® BuscaLegis.ccj.ufsc.br Considerações Legais Sobre Biodireito: A Reprodução Assistida à Luz do Novo Código Civil Marcilio José da Cunha Neto• RESUMO: O presente ensaio tece considerações sobre o Biodireito, envolvendo questões pertinentes à reprodução assistida, tais como: os aspectos legais da reprodução assistida e o novo Código Civil e a reprodução assistida. PALAVRAS-CHAVE: Biodireito; reprodução assistida; Novo Código civil. 1. O BIODIREITO O Biodireito é um ramo muito recente da ciência jurídica, que tem por objeto a análise a partir de uma ótica jurídica e de suas várias metodologias dos princípios e normas jurídicas que criam, modificam e extinguem as relações entre indivíduos, entre indivíduos e grupos e entre estes e o Estado, quando essas relações disserem respeito ao início da vida, ao transcurso dela ou ao seu fim. Nestes termos, o Biodireito se ocupa das normas, princípios e relações jurídicas vinculadas à(ao): procriação assistida e manipulação genética em sentido amplo; natureza jurídica do embrião; aborto; recombinação de genes; eugenia; transplantes de órgãos entre seres vivos e “post mortem”; direito à saúde; genoma humano; criação e patenteamento de seres vivos; eutanásia; propriedade do corpo vivo ou morto. Por serem estes temas recentes na literatura jurídica, e pelo fato de muitos deles carecerem de regulamentação legal específica, demandam uma apreciação científica e ética que, a nosso ver, precisa ser precedida de um debate acerca dos princípios que devem servir de parâmetros referenciais ao legislador. É nosso entendimento que o alicerce de tais princípios jurídicos, somente pode ser o comando constitucional, que impõe a todos os indivíduos, grupos econômicos e Estado o dever de reconhecer e respeitar a dignidade da pessoa humana1 , fundamento da República brasileira e do estado democrático de direito. Para definição e preservação deste fundamento, necessário se faz adotarmos como ponto de partida alguns referenciais que, para nós, serão encontrados na sociedade contemporânea no campo da Bioética e seus princípios fundamentais. 2. A REPRODUÇÃO ASSISTIDA • 1 O autor é especialista em Direito e professor das disciplinas IED I e II na UNESA. Inciso III, Art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Durante muito tempo empírico, este método consistia em depositar o sêmen do marido dentro da vagina, ou no colo do útero da esposa, no momento da ovulação. Os primeiros resultados podem ser atribuídos a Hunter2, médico inglês, do final do século XVIII. Nos anos 70, esta técnica foi bastante utilizada por numerosos ginecologistas e várias vezes com indicações não muito precisas, resultando numa taxa de sucesso bastante reduzida (2 a 4%). Com a chegada da fertilização "in vitro", nos anos 80, esta técnica foi temporariamente abandonada e considerada bastante arcaica. Entretanto, nos dias de hoje, a IAC (Inseminação Artificial do Cônjuge) encontra novamente o seu espaço no tratamento do casal infértil. A fertilização “in vitro” (FIV) é uma forma de realizar a fertilização fora do organismo, quando essa não pode ser realizada naturalmente. A FIV tenta reproduzir em laboratório, as condições necessárias para que ocorra a fecundação e as primeiras etapas do desenvolvimento embrionário. A duração da etapa realizada “in vitro”, isto é, fora do organismo, é de aproximadamente 48 horas. Os espermatozóides e os óvulos são colocados dentro de um meio de cultura especial e cultivados a 37º C. Então, irá acontecer a fertilização e o desenvolvimento embrionário inicial. Após esse período, o embrião ou os embriões formados serão transferidos para a cavidade uterina através de um catéter especial durante um exame ginecológico normal. Temos ainda a Injeção Intra-Citoplasmática de Espermatozóides (ICSI), uma técnica dos anos 90, que revolucionou os casos de infertilidade, principalmente de origem masculina. Uma série de problemas pode levar a uma infertilidade masculina: pode haver ausência completa de espermatozóides no ejaculado (azoospermia); pode haver um número adequado de espermatozóides, mas com baixa movimentação (astenospermia); pode haver uma baixa quantidade de espermatozóides (oligospermia) e podem haver alterações relacionadas ao momento da fertilização fazendo com que os espermatozóides não sejam capazes de penetrar no óvulo.Até 1994, os casais com infertilidade masculina severa eram excluídos dos programas de Fertilização In-Vitro convencional por não se conseguir fertilização. Desta forma, aqueles homens que tinham uma das alterações descritas acima, ou então, que tinham feito uma vasectomia sem possibilidade de reversão, não podiam engravidar sua companheira. Hoje, através do ICSI, é possível coletar um único espermatozóide e colocá-lo diretamente dentro do óvulo. O procedimento é o mesmo que o da FIV, só que ao invés de se deixar milhares de espermatozóides nadando em volta do óvulo, para que somente um penetre e fertilize esse óvulo, uma micropipeta perfura a parede do óvulo e deposita o espermatozóide lá dentro. Com essa técnica 50 a 60 % dos óvulos micro-injetados irão apresentar fertilização com formação de embriões em 80% das vezes. A taxa de gravidez inicial com o ICSI pode variar de 20 a 35 % nos casos bem selecionados, uma vez que outros fatores tais como a idade da parceira e a qualidade dos óvulos obtidos podem diminuir estas taxas de sucesso 3. OS ASPECTOS LEGAIS DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA Os promissores avanços das ciências biológicas pegaram desprevenidas as ciências do "dever ser", a saber, a Ética e o Direito. Com as inovações, surge uma série de indagações a respeito de novas formulações ao antigo dilema dos limites da atuação do ser humano na engenharia genética. 2 FREDERICKSON, Helen L. WILKINS-HAUG, Louise. Segredos em ginecologia e obstetrícia perguntas e respostas. Porto Alegre: Editoras Artes Médicas Sul, p. 90, 1993. Como se vê rotineiramente nos meios de comunicação, as técnicas científicas de reprodução assistida têm gerado não só bebês, mas também polêmicas acerca dos limites (ou da falta deles) quanto à sua utilização. Em 1978, estes procedimentos ganharam notoriedade com o nascimento de Louise Brown, na Inglaterra, que foi o primeiro bebê gerado “in vitro”. O Governo Inglês, em 1981, instalou o “Committee of Inquiry into Human Fertilization and Embriology”, que estudou o assunto por três anos. As suas conclusões foram publicadas, em 1984, no Warnock Report. Neste mesmo ano, nascia na Austrália um outro bebê, denominado de Baby Zoe, que foi o primeiro ser humano a se desenvolver, a partir de um embrião criopreservado. Em 1987, a Igreja Católica publicou um documento - Instrução sobre o respeito à vida humana nascente e a dignidade da procriação - estabelecendo a sua posição sobre estes assuntos. A partir de 1990, inúmeras sociedades médicas e países estabeleceram diretrizes éticas e legislação, respectivamente, para as tecnologias reprodutivas. A Inglaterra, por exemplo, estabeleceu os limites legais para a reprodução assistida em 1991, com base nas proposições do Warnock Report. No Brasil, Conselho Federal de Medicina, através da Resolução CFM 1358/92, instituiu as Normas Éticas para a Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida, em 1992. A espécie homóloga (aquela na qual o sêmen utilizado pertence ao marido ou companheiro da mulher receptora) é a que apresenta menor índice de contestações, visto que não altera as estruturas jurídicas existentes, na medida em que a paternidade biológica coincide com a legal. Contudo, o Novo Código Civil de 2002, contemplou esta possibilidade mesmo após a morte do marido. Isto vem a criar uma polêmica, pois seria vontade do mesmo esta paternidade?. Consentida a inseminação e realizada contemporaneamente com a colheita do material genético, a reprodução se dará de acordo com os parâmetros legais, pois o nascimento ocorrerá dentro dos limites abrangidos pela presunção do artigo 1596 do Novo Código Civil Brasileiro e haverá correspondência entre a paternidade jurídica e a biológica. Isso não ocorre, todavia, quando o cônjuge não concede a autorização ou quando deixa o material genético depositado em um banco de sêmen para futura inseminação, vindo posteriormente a falecer. Apesar da impossibilidade de contestação da paternidade em função do exame do DNA (ácido desoxirribonucléico - moléculas que contêm o patrimônio genético de cada ser), surge o questionamento sobre a necessidade de autorização expressa e suas conseqüências no âmbito do Direito das Sucessões, principalmente no que tange ao patrimônio do doador. Como em qualquer contrato de depósito, o material guardado nos bancos de sêmen continua sendo uma propriedade daquele que o produziu e que poderá até mesmo requerer a inutilização do material a qualquer tempo. Este requerimento equivaleria a uma revogação do ato praticado e da ordem de depósito. Não obstante tais fatos, sua utilização em processos de inseminação dependeria, exclusivamente, de autorização prévia e expressa, a fim de que o direito intrínseco de cada indivíduo (de decidir sobre o ato de ser pai ou não) não seja ferido. Neste sentido, determinou o Conselho Federal de Medicina (Resolução nº 1.358/92) que "o consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes inférteis e doadores. [...] o documento informado será em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, da paciente ou do casal infértil". O referido Conselho ainda determinou que "estando a mulher casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou companheiro, após processo semelhante de consentimento informado". (grifo nosso) O Conselho Federal de Medicina, embora tenha deixado à margem os aspectos jurídicos da questão, buscou harmonizar o uso das técnicas de RA (Reprodução Assistida) com os direitos civis dos cidadãos, além de regulamentar princípios de ética médica. Quanto à inseminação artificial heteróloga (aquela na qual se utiliza material genético pertencente a terceiro doador), pode-se chegar a outras conseqüências, visto que a hereditariedade jurídica diverge da biológica. Pode a mulher realizar a fecundação heteróloga com o consentimento do cônjuge, mesmo que ele já falecido?. Chegamos novamente a mesma problemática anteriormente debatida na inseminação artificial homóloga. Algumas legislações, como a da Líbia, condenam a utilização da técnica acima em virtude das implicações causadas nas relações entre os cônjuges, entre pais e filhos e entre doador e cônjuges. Nos países nos quais sua prática não é condenada, há a exigência de consentimento expresso do cônjuge, que assumirá a paternidade jurídica a fim de que se mantenham o equilíbrio e a estabilidade familiar. As legislações mais modernas impedem que o cônjuge que consentiu a inseminação de sua mulher com o sêmen de terceiro obtenha provimento negativo da investigação de paternidade, independentemente dos lapsos temporais divergentes da presunção legalmente instituída. Isso significa que deve prevalecer a segurança do status de filho que não pode ser perturbado por modificações posteriores no ânimo dos cônjuges. Em alguns países como Canadá, Grécia, Holanda e Portugal, é vedado ao marido que consentiu na inseminação se utilizar da investigação judicial de paternidade. No entanto, nos três últimos países, exige-se que o nascimento se dê dentro dos limites temporais estabelecidos pela presunção legal. Nas hipóteses não autorizadas, a legislação dá prazo decadencial (variável em cada país) para a contestação da paternidade. Trata-se, portanto, de preservação da situação jurídica de filho, que não pode, de um momento para o outro, se ver completamente destituído de seu status familiae. Com relação à pessoa do doador, as legislações existentes exigem providências de ordem sanitária, a fim de que se obstaculizem inseminações incompatíveis (por exemplo, tipo sangüíneo) e se incentive a proximidade entre as características do doador e do casal receptor. Além disso, há a necessidade de manutenção do sigilo sobre a identidade do doador que, se casado, também deve apresentar o consentimento da esposa. É sobre esse ponto que residem os maiores questionamentos, pois em se julgando oportuno vedar o uso da ação de investigação de paternidade ao pai jurídico que consentiu na inseminação, não se previu se tal direito se estenderia ou não ao doador em face do filho. Como o material genético depositado nos bancos de sêmen continua sendo propriedade daquele que o produziu, então, existe o direito intrínseco do doador de, tempos mais tarde, exigir informações sobre a utilização do seu sêmen. A partir disso, poderia o pai biológico se utilizar da ação investigatória de paternidade, requerendo para si direitos que foram concedidos ao pai jurídico. Quanto ao filho, como direito inerente à sua personalidade, lhe é reservada a possibilidade de conhecer a identidade do doador. Isso se dá, em primeiro lugar, porque o direito à identidade é um direito personalíssimo e, portanto, insuscetível de obstaculização. O CFM (Conselho Federal de Medicina) decidiu que o sigilo é obrigatório e que as informações sobre pacientes e doadores pertencem, exclusivamente, às clínicas ou centros que mantêm serviços de RA, in verbis: IV - Doação de gametas ou pré-embriões. 1. ...................................... 2. Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. 3. Obrigatoriamente, será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador. Em contrapartida, a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) estabelece o direito inarredável dos filhos e também dos pais de pleitearem o reconhecimento deste status: Art. 26. Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação. Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça. Apesar da indiscutível prevalência da lei federal sobre a resolução do CFM, teremos, nos casos concretos, a necessidade de acionarmos o judiciário, a fim de que sejam solucionadas questões oriundas dessa colisão, por absoluta falta de normas regulamentadoras específicas. É importante salientar que os filhos devem ter acesso aos dados biológicos do doador para a descoberta de possível impedimento matrimonial, pois da inexistência deste processo poderão decorrer relações incestuosas. Sendo totalmente anônima a paternidade, nada impede que irmãos (filhos nascidos de material pertencente ao mesmo doador) ou mesmo o próprio doador e uma filha contraiam casamento, por absoluta ignorância com relação às suas verdadeiras origens. É claro que a ciência já conhece as conseqüências genéticas que poderão se manifestar nos filhos do matrimônio dito incestuoso, mas ainda que assim não fosse, existe a proibição legal preceituada no art. 1.521, I e IV, do NCCB, que torna o casamento nulo. 4. O NOVO CÓDIGO CIVIL E A REPRODUÇÃO ASSISTIDA Ao tratar deste assunto, a nova legislação civil já tropeça em algumas situações técnicas, como as expressões “fecundação artificial”, “concepção artificial” e “inseminação artificial”, constantes nos incisos III, IV e V do artigo 1597 do NCC, pois todas são técnicas de reprodução assistida, que são em duas ordens: aquelas pelas quais a fecundação ocorre “in vivo”, ou seja, aquela que ocorre no próprio organismo feminino, e aquelas pelas quais a fecundação ocorre “in vitro”, ou seja, fora do organismo feminino, mais precisamente em laboratório, após o recolhimento dos gametas masculinos e femininos. Conforme tratado nos incisos III e IV do artigo 1597 do NCC, as expressões “concepção artificial” e “fecundação artificial”, são completamente incorretas, pois a concepção e a fecundação utilizam técnicas naturais com auxílio técnico e nunca de forma artificial. Até a data do presente artigo, a ciência não conseguiu criar nenhum espermatozóide, óvulo ou útero artificial para assim poder designar. No inciso IV do mesmo artigo, observa-se que a forma colocada relativa aos embriões excedentários, leva à conclusão de que só a mulher poderá valer-se, ferindo contundentemente o princípio da igualdade delineado no caput e inciso I do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. Defendemos esta idéia, demonstrando o seguinte caso hipotético: se uma mulher ficar viúva ou se divorciar poderá “a qualquer tempo”, gestar o embrião excedentário, assegurado o reconhecimento da paternidade com as conseqüências legais pertinentes; porém o marido não poderá valer-se dos mesmos embriões, para cuja formação contribuiu com o seu material genético, e gestá-lo em útero sub-rogado. Se utilizarmos as atuais conseqüências, teremos que a maternidade será estabelecida pelo nascimento, ou seja, a mãe será aquela que deu à luz e não aquela cujo embrião foi excedentário. O que fazer com o embrião excedentário? Esta talvez seja a questão mais delicada das técnicas de fertilização "in vitro". Na Espanha a legislação permite o congelamento de embriões durante 5 anos e depois deste prazo obriga sua destruição. Em outros países, sentenças judiciais vêm sendo dadas ora em favor da manutenção e doação, ora pelo simples descarte. O grande problema está nos casos de separação ou divórcio, mas a tendência por novas implantações ou descarte têm sido em respeito à vontade das mães. Muitos entendem que um pré-embrião, no estágio de oito células sem desenvolvimento da placa neural não pode ser considerado um ser humano. Todavia, outros, com muito mais razão, acham que o ser humano não é apenas uma questão de quantidade de células, mas, e muito mais, uma questão de valor. É claro que não se pode manter a guarda dos embriões criopreservados por tempo indeterminado. Há de se encontrar uma fórmula capaz de atender aos imperativos das novas técnicas de fertilização e, ao mesmo tempo, manter o respeito pela dignidade humana. Uma das propostas seria a adoção de pré-embriões, e não a simples doação. Neste particular, sempre surgirão alguns problemas ao pensarmos numa solução. Inicialmente, é preciso dizer que não existe pré-embrião. Em depoimento na Corte do Tennessee, o Prof. Jerôme Lejeune desfez esse engano, ao afirmar "[...] que nada existe antes do embrião" e o "ser formado pela união do espermatozóide do homem e o óvulo da mulher constitui um ser humano único sobre o universo."3 No nosso entender, o uso da expressão "pré-embrião" constitui um artifício para eliminar vidas humanas já concebidas. É uma maneira de anestesiar as consciências diante de um fato concreto: a eliminação de um ser humano no inicio de sua trajetória vital. Outras questões que se apresentam são: Um indivíduo gerado numa fecundação artificial tem ou não o direito de conhecer seus pais genéticos (o que já foi objeto de nosso estudo)? A identidade filogenética deverá ser assegurada em lei? A viúva poderá utilizar-se do esperma do marido falecido ou de embriões gerados ainda em vida sem o consentimento deste? Até que ponto a fecundação heteróloga não constitui um 3 SILVA, Margareth Martha Arilha. Tecnologias Reprodutivas: A concepção de novos dilemas. São Paulo: International Women’s Health Coalition, 1991. adultério? As solteiras, as lésbicas e os homossexuais unidos "civilmente" poderão procriar artificialmente? No caso de herança, quais os bens que devem ser considerados: os do pai genético ou do doador? Como resolver o problema de herança quando a fecundação se dá após a morte do pai? Como controlar o risco da consangüinidade nos bancos de embriões ou de espermas? O filho gerado artificialmente tem o direito de investigar sua paternidade (para saber quem são seus pais genéticos)? Na Espanha, a Lei 35/88 sobre técnicas de reprodução assistida tentou estabelecer algumas regras muitas vezes contraditórias. Esta lei foi analisada no estudo "Pai referencial e identidade pessoal", de autoria da Prof.ª Maria Dolores Vita-Coro, publicado em “Cuadernos de Bioética” (1996/1ª), do Grupo de Investigação de Bioética de Galícia, e algumas questões foram colocadas: a) quando uma viúva está grávida na data do falecimento do marido, não há dúvida quanto à filiação, mas quando a inseminação se dá após a morte, não se pode determinar legalmente a filiação nem se reconhecer o efeito ou relação jurídica entre o filho póstumo e o marido falecido. É uma contradição, na medida em que se tem prova da origem genética e são negados os direitos derivados de sua filiação genética; b) a lei espanhola permite a inseminação artificial a partir de um doador anônimo em pessoas viúvas ou solteiras, o que revela mais um paradoxo: a viúva se veria diante do fato de ser proibida de gerar um filho de seu próprio marido, mas com direito de ser inseminada com sêmen de um doador anônimo. Neste caso, seria uma incoerência negar à viúva seu acesso à reprodução assistida post mortem mas permitir que o faça com sêmen de um doador. 5. CONCLUSÃO Falar de Reprodução Humana Assistida é falar de um conjunto de práticas que objetivam a reprodução e é falar, também, de um outro conjunto de conseqüências que aparentemente não têm nenhuma relação com as práticas médicas, mas que interferem na vida e na organização das pessoas e da sociedade, como respeito aos direitos, a biossegurança, a ética, ao ser humano e outros. Neste Artigo, não entramos em consideração sobre os aspectos que levam as pessoas a desejarem ter ou não ter filhos, mas pensamos que é um dever social apóia-las nas decisões que tomam e, para as ambas possibilidades, de ter ou não ter filhos, tenham todas as informações disponíveis e tenham também segurança técnica e jurídica sobre o caminho pelo qual optaram seguir. No caso da opção pela reprodução assistida, essa questão torna-se vital, tamanha a sua complexidade. Nossa legislação não é perfeita, mas o esforço que nossos legisladores e nós, os operadores do direito aplicamos para prever futuros conflitos e trazer soluções para os já existentes, demonstra a capacidade de nossa sociedade e a preocupação em manter a harmonia, paz e justiça através do Direito. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Ediouro, 1987. p. 42. BARBOZA, Heloísa H. A Filiação: em face da inseminação artificial e da fertilização "in vitro". Tese. Rio de Janeiro: Renovar, 1993. BERLINGUER G, Garrafa V. Os limites da manipulação. Folha de São Paulo, São Paulo, 1996 Dez 1; Caderno Mais. DIAZ MD, Hernández JG, Cobiela ME, Vilalta PG, Rodríguez AP. Aspectos éticos y legales de la reprodución assistida. In: Assad JE, coordenador. Desafios éticos. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1993. FERRAZ, Sérgio. Manipulações biológicas e Princípios constitucionais: uma introdução. São Paulo: Saraiva, 1987. LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995. SCARPARO, Monica S. Fertilização assistida, Questão Aberta. São Paulo: Editora Forense Universitária, 1991. SILVA, Margareth Martha Arilha. Tecnologias Reprodutivas: A concepção de novos dilemas. São Paulo: International Women’s Health Coalition, 1991. VARGA, Andrew C. Problemas de Bioética. São Leopoldo: UNISINOS, 1982. ACORDOS, TRATADOS E CONVENÇÕES Tribunal Internacional de Nuremberg – 1947 18a. Assembléia Médica Mundial, Helsinki, Finlândia (1964) 47ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial em Bali, Indonésia, setembro de 1995 Resolução 198 do Conselho Federal de Medicina * O autor é especialista em Direito e professor das disciplinas IED I e II na UNESA. Disponível em: http://www.estacio.br/graduacao/direito/publicacoes/rev_novamer/index.asp Acesso em: 12 de julho de 2007