planejar estrategicamente – medida mínima necessária a quem pretende chegar a um bom resultado em qualquer empreendimento, na prática costuma ser complexo e difícil, especialmente quando muitos são os interesses envolvidos, a influência de cultura e da diversidade de 102 PLANEJAMENTO. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Disponível http://www.tj.sc.gov.br/institucional/assessorias/asplan/planejamentol.htm. Acessado em: 27 de fev. 2005. 103 Ibid. em: 58 idéias. A tomada dessa diretriz pelo Tribunal de Justiça demonstra maturidade dos dirigentes e vontade de buscar a mudança exigida pela sociedade civil. Se a máquina judiciária está imperfeita, o primeiro passo para reconhecer o que há de verdade nisso é exatamente planejar, pelo que demonstra coerência no propósito a adoção das técnicas próprias, como as apontadas pelo Tribunal como sendo as de sensibilização das pessoas envolvidas no processo, incluindo magistrados e servidores; realização de diagnóstico, e assim por diante (para não se ficar repetindo o projeto que escolhido), típico do objetivo proposto. O que importa é que houve o reconhecimento da importância de traçar um planejamento e buscar os meios de implementá-lo. Tais providências, dentro do propósito do presente trabalho, para encurtar o assunto, cabe reconhecer que a disposição e a colocação em prática leva a acreditar que pelo algumas melhorias poderão ocorrer no acesso efetivo à justiça, ainda que há longo prazo. 4.5 Projeto de Racionalização da Justiça Catarinense O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, incluindo apoio da Ordem dos Advogados do Brasil, desenvolve há dois anos (2002) o projeto de chamado de “Racionalização da Justiça Catarinense”, que consiste em um sistema de padronização dos serviços judiciários, de forma a aumentar a funcionalidade dos cartórios judiciais e a qualificação dos serventuários, especialmente daqueles que trabalham na “atividade fim do Poder Judiciário.104 104 RACIONALIZAÇÃO DA JUSTIÇA. Revista da OAB/SC, Florianópolis, n. 115, p. 10, set. 2004. 59 Realizadas pesquisas, apurou-se que há uma crise de organização e funcionamento dos cartórios, conduzindo a uma série de conseqüências negativas, tais como menor produtividade do funcionário, problemas de relacionamento, desmotivação e erros diversos. Das pesquisas decorreu a necessidade de Manuais de Procedimentos, os quais estão sendo desenvolvidos para os órgãos da Justiça Estadual.105 Dá conta o Tribunal de Justiça, explicando o procedimento: O fenômeno de dessincronização do funcionamento dos cartórios judiciais agravado ao longo dos anos pela falta de mecanismos de tratamento das informações jurídicas, que devem ser do conhecimento dos escrivães e técnicos judiciários (operadores administrativos dos processos), indicava a necessidade preemente de padronização de rotinas e procedimentos cartorários. Assim, sendo, foram envidados esforços no sentidos de elaborar um documento que representasse a compilação de todos os procedimentos existentes em cartório, devidamente racionalizados e otimizados. [...] O resultado, após meses de trabalho, contando com reuniões sistemáticas entre os membros da equipe, foi o “Manual de Procedimentos do Cartório 106 Judicial Cível. Há mais manuais, estando em elaboração o Manual do Cartório Judicial Criminal, bem como em estudo os manuais dos cartórios da vara de família, da vara da infância e juventude, da vara da fazenda pública, e dos juizados especiais cíveis e criminais. O Manual contém conceitos jurídicos e prática cartorária – das normas do Direito Processual e a descrição das diretrizes da Corregedoria-Geral da Justiça. A primeira parte do manual trata da organização do cartório na área administrativa, e a segunda na área judiciária, tratando de apresentar e ensinar a aplicação do processo civil e seus procedimentos, voltado ao servidor para que saiba como impulsionar os feitos nas questões de mero expediente. 105 RACIONALIZAÇÃO DA JUSTIÇA. Revista da OAB/SC, Florianópolis, n. 115, p. 11, set. 2004. MANUAIS DE PROCEDIMENTOS. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/institucional/racionaliza /manual.htm. Acessado em: 26 de fev. 2005. 106 60 Ao mesmo tempo, objetiva dar melhores condições de trabalho para o serventuário, com modelos de certidões, atos ordinatórios e de expedientes, com as conseqüentes modificações no SAJ/PG – Sistema de Automação de Judiciário de Primeiro Grau, o qual qualifica a informação para movimentação na internet, facilitando sobremodo o acesso às informações processuais, reduzindo o trabalho de todos os operadores do direito, possibilitando maior celeridade nos trabalhos. São elencados os seguintes motivos para implantação dos manuais: carência de conhecimentos jurídicos, falta de rotinas e fluxos de trabalho prestabelecidos nos diversos setores da justiça – dificultando o andamento dos processos, causando sérios entraves aos operadores do direito.107 O projeto de racionalização também conduziu a criação da Escola de Serviços Judiciários, com a intenção de formular os manuais, dar treinamento aos servidores, propor soluções para melhoria do andamento processual, e, em conseqüência, proporcionar conforto aos servidores e aos advogados, por meio de soluções simples e práticas. A Escola de Serviços Judiciários está vinculada à Academia Judicial do poder Judiciário do Estado de Santa Catarina. Destina-se à promoção de cursos de capacitação de servidores; elaboração de estudos e ações objetivando a racionalização e a simplificação dos serviços judiciários, assim como a criação e a revisão de manuais de procedimentos.108 Abre-se parênteses para dizer aos que possam criticar a adoção de manuais, que estes tem como vantagem primordial exteriorizar idéias e pensamentos, deixando visível o procedimento, o qual, antes, por estar invisível, sem padrões, tornava mais difícil corrigir os vícios necessários, posto que o que não 107 108 REVISTA DA OAB/SC, op. Cit., p. 11. Ibid., p.11. 61 é visto – costuma não ser lembrado – nem identificado, logo não há como consertar, ao menos facilmente. Não de se trata de defesa do “vale o que está escrito”, como regra absoluta, mas de facilitar o trabalho, de auxiliar no acesso ao conhecimento do Direito, em especial dos próprios funcionários. Demais disto, sem rotina estabelecida, os procedimentos tornam-se pessoais, variando de funcionário para funcionário, ficando todos a mercê do exclusivo interesse pessoal de cada um, sem que se consiga de um modo objetivo criticar o trabalho realizado, cujos erros acabam sendo perpetuados indefinidamente, dificultando até a pesquisa de qual atitude ou procedimento possa estar errado ou viciado. A implantação dos manuais implicou na divisão do Estado em Centros de Capacitação, com salas de treinamento em várias comarcas. O treinamento consiste em 08h/a de motivação funcional; 20h/a de noções de direito e de processo; 8h/a de organização cartorária e 4h/a de avaliação do curso, com prova dos conhecimentos adquiridos. Aos juízes foram ministradas 2h/a de relacionamento interpessoal. Constituiu-se Equipe de Introdução Padrão e os agentes de capacitação.109 Encerra-se, a respeito dos manuais, dizendo que a criação de tais instrumentos, merecem voto de confiança. O Tribunal de Justiça tem se unido aos demais operadores do direito, com o objetivo claro de conseguir atender a vasta quantidade de processos, que precisam ser otimizados em suas rotinas, de forma que o magistrado possa ter mais tempo para se concentrar na essência: dedicar-se ao efetivo exercício dos atos de jurisdição. Paralelamente,o Serviço de Automação de Justiça de Primeiro Grau – SAJ-PG está sendo atualizado, criando a figura do “Assistente de Cartório”, o qual destina-se a cruzar o dados processuais, de forma a “entender” o estado do 109 REVISTA DA OAB/SC, op. Cit., p. 12. 62 processo, por meio dos códigos informatizados, sugerindo ao funcionário o próximo passo no feito. Suprimirá conclusões ao magistrado nas matérias de mero impulso processual, diminuindo o tempo de tramitação do processo. Conferirá regularidade de certos atos(documentos),com ajuda jurídica on-line. Dará alerta sobre falhas que possam macular o processo, bem como identificará as atividades de mero expediente, possibilitando que ao Juiz seja remetido o processo já em condições de proferir a decisão.110 110 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Resolução conjunta nº05/03-TJ. Disponível em: http:/www.tj.sc.gov.br. Acessado em: 25 de dez. 2004. Também disponível em: http:/www.tj.sc.gov.br/institucional/racionaliza/ curso.htm; e Manual de Treinamento do SAJ/PG, publicado por CGINFO – Comissão de Gestão e Informatização. Disponível em: http://www.tj.sc.go.br. Acessado em: 25 de fev. 2005. 63 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS É hora de concluir. Dizer que o acesso efetivo à justiça não recebeu nenhuma contribuição da Administração Judiciária Catarinense, no período de que trata esse trabalho, não seria medida justa. Não se pode dizer que as dificuldades no acesso foram afastadas, ainda está um pouco longe de se alcançar resultado ideal. Mas os pontos positivos existiram sem sombra de dúvidas. A criação de várias comarcas é um fato concreto e que pode ser reconhecido como real combate a uma das dificuldades no acesso à justiça, que é o distanciamento dos Fóruns dos mais necessitados e desprovidos de recursos. Mesmo aqueles que tem posses, como cidadãos, também foram beneficiados: é a Justiça um pouco mais perto. A criação de varas, incluindo-se algumas junto a universidades, de forma a se aproximar da população, também é contribuição a ser considerada. Ainda há muito por fazer. Relembra-se que Estado conta com 293 municípios, mas tem apenas 110 comarcas instaladas, nas quais há 242 varas e juizados.111 Ao mesmo tempo, de acordo com censo do ano de 2000, a população catarinense é de 5.356.360 habitantes, para os quais tem-se aproximadamente 334 magistrados, em juízo de primeira instância, o que significa um número de jurisdicionados de 16,037 para cada juiz, correspondendo a uma brutal disparidade, sendo notória a conseqüência: morosidade na prestação jurisdicional, por mais que os mecanismos de acesso sejam facilitados. Aguarda-se providências da Administração Judiciária. 111 BRASIL. Estado de Santa Catarina. Tribunal de Justiça. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/cgj-bin/nphmgwcgj. Acessado em: 27 de fev. 2005. 64 O planejamento estratégico merece louvor, esperando-se que realmente seja bem usado e não se fique apenas em teorias e projetos. Considerando as contribuições já mencionadas, dá para dar voto de confiança, devendo-se participar e cobrar resultados, para que a justiça chegue a todos. Sem sombra de dúvidas a projeto mais otimista é o de racionalização da Justiça Catarinense. Os manuais de procedimentos, se bem estudados, como demonstram estar, com pesquisa direta com os envolvidos, incluindo a abertura à participação da Ordem dos Advogados do Brasil, ou seja, procurando democratizar todo o estudo, apresenta possibilidade de que o atendimento nos cartórios poderá ser bem mais célere e eficiente. Os processos poderão andar com mais agilidade, disponibilizando mais tempo ao magistrado para tomar as decisões que realmente interessam às partes. Precisam ser implementados com maior velocidade os manuais das outras áreas do direito, especialmente às do cartório criminal, dos juizados especiais e da área de família, ante o enorme volume de feitos que tramitam a respeito dessas. Não se pode esquecer de forma alguma, que para que tais manuais possam realmente surtir efeito, o número de servidores precisa ser implementado, sabendo-se que na maioria da varas há falta de funcionários. Consta que para implementar o manual no cartório, há a necessidade de pelo menos 8 funcionários, o que hoje é sonho para qualquer cartório. A diferença acima indicada entre o número de municípios e o de comarcas, bem demonstra o quão distante ainda o Estado-Juiz encontra-se do jurisdicionado, o que implica em manutenção de enorme dificuldade no acesso efetivo à justiça. A criação de comarcas em todos os municípios parece ser uma 65 medida a ser perseguida, haja vista que quanto mais próximo do cidadão, mais fácil poderá ser o acesso e mais célere a prestação jurisdicional. Concomitantemente, além de novas comarcas, o número de varas precisa ser urgentemente revista, posto que havendo 5.356.360 habitantes, para 242 varas e juizados, tal representa 22.133,71 habitantes para cada vara, refletindo inequívoca sobrecarga. Não se pode esquecer de forma alguma que é urgente, criarem-se Comarcas, Varas, cargos e concursos para novos magistrados, de forma a atender a demanda, bem demonstrada pela quantidade da população. A Academia Judicial, por certo, que é uma conquista do Judiciário Catarinense, deve ter seus preceitos efetivamente postos em prática. Demorará algum tempo no treinamento, mas pode-se ter esperança de melhoria – é sabido : quem realmente busca conhecimento, estudando o encontrará. Concursos de múltipla escolha e algumas poucas provas, seguramente são questionáveis meios de dizer-se que se encontrou um bom juiz. É preciso estudar, é preciso treinar, é preciso apurar-se a vocação pelo contato efetivo com o trabalho. De outro modo, não se encontrou trabalho concreto no sentido de afastarse uma das graves dificuldades no acesso à efetiva justiça: as custas judiciais. As custas judiciais continuam caras e não se têm apresentado mecanismos de real superação do obstáculo. Deixa-se à mercê do trabalho gratuito dos advogados, utilizando os dispositivos da lei nº1.060/50, ou pela submissão ao procedimento da assistência judiciária gratuita da legislação estadual, que é seguidamente descumprida pelo Estado, que atrasa o pagamento das remunerações previstas, quando não deixa de pagar completamente. 66 Em relação ao número de magistrados há expectativa para o ano de 2005, com a possibilidade de aprovação de mais de 50 novos magistrados. Aguarda-se o resultado. Mesmo assim, vários outros concursos seriam necessários, se realmente se tomar em consideração a densidade demográfica apontada. Orientação aos jurisdicionados, como forma de aumentar o conhecimento de seus direitos, ou simplesmente conseguir localizar o órgão ou cartório ao qual precisam se dirigir, também não se tem encontrado nas atividades do Tribunal, merecendo atenção, posto que as pessoas mais modestas, e são muitas, transitam (vagam) constantemente pelos corredores forenses, batendo de porta em porta até encontrar o que procuram. É muito mais fácil transitar-se dentro de um Shopping Center, enorme, do que dentro de um fórum, ante a evidente falha de comunicação, por placas, escritos, cores, ou por qualquer modo facilitador. Conclui-se dizendo: houve colaboração da Administração Judiciária Catarinense, para propiciar o acesso efetivo à justiça. Porém, foram passos; a jornada ainda é longa e há muito por ser feito, para o que é necessário ter coragem, força, inteligência, sabedoria e muita persistência; sabendo-se que há necessidade de colaboração de toda a sociedade, na certeza de que o problema é de todos. 67 REFERÊNCIAS ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. ASSIS, Araken. Garantia de acesso à justiça: benefício da assistência judiciária gratuita. In: _____. Garantias constitucionais do processo civil. José Rogério Cruz e Tucci (Coord.). 1.ed. São Paulo: RT, 1999. BRASIL. Estado de Santa Catarina. Tribunal de Justiça. Corregedoria-Geral de Justiça. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/consultas/jurisprudencia/jsp/ provimentos circulares_ avançada.jsp. Acessado em: 18 abr. 2005. ______. Estado de Santa Catarina. Tribunal de Justiça. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/cgj-bin/nph-mgwcgj. 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