A Cultura da Crise no Discurso da Comunicação The

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A Cultura da Crise no Discurso da Comunicação
The Crisis of the Culture in the Communications Speech
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Luiz Carlos Assis Iasbeck / Roberta Teles
Resumo: Uma das áreas mais demandadas no campo profissional das assessorias
de imprensa é a da gestão de crises. Entendemos que a comunicação das
organizações envolvidas em crises que comprometem sua imagem é o lugar
apropriado para a reversão dos prejuízos ou a amenização das perdas de prestígio
e reputação que, por vezes são irreversíveis. Entretanto, o trabalho da
comunicação precisa estar pautado por princípios éticos e orientado por uma
percepção mais ampla das crises, entendidas de forma mais ampla como
fenômenos culturais. Neste artigo exploramos as relações entre comunicação
organizacional e cultura, enfatizando a necessidade de os profissionais de
comunicação estarem sintonizados com algumas dinâmicas dos chamados “textos
culturais” estudadas e organizadas por estudiosos de uma “semiótica da cultura”
desenvolvida nos anos 70 e continuada por outras contribuições de outros
estudiosos da linguagem. O artigo deixa claro que a produção do discurso da crise
não pode prescindir de cuidados e estratégias já previstas por esses pesquisadores
no sentido de ressignificar e reconotar o evento adverso de forma plausível e
verossímil.
Palavra chave: Comunicação e Cultura, Cultura organizacional, Discurso da
Crise, Gerenciamento de crise
Abstract: One of the most demanded areas in the professional field of press offices
is the crisis management. The communication department of the organizations
involved in crisis that compromise your image is the appropriate place for the
reversal of the damage or the mitigation of the loss of prestige and reputation that
sometimes are irreversible.. In this article we explore the relationship between
organizational culture and communication, emphasizing the need for
communication professionals are committed to some dynamics of so-called
"cultural texts" studied and organized by researchers from a "culture of semiotics"
developed in the 70s and continued by other contributions of other scholars of the
language. The article makes it clear that the production of discourse of the crisis
can not do without care and strategies already provided by these researchers in
order to reframe and reconotar the adverse event plausible and believable way.
Keywords: Communication and Culture, Organizational culture, Crisis Speech,
Crisis management
Bad News, Good News, diz um velho provérbio norte-americano de origem duvidosa, mas
nunca esquecido pelos estudantes de jornalismo.
Ainda que aos incautos possa representar muito bem a vocação jornalística para a
negatividade, essa afirmação traz no seu bojo algo muito mais amplo do que uma mera preferência
da profissional do jornalismo pela tragédia, pelo desastre, pelo mal.
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Podemos dizer que ela supera o fazer jornalismo e está alojada no cerne do imaginário
humano como um sintoma e, ao mesmo tempo, um poderoso agente do fazer cultural.
Neste artigo, nos propomos a pensar as possibilidades de tratamento comunicativo para as
crises vividas pelas organizações, instituições, empresas e demais corporações, públicas e privadas,
que atravessam situações difíceis. O que uma assessoria de comunicação necessita estar atenta para
assegurar a efetividade de suas ações, contornando, se não o problema que gerou a crise, suas
consequências e repercussões.
Pretendemos abordar a crise como uma oportunidade (no mais das vezes indesejável) e um
desastre inevitável para organizações que agem num mercado marcado pela competição, pela
necessidade de produzir resultados e de permanecer ativo e positivo na mente de seus públicos de
interesse.
Nosso objetivo é demonstrar que, mais que uma oportunidade, a crise é um momento de
mudança compulsória nos ritmos e movimentos da organização, um momento em que planos e
objetivos devem ser imediatamente revistos e reposicionados, enfim, uma oportunidade de rever e
alterar seus desejos de identidade e sua visão estratégica de futuro.
Não pretendemos com isso formular parâmetros, regras ou passos para orientar os gestores
da comunicação nas organizações. Tampouco é nosso interesse buscar desvendar segredos dos
casos bem-sucedidos de comunicação de crise. Há uma vasta literatura dirigida aos gestores
circulando em locais bastante visíveis das livrarias de best-sellers e de aeroportos. Elas abordam o
tema com a simplicidade que o público requer e com a objetividade que responde positivamente à
expectativa do leitor. Pretendemos tão-somente circunscrever o ambiente de crise organizacional
para nele inscrevermos o papel da comunicação institucional a partir de uma percepção mais larga
do fenômeno cultural que as crises evidenciam.
Para tanto, iremos buscar nos estudos da cultura informações e subsídios capazes de
ampliar nossa percepção do fenômeno. A partir de desenvolvimentos teóricos acerca do discurso,
buscaremos aplicações para situações pontuais de gestão comunicativa das crises. A abordagem
conveniente da crise a cada irrompimento vai influenciar diretamente a forma como ela será
percebida pelos públicos envolvidos.
Comportamento comunicacional em situação de crise
Situações críticas que frustram as expectativas de continuidade nas ações empresariais
exigem maior esforço de comunicação. Sejam de que porte forem as organizações, quando seu
planejamento e sua visão de futuro é obliterada por um evento não previsto ou indesejável,
necessitam desdobrar-se em ações que minimizem os efeitos do óbvio prejuízo que isso possa
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trazer. As observações levadas a cabo por João José Forni, especialista na área e autor e
mantenedor do blog Comunicação & Crise (www.comunicacaoecrise.org.br) atestam que, nesses
casos, geralmente as organizações bombardeiam seus públicos com um sem-número de
informações desencontradas, o que, invariavelmente, coloca à prova sua credibilidade e
competência.
Não por acaso a comunicação foi alçada como um dos pilares no gerenciamento de crise.
(FORNI, 2013). Em cenários extraordinários – alertam os especialistas em comunicação
organizacional – é preciso pensar em ações rápidas e pontuais por meio das quais a empresa possa
manter seu público prioritariamente informado com conteúdos plausíveis e transparentes para que
sejam convincentes.
Algumas recomendações do especialista estão voltadas à atitude dos comunicadores: a
disposição para o diálogo deve transparecer no comportamento deles. Desobstruir acessos à
informação, buscar divulga-la onde está o público, interagir em interlocução é algo imprescindível,
como afirma o estudioso de comunicação nas organizações, Wilson Bueno (2003).
O Discurso da Crise
É comum em comunicação a separação entre forma e conteúdo, sobretudo para fins
didáticos. Entretanto, sabemos dos problemas que tal separação provoca numa área tão sensível em
que o modo de dizer é, não raras vezes, mais significativo do que aquilo que se diz.
O russo Yuri Tinianov (1978) nos fala que nas estruturas discursivas, dificilmente um
conteúdo pode prescindir da forma que o contém, da mesma maneira que a forma não pode conter
conteúdo diferenciado sob pena de produzir ruídos na harmonia do discurso. Ele fala do vinho e do
copo, que ase associam de forma única, de tal modo que num outro copo ou o copo com outro
líquido não funcionam mais como poderiam e deveriam. Tiniavov entende que na obra de arte,
como em qualquer outra estrutura discursiva, o modo de dizer é tão ou mais importante do que
aquilo que se diz, seja esse “conteúdo” verbal ou não-verbal
Por isso, diferentemente dos dois estudiosos a que nos referimos, optamos por considerar
aqui o discurso da crise como um conjunto que, para ser efetivo, precisa ser também indissociável.
E só este critério já nos proporciona fazer incrusões críticas acerca dos discursos de crise nas
organizações.
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Mas, afinal, o que entendemos aqui por discurso?
Outro estudioso russo da literatura e da arte, Yuri Lotman (1978) entende por discurso todo
e qualquer conjunto homogêneo de texto. E por “texto”, toda trama de signos. Portanto, se um texto
é um todo significativo, o discurso é um conjunto de textos significativos em torno de um significa
maior e mais complexo
Do discurso participam tanto os textos verbais, em todas as suas modalidades de expressão
(falados, lidos, escritos e ouvidos) quanto os não verbais (modulações e entonações de voz,
gestualidade, tipo de mídia em que é veiculado, expressões faciais, oportunidade temporal de sua
divulgação, etc.)
Como é constituído de textos, a trama urdida no discurso deve seguir uma estratégia
narrativa para que alcance suas finalidades, sempre projetadas teleologicamente.
Tanto Lotman quanto Tinianov integram uma tendência de estudos e abordagens da
linguagem que ficou conhecida como semiótica russa e, mais tardiamente, como semiótica da
cultura.
Na década de 60, estudiosos da Universidade de Tartu, na Estônia iniciaram experiências
que consistiam em levar para o estudo de toda e qualquer linguagem, mormente nas artes, a mesma
estrutura que empregavam para compreenderem o poder significativo do texto verbal na literatura
russa. Linguagem, para eles, é todo e qualquer sistema codificado (segundo uma gramática) de
signos que tem uma função informacional e um caráter significativo.
Todo sistema linguístico é dinâmico e aberto aos processos culturais, embora conserve em
si mesmo características estruturais que lhe dão identidade e competência de reconhecimento. Mais
ainda, permitem que se opere, por meio deles, a comunicação. Não há como interagir sem
linguagem.
As linguagens não funcionam isoladamente. Elas também se integram num discurso, de
modo intertextual, alastrando-se e expandindo-se exponencialmente a cada evento, no tempo e no
espaço.
A esse sistema dinâmico e complexo, aberto e fechado, de interações textuais nos processos
culturais, onde se dá tanto a produção de sentido como a de memória, Lotman (1999) chama de
semiosfera (o equivalente à biosfera para a vida).
Trazemos aqui alguns pressupostos das investigações empreendidas pelos russos das
escolas de Tartu e Moscou porque eles nos permitem compor uma metodologia que descreve o
mundo das representações além da língua. O conjunto das expressões que interagem nos discursos
da crise não pode ser examinado parcialmente ou segmentadamente num só plano ou em planos
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isolados. Eles precisam ser considerados num espaço multidimensional de vários códigos culturais,
além de serem considerados na perspectiva da multidisplinaridade, porque é nessas intersecções
que se produz o sentido de um discurso (LOTMAN, 1979). É por isso que veremos adiante, alguns
aspectos essenciais no tratamento do discurso da crise, obtidos a partir das teses elaboradas pelos
estudiosos russos de Tartu-Moscou em 1964 e compiladas por MACHADO (2003).
Comunicação e cultura
A comunicação é um fazer humano e uma ciência integrada, na qual são indissociáveis as
dimensões psicológica, sociológica, antropológica e filosófica da vida, além das demais dimensões
biofisiológicas, ecossistêmicas, etc. E é pela comunicação que a cultura se realiza
Para esses estudiosos do texto e do discurso, cultura é um conceito que ultrapassa a mera
concepção de um fazer humano na natureza não humana. Cultura, para eles é o acervo simbólico e
dinâmico de um grupo social que alimenta e é alimentado pelo imaginário, pela vida psíquica,
pelas fantasias, pelas artes, por todas suas ações simbólicas. As produções desse imaginário
coletivo são os produtos da cultura: as artes plásticas, o cinema, a literatura, a religião, a política,
etc.
Cultura é também memória não-genética, um conjunto de informações que os grupos
sociais acumulam e repassam por processos comunicativos ao longo do processo da vida e sobre as
quais se estruturam as relações cotidianas. E nenhuma cultura funciona isoladamente. Daí que a
relação de uma cultura complexa com outra também altera o sentido do discurso:
“Mito, religião, folclore, literatura, arte, cinema,
costumes, ritos, hábitos e comportamentos como
linguagem, entre outros, eram orientadas por um
princípio segundo o qual a codificação do
sistema em si não ocorre independentemente de
sua relação com outros sistemas. (MACHADO,
2003).
Evidentemente que, para estudarmos o discurso da crise, é imprescindível que levemos em
conta o maior número possível de textos que entram na sua conformação, bem como a qualidade e
a natureza desses textos. Crenças, valores, costumes, religião, ideologias de toda espécie compõe
um discurso fragmentados nos textos que ele reúne.
Se o discurso de uma organização já é em si um todo complexo que reflete e refrata seus
modos de ser (a cultura organizacional) o espaço que ocupa no rol da sociedade em que está
instalado, nas situações de crise o discurso deverá ter cuidado redobrado em não amputar nenhum
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desses elementos, sob pena de tornar-se inverossímil e provocar descrédito na população.
A Composição do Texto Cultural
Lotman (1978), ao examinar o material de que são feitos os textos discursivos categoriza
sua essência em três grandes e fundamentais elementos: a delimitação (suas fronteiras), a expressão
(a forma como se mostra) e a estrutura (sua imanência, os elementos que o compõem internamente.
1.
Delimitação. Um texto é caracterizado como um todo porque está delimitado interna e
externamente por outros textos (internos e externos). Embora nem sempre bem delineadas, tais
fronteiras são imprescindíveis para que possamos determinar um dado texto em contraposição a
outro, igualmente delimitado. Assim, quando as fronteiras estão bem pontuadas, é possível
perceber até quando o texto é consistente internamente e como ele pode dialogar, interagir com
outros restos que lhe são opostos. A noção de oposição, para Lotman, só é possível porque as
fronteiras estão definidas. Quando são porosas, levam a uma sensação de indefinição e de falta de
parâmetros para se entender até quando um texto alcança seu sentido e até que ponto esse sentido
está sendo contaminado por um outro texto. Por isso, é tão importante que um texto gere oposição
com os demais que não estão nele contidos: é essa oposição que vai criar o contraste da identidade,
tornando-o reconhecível e identificável. Assim, o primeiro requisito para organizar um discurso é
ter textos bem delimitado e ser ele mesmo um termo cultural e ideologicamente reconhecível.
2.
Estrutura – Um texto não representa uma simples sucessão de signos no intervalo de limites
externos. Todo texto possui uma organização interna que a transforma em um todo estrutural
(nesse sentido, registra Lotman (1978), o caráter estrutural e a delimitação estão ligados). A
estrutura é a sustentação; alterada, muda todo o sentido dos textos que compõe o discurso. A
estrutura dos textos que formam o discurso da crise é mais ou menos conhecida por todos que já
observaram informações geradas institucionalmente por organizações envolvidas em situações
delicadas e imprevisíveis. Os pedidos de reconsideração, de compreensão, as estratégias de
transparência e ocultamento, de revelação e insinuação, já são conhecidas dos que convivem com
eles. Entretanto, nem sempre essa estrutura é a mais adequada a todas as situações e em todos os
momentos de uma dada crise. Categorizar a estrutura dos discursos da crise é uma tarefa que pode
render acertos e economizar esforços em situações de emergência e desespero.
3.
Expressão – É o modo como o discurso se apresenta, a parte visível e externa do conjunto de
textos: as linguagens que interagem, os tons e ritmos, a argumentação, as palavras utilizadas, a
diagramação do comunicado, o layout dos ambientes nos quais circula o discurso, o momento e a
oportunidade de sua exposição, tudo isso configura a expressão. É como se fosse a fachada de um
prédio, que não deixa entrever sua estrutura, mas que é sustentada por ela. Por ser a parte mais
visível do discurso, a expressão tende a se magnificar na produção do sentido, ocultando ou
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dispersando a atenção aos elementos periféricos (fronteiriços) ou internos (estruturais).
Mercadologicamente se entende que é na expressão que se devem concentrar a maior parte dos
esforços persuasivos. Entretanto, se a estrutura estiver deficiente e as fronteiros não estiverem
delimitadas, nenhuma expressão se sustenta. Parecerá falsa, cosmética e de ocasião, enganadora.
Ao mesmo tempo em que essa expressão deve estar apoiada nos elementos internos do discurso,
ela precisa conversar bem com os elementos contrapostos, os elementos extra sistêmicos: os
intertextos, o contexto e a “meta textos”.
Como o conjunto de textos organizados de forma coerente para produzir um significado
global acaba por formar um outro texto maior que podemos denominar discurso, podemos dizer
que o discurso da crise não é mais que o arranjo sincrônico e diacrônico dos textos gerados em
situação de crise numa organização.
Os Textos da Crise
Na comunicação de crise, entendemos a “expressão” como mensagens dirigidas ao público
que se deseja atingir, com palavras-chave para nortear a narrativa. Essas palavras são pontos
específicos que amarram os argumentos centrais, seja em entrevistas para a imprensa, notas
oficiais, comunicados para o público interno ou abordagens diretas com vítimas e parentes. A
mensagem precisa ser pensada de maneira a posicionar a empresa positivamente no cenário.
A “delimitação” envolve os limites do texto da organização, até que ponto o discurso deve
ir. Diz respeito aos contornos das promessas verbalizadas, das soluções propostas, e do que é
hierarquicamente mais importante na apresentação do texto. Quais medidas serão apresentadas
primeiro? Quais entrarão de forma secundária? Por fim, as ideias precisam fazer sentido naquela
cultura com a qual vai estabelecer relação, para não soar artificial.
A “estrutura” pode ser entendida como estratégia. Para construir a versão do fato, a
empresa apresenta argumentos, amarrações e elementos que a caracterizem, a depender de como
deseja se posicionar. “A direção deve decidir de antemão com clareza, o que vai ou não revelar
durante uma crise.” (SUSSKIND; FIELD, 1997, p. 78).
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O texto organizado segundo o entendimento de Lotman nos sugere que sua consistência
estará diretamente ligada à coerência e à pertinência lógica dos elementos que o compõem.
Argumentos identificáveis, apoiados em situações verossímeis e demonstráveis, organizados de
modo esteticamente agradável e de fácil compreensão pelo uso de repertório de fácil decodificação,
um texto assim tem tudo para resultar em recepção positiva e diálogo produtivo.
Mas não é bem isso que comumente verificamos. Grande parte dos discursos estão
dirigidos aos interesses da própria organização que os produz. São, portanto, auto referenciais e se
mostram excessivamente interessados em se desculpar, em distorcer a natureza do fato gerador da
crise, enfim, tornam-se peças alvos de desconfiança, o que pode – quase sempre – aumentar a força
negativa da crise e comprometer a integridade da organização que o produz.
Um dos inspiradores da tradição estruturalista e que aqui nos interessa mais de perto é o
folclorista russo Wladimir Propp (1985). Ao desenvolver investigações acerca das estórias de fadas
eslavas[1], ele descobriu que as narrativas, embora originais obedeciam a um mesmo projeto, a
uma mesma estrutura. Morfologicamente os contos maravilhosos se distinguem uns dos outros pela
expressão, mas estruturalmente (sintaticamente, sequencialmente) possuíam características muito
parecidas
Propp afirma que qualquer texto pode ser desmembrado segundo suas partes constituintes.
Observe:
Do ponto de vista morfológico podemos chamar de conto de magia a todo desenvolvimento
narrativo que, partindo de um dano (A) ou uma carência (a)e passando por funções intermediárias,
termina com o casamento (W0) ou outras funções utilizadas como desenlace. A função final pode
ser a recompensa (F), a obtenção do objeto procurado ou, de modo geral, a reparação do dano (K),
o salvamento da perseguição (Rs), etc. (1985, p. 85)
Por mais distantes que possam parecer, no tempo e nas suas aplicações/finalidades, o
desenvolvimento narrativo da crise parece ter estrutura semelhante, ainda que a expressão seja
bastante diversa. Parte-se de um problema (A) ou carência (a), trata das situações intermediárias
geradas ou subsequentes ao se encerra num desfecho que aponta necessariamente para uma solução
(de preferência plausível e verossímil) para o problema.
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O objetivo (função, em Propp) final pode ser a reparação do dano para possíveis vítimas ou
pessoas que passaram por uma frustração ou, ainda, o salvamento da imagem da organização na
imprensa e, consequentemente, na opinião pública. Quando a Organização produz um discurso
capaz de validar seus esforços para superação do problema, a reversão da crise acontece. Há,
nesses casos um reposicionamento do problema, que facilita a abertura de soluções em direções
não previstas anteriormente.
Propp (1985) entende o desenvolvimento narrativo em um conto como um encadeamento
sucessivo de acontecimentos, uma sequência com consequências. Cada dano gera um novo evento
no qual o prejuízo se agrava ou se dilui, nunca continua o mesmo. Do mesmo modo, podemos
verificar que para cada crise há um arranjo narrativo construído ideal do ponto de vista dos
produtores do discurso na organização. Essa arquitetura, quando estrategicamente organizada, pode
dirigir os significados do problema ou dano para um ponto de resignação ou mudança de atitude
por parte do público. A cada novo problema, uma nova sequência narrativa precisa ser arquitetada,
apoiada em novos fatos, novos dados, novas personagens, para que o dano inicial não seja
intensificado, mas diluído num universo mais amplo de atores e circunstâncias. Invariavelmente,
como constatou Propp, o desenlace sugere soluções. É preciso fechar o ciclo narrativo com alguma
ideia nova que reposicione ou elimine o problema inicial.
Cabe aos profissionais de comunicação a regências desses edifícios narrativos. Fatos,
argumentos, posições e providências precisam compor o roteiro da história, de modo articulado e
lógico, com aquilo que Propp denominava “ancoragem”, uma estratégica de remeter sempre as
ideias e os argumentos aos fatos comprovados e comprováveis. A escolha do que deve entrar e sair
em cada um dos textos produzidos para minimizar o efeito das crises deve ser precedida de
minuciosa análise da pertinência não apenas do recorte a ser inserido, mas sobretudo de sua
pertinência e aderência à estratégia do texto e suas finalidades específicas. Essa preocupação tem a
ver com o que os russos de Tartu-Moscou denominavam “delimitação”. Cada conjunto de signos
precisa estar a serviço de um texto maior e, ao ser ali inserido, cria uma identidade que não pode
entrar em choque com outro texto que eventualmente venha a compor.
É evidente que nenhuma palavra ou expressão ou gesto pertence isoladamente a um
contexto único e irrepetível. Porém, num discurso homogêneo, os termos e expressões são cativos
do lugar em que aparecem (quando aparecem) e só podem migrar para outros textos do mesmo
discurso conservando o mesmo campo semântico, o mesmo rol de significados, sob pena de o
discurso se tornar inconsistente.
Como o objetivo dos textos de crise é minimizar efeitos negativos, os conceitos chaves
precisam estar sempre cercados de uma aura de positividade. Propp nos mostra como é importante
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a coerência das conotações (positivas ou negativas) num todo estruturado (seja ele um conto, uma
estória, um romance, um manifesto político, etc.)
Doc Comparato (1983) renomado roteirista e estudioso das artimanhas da narrativa,
também nos oferece para a montagem de sequência plausível do discurso narrativo da crise. Para
ele, um roteiro é uma “forma escrita de qualquer espetáculo áudio e/ou visual” (1983:15). Ou seja,
um roteiro é uma estrutura (normalmente verbal) que descreve, sistematiza e detalha o que será
narrado. Para o autor, há três qualidades essenciais a serem seguidas num roteiro. Elas devem
possuir de forma clara “logos, pathos e ethos”.
Logos se refere à palavra, ao discurso verbal, à organização de um roteiro escrito a partir de
sua estrutura geral. É portanto, o lugar da estrutura do texto. Nesse logos está inserida a natureza
do texto, o posicionamento do produtor da narrativa ou da organização que ele representa, bem
como devem estar claras as finalidades às quais se destina.
Pathos é “o drama, o drama humano. É o lugar da narração do conflito, do dinamismo dos
acontecimentos e como eles afetam os atores envolvidos. É “vida, a ação, o conflito do dia-a-dia
gerando acontecimentos” (COMPARATO, 1983:18). Trata-se de um estágio crítico do texto, onde
o problema aparece e afeta a todos. Pode ser entendido como um momento crítico que pode
acontecer a qualquer empresa, a qualquer momento, explica o professor Wilson Bueno (2003). É o
lugar onde se define qual é a crise.
O terceiro elemento é o ethos. Aqui é possível tecer juízos de valor, insinuar valores morais
e éticos que conduzam o significado da narrativa para o plano de repercussão desejável. É o lugar
em que são explicitados e conotados “o significado da estória, suas implicações morais, políticas e
etc.” (COMPARATO 1983,15). É nesse ponto ou nessa dimensão da narrativa que a Organização
precisa deixar claro como ela pretende lidar com a crise.
Uma crise, Vários textos
Vejamos, agora, um caso que – a despeito da dimensão da tragédia – pode servir aqui para
elucidarmos o que vimos desenvolvendo.
A empresa aérea TAM viveu o maior drama da sua história no ano de 1996, quando um
avião que fazia o vôo 402 sofreu uma pane momentos depois de decolar do aeroporto de
Congonhas, em São Paulo. A aeronave caiu sobre o bairro paulista do Jabaquara, quando morreram
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todos os passageiros e tripulantes, em um total de cem pessoas, além de vítimas em terra. A
tragédia repercutiu durante semanas na imprensa nacional e internacional e o cenário da crise foi
farto de problemas de comunicação: ruídos, desencontro de fontes, boatos, desmentidos sem
credibilidade, enfim um total alvoroço, sem gerenciamento e sem rumo, como relata BUENO
(2003)[2]
Apesar de não conceituar o que entende por “verdade”, Rosa (2001) aponta que ela é o
grande valor estratégico, o ponto de partida, o pilar de sustentação do que chamamos aqui de
discurso narrativo da crise. Posições nebulosas e inverossímeis podem até funcionar durante algum
tempo, mas o risco de não dar certo durante todo o tempo é elevado. E aqui, nós nos perguntamos?
Qual é a melhor estratégia?
Conforme relata Bueno (2003, p. 233 e 234), a TAM elegeu um único porta-voz para falar
com a imprensa. Tratava-se de um Diretor da empresa que esteve presente no cenário do evento. O
fato de estar assim comprometido e envolvido no acidente, tornou-o uma fonte confiável para a
imprensa e para o público. Não era alguém alheio e tampouco alguém designado por estar à frente
de uma área de comunicação: era um diretor operacional. Segundo BUENO, essa decisão
repercutiu favoravelmente porque havia uma relação direta entre o emissário e o acontecimento,
uma ligação que não nos leva a duvidar da autenticidade de suas informações, ainda que o tom
institucional dos comunicados camufle, pela sua própria natureza, informações julgadas
estratégicas e ainda não amadurecidas para serem divulgadas. As lacunas eram preenchidas com
grande benevolência pela mídia e pelo público, que até mesmo esboçou relações de solidariedade
com a Empresa.
BUENO ainda nos mostra como a narrativa oficial da assessoria de comunicação da
resgatou a trajetória da empresa, associando-a ao pioneirismo e ao carisma do seu fundador,
sobejamente conhecido pelo marketing positivo, case clássico do setor. Inevitavelmente os jornais
deixaram transparecer credibilidade nas referências às fontes oficiais da TAM e esse
reconhecimento ocorreu até mesmo na imprensa internacional. A figura do ex-presidente e
fundador, trabalhador incansável com mito já assegurado na mídia nacional ancorou os bons
propósitos da companha. O roteiro elaborado pela assessoria de imprensa atingiu assim o ethos
, assegurando um crédito de confiança e uma garantia de “verdade” e transparência às versões
arroladas nos comunicados.
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Não sem propósito os comunicados se assemelhavam aos roteiros de cinema e TV.
Seguindo o que recomenda Comparato (1983), os elementos que compuseram o texto foram
selecionados de forma coerente, as informações técnicas foram primorosamente apuradas e os
argumentos prensados de forma a alternar ethos e logos, deixando de lado o mais sensível e óbvio
dessas situações, o pathos. Estava claro que os sentidos produzidos eram produzidos com a
intenção de ressignificar e resignar, dois termos que, em última instância, querem dizer a mesma
coisa: a resignação deriva de uma ressignificação conveniente e consoladora.
Vemos então, que produzir sentidos não é apenas informar de modo técnico ou
passional/afetivo. Produzir sentido não é apenas emitir informações aleatórias, contando com a
sorte de uma leitura favorável por parte do destinatário. O profissionalismo em comunicação não
pode prescindir de um olhar prévio bastante atendo à organização do fluxo informacional de modo
a evitar interferências que desestrutures o texto, criando desarmonia no discurso. Crises exigem
esforço de comunicação. Uma empresa que se organiza, se posiciona e se abre ao diálogo com seus
públicos tem muito mais chances de sucesso do que outra que, no afã de estar presente, não se
estrutura para delimitar seus textos e eleger modos de expressão convenientes e pertinentes.
Cuidados com a Produção de Sentido
Como tentativa de aplicação de algumas conclusões dos teóricos russo que citamos,
trazemos aqui algumas recomendações que extraímos de uma fonte bastante distante do nosso
objeto de estudo, mas bem próxima metodologicamente dos modos de condução da comunicação
de crise.
Lotman, Uspenski, Ivanov e outros pesquisadores russos, após um seminário em 1964, no
qual buscaram acordo acerca do dinamismo dos textos da cultura, produziram um manifesto no
qual várias teses foram anunciadas. As Teses para uma Análise Semiótica da Cultura com
aplicação aos textos eslavos, assinadas por V. V. Ivánov, I. M. Lótman, A. M. Piatigórski, V. N.
Topórov e B. A Uspiênski (MACHADO, 2003) consideraram que:
Tese 1: “Nenhum sistema de signos é dotado de mecanismo que lhes permita funcionar
isoladamente”
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Aplicação: Isso quer dizer que existe um texto (sistema organizado de signos) pode
prescindir de um contexto, ou seja, um texto maior que o contém e com o qual dialoga mais
intensamente. Como as crises não são fenômenos isolados, é necessário inscrevê-las no ambiente e
na conjuntura em que ocorrem. Só nesse ambiente podemos buscar ligações que façam sentido e
facilitem nossos esforços argumentais.
Tese 2: Todo sistema semiótico é construído como uma hierarquia que possui, em sua volta,
um arranjo de muitas camadas da esfera extra cultural.
Aplicação: o discurso (texto cultural) não pode deixar de considerar que é constituído de
uma hierarquia de prioridades que não são determinadas apenas pelo desejo de quem o produz, mas
segundo um arranjo que vem de fora, das exigências do ambiente e da circunstância. A narrativa da
crise deve inscrever-se portanto, no ambiente em que foi gerada e repercutida, trazendo elementos
desse ambiente para a sua composição. As crises são sistemas de signos, fenômenos que nos levam
a significar de modo diferente cada um dos elementos que entram em sua composição. Esses
elementos, tomados isoladamente, pertencem a outros sistemas e interagem com outros fenômenos,
sendo pois suscetíveis de levarem consigo novos sentidos gerados pela crise do sistema original
observado.
Tese 3: Podemos considerar como texto qualquer sistema de signos (tese 3), a depender do
recorte que se faz. Em diferentes níveis uma mesma mensagem pode aparecer como um
texto, parte de um texto ou um conjunto completo de textos
Aplicação: Uma crise pode ser circunscrita num texto, mas decomposta nos vários textos
que embute, a mesma crise vai gerar novos textos, com novas formações. Assim é preciso manter
sob controle da área de comunicação tanto os textos divulgados quanto aqueles que podem surgir a
partir deles. Ainda que os profissionais de comunicação numa situação de crise não tenham como
controlar a proliferação de outros textos na mídia formal e informal, é preciso conhece-los para
contemplar os signos que veiculam nos demais textos que serão produzidos.
Tese 4: As culturas se organizam em torno de textos fundamentais que funcionam como
paradigmas ou “sistemas modelizantes primários”. Os demais textos gerados a partir desses
sistemas fundamentais formam os sistemas modelizantes secundários, que diluem aqueles
primeiros e permitem adaptações a situações particulares.
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Aplicação: Não é preciso nem é saudável inventar modos de dizer e se relacionar com seus
públicos em casos de crise. Já existem na cultura formatos modelizantes para tais situações. O que
não se recomenda é que esses textos já conhecidos sejam utilizados em sua forma primária sem que
haja uma adaptação para as peculiaridades da crise que está sendo tratada. Os textos secundários já
fazem, por si só, referência aos textos primários. E isso é importante para lhes conferir
autenticidade e autoridade.
Tese 5: Todo texto é composto de signos e nenhum signo que compõe um texto pertence
exclusivamente a ele. Por isso eles precisam ser contextualizados no sistema em que
aparecem, na relação direta com os demais que com ele interagem. Os significados
primários permanecem, mas são acrescidos e reformados para combinarem com o novo
ambiente em que comparecem,
Aplicação: qualquer texto produzido em situação de crise está sujeito a diferentes
abordagens e percepções. Embora seja impossível restringir-lhes o campo de significação, é
necessário examinar previamente as possibilidades de eles virem a trazer para o texto desejado
significados inapropriados ou indesejados. A crise não é o que a Organização ou o setor de
comunicação desejam que ela seja, mas aquilo que ela pode potencialmente vir a significar no
ambiente em que se instaura.
Tese 6: A estrutura de qualquer sistema de signos deve possuir uma integralidade capaz de
torna-lo sustentável e reconhecível internamente. Por isso, têm uma organização externa
que deve enfrentar uma desorganização externa entrópica.
Aplicação: transformar a “desorganização” externa em organização interna é tarefa dos
profissionais da comunicação. A composição dos textos de crise deve levar em conta os boatos, os
desconfortos e as narrativas marginais produzidas pelas diversas instâncias envolvidas e
interessadas na crise para trazer para o discurso eles elementos externos e estranhos, tornando-os
familiares, reconhecíveis e adaptados ao discurso oficial. A tese 6 sugere ainda que os produtores
do discurso não lutem contra o caos externo, mas que o utilizem como subsídio para a constituição
dos textos institucionais.
Tese 7: É preciso traduzir as mensagens adaptando-as a uma tradição favorável à sua
interpretação.
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Aplicação: a crise deve ser narrada ou explicada com referenciais reconhecíveis pela
cultura que a envolve e à qual interessa. Portanto, a narrativa da crise e seu tratamento pelas
assessorias de imprensa deve produzir textos que carreguem elementos familiares à cultura dos
seus públicos, para que eles se reconheçam no discurso e possam assim interagir favoravelmente.
Tese 8: Cada cultura funciona a partir das relações entre estruturas diferentes que a
compõem e a passagem de um nível a outro ocorre mediante a redefinição de regras.
Aplicação: numa crise, vários fatores interagem e são convocados a participar do texto
narrativo da organização. Se algum desses fatores não estiver conforme àqueles já previstos no
discurso institucional, ele precisa ser adaptado, sob pena de se expandir para todo o discurso,
inviabilizando as regras de funcionamento do sistema. Assim a eclosão da crise não significa o fim
da Organização. Ela pode significar o advento de uma nova forma de gestão, de controle ou de
qualidade. Assim a cada problema na aviação, algo é aprimorado na tecnologia, tornando os vôos
mais seguros. Desse modo, a mensagem passa a ser: se por um lado a crise é nociva, por outro,
contribui para enriquecer os modos de ser vigentes.
A superação da crise só pode ser viável com o advento de conotações positivas
espontâneas, o que evita a frustração das resignações forçadas e o adensamento do sentimento de
revide ou de vingança.
Conclusão
Pensar a comunicação de crise – além e aquém das crises – como um fenômeno cultural
exige uma ampliação de percepção tanto do fazer comunicativo como do dinamismo da cultura. A
sobrevivência das Organizações em situações liminares depende do sucesso da comunicação e,
normalmente, é aí que se concentram todos os esforços organizacionais dispersos durante situações
de normalidade e calmaria. Condição de sobrevivência, a comunicação é mais do que um lugar de
produção de textos, um lugar de produção de sentidos. Por isso o trabalho dos profissionais é
ressignificar de modo favorável os fatores adversos e buscar refazer, em novas narrativas o
infortúnio que a crise traz.
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Os estudos da cultura a partir dos textos que produz nos trazem subsídios valiosos para que
possamos articular estrategicamente o posicionamento da Organização. Vimos que a comunicação
de crise é mesmo um jogo estratégico. Medido, pensado, e prensado para amenizar as conotações
negativos e instaurar o equilíbrio perdido. Cada atitude, cada palavra, cada iniciativa, enfim, cada
signo articulado nessas situações precisa estar milimetricamente pensado e organizado de modo a
colaborar para a harmonia do discurso.
O discurso narrativo da crise tem como finalidade neutralizar sua conotação negativa.
Conscientes de um dos mecanismos básicos da cultura é a tendência à diversidade, a crise se bem
administrada, não será apenas algo obviamente destrutivo, mas trará também oportunidades de
reforma, crescimento e superação de vulnerabilidades.
Como diz Rosa “as pessoas e as empresas que sabem enfrentar suas crises saem delas
muito mais fortes e poderosas” (2001, p. 215). Para que isso aconteça e preciso percorrer o
turbulento caminho da comunicação estratégica, com cuidados que aqui alinhavamos. Se eles não
asseguram o sucesso do empreendimento, com certeza ampliarão em muito as oportunidades de
reversão das expectativas negativas. E para além da pontualidade da crise, a função da
comunicação não pode ser oura senão abrir caminhos e perscrutar possibilidades de desvios e
sugerir trilhas que levem a organização a se perenizar na busca de seus objetivos.
Se as boas notícias puderem gerar algum alento, por que sucumbir ao apelo destrutivo das
notícias ruins sem antes travar com ele uma luta no território da linguagem?
Afinal, se somos “seres de linguagem”, como afirma Foucault (2000) é no discurso que
travamos a batalha da significação. Não precisamos e jamais conseguiremos reverter as
adversidades, mas podemos e devemos torná-las compreensíveis e adaptadas – a despeito do
desconforto e do desespero que possam causar – ao jogo da vida.
Esta talvez seja a maior contribuição da comunicação para o dinamismo da cultura e para a
melhoria da condição de vida das pessoas.
bibliografia
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1
Doutor, Professor no Mestrado em Comunicação da Universidade Católica de Brasília,
[email protected]
2
Mestre, Mestre em Comunicação pela Universidade Católica de Brasília, [email protected]
[1] - A “Morfologia do Conto Maravilhoso” foi publicada por Wladimir Propp em 1928, influenciou toda uma geração de
estudiosos e críticos literários. No Brasil, o poeta paulistano Haroldo de Campos aplicou os princípios estruturantes do
conto de Propp e conseguiu identifica-los em Macunaíma, de Mário de Andrade, escrito na mesma década em que Propp
publicou seus estudos. Haroldo de Campos, em “Morfologia de Macunaíma” (Ed. Perspectiva, 2008) demonstra que o
percurso narrativo do modernista brasileiro não difere muito da estrutura dos contos russos.
[2] Bueno, W. Capítulo 13: Verso e Reverso: Quando a imagem entra em pane. A tragédia do Vôo 402 da TAM na mídia.
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