Economia do Indivíduo: O Legado da Escola Austríaca Capítulo IV - FRIEDRICH VON HAYEK - 11 O PROBLEMA ECONÔMICO 11 O PROBLEMA ECONÔMICO "Segundo Marx, para acabar com os males do mundo, bastava distribuir. Foi fatal; os socialistas nunca mais entenderam a escassez." - Roberto Campos Qual a essência do problema econômico? Por que devemos entender Economia? O prêmio Nobel F. Hayek explicou, em seu livro Individualism and Economic Order, publicado em 1948, que o problema econômico surge quando propósitos diferentes competem pelos recursos disponíveis. Os custos devem ser levados em consideração, e custos significam nada além das vantagens que seriam derivadas do uso de determinados recursos em outras direções ou seja, o "custo de oportunidade". É bastante evidente, mas também incrível como tantos ignoram tal lição básica sobre Economia, economistas inclusive. O precursor da Escola Austríaca, Carl Menger, explicou em Princípios de Economia Política que "os bens cuja oferta é maior que a demanda não constituem objeto da economia humana, e por isso os denominamos bens não econômicos". Quando se trata desses tipos de bens, os homens praticam o "comunismo". E detalha a tese. "Nas aldeias banhadas por rios que fornecem mais água do que a necessária para o atendimento das necessidades dos moradores, cada indivíduo vai ao rio e tira tanta água quanto quiser; nas selvas, cada um apanha sem cerimônia tanta lenha quanto precisar; da mesma forma, cada um deixa entrar em sua casa tanto ar e tanta luz quanto quiser." Em outras palavras, o problema econômico está ausente quando há total abundância de determinado recurso. Ele surge apenas quando temos escassez de recursos, i.e., recursos finitos. E sempre que esse for o caso, válido para a imensa maioria de recursos naturais disponíveis, o cálculo econômico é necessário. Hayek argumenta então que o cálculo econômico para o uso racional dos recursos disponíveis não é viável em uma economia com planejamento central, ou seja, socialista. As informações e o conhecimento existentes na sociedade estão dispersos entre os milhões de indivíduos. Como o conhecimento será usado é a questão fundamental para a eficiência do sistema econômico. O conhecimento de circunstâncias particulares de tempo e lugar jamais poderia existir num ente agregado qualquer. O arbitrador que ganha com tais assimetrias de conhecimento - por meio dos diferentes preços praticados exerce uma função essencial para o funcionamento econômico. A ideia de que a assimetria de informações impede a livre concorrência é totalmente falsa, já que nem mesmo faria sentido falar em concorrência real caso houvesse perfeita simetria de conhecimento. Os problemas econômicos, afinal, surgem sempre como consequência de mudanças. Se todos soubessem de tudo, nenhum plano individual seria necessário para corrigir decisões erradas anteriores. O fluxo contínuo de bens e serviços é mantido por ajustes constantes feitos diariamente de acordo com circunstâncias desconhecidas no dia anterior. Um planejamento central com base em estatísticas jamais poderia substituir ajustes realizados com base no conhecimento disperso e assimétrico dos indivíduos. A descentralização é crucial para garantir o uso adequado do conhecimento. A questão da comunicação do conhecimento disperso é resolvida por meio de preços livres que informam cada agente sobre a oferta e demanda dos diferentes recursos disponíveis. O empresário não tem necessidade de conhecer tudo sobre vários setores para entender que o preço de um insumo importante para seu negócio está subindo - é o alerta que há mais demanda para tal bem específico. Ele, então, fará ajustes baseados em tal informação, o que já é resultado da interação dos milhões de agentes do mercado. Eis como o mecanismo de preços soluciona o problema da informação pulverizada na sociedade. O fato de tal solução não ser uma construção deliberada da mente humana - e sim uma evolução natural sem design humano - incomoda quem trata economia como uma ciência natural. Mas essas pessoas ignoram que a beleza do mecanismo está justamente na não dependência de uma mente brilhante que controle todas as decisões. A divisão de trabalho fundamental para o progresso de nossa civilização é possível justamente por conta do método de preços livres. Os avanços nas ciências naturais levaram muitos economistas a posturas arrogantes acerca do problema econômico. Como é possível obter certas leis físicas pela observação empírica de fenômenos naturais, concluiu-se que era possível fazer o mesmo nas ciências sociais complexas, como a Economia. Os positivistas passaram a acreditar que era possível impor as decisões de alocação dos recursos disponíveis, mas ignoraram justamente o mecanismo que torna viável e eficiente tal alocação. Aquilo que torna possível uma alocação eficiente dos recursos é a competição, um processo dinâmico na busca pela satisfação dos desejos e demandas dos consumidores. Estes desejos não podem ser tratados como dados disponíveis e estáticos porque dependem do valor subjetivo de cada indivíduo e estão sempre em mutação. A função da competição é justamente nos ensinar quem pode nos servir melhor - e tal resposta nunca é fixa. O problema econômico é como fazer o melhor uso dos recursos disponíveis, logo não faz sentido teorizar a utopia do "mercado perfeito". O problema é justamente fazer o melhor uso por meio das pessoas existentes, todas com seus conhecimentos limitados e específicos. Somente uma competição dinâmica com preços livres permite os ajustes necessários para uma tendência rumo ao equilíbrio. O grande erro dos economistas clássicos foi partir de um equilíbrio hipotético, como se os dados fossem conhecidos e tudo não passasse de um problema de cálculo racional ex post facto, com os custos dados. E foi justamente esse lado falho dos clássicos que Marx utilizou em suas teorias. Os argumentos de Hayek mostram a impossibilidade do cálculo racional sob o sistema socialista de planejamento central. Não é interesse particular atacar os fins pregados pelo socialismo, mas apenas mostrar que os meios defendidos não atendem de forma alguma a tais fins. Como Mises já havia demonstrado antes mesmo de Hayek, o uso econômico dos recursos disponíveis é possível somente se o mecanismo de preços for respeitado não apenas para os bens finais, mas também a todos os intermediários. Os fatores de produção vão competir para diferentes fins, e somente os preços livres podem informar qual o melhor uso de tais fatores conforme as demandas mais urgentes dos consumidores. Se o preço do milho começa a disparar no livre mercado, os produtores sabem que este insumo está sendo demandado com mais urgência em indústrias competitivas, tal como a produção de etanol, por exemplo. Somente assim os produtores podem saber que é preciso aumentar sua produção e oferecer mais alimentos. Caso contrário, eventuais medidas intervencionistas do governo impedem a livre formação de preço, e essa preciosa informação não chegará aos produtores: o resultado será a escassez de milho no mercado. E há milhares de exemplos que podemos citar para mostrar como o mecanismo de preços em toda a cadeia produtiva é crucial para o funcionamento eficiente da economia. Quando uma autoridade central determina o uso dos recursos sem levar em conta os preços de mercado, não fica evidente o custo de alocação ineficiente justamente porque se trata de um custo de oportunidade. Ou seja, como esse recurso poderia estar sendo mais bem utilizado em outro lugar. Bastiat chamou a atenção para a miopia sobre aquilo que não se vê de imediato, e é ela a grande aliada dos governos que geram alocações ineficientes nem sempre visíveis no curto prazo. Como o nexo causal de longo prazo exige profundo entendimento de Economia, os leigos acabam vítimas dessa miopia e inocentam o governo de seus constantes desperdícios de recursos escassos. Quanto custa para o pagador de imposto americano, por exemplo, ter um robô pousando em Marte? Erra quem afirma que basta verificar o orçamento da missão - esse é apenas o somatório dos preços de mercado naquele momento para os insumos utilizados. O que não é levado em conta é o custo de oportunidade, ou seja, onde tais recursos poderiam ter sido empregados pela iniciativa privada. Como as decisões do governo não costumam considerar tais alternativas - mesmo porque a Nasa não objetiva o lucro -, fica impossível saber ao certo o seu custo verdadeiro. As escolhas de alocação de recursos pelo governo, com critérios arbitrários que independem dos preços de mercado, e as escolhas dos consumidores não são fins compatíveis. No socialismo com planejamento central, os consumidores teriam que aceitar qualquer decisão proveniente dos governantes, como de fato ocorreu na União Soviética. Faltavam os produtos mais desejados nas prateleiras enquanto o governo lançou o satélite Sputnik para impressionar os americanos. E certamente tal escolha não era do interesse dos consumidores russos! Em Cuba, há hoje os mesmos problemas. As demandas reais dos consumidores ficam totalmente dissociadas das decisões tomadas pelos planejadores centrais, até porque estes não têm como saber quais são as reais demandas devido à eliminação do mecanismo de informação. Ou seja, mesmo se assumirmos que os planejadores serão pessoas inteligentes e bem intencionadas, ainda assim o mecanismo de planejamento central seria catastrófico. E adotada a premissa realista de que o poder corrompe e que governantes são egoístas e limitados intelectualmente, o resultado é ainda pior. A frase de Roberto Campos na epígrafe vai ao cerne da questão: os socialistas simplesmente ignoram o conceito de escassez, ideia absolutamente indispensável para debater Economia. Ao afirmar que os marxistas partem de uma crença num estado natural de abundância, Campos conclui que nada mais simples para eles, portanto, do que pregar a economia de Robin Hood: tirar dos ricos para dar aos pobres. E, de fato, vemos isso o tempo todo. Os socialistas sempre se esquecem dos recursos escassos e daquilo que permite sua eficiente alocação, preferindo demandar mais gastos públicos o tempo todo. Todos os males serão resolvidos com mais gastos do governo. É preciso melhor saúde, logo, mais governo. É preciso melhor educação, logo, mais governo. É preciso preservar a Amazônia, logo, mais governo. É preciso dar crédito aos pequenos empresários, logo, mais governo. É preciso garantir esmolas para os pobres, logo, mais governo. É preciso uma aposentadoria "digna" para todos, logo, mais governo. E por aí vai, numa lista realmente infindável de demandas assumidas que os recursos brotem em árvores. Poucos, contudo, refletem sobre o problema econômico diante de si. Ao contrário, quem ousa levantar essa questão é logo chamado de insensível. Quem aborda a importância dos lucros e preços livres é visto como lacaio dos interesses do capital. Uma falsa dicotomia se faz presente, como se o lucro fosse inimigo dessas demandas. É o contrário: sem a busca por lucros numa economia com livre concorrência, tais demandas nunca serão atendidas adequadamente. E para compreender este fato da realidade, é preciso ter algum conhecimento sobre Economia. Em resumo, é preciso abandonar o romantismo e compreender a essência do problema econômico para reconhecer qual o melhor mecanismo de uso dos recursos escassos. Capítulo IV - FRIEDRICH VON HAYEK - 10 A DESIGUALDADE SOCIAL capítulo anterior [índ ice] Capítulo IV - FRIEDRICH VON HAYEK - 12 O ABUSO DA RAZÃO próximo capítulo Rodrigo Constantino é formado em Economia pela PUC-RJ e tem MBA de Finanças pelo IBMEC. Trabalha desde 1997 no mercado financeiro, primeiro como analista de empresas, depois como gestor de recursos. É autor de cinco livros: "Prisioneiros da Liberdade", "Estrela Cadente: As Contradições e Trapalhadas do PT", "Egoísmo Racional: O Individualismo de Ayn Rand", "Uma Luz na Escuridão" e "Economia do Indivíduo - o legado da Escola Austríaca".