XXIV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI - UFS FILOSOFIA DO DIREITO CONSTANÇA TEREZINHA MARCONDES CESAR Copyright © 2015 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito Todos os direitos reservados e protegidos. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados sem prévia autorização dos editores. Diretoria – Conpedi Presidente - Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa – UFRN Vice-presidente Sul - Prof. Dr. José Alcebíades de Oliveira Junior - UFRGS Vice-presidente Sudeste - Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim - UCAM Vice-presidente Nordeste - Profa. Dra. Gina Vidal Marcílio Pompeu - UNIFOR Vice-presidente Norte/Centro - Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes - IDP Secretário Executivo -Prof. Dr. Orides Mezzaroba - UFSC Secretário Adjunto - Prof. Dr. Felipe Chiarello de Souza Pinto – Mackenzie Conselho Fiscal Prof. Dr. José Querino Tavares Neto - UFG /PUC PR Prof. Dr. Roberto Correia da Silva Gomes Caldas - PUC SP Profa. Dra. Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches - UNINOVE Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva - UFS (suplente) Prof. Dr. Paulo Roberto Lyrio Pimenta - UFBA (suplente) Representante Discente - Mestrando Caio Augusto Souza Lara - UFMG (titular) Secretarias Diretor de Informática - Prof. Dr. Aires José Rover – UFSC Diretor de Relações com a Graduação - Prof. Dr. Alexandre Walmott Borgs – UFU Diretor de Relações Internacionais - Prof. Dr. Antonio Carlos Diniz Murta - FUMEC Diretora de Apoio Institucional - Profa. Dra. Clerilei Aparecida Bier - UDESC Diretor de Educação Jurídica - Prof. Dr. Eid Badr - UEA / ESBAM / OAB-AM Diretoras de Eventos - Profa. Dra. Valesca Raizer Borges Moschen – UFES e Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr - UNICURITIBA Diretor de Apoio Interinstitucional - Prof. Dr. Vladmir Oliveira da Silveira – UNINOVE F488 Filosofia do direito [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UFS; Coordenadores: Clóvis Marinho de Barros Falcão, Constança Terezinha Marcondes Cesar – Florianópolis: CONPEDI, 2015. Inclui bibliografia ISBN: 978-85-5505-056-5 Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações Tema: DIREITO, CONSTITUIÇÃO E CIDADANIA: contribuições para os objetivos de desenvolvimento do Milênio 1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Encontros. 2. Filosofia. I. Encontro Nacional do CONPEDI/UFS (24. : 2015 : Aracaju, SE). CDU: 34 Florianópolis – Santa Catarina – SC www.conpedi.org.br XXIV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI - UFS FILOSOFIA DO DIREITO Apresentação É com satisfação que apresentamos os trabalhos apresentados no GT de Filosofia do Direito do XXIV Encontro Nacional do Conpedi, realizado no campus da Universidade Federal de Sergipe. É sempre preciosa uma oportunidade de discutir um campo tão antigo, e tão importante para compreender e também testar os limites do pensamento jurídico. Os pesquisadores, uma vez mais, demonstraram como é rica e plural a produção jurídicofilosófica nas escolas de direito no Brasil. Mais do que a quantidade, precisamos aumentar a qualidade do trabalho em filosofia do direito, e o evento abraçou essa ideia. O livro tem uma importância dupla. Por um lado, registra o trabalho desenvolvido pelos pesquisadores e apresentados à avaliação e seleção desta banca; por outro, permite ampliar a perspectiva e continuar os diálogos que apenas iniciaram nos poucos minutos destinados à apresentação de cada trabalho. A pesquisa, ainda mais quando envolve a reflexão filosófica, pede calma, e seria muito limitada se constituída apenas da apresentação e da sessão de perguntas. O texto, amadurecido e costurado pelos autores, permite o contato silencioso e calmo com cada trabalho apresentado, singularmente valioso. Este livro é, antes de tudo, um convite à conversa e à reflexão. Entre tantos e variados temas, cada leitor encontrará uma mesa em que se sentirá mais à vontade, puxará sua cadeira e interagirá com dedicados pesquisadores. Esperamos que a publicação desses trabalhos integre mais pessoas à deliciosa conversa do dia 4 de julho de 2015. Os coordenadores. A COMPLEXIDADE DO CONCEITO DE DIREITO E A SUA INGERÊNCIA NO PENSAMENTO JURÍDICO CONTEMPORÂNEO. LA COMPLEJIDAD DEL CONCEPTO DEL DERECHO Y SU INJERENCIA EN LA DEFINICIÓN DEL PENSAMIENTO JURÍDICO CONTEMPORÁNEO. Camila Monteiro Machado Pablo Jiménez Serrano Resumo O presente estudo tem por objetivo discutir acerca da função das modernas definições do Direito à luz dos constantes alargamentos do seu conceito, visando à concretização da Consciência Jurídica, da Ordem e da Justiça social. Discute-se a complexidade das definições históricas e contemporâneas que resultam das posturas relativistas e reducionistas conhecidas (empirismo, racionalismo, jusnaturalismo, juspositivismo etc.), destacando, assim, as diferentes orientações metodológicas propostas pelas diversas concepções do Direito. Por meio de uma pesquisa histórico-doutrinária caracterizam-se as principais escolas e modelos teóricos conhecidos para, finalmente, apresentar uma definição integralista e coerente, com o intuito de contribuir para um melhor ensino, interpretação e integração do Direito. Palavras-chave: A definição do direito; modelo crítico; teoria do direito. Abstract/Resumen/Résumé El presente estudio tiene por objetivo discutir acerca de la función de las modernas definiciones del Derecho como resultado de los constantes alargamientos del concepto, que tienen como motivo la Consciencia Jurídica, la Orden y la Justicia social. Se discute la complejidad de las definiciones históricas y contemporáneas propuestas que resultan de las posturas reduccionistas conocidas (empirismo, racionalismo, jusnaturalismo, juspositivismo etc.), apuntándose, así, las diferentes orientaciones metodológicas propuestas por las diversas concepciones del Derecho. Por medio de una pesquisa histórico-doctrinaria se caracterizan las principales escuelas y modelos teóricos conocidos para, finalmente, proponerse una definición integral y coherente, con la finalidad de contribuir para una mejor enseñanza, interpretación e integración del Derecho. Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Definición del derecho; modelo crítico; teoría del derecho. 19 Introdução Um dos problemas basilares da Filosofia e da Teoria do Direito, estabelecido, fundamentalmente, a partir da sua perspectiva analítica, é o “Conceito” do Direito. Certamente, o vocábulo comumente é usado para indicar a “ciência”, a “ordem” ou o um determinado “conjunto de proposições jurídicas”. Por esse motivo, para uma melhor compreensão do conceito, no presente ensaio usaremos a palavra “Direito” para significar a “ciência”, isto é, a nossa “área do saber humano”, por outro lado, usaremos a palavra “direito” para designar o “conjunto de normas” representativo de uma ordem: a “ordem jurídica”. Mas, “O que é o Direito?”. Definir o Direito é, sem dúvidas, um dos grandes desafios enfrentados pelos juristas históricos e modernos. É justamente a inexistência de uma definição comum e homogênea o que, a nosso ver, se constitui como problema basilar das escolas e teorias jurídicas. Eis porque o conceito e os fundamentos epistemológicos do Direito continuam a despertar um acentuado interesse, entre os estudiosos do estruturalismo e do funcionalismo desta importante área do saber humano, não só por fazer parte dos conteúdos dos cursos universitários, mas por se tornarem premissa para o melhor desempenho teórico-metodológico e prático do jurista. Procurando responder a questão, doutrinadores históricos e contemporâneos, sem muito sucesso, empenharam-se em idealizar uma “definição” que pudesse abarcar todo o complexo da realidade jurídica. Mas, como veremos, os conceitos (avaliações, ideias ou significações) reservados foram e, ainda, são reduzidos a pontos de vistas diferentes, fato pelo qual inexiste uma definição unívoca. Certamente há inúmeras formas de definir o direito, essas definições são elaboradas de acordo com a concepção assumida pelos doutrinadores, a saber: sociológica, positivista, suprapositivista, pós-positivista etc. Podemos, assim, dizer que os conceitos que aqui serão abordados são o resultado da evolução do Direito e das demais ciências afins (Sociologia, Economia, Política, Filosofia Moral etc.), um produto intelectual que hoje em dia é submetido a alargamentos e adaptações, conforme as condições e as exigências da prática jurídica. Os dilemas que derivam de tais alargamentos e adaptações, em face do relativismo e da tolerância, justificam a necessidade de uma compreensão dos fundamentos das diversas concepções, 20 compreensão que nos permita encontrar a melhor forma de abordar e de investigar os problemas e qualificar as posturas e teorias que fundamentam as decisões jurídicas. Para além dessa diversidade conceitual, admitimos que o conceito do Direito seja o ponto inicial de qualquer discussão jusfilosófica. Por esse motivo, a seguir, nos propomos caracterizar esses variados conceitos que balizam a teoria e a prática jurídica. 1 Fundamento sociológico do Direito. A primeira noção colocada em discussão, a empírico-sociológica, considera o Direito como uma forma de vida social, assim o conceito “direito” teria como influência os usos sociais dotados de normatividade jurídica. Nesse sentido, tudo o que é social pode-se tornar jurídico. Segundo a noção em estudo, o Direito deriva das regularidades factuais das condutas e mais especificamente, das relações sociais. Considera-se, assim, a organização social como um critério fundamental para distinguir uma sociedade jurídica de uma sociedade não jurídica: doutrinas do Direito Social. São assim qualificadas todas as doutrinas que partem da sociedade para se chegar ao indivíduo. E, ainda, todas as doutrinas que consideram válidas as normas que se impõe ao homem enquanto ser social. Enfim, todas as doutrinas que concebem o homem como um ser social exatamente por estar submetido a uma regra social que lhe impõe obrigações com relação aos outros homens e cujos direitos derivam das mesmas obrigações, isto é, dos poderes que possui para realizar livre e plenamente os seus deveres sociais. (DUGUIT, 2006, p. 19).1 De acordo com essas doutrinas, os juristas, como meros operadores do direito fazem dele uma ciência empírica, nos moldes da Sociologia ou da Psicologia. Sendo então concebido o Direito como uma técnica de solução de casos. Esta orientação naturalista ou antimetafísica, ao definir o Direito, costuma partir do conceito de dever, definindo-o em termos de fatos empíricos estritos e fazendo dele um simples reflexo do dever. Nesse sentido, “as afirmações referentes à existência de direitos e deveres são certas situações factuais”. (FERRAZ Júnior, 1980, p. 13-14). O Direito, assim entendido por Max Weber (2011, p. 24-25, 48), por exemplo, é simplesmente um “sistema de ordem” provido pelas garantias específicas da probabilidade de sua validade empírica. Do ponto de vista jurídico, o direito moderno 1 Conforme afirma Duguit, as doutrinas denominadas “direito social” deveriam ser chamadas “doutrinas socialistas, em oposição às doutrinas individualistas. 21 consiste em “proposições jurídicas”, ou seja, normas abstratas cujo conteúdo afirma que certa situação factual deve ter certas consequências legais. Nesse sentido, “as regularidades factuais de conduta („usos‟), podem tornar-se uma fonte de regras para a conduta”. Para o citado autor, o ponto de vista jurídico-dogmático visa a descobrir o significado correto das proposições, o conteúdo que constitui uma ordem supostamente determinante na conduta de um grupo de pessoas, ou seja, tentar definir os fatos aos quais esta ordem se aplica e a forma pela qual ela se sustenta sobre eles. Por essa razão, o jurista, aceitando a validade empírica das proposições legais, examina cada uma delas e tenta determinar o seu significado logicamente correto. (WEBER, 2011, p. 24). Presumido o Direito como parte da Sociologia ele, também, teria como objeto de estudo fundamental o comportamento humano, da conduta social, expressa por meio da relação causa-efeito. O jurista, assim se preocuparia investigação dos fatos sociais subjacentes e constitutivos de seus alicerces: objeto. Assim, por exemplo, uma troca de mercadoria significa: a transferência de um objeto, conforme um acordo, do controle factual de uma pessoa para outra, contanto que essa transferência seja baseada no pressuposto que outro objeto será transferido do controle factual da segunda pessoa para a primeira. (WEBER, 2011, p. 42, 47).2 Certamente, a concepção sociológica do Direito recebeu uma forte influência do positivismo sociológico francês, e passou a defender os critérios próprios do sociologismo jurídico. A propósito de uma discussão sobre o objeto do Direito afirmouse que as relações jurídicas são relações sociais adaptadas, isto é, relações sociais objetivas esboçadas nas regras jurídicas nascidas espontaneamente do costume e que são reveladas ou descobertas pelos que procuram o Direito nos fatos sociais. Diz-se de relações cujo fim é prover à adaptação, conseguindo saber o grau de verdade, de eficácia: de acerto ou desacerto da regra jurídica proposta para ajustar ou conciliar os interesses humanos presentes. (COSSIO, p. 63, apud, DINIZ, 1999, p. 20) Para alguns doutrinadores pátrios como, por exemplo, Ponte de Miranda (1972, p. 26, 27, 29, 40 e 41.), a relação jurídica tem um caráter social; porém, a relação entre dois indivíduos não é o único tipo de relação social, nem o mais importante. As relações 2 A sociologia é uma disciplina que busca regularidade e tipos empíricos. Tem interesse especial nas garantias legais e nos conceitos normativos dos quais dependem e que consideram como responsáveis por sua criação, interpretação e aplicação. Seus interesses serão considerados como consequências e, ademais, como causas ou causas concomitantes de certas regularidades. 22 jurídicas, afirma o citado autor, podem chegar a existir ainda sem que delas tenham consciência as pessoas entre as quais se estabelecem, ou exista vontade manifesta. Assim, numa visão sociológica as regras seriam abstratas; as relações, não. E é de relações e não de normas, que se constitui a matéria social, em que a ordem social se estabelece. Para o nosso autor, as relações sociais mantêm uma continuidade causal, sendo as instituições seus efeitos formais. Assim, destaca como exemplo que, entre as relações de venda, troca, herança etc., atuam condições econômicas, psicológicas, morais, políticas etc., onde devem ser procuradas a gênese e evolução dos fenômenos jurídicos e não nas instituições propriamente ditas. Para o citado autor o mesmo invólucro institucional, o mesmo texto de lei, pode ter sentidos diferentes em dois ou três períodos de vigência, às vezes distantes de um século, e somente nas relações sociais é que poderemos conhecer aqueles sentidos, porque é somente nas relações sociais que se encontram e podem ser apanhadas as normas que as regeram (história jurídica), que as regem (documentação atual), e que as devem reger (legislação e interpretação jurídica). Pode haver continuidade formal entre as sucessivas expressões da propriedade, da família, da posse etc.; mas, sociologicamente (e é isto o que interessa à ciência do Direito), o que se deve estudar é a continuidade substancial, e não só aparente, que consiste na indagação das sucessões dos fatos sociais, ou, melhor, das relações, que são os verdadeiros fenômenos da vida em comum e, para dizer tudo em poucas palavras, da matéria social. Pontes de Miranda conclui que os estudos jurídicos, como em todas as ciências sociais, somente podem fazer-se nas relações sociais, que nos dão as naturezas econômicas, morais, jurídicas etc. Outro autor, Carlos Cossio, fundador da Escola Egológica considerou que no Direito, fundamentalmente, há de se estudar a conduta humana, enfocada em sua dimensão social, e não a norma jurídica. O autor considera o Direito como um objeto cultural, composto de um substrato que é a conduta em interferência intersubjetiva, e de um sentido, que é o dever de realizar um valor. (DINIZ, 1999, p. 135). Conforme explica Manuel Rico Lara3, a teoria egológica do Direito, que foi iniciada, aprofundada e difundida em amplíssima bibliografia pelo jurista Carlos Cossio ataca o racionalismo, que idealiza o objeto do Direito. A teoria egológica se remete ao empirismo jurídico, que, diferentemente do natural (neutro e indiferente ao valor), atrai desta forma critérios axiológicos ensamblados na conduta. Em efeito, a conduta sem 3 Veja-se: RICO LARA, Manuel. La Teoría Egológica del Derecho (I). España: Sevilla, Boletín núm. 1578, pág. 125 23 valor, ontologicamente não pode ser; e não pode ser, porque o substrato dos valores é a liberdade. Os valores não são, assim, ideias platônicas, mas categorias materiais da existência humana. Desta forma, se os positivistas situam o objeto do Direito na norma, Cossio, coloca como objeto da norma, na conduta, em interferência intersubjetiva, da que a norma é mera representação intelectual. O professor argentino distingue, igualmente, a egologia jurídica do Direito natural. Eis que segundo a escola tradicional do Direito natural, existe uma Lei eterna que está impressa no coração do home como lei natural, o qual não resulta propriamente um ato contrastável pela experiência, que tem mais bem um caráter metafísico y transcendental. Por outro lado, o egologismo nos proporciona uma resposta ou referencia ontológica, perceptível: “a justiça está no ser do homem”, mas não como um predicado do ser (tomismo), porém como “uma forma de possibilitar a projeção dos sentidos jurídicos”, o que significa que a justiça, de certa forma, inclui a injustiça, pois se aquela é a melhor possibilidade infraestrutural do entendimento societário contida numa situação. Nesse sentido, a justiça está assim ontologicamente ligada ao Direito como o sentido que totaliza todos os possíveis sentidos da correspondente conduta afirmando-os ou negando-os. Essa conduta, segundo a tese egológica, não tem por que perder seu sentido jurídico quando. Em suma, Cossio explica que a teoria egológica rejeita o Direito Natural porque este não apresenta uma base ontológica para se sustentar. A concepção da escola do Direito natural é, por tanto, teológica, metafísica, más não ontológicas. Quando o egologismo dá a sua definição ôntica do Direito, afirmando que é a conduta humana em sua interferência intersubjetiva, permite penetrar no sentido axiológico do dado, indo desse substrato ao sentido e vice-versa, fica consumado o processo de compreensão jurídica. Em suma, conforme a noção empírico-sociológica o Direito teria por finalidade regular relações sociais. Desta forma, a concepção se sustenta nas próprias raízes da vida social que lhe serve de conteúdo e se traduzem em normas de conduta. Como consequência a concepção sociológica do Direito remete os juristas para as ciências sociais, única dimensão onde poderiam encontrar conhecimentos relevantes. (LARENZ, 1983, p. 2). Pois bem, a concepção fenomenológica do Direito propõe que se encare o fenômeno jurídico como um “fato social” que condiciona suas manifestações. De acordo com a fenomenologia jurídica as realidades sociais condicionam a ordem jurídica. O Direito é condicionado pelas realidades do meio em que se manifesta. O 24 fenômeno jurídico é, assim, reflexo da realidade social subjacente, mas também fator condicionante dessa realidade. Tal estudo, portanto, corresponde ao exame do enfoque sociológico da realidade jurídica: apresenta-se o objeto do seu estudo como a dimensão social do fenômeno jurídico. O Direito, assim concebido, seria um instrumento institucionalizado de maior importância para o controle social. (MIRANDA ROSA, p. 36, 41, 53). Surge, então, o problema da significação da fenomenologia e, consequentemente, da dimensão fenomenológica do Direito. A fenomenologia, assim, pode ser significada como o estudo descritivo dos fenômenos, desenvolvido por meio de métodos que nos permitem a caracterização e explicação das relações existentes entre os elementos objeto de interesse à determinada área do saber humano. Destarte, a abordagem fenomenologia se define como a pesquisa descritiva pura das vivências. É uma pesquisa que procura a fundamentação última do conhecer que só pode ocorrer a partir da abordagem dos atos do conhecimento. Isto significa: não se contenta o filosofo (ou o jurista) com as palavras, mas deseja retornar as próprias coisas. Sendo essas últimas dadas em vivências, isto é, atos intuitivos, o mundo psíquico manifesta-se como instância à qual os objetos são dados de diferentes modos e a consciência torna-se instância constitutiva do mundo objetivo. Daí, o papel importante na fenomenologia é desempenhado pela operação que permite abstrair a aceitação tácita da realidade do objeto para simplesmente aplicar-se às operações realizadas pela consciência. (HUSSERL, 2001, p. 16-17). Na tentativa de caracterizar a ciência jurídica, essa compreensão filosófica, passaria a fazer parte do seu fundamento, isto é, do fundamento fenomenológico do Direito que teria como alicerces a experiência jurídica. Surge, assim, o problema de se situar o fenômeno jurídico dentro e não fora da esfera social, nesse sentido, no mundo jurídico a experiência ocuparia um lugar importante. Consequentemente, torna-se relevante para os estudiosos do Direito, a experiência jurídica. Ao explicar tal preponderância Luis Díez-Picazo (1999, p. 5-22) afirmaria que “o Direito é fundamentalmente um conjunto de experiências vividas”. Segundo o citado autor, o Direito descansa nas experiências existenciais, isto é, nas decisões que tem como base conflitos de interesses. Nesse sentido, o Direito se aplica a diferentes fatos, atos e situações. O Direito se ocuparia, em rigor, de um conjunto de conflito que devem receber certa solução, a mais correta ou a mais aceitável. 25 Destarte, para o citado autor o Direito é algo que se produz dentro da vida social, ou melhor, num setor da vida social. A experiência jurídica é, una concreta experiência de conflitos de interesses que existe muito antes de existir um texto constitucional, um código civil ou uma decisão. Poder-se-ia dizer que os conflitos de interesses são o princípio de toda ordem jurídica. Um conflito de interesses existe, continua Luis DíezPicazo, quando entre duas ou mais pessoas se origina uma situação de tensão ou de incompatibilidade nas suas necessidades ou nas suas aspirações respeito aos bens vitais que podem satisfazê-las. O conflito de interesses pode surgir muitas vezes revestido sob a roupagem de um conflito ideológico. Um conflito ideológico existe desde que duas ou mais pessoas ou grupos de pessoas entram em colisão ou luta aberta porque mantêm idéias distintas (por exemplo, guerra entre religiões). O conflito ideológico pode vir a ser um pretexto para encobrir ou justificar um subjacente conflito de interesses. 4 Conforme a essa concepção o direito pode ser considerado um fenômeno social (ou ciência empírica) do qual resulta sua organização, um critério fundamental para distinguir uma sociedade de outra. Existiria, assim, uma dialeticidade entre o “fenômeno social” e o “fenômeno jurídico” relação que caracterizaria o Direito como resultado dos nexos existentes entre a observação dos fenômenos jurídicos, a saber: dinâmicos e estáticos e as proposições que os representam. No plano doutrinal, Díez-Picazo (1999, p. 5-22) considera que o conflito existe quando, sobre um objeto idêntico, que é propriamente um bem de natureza física ou um bem cultural, apto para satisfazer necessidades ou aspirações, duas ou mais pessoas ocupam posições e mantêm posturas antagônicas ou incompatíveis. Conforme explica o autor, o conflito é, precisamente, uma situação social nascida de um choque de interesses. Por exemplo: quando duas pessoas pretendem ser ao mesmo tempo proprietários da mesma coisa. Consequentemente, a vida em sociedade seria a matéria jurídica constituída de um emaranhado de atos e de comportamentos (ou condutas) dos homes e de uma serie de situações que se apresentam como sendo o ponto inicial e final desses atos e comportamentos. Nesse contexto, importa saber: quais são as experiências e fenômenos jurídicos os quais devemos considerar como primários e qual é a razão pela qual determinado fato da vida social pode ser qualificado de jurídico. 4 Com base no dilema o fenômeno jurídico tem a primazia perante o aspecto lógico e cronológico que corresponde à regra ou ao juízo. 26 Pois bem, a fenomenologia jurídica procura responder as seguintes questões: O que é fenômeno jurídico? Como podemos diferenciar o fenômeno do fato jurídico? Quais são as relações existentes entre o fenômeno estático e o fenômeno dinâmico? etc. Na procura por essas significações tornou-se relevante a caracterização do objeto de conhecimento o sistema de normas positivas, ou seja, as normas incidentes nos fatos naturais e sociais, e os fatos naturais e sociais enquanto qualificados por normas. (VILANOVA, 2000, p. 16) Na análise dos elementos que sustentam a concepção fenomenológica conclui-se que não pode haver norma jurídica sem configuração por tipos (tipificação) das situações de fato, visto como de todos os aspectos da vida social, o Direito surpreende e fixa apenas os que se referem a seus problemas de organização e de composição. (REALE, 1969, p. 58). Por conseguinte, o fundamento fenomenológico do Direito ganhou força na medida em que se pretendeu realçar a importância das fontes sociais do direito. De acordo com esta perspectiva “a existência e o conteúdo do direito numa sociedade determinada depende do conjunto de fatos sociais, isto é, do conjunto de ações dos membros dessa sociedade”. (MORESO, 2004, p. 45-62) Conclui-se, assim, que a noção fenomenológica se apoia na idéia de que o Direito nasce da realidade factual, isto é, da experiência que a contemplação nos proporciona: contemplação atenta do mundo exterior, o qual se costuma chamar de “fenômenos jurídicos”. 2 O pressuposto valorativo do Direito. O Direito, do ponto de vista ético-valorativo, pode ser compreendido no âmbito da atitude referida ao “valor”. Esse conceito ético-valorativo é defendido por diversos autores que, geralmente, consideram existir um “Direito” que designa os valores éticos, últimos e finais de toda sociedade. Contudo, a defesa desses valores éticos é condição necessária para a convivência humana. O conceito em estudo reconhece como premissa fundamental, a existência de um direito superior e anterior ao direito positivo. Mesmo partindo do fato de que existe um direito escrito e criado pelo homem há de se admitir a preexistência de um Direito natural que incide na convivência humana. Diz-se, assim, de um enfoque Metafísico por meio do qual o Direito seria “tudo que a ele diz respeito, corresponde a uma esfera supra-sensível”. (OLIVECRONA, 27 2005, p. 18), isto é, um Direito situado acima dos fatos da vida real. Por tanto, a definição do Direito há de se referir a um poder místico que pode se fazer valer, em caso de necessidade, por meio do aparato do direito. Conforme ensina Gustav Radbruch (2010, p. 10-11, 47-48) o Direito é uma obra humana e como tal deve ser compreendido. O direito é uma manifestação cultural, isto é, um fato relacionado a um valor. O conceito do direito não pode ser determinado de modo diferente: não pode existir um direito que não seja justo. O direito pode ser injusto, mas só é direito por ter o sentido de ser justo. Para os defensores desta orientação o conceito do Direito há de envolver uma realidade referida a valores, uma realidade cujo sentido é estar a serviço de valores. O direito é a realidade que tem o sentido de servir ao valor jurídico, à ideia do direito. A ideia do direito não pode ser outra senão a justiça. Observa-se que, quando se coloca o problema dos fins do direito, não se pergunta sobre as finalidades empíricas que o possam ter gerado, mas sobre a idéia da finalidade, supra-empírica, segundo a qual o direito deve ser medido. (RADBRUCH, 2010, p. 78) Resumindo: a concepção ético-valorativa do Direito tem como fundamento a existência de um direito superior, supranormativismo, universal, permanente, imutável e perfeito. 2.1 Fundamento supranormativo do conceito. Vimos que o fundamento supranormativo ou suprapositivo do Direito se funda na ideia da existência de um Direito natural anterior ou preexistente ao direito positivo. Torna-se primária, assim, a doutrina do direito justo: um direito racional, doutrina defendida pelo jusnaturalismo histórico. O conceito ético-valorativo do Direito propõe, assim, um “método” por meio do qual é possível a correção de cada juízo de valor somente em ralação a outro juízo de valor determinado e “superior”, apenas no quadro de uma concepção determinada de mundo e de valor. O método, porém, pertence à razão teórica e não à razão prática. Ele significa a renuncia à fundamentação científica das atitudes últimas, e não a renúncia à própria tomada de posição. (RADBRUCH, 2010, p. 20-22) Podemos afirmar que o jusnaturalismo defende duas teses, a saber: primeira, o Direito depende da moral (isto é, que “a existência do Direito depende da sua adequação 28 à moralidade”) e; segunda, a correção das decisões judiciais depende de que seu conteúdo satisfaça os critérios de correção moral. (MORESO, 2004, p. 45-62) Certamente, o jusnaturalismo histórico, e também o moderno, colocariam certos direitos acima da possibilidade de qualquer refutação, derivando-os diretamente da natureza do homem. Mas, a natureza do homem revelou-se muito frágil como fundamento absoluto de direitos irresistível, ou como fundamento absoluto do direito. (BOBBIO, 2004, p. 16) Não deixa de ser importante considerar que o fundamento absoluto do Direito natural torna-se utópico ou quimérico, pois as leis morais, mesmo consideradas obrigatórias, nem sempre são observadas (obedecidas) socialmente, do que deriva a necessidade de uma norma jurídica com sanção evidente, assim, como proposta pelo positivismo jurídico. 3 Pressuposto normativo do Direito. Do ponto de vista dogmático-normativo significa-se o Direito a partir de sua expressão positivista, destacando a importância da norma jurídica como parte de uma ordem coerente e orientada por meio de recursos lógico-formais. Segundo o fundamento dogmático-normativo o Direito seria uma ordem “invariável” de normas e instituto jurídicos que encontra sua legitimidade no poderes dos Estados. Para Ihering (2005, p. 57-58) trata-se de um tipo de positivismo que há de ser considerado um “inimigo mortal da Ciência do Direito”; pois a degrada em trabalho manual; e, depois, trava uma luta de vida ou morte com ela. Então, estimula o surgimento de uma multidão de autores, montanhas de citações. Diz-se, assim, de um positivismo que convida a fazer literatura de segunda mão com tesouras. Contudo, conforme a noção em estudo o Direito seria uma expressão dos interesses de classe, isto é, um instrumento de poder, uma faculdade de obrigar: direito posto. De acordo com essa concepção existiria um interesse em justificar o Direito pelo poder e pela ideologia vigorante numa sociedade. Define-se, assim, o Direito como um conjunto de regras que são consideradas obrigatórias em uma determinada sociedade, pois sua violação dará lugar à intervenção de uma sanção. Mas, quando identificamos o Direito com as normas postas pelo Estado, não damos uma definição geral do Direito, porém uma definição obtida de uma determinada situação histórica, aquela em que vivemos. (BOBBIO, 1995, p. 27, 29) 29 Trata-se de uma orientação que privilegia a ordem normativa, considerando o Direito como um conjunto de normas coercitivas ou coativas que regem as atividades de uma sociedade. Quanto a isso, julgamos conveniente destacar as teses propostas pelos defensores do positivismo, tais como: Thomas Hobbes (1588-1679), John Austin (17901859), Hans Kelsen (1890-1970) que, dentre outros filósofos e juristas, contribuíram profundamente para a compreensão do conceito do Direito nesta perspectiva. Vejamos. Para Thomas Hobbes (2000, p. 99) o Direito é ordenado por aqueles que detêm o poder soberano. Assim sendo, “o DIREITO é a liberdade de agir ou de se omitir, a lei obriga a agir ou a se omitir”. Pela palavra direito, o autor entenderia, a liberdade que todo homem possui para utilizar suas faculdades naturais em conformidade com a razão reta. Não há lei onde não há poder e onde não há lei não há justiça. Tal tese, independentemente dos fundamentos jusnaturalistas, faz colocar o autor numa posição positivista. John Austin, considerado o fundador do positivismo jurídico, também de orientação empirista e utilitarista, via na lei (isto é, na ordem emanada do soberano) a forma típica do Direito e o fundamento último de toda norma jurídica. Na postura de Austin se destaca a recusa de considerar como Direito propriamente o Direito natural, a concepção da efetividade do direito existente nas várias sociedades como o fundamento da sua validade, a determinação, em suma, do direito tal qual ele efetivamente é, como objeto da ciência jurídica. (BOBBIO, 1995, p. 103) Já para Hans Kelsen (1998, p. 4) o Direito é uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano que constitui o objeto do conhecimento jurídico (a Ciência do Direito). Com o termo “norma” o autor significa que algo deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada maneira. O conhecimento jurídico dirige-se a estas normas que possuem o caráter de normas jurídicas e conferem a determinados fatos o caráter de atos jurídicos (ou antijurídicos). Hans Kelsen consideraria o direito como uma classe particular de pensamento normativo, diferentemente do positivismo de Hart não enfatiza, mas tampouco nega as bases sociais do direito, e se afasta do Direito natural ao separar a normatividade jurídica da normatividade moral, mais do que oferecer uma análise de como a segunda incide na primeira.5 Diz-se, assim, de um conceito excludente do Direito que, a seguir, passaremos a examinar. 5 Veja-se igualmente: Algunas reflexiones sobre metodología en Teoría del Derecho. Disponível em: http://www.cervantesvirtual.com/obra/algunas-reflexiones-sobre-metodologa-en-teora-del-derecho-0/. 30 3.1 Positivismo excludente. A respeito deste assunto, “positivismo excludente”, vê-se um empenho em separar o Direito de outras importantes áreas do saber humano, excluindo assim da ordem normativa os fatores que, aparentemente, nada tem a ver com ela. A exclusão dos elementos sociológicos e moralistas do Direito constata-se com mais força, como vimos, na obra de Hans Kelsen. Lembrando aqui que, “por obra do positivismo jurídico, ocorre a redução de todo o direito a Direito positivo, e o Direito natural é excluído da categoria do Direito: o Direito positivo é Direito, e o Direito natural não é Direito”. (BOBBIO, 1995, p. 26.) Como ensina Norberto Bobbio (2008, p. 23-24), a Teoria Pura do Direito se posicionou: de um lado, contra o Direito Natural; de outro, conta a Sociologia. A polêmica contra o Direito Natural foi conduzida em nome da objetividade da ciência, a qual tem a tarefa de conhecer a realidade e não de avaliá-la, ao passo que o Direito natural é o campo de todas as ideologias que, de tempos em tempos, pretenderam avaliar o Direito positivo para afirmar a conformidade a certos ideais de justiça. Agindo contra a objetividade da Teoria Pura do Direito, o Direito natural exprime valores subjetivos ou até irracionais, os quais são irredutíveis a análises científicas. A polêmica contra a Sociologia, ao contrário, é levada em nome da distinção entre a esfera do ser, à qual pertencem os fenômenos sociais, e a esfera do dever ser, à qual pertence o Direito, o qual, como norma ou complexo de normas (ordenamento), é uma estrutura qualificadora da realidade social. 6 Assim, na sua Teoria Pura do Direito, Hans Kelsen (1998, p.1) formula a sua tese da separação do Direito (a ordem normativa) de outras áreas do saber humano, especialmente da Sociologia, da Psicologia, da Política e da Filosofia moral. Com esse objetivo afirma o citado autor: Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental. Acesso em 05 de dez. de 2011. 6 Conforme Norberto Bobbio, a Teoria Pura do Direito avança em duas pretensões fundamentais: a) ser ciência e não ideologia; b) ser a ciência própria do objeto específico a que se dirige, ao Direito e não a objetos diversos, embora afins, como são aqueles estudados pela Sociologia. Coloca-se, assim, o Direito em contraposição à pseudociência dos jusnaturalistas e, em geral, daqueles que subordinam o estudo do Direito às ideologias políticas. 31 A respeito do fundamento desse positivismo excludente o autor destaca que, de um modo inteiramente acrítico, a jurisprudência tem-se confundido com a psicologia e a sociologia, com a ética e a teoria política. Conforme explica Kelsen, esta confusão pode explicar-se pelo fato de estas ciências se referirem a objetos que indubitavelmente têm uma estreita conexão com o Direito. É, por esse motivo, que sua Teoria Pura procura delimitar o conhecimento do Direito em face destas disciplinas. O autor não ignora nem, muito menos, nega a conexão existente entre tais áreas, as exclui para tentar evitar um sincretismo metodológico que obscurece a essência da ciência jurídica e estabelecer os limites que lhe são impostos pela natureza do seu objeto. (KELSEN, 1998) 3.2 Positivismo inclusivo. A corrente contrária ao “positivismo excludente” é aquela que considera necessário e imprescindível a aproximação do Direito dessas outras áreas, especialmente da Sociologia e da Filosofia moral. É importante lembrar que, a influência do jusnaturalismo sobre o Direito Positivo se fez notar “não só no plano doutrinário como também no prático. Basta recordar sua influência na formação da Constituição americana e da Constituição da Revolução Francesa”. (BOBBIO, 1995, p. 42). Igualmente, devemos lembrar que, após a segunda grande guerra, os conceitos do Direito natural se revigoraram, passando a moral a conviver com as diversas ciências. Todavia, em matéria de Direitos Humanos, Direitos Fundamentais etc. tornaram-se presentes esses conceitos. Assim, quando se fala de um positivismo inclusivo, tem-se como fundamento a conexão do direito especialmente com a Sociologia (positivismo de influência realista) e com a Moral (positivismo de influência moralista). Vejamos. 3.2.1 O Direito sob a influência realista. Começamos falando de um positivismo de forte influência realista que também podemos denominar de positivismo centrado na eficácia social. Trata-se do seguinte: O Direito, mesmo sendo considerado um conjunto de norma, é mutável e sociologicamente provisório. Assim sendo, ele é uma mera manifestação de superestrutura, cujas fontes se encontram naquela realidade que lhe é subjacente e que o inspira e alimenta. (MIRANDA ROSA, 1977, p. 28) 32 O Direito, nesse entendimento, estaria estreitamente ligado aos fatores sociais e históricos que lhes dão vida e exigem dele uma constante atualização. Significa-se, desta forma, uma orientação positivista, conforme a qual a norma teria um sentido que se volta para sua aplicação (para a vida social) que lhe serve de conteúdo, adotando a forma de normas e regras de conduta, sempre expressivas de interesses sociais. Esta variação do positivismo remete os juristas à observação dos interesses sociais como razão da qual podemos esperar conhecimentos relevantes. Por esse caminho o Direito, ainda visto como conjunto de normas, guardaria uma estreita relação com a realidade social e econômica e com a continuidade histórica da evolução humana. Falamos, então, das conhecidas correntes do pensamento jurídico: a Escola Histórica do Direito, o Realismo Jurídico, a Jurisprudência dos Interesses e a Escola Marxista. Vejamos, brevemente, alguns dos fundamentos destas correntes. Conforme a sua continuidade histórica Gustav Hugo (1764-1844)7 (jurista alemão e membro da Escola Histórica 8) consideraria que o direito de um povo apenas pode ser compreendido por meio da sua própria vida nacional, pois ele próprio é expressão dessa vida. Assim, importa a defesa do princípio da continuidade histórica das instituições humanas, considerando-se um grave erro mudá-las em nome de raciocínios abstractos de carácter universal, de tal maneira que a própria Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão chega a ser qualificada como o digesto da anarquia. Gustav Hugo concebiria o Direito natural, não como um sistema normativo autosuficiente ou como um conjunto de regras distinto e separado do sistema de direito positivo, mas sim como um conjunto de considerações filosóficas sobre o proprio direito positivo. Entendendo o Direito natural como Filosofia do Direito positivo o importante autor resolve num conjunto de coneitos jurídicos gerais e alabora uma nova Teoria Geral do Direito. Com a sua obra o autor procura indicar a passagem da filosofia jusnaturalista para a juspositivista. Assim, por exemplo, o direito internacional seria uma espécie de Direito moral. Hugo ao se perguntar o que é exatamente Direito Positivo, responde que é o direito posto pelo Estado, mais não como sustentaria o positivismo jurídico no sentido restrito do termo, não como norma que reposa na 7 Disponível em: http://www.iscsp.utl.pt/~cepp/autores/alemaes/hugo.htm Acesso em: 25,06,2013. A Escola Histórica defendia o valor da sabedoria e a necessidade de preservar e continuar o valor da sabedoria e a necessidade de continuar a ordem tradicional. A contribuição da Escola Histórica foi a valorização do espírito do povo, o que conduzia à suposição de que nações ou grupos étnicos constituíam unidades naturais, portanto, existiriam as leis da evolução histórica. 8 33 vontade do legislador, mas proveninte dos constumes de um povo, do direito consuetudinário, doutrina científica ou jurispridencia. (BOBBIO, 1995, p. 46) Friedrich Carl von Savigny (1779-1861)9, também representante da Escola Histórica, preconizou a concepção de um direito fundado não na razão, mas na história e a tradição humana. Savigny sustentava a idéia de que todo momento histórico deve ser pensado como continuação do desenvolvimento do passado. Assim, a história seria a verdadeira referencia para conhecer a condição humana. A Escola Histórica voltou-se para o estudo do Direito Romano então em vigor nos estados germânico e em boa parte da Europa, em virtude de as instituições terem uma afinidade uma afinidade a serem assimiladas pelo espírito nacional germânico. Savigny consideraria um grande erro e risco a “infinita arrogância” do Direito natural e reafirmaria seu empenho em salvar o direito das vãs abstrações geradas pela obra “Institutiones juris naturae et gentium” de Christian Wolff e indicou que somente um estudo histórico do Direito positivo seria pré-requisito para o correto entendimento da ciência de todo o Direito. A concepção em estudo relaciona o direito com a evolução das sociedades, aproximando-se, assim, da concepção sociológica do direito que realça a importância dos estudos históricos das tradições jurídicas. Particulariza-se, desta forma, o caráter social do fenômeno jurídico, correlaciona-se a ciência jurídica (juris scientia) com a história do direito. A importante Escola Histórica optou por atribuir ao Direito um caráter históricosociológico e não racional. Segundo o conceito do Direito, nesta perspectiva: O direito não é uma ideia da razão, mas sim um produto da história. Nasce e se desenvolve na história, como todos os fenômenos sociais e, portanto, varia no tempo e no espaço. Há um sentimento do justo e do injusto, gravado no coração do homem e que se exprime diretamente através das formas jurídicas primitivas, populares, as quais se encontram nas origens da sociedade. (BOBBIO, 1995, p. 51) Foi, conforme explica Bobbio (1995, p. 45), precisamente no quadro geral da polêmica antirracionalista, conduzida na primeira metade do século XIX pelo historicismo que acontece a “dessacralização” do Direito natural. Segundo ensina o citado autor, o historicismo se originou com a escola histórica do Direito, que surgiu e se difundiu na Alemanha entre o fim do século XVIII e o começo do século XIX. Observa-se que a “escola histórica” e “positivismo jurídico” não são a mesma coisa; 9 Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Carl_von_Savigny. Acesso em: 25,06,2013. 34 contudo, a primeira preparou o segundo por meio de sua crítica radical do Direito natural. Norberto Bobbio (1995, p. 54) salienta que a escola histórica do direito foi a precursora de certas correntes jusfilosóficas, a saber, a escola sociológica de corte “realista” que se desenvolvera principalmente no mundo anglo-saxão e que, no século XIX e XX, assumiriam uma posição crítica frente ao juspositivismo. Alf Ross (2000, p. 9-11), representante do realismo jurídico 10, considerava o Direito como um conjunto de fatos sociais, reduzido a um único mundo, o da realidade empírica. Conforme a metodologia de Ross, na ciência jurídica deve-se sustentar que o Direito é um fato social cuja existência e descrição semente podem se equacionadas em termos puramente fáticos, sensíveis e empíricos, sem necessidade de se recorre a princípios apriorísticos, morais, racionais ou ideológicos. Alf Ross se empenhou em desposar o pensamento jurídico de qualquer forma de idealismo e de pressupostos não verificáveis. Assim, suas obras teriam um embasamento científico, assentado num realismo jurídico considerado uma corrente vinculada ao positivismo lógico. Grande parte da obra de Ross foi dedicada a criticar o jusnaturalismo usando os argumentos epistêmicos e metodológicos que teriam como ponto de partida a obra de um de seus mais admirados mestres e colegas: Hans Kelsen. A concepção realista do direito de Ross realça sua postura empirista. Mesmo ratificando o positivismo normativo de Kelsen, Ross defende um positivismo centrado na aplicação da norma. Neste sentido, para o citado autor, a ciência do direito jamais poderá ser separada da sociologia do direito, pois a ciência do direito é sempre uma abstração da realidade social. A sociologia do direito dirige sua atenção para o direito concreto em ação, para o comportamento jurídico e as idéias jurídicas que operam nesse comportamento, e não pode ser separada da ciência do direito. Mesmos que o jurista não esteja interessado no nexo que liga a doutrina à vida real, esse nexo existe. Reside no conceito de “direito vigente” e constitui parte essência de todas as proposições 10 Esta orientação do positivismo começou a se desenvolver no final do século XIX na Escandinávia e, sobretudo, nos EUA, onde se tornou uma opção importante, devido ao sistema jurídico adotado (common law), fundamentados no precedente da prática e não exclusivamente na legislação. Logo, sabe-se da existência de um Realismo americano, cujos principais representantes são Oliver Wendell Holmes (18411935), Roscoe Pound (1870-1964), Karl Llewellyn (1893-1962) que se desenvolveu paralelamente ao escandinavo, cujos principais representantes Axel Hägerström (1868-1939), Anders Vilhelm Lundestedt (1882-1955), Karl Hans Knut Olivecrona (1897-1980) e Alf Ross (1899-1979). Ambas as orientações têm em comum uma atitude empirista e antimetafísica. Vejamos as perspectivas de alguns de seus representantes. 35 doutrinária, pois esse conceito se refere à efetividade das normas enquanto constituintes de um fato social. (ROSS, 2000, p. 43) A maior preocupação do realismo jurídico é com a finalidade prática do direito. Procura-se, assim, por um direito pragmático, voltado para a ação. Nesse sentido a ciência do direito dever-se-ia caracterizar por ser uma ciência social prática, mais bem parecida com uma técnica de solução de conflito. Karl Hans Knut Olivecrona (2005, p. 7-18), também de orientação realista11, desenvolve uma abordagem teórica combatendo a metafísica jurídica na procura de novas dimensões epistemológicas, psicológicas e sociológicas para explicar a origem e a natureza da ciência e dos conceitos e institutos jurídicos. Olivecrona tem como proposta afastar a idéia de que o Direito constitui um objeto real independente, existente em si e por si, e estabelece as bases para uma concepção psicológica e sociológica das noções jurídicas básicas, sob a preponderância da linguagem. Assim, afirmaria o nosso autor: “O principal objeto do direito parece ser, na verdade, a determinação dos direitos e deveres dos indivíduos e sua aplicação prática”. Assim, como também afirmaria o realismo norte-americano “a ciência jurídica tem que se ocupa de fatos e não de entidades metafísicas”. Dessa maneira, seria possível obter-se uma base empírica para a ciência jurídica substituindo enunciados acerca de direitos e deveres em sentido tradicional por enunciados referentes à ação judicial. Por esse caminho, a redefinição dos conceitos jurídicos implica então uma troca de conceitos metafísicos sobrenaturais por outros conceitos de base empírica. O direito é, para Olivecrona “um sistema de regras acerca de direitos subjetivos e deveres”. (OLIVECRONA, 2005, p. 24, 26, 48) Karl Heinrich Marx (1818-1883), fundador do marxismo 12, apresenta o Direito como dependente das relações socioeconômicas (relações de produção, distribuição, intercambio e consumo). Assim, o Direito (e as leis) depende do nível de desenvolvimento econômico da sociedade e faz parte da superestrutura demarcada pelo desenvolvimento das Forças Produtivas e das Relações de Produção tornando diferente 11 Sob inspiração das idéias críticas da escola de Uppsala e seguindo os passos de Axel Hägerström e de Andrea Wilhelm Lundestedt, ambos expressivos autores do realismo jurídico escandinavo. 12 Intelectual (economista, filósofo, historiador, teórico político e jornalista) e revolucionário alemão, precursor a dialética materialista e o materialismo histórico. Situam-se, dentre seus maiores representantes e defensores, além de Marx, Engels (1820-1895) e Vladimir Ilitch Lenin (1870 - 1924). A doutrina marxista, com o intuito de ser levada à prática, foi revista e adaptada por diversos partidários e líderes comunistas. A infelicidade de tal adaptação gerou a deformação da orientação socioeconômica, política e jurídica originalmente proposta pelo seu autor (criador). 36 e específico em cada Formação Econômica e Social: Escravista (Escravatura), Feudal, Capitalista, e Comunista. A escola marxista, também de caráter empírico-sociológico e fundamentalmente socioeconômico desenvolveu uma leitura do Direito procurando determinar a relação existente entre a realidade socioeconômica e a norma jurídica, especialmente, entre o fato econômico e o Direito. Considera-se, assim, o Direito como consequência do conjunto de orientações adotadas pela sociedade: o direito como a vontade da classe dominante erigida em lei ou como a expressão da vontade de um povo do espírito de um povo e, portanto, é um produto histórico que depende do modo de vida de cada nacionalidade e, em grande medida, das tradições populares. Surge ai a tentativa de se considerar o Direito como resultado de uma ideologia jurídica como uma forma de expressão da idéias de grupos e classes, acerca do lícito e o ilícito, do legal e do ilegal, do justo e do injusto e sobre as formas de regulamentação das relações sociais. Tal ideologia se expressa por grupos de especialistas em trabalhos sobre teoria do direito. O direito seria, então, a vontade de uma classe dominante erigida em lei “vontade essa cujo conteúdo está dado nas condições materiais de sua própria vida histórico-social”.13 Também de corte sociológico cita-se a “jurisprudência dos interesses”. Trata-se de uma “corrente jurídica que surge na Alemanha, na segunda metade do século XIX, e segundo a qual o juiz deve resolver as controvérsias tendo em conta os interesses efetivamente em jogo” (BOBBIO, 1995, p. 98). Assim, o verdadeiro Direito radica na atividade jurídica desenvolvida pelo juiz no processo de resolução de conflitos de interesses. Com base nessa orientação realista, procuram-se as condições de aplicação do direto na realidade social. Neste sentido, coloca-se em destaque o papel do juiz na interpretação e na criação do direito. O juiz é orientador e pensador-adjunto do legislador, pois oferece uma solução conforme o espírito e a finalidade da lei. Os tribunais decidem, de forma não subjetiva, mas com certa flexibilidade (discricionariedade), pois a lei não prevê soluções claras para todos os casos. O juiz deve obediência à lei (“obediência inteligente”), levando em consideração a situação social no momento da decisão. Representante mais conhecido é Philipp Heck (1858 – 1943). 13 Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/112467767/Marx-o-Direito-Enquanto-Vontade-Da-ClasseDominante-Erigida-Em-Lei-Parte-i. Acesso em: 25,06,2013. 37 3.2.2 O Direito sob a influência moralista. Diz-se do positivismo inspirado em conceitos morais, isto é, que procura aproximar o Direito da Moral. Sob a influência do jusnaturalismo, o Direito considerado um instrumento de realização da justiça, estabelece uma ordem para a convivência humana, ordem que, numa determinada comunidade jurídica, se sabe vinculante a cada momento. (LARENZ, 1989, p. 1) Julgamos conveniente destacar a orientação conceitual proposta dos pensadores que adotam esta postura, quais sejam, entre outros: Dworking (1931...), Alexy (1945...) e Harbermas (1929...) doutrinadores que contribuíram e, ainda contribuem, profundamente para a compreensão do conceito do Direito nesta perspectiva. Ronald Myles Dworkin nasceu em Worcester, Massachusetts (EEUU) en 1931, é considerado um dos maiores filósofo do Direito que desenvolve suas ideias no âmbito da política e da filosofia. Sabe-se que, finais dos anos sessenta, Ronald Dworkin, sucedeu a Hart na Universidade de Oxford, sendo atualmente catedrático na Universidade de New York, onde é considerado um dos principais representantes da filosofia jurídica anglosaxona que criticou a postura positivista do século XX. A crítica do citado pensador radicaria no critério de que a regra de reconhecimento deixaria fora da interpretação jurídica os princípios e os valores, que são elementos importantes do Direito. Neste sentido, os casos difíceis não seriam resolvidos de maneira consistente usando o esquema de reconhecimento de Hart. Dworkin ensina que a interpretação do direito que parte do caso concreto, há de considerar: as provas, a Filosofia do Direito, a moral, o fato de se as normas estão bem delineadas e qual é o direito que deve ser aplica em cada caso seriam os elementos a serem considerados pelos aplicadores do direito. Logo, Dworkin se preocupa, justamente, com a forma em que podemos justificar cada decisão judicial. (GONZÁLEZ, 2000, p. 57-66) Destaca-se como fundamental a sua Teoria do Direito como Integridade, uma das principais visões contemporâneas sobre a natureza do direito. Na sua obra “Levando os direitos a sério” Dworkin (2007, p. 27-28) define e defende uma teoria liberal do direito, chamada de teoria dominante do direito que, dividida em duas partes, discute o que é o Direito (condições necessárias e suficientes para a verdade de uma proposição jurídica). Diz-se da teoria do positivismo jurídico, que sustenta que a verdade das proposições jurídica consiste em fatos a respeito das regras que foram adotadas por instituições sociais específicas e em nada mais do que isso. Já, na segunda parte discute 38 o direito como deve ser e sobre o modo como as instituições jurídicas que nãos são familiares deveriam comportar-se. Essa é a teoria do utilitarismo, que sustenta que o direito e suas instituições deveriam estar a serviço do bem-estar geral e tão-somente isso. Dworkin sustenta a tese de uma integridade hermenêutica para combater o decisionismo e a discricionariedade. Todavia, o nosso autor lança um ataque geral contra o positivismo usando a versão de H. L. A. Hart. Assim, se preocupa com a superação da discricionariedade e para isso destaca a importância dos princípios vigorantes em todo ordenamento. Neste sentido, afirma: Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão do peso ou importância. [...] As regras não têm essa dimensão. As regras são funcionalmente importantes [...]. Se duas regras entram em conflito, uma delas não pode ser válida. A decisão de saber qual delas é válida e qual deve ser abandonada ou reformulada, deve ser tomada recorrendo-se a considerações que estão além da própria regra. [...] Um sistema jurídico também pode preferir a regra que é sustentada polos princípios mais importantes. (DWORKIN, 2007, p. 42) Dworkin (2007, p. 46) identifica os princípios jurídicos como sendo tipos particulares de padrões, diferentes das regras jurídicas. Os princípios estão por toda a parte, à nossa volta. Os professores de direito os ensinam, os livros e direito os citam e os historiadores do direito os celebra. A interpretação jurídica seria assim concebida: como uma prática social caracterizada em três etapas: a) a pré-interpretativa, momento em que se examinam o objeto da interpretação. Diz-se de uma fase descritiva onde acontece um evento similar à pré-concepção, ou pré-conhecimento, na concepção hermenêutica; b) a interpretativa, quando o interprete abraça uma teoria (ou modelo teórico), que lhe garanta a melhor maneira de abordar o objeto da interpretação. Destaca-se aqui como fundamental a noção de coerência e integridade; c) a pós-interpretativa ou reformadora que consiste na identificação do valor e nos, casos difíceis, implica na modificação da prática. Em suma a decisão jurídica ha de levar em conta uma visão particular de moralidade política, o que faz com que não seja possível separar esses dois aspectos: a moral política e o direito no processo decisório. A solução do caso difícil passa por um processo de raciocínio por meio do qual se deve considerar o conjunto complexo de princípios e diretrizes políticas que justifiquem o esquema de governo vigorante. Ao determinar os direitos das partes, “O Juiz Hércules” leva em conta, a parir de um conceito de integridade, os valores da moral política que lhes ajudam a identificar os direitos, e não 39 ao contrário, não se volta para esses valores quando já há fixado os direitos. (GONZÁLEZ, 2000, p. 57-66) Conforme Dworkin (2007, p. 46 - 78) há casos difíceis quando o sistema de princípios e normas permite mais de uma solução. Eles, os princípios, parecem atuar de maneira mais vigorosa nas questões judiciais difíceis. Eis o que chamamos de dilemas jurídicos. Para uma solução correta do dilema será fundamental a distinção entre princípios e regras. Vê-se aí uma das formas de negar o decisionismos ou discricionariedades na órbita jurisdicional no Estado Democrático de Direito. Sustentaria, assim, que os princípios, estão por detrás de todas as regras, e se dizem vigentes mesmo que não haja um nexo direto entre os fatos e a suposta conclusão jurídica àquele caso concreto. Dworkin se preocupa com a legitimidade do Poder Judiciário na realização e afirma que o direito não simplesmente enuncia o que os cidadãos devem ou não devem fazer. Além disso, o direito não aconselha os juízes sobre as decisões que devem tomar; determina que eles têm um dever de reconhecer e fazer vigorar certos padrões. Robert Alexy (2005) ao construir sua definição de direito utiliza recursos das escolas positivista e jusnaturalista. Assim, Alexy se empenha em evitar toda atitude discricionária possível no processo de interpretação jurídica. Para tanto, recorre aos princípios do direito. Adota, assim, o principialismo jurídico, um esquema interpretativo que vigorou no período do pós-guerra14, evitando-se, desta forma, o uso restrito da lei como único recurso para a aplicação do Direito. Neste sentido, afirma Lenio Streck (2007, p. 176), os princípios, ora considerados como premissas fundamentais para a construção do direito “passariam a compor o novo perfil da sociedade contemporânea, enquanto resposta às insuficiências jurídico-políticas decorrentes das fases anteriores do Estado e do Direito”. Neste contexto, a teoria de Alexy introduz a ponderação como o método aplicável, isto é, como um recurso importante que procura limitar os problemas que derivam do positivismo e da discricionariedade em face dos chamados casos difíceis. Para Alexy os princípios devem ser hierarquizados axiologicamente. É justamente por isso que o método da ponderação trabalha com uma atitude de sopesamento (escolha) do princípio a ser aplicado ao caso concreto. 14 Diz-se de uma época onde os textos constitucionais passaram a serem pensados e construídos com base em princípios e não mais com base em regras. 40 Diz-se de uma escolha que corresponde ao intérprete e conforme ao caso concreto. Consequentemente, se são os princípios hierarquizados axiologicamente, é justamente a atividade subjetiva do intérprete que irá definir qual princípio deve e qual não deve ser aplicado, atitude esta incontrolável a partir de uma racionalidade e incompatível com o próprio Estado Democrático de Direito. Nesse particular, a teoria da argumentação jurídica de Alexy articula os princípios como mandados de otimização, ou seja, como “regras” destinadas à estruturação de outras regras que, além de atuarem em verdadeira abertura interpretativa, utilizam-se do princípio da proporcionalidade como o método fulcral de solução aos famigerados casos difíceis. Seguidores de Alexy, por exemplo, Humberto Ávila, afirmariam que a proporcionalidade, que deixaria de ser um princípio e passaria a ser uma metanorma, tem aplicabilidade “nos casos em que exista uma relação de causalidade entre um meio e um fim concretamente perceptível” (ÁVILA, 2009, p. 112123), onde a “exigência de realização de vários fins, todos constitucionalmente legitimados, implica a adoção de medidas adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito”. (Idem, ibidem) Jürgen HABERMAS (1998, p. 271,278, 279) assinala que, em contraposição às escolas realistas, alguns teóricos, como Hans Kelsen e H. L. A. Hart, preferem destacar o sentido normativo específico das proposições jurídicas e a estrutura sistemática de um sistema de regras, como é o direito, que têm por fim possibilitar a consistência das decisões que observam tais regras e convertem o direito em algo bem diferente da política. Em contraposição aos hermeneutas, acentuam a completude de um sistema jurídico fechado que seria impermeável a princípios extrajurídicos. De acordo com Habermas, o positivismo chega a uma falsa tese de autonomia, pois entende o direito como um sistema fechado de regras predeterminadas e pensadas para uma aplicação específica, as quais, em caso de colisão, precisam da decisão do juiz. É, para o autor, uma concepção unidimensional do direito como um sistema de regras isentas de princípios. Evidentemente, como também afirma Jürgen Habermas (1998, p. 68, 134), o confronto entre as teses normativas, que sempre correm o risco de perder o contato com a realidade social e as objetivas que eliminam todos os aspectos normativos, pode servir de advertência para não privilegiar nenhuma orientação ligada a uma determinada disciplina, mas para estarmos abertos a distintos pontos de vistas metodológicos, a diversos objetivos teoréticos, às diversas perspectivas que abrem os distintos papéis sociais (juiz, político, 41 legislador, cliente das burocracias estatais e cidadãos) e às distintas atitudes no que se refere à pragmática da pesquisa (hermenêutica, crítica, analítica etc.). Daí que, metodologicamente, as ordens legais podem ser analisadas tanto “desde cima” quanto “desde baixo”; sendo certo que uma sociologia que proceda em termos reconstrutivos tem de fazer justiça a ambas as perspectivas. Desta forma, o discurso sociológico acerca do direito se pode conectar também com o discurso filosófico acerca da justiça e transcender também aos limites deste. No entanto, para Habermas uma norma só pode “apreender” uma situação complexa do mundo da vida em termos seletivos, isto é, na perspectiva da relevância que a própria norma se encarrega de fixar previamente. O estado de coisas constituído pela norma nunca esgota o vago conteúdo semântico de uma norma geral. É uma descrição evidentemente circular que assinala um problema metodológico que toda teoria do direito tem que esclarecer. Independentemente da relação circular existente entre as normas jurídicas e o estado de coisas, a valorações jurídicas parecem ser decisivas como variante de interpretação e referência aos fatos. De acordo com o autor, as normas e valores se distinguem, pois, primeiro, pela referência que, respectivamente, fazem à ação “deontológica”, ou seja, à ação sujeita a obrigações, e à ação teleológica; segundo, pela codificação, binária e gradual de sua pretensão de validade; terceiro, pelo tipo de caráter vinculante, absoluto no caso das normas, e relativo no caso dos valores; e, quarto, pelos critérios que satisfazem aos sistemas de normas, por um lado, e aos sistemas de valores, por outro. Isto porque as normas e os valores se distinguem nas suas propriedades lógicas e de aplicação. Assim, os princípios ou normas de ordem superior, por meio dos quais podem-se justificar outras normas, têm um sentido deontológico. Já os valores têm um sentido teleológico. 4 Para uma moderna definição do Direito. Até aqui examinamos que o conceito do Direito pode admitir orientações diversas: ele pode ser significado a partir da concepção sociológica e fenomenológica do fenômeno jurídico, pode ser designado como um conjunto sistemático de normas de conduta, guardando esta concepção intensa relação como o positivismo e com a dogmática jurídica. E, finalmente, o conceito pode ser concebido a partir da noção de justiça, guardando, assim o conceito intensa relação como a concepção ético-valorativa do Direito. 42 É interessante notar que, mesmo perante essa diversidade conceitual, no Brasil e, na maioria dos países latino-americanos domina a concepção positivista do Direito. Em verdade, o jurista moderno adota critérios formalistas para apreciar a norma perante um caso particular. Vê-se, assim, que o teórico do Direito procura obter o grau mais alto de coerência interna com um mínimo de mudança no seu sistema conceitual, de modo a contribuir para a manutenção da máxima “segurança jurídica”, ou seja, da possibilidade de prever a aplicação de normas e princípios jurídicos aos casos particulares. Dessa maneira, observa-se uma inspiração principiológica que coloca os princípios jurídicos como núcleo do Direito que define a interpretação e a aplicação normativa. (MIRANDA ROSA, 1977, p. 42) Convém, entretanto observar que, modernamente, se impõe a necessidade de uma concepção científico-crítica do conceito do Direito, que permita investigar e adaptar os velhos conceitos jurídicos às novas realidades e necessidades normativas. É, a partir nessa orientação, que a seguir propomos um novo conceito para o Direito moderno. Pois bem, a definição do Direito, em consonância com os novos condicionamentos sociais, há de ser concebida objetivando a concepção de justiça social. Desta forma, uma boa definição de Direito seria aquela que orienta, não só a tutela, mas também a concretização dos direitos num contexto concreto. Assim, evitando os reducionismos propomos considerar o Direito como uma área do saber humano que, com finalidades próprias, é constitutiva de proposições “descritivas”, “valorativas” e “prescritivas” que guardam referência com uma “realidade concreta” que estuda por meio de métodos e procedimentos específicos. Isto nos autoriza a afirmar que a cientificidade do Direito radica nesse conjunto de conhecimentos que derivamos de uma realidade específica: a realidade jurídica. O Direito resulta de um profundo e permanente “exercício reflexivo” que consiste em questionar o que está normatizado e oficialmente consagrado no plano do conhecimento, do discurso e do comportamento. Um pensamento pautado por um referencial epistemológico que atende às contradições estruturais da modernidade presente. (WOLKMER, 2009) Diz-se de um pensamento insurgente, crítico e interdisciplinar, que no âmbito do Direito, procura substituir os paradigmas racionais de fundamentação jurídica (jusnaturalismo e positivismo) e contribuir para a tomada de consciência, a discussão 43 teórica e prática e a modificação de postura na busca de uma visão jurídica mais pluralista, democrática e antidogmática. (FERRAZ, 1980, p. 26) Em suma, o conceito proposto atribui ao Direito (em defesa do seu uso alternativo) um sentido funcionalista e humanista. Trata-se de uma orientação proposicional: o direito visto não pela lei (ou, se se preferir, pela “proposição prescritiva”), mas também como um conjunto de proposições descritivas e valorativas que orientam a investigação e a resolução de problemas concretos e a transformação social. Conclusão Como resultado do presente estudo conclui-se que, o Direito não deve ser reduzido a fatos, a normas ou a vontades políticas. O Direito não se funda em incertezas ou relativismo, não depende do interesse de um grupo humano ou a valores-político. O Direito assim deve ser considerado: uma área do saber humano cuja base epistemológica seja concedida independentemente das fronteiras dos poderes dos Estados. O sentido do Direito deve ser entendido a partir do seu funcionalismo, dando a idéia de que, como área do saber humano, há de se considerar sua essência transformadora da realidade, e não unicamente o seu sentido tecnológico ou prático. Consequentemente, há de se considerar a idéia de que o mundo é mutável, assim como toda relação e condicionamento humano. Neste sentido, o conceito do Direito moderno há de considerar o mundo em permanente mudança, daí a necessidade de novos convencionalismos conceituais. A função do Direito seria a de fornecer, não só os métodos para a resolução de conflitos jurídicos, mas também a humanização social e a edificação da consciência jurídica. De acordo com esta acepção pensa-se o direito como uma forma específica de orientação e edificação sociocultural. Ele, o Direito, sendo uma forma de consciência social (consciência jurídica), há de fornecer os indicadores por meio dos quais se concretize a “convivência social”. Conforme este critério considera-se o Direito como resultado da expressão das teorias e das práticas, pois sendo parte da superestrutura social, reflete um sistema de valores e de relações sociais que ele procura dialeticamente correlacionar. 44 Esta proposta “pós-analítica” e “pós-positivista”, apesar de não representar uma escola unitária, considera-se uma orientação “humanista” que supera o marco do conhecimento válido e que objetiva apresentar o Direito a serviço da construção social ativa. Em suma, a definição proposta objetiva a teorização do Direito a partir da sua perspectiva ou finalidade: uma concepção epistemológica por meio da qual se considere o Direito como um instrumento para o desenvolvimento (social, economico, cultural) visando uma organização social mais justa, democrática e solidária. (SERRANO, 2007) Referencias. ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy Editora, 2005. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2009. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. De Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. ________. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Trad. E notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. ________. Direito e poder. Trad. Nilson Moulin. 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