anorama P Porto Alegre, quinta-feira, 29 de novembro de 2012 - Nº 104 GIORGIO MORANDI Lorenza Selleri e Carlo Zucchini visitam ateliê do artista italiano cuja mostra ocupa a Fundação Iberê Camargo MARCO QUINTANA/JC SERGIO BUONO/DIVULGAÇÃO/JC NA LUZ Michele Rolim j Morandi no Brasil riam um resumo da sua carreira, visitando seus colecionadores mais assíduos e negociando os empréstimos diretamente com eles. Três obras-primas que Morandi havia selecionado para a Bienal - e cujo empréstimo havia sido negado naquele momento -, agora estão confirmadas: Natura morta (1931), Natura morta (1955) e Paesaggio con strada bianca (1941). Ele também participou da primeira Bienal de São Paulo, em 1951, com 19 obras; depois, com 25 trabalhos, na segunda Bienal, em 1953. Isso contribuiu para que sua obra exercesse forte sedução sobre o meio artístico brasileiro e influenciou artistas como os gaúchos Iberê Camargo e Carlos Scliar. No total, a mostra que abre hoje na Capital tem cerca de 40 pinturas e 15 gravuras, além de um documentário, La polvere di Morandi, projetado em uma sala da exposição. O filme é dirigido por Mario Chemello e produzido pela Imago Orbis em colaboração com o Museu Morandi e a Emilia Romagna Film Commission. O projeto narra a história do pintor a partir de relatos de pessoas que o conheceram e de lugares onde ele viveu: seu estúdio na via Fondazza, em Visitação de 30 de novembro de 2012 a 24 de fevereiro de 2013, de terça a domingo, das 12h às 19h, e quinta, das 12h às 21h. Na Fundação Iberê Camargo (Padre Cacique, 2000). Entrada franca. Neste ano, a arte italiana recebeu destaque na Fundação Iberê Camargo. Depois de Giorgio De Chirico, agora é a vez de Giorgio Morandi ocupar os espaços do belo prédio branco às margens do Guaíba. Considerado um dos nomes mais importantes da pintura do século XX e o artista italiano que melhor explorou o tema das naturezas-mortas, Morandi nasceu em Bolonha, na última década do século XIX, e morreu na mesma cidade, em 1964. O artista circulou muito pouco. Em uma destas viagens, visitou a Bienal de Veneza de 1920 e viu trabalhos de Paul Cézanne, sua maior influência. A exposição Giorgio Morandi no Brasil, com curadoria de Alessia Mais e Lorenza Selleri, traz como ideia principal a tentativa de reconstruir a Sala Especial da IV Bienal de Arte de São Paulo, realizada em 1957 - na qual o trabalho de Morandi foi reconhecido e consagrado com o Grande Prêmio de Pintura. Na época, ciente da visibilidade internacional que a mostra daria à sua obra, o artista fez questão de escolher pessoalmente as trinta telas que compo- Bologna, a casa em Grizzana, nos Apeninos e, finalmente, a sua morada atual, os museus que abrigam sua obra. Segundo Lorenza, curadora da mostra, o que o público irá encontrar é um Morandi que sempre pesquisou as formas, e não os objetos. “É errado pensar que ele era o pintor das garrafas, muitos banalizam a sua obra com este pensamento. Ele é o pintor das formas, dos volumes”, explica, acrescentando que o italiano escolhia com cuidado os modelos - vasos, garrafas e tigelas - para as suas composições. Morandi sempre trabalhou no isolamento de seu ateliê. A camada de poeira que se assentava sobre os objetos era mantida de propósito, pois o artista apreciava a opacidade que ela lhes conferia. Esse ambiente de trabalho tão particular será reconstituído na Fundação Iberê Camargo em suas dimensões originais a partir de painéis autossustentados com fotos do estúdio realizadas pelo fotógrafo italiano Luigi Ghirri após a morte do artista. Também participa da montagem (que conta com uma equipe técnica de excelência, conforme a curadora) Carlo Zucchini, responsável pelo acervo familiar do artista - a família Morandi não deixou herdeiros - e um dos amigos pessoais do italiano, ressalta a impor- CERTA tância da luz no trabalho do pintor. “Ele não tinha uma personalidade reclusa, como muitos diziam, mas quando a luz que ele considerava certa chegava, poderia naquele dia aparecer em seu ateliê o papa que ele não abriria a porta. Afinal, precisava trabalhar”, enfatiza Zucchini. Inclusive, Morandi usava como meridiana um elástico pendurado a um prego bem em cima de sua mesa de trabalho. Quando o raio de sol atingia o elástico, este projetava uma sombra que indicava ao artista o momento certo para começar suas atividades. Antes de pintar, Morandi passava dias pensando no quadro. “Por isso ele fez poucos trabalhos, cerca de 1,5 mil, em comparação a Picasso, por exemplo, artista o qual ele admirava, que pintou em torno de 30 mil obras. Morandi era um homem racional do Renascimento na época moderna”, observa Zucchinni, que conheceu o artista aos 24 anos, quando foi entregar uma carta ao pintor. Desde lá, começou uma amizade que duraria até os últimos anos de vida do pintor, que morreu de câncer. “Poucos dias antes de falecer, ele afirmou que ainda tinha muitas coisas para dizer, e na última noite, ele desenhou no ar. Entendi que foi a última obra. Morandi tinha chegado à falta total de matéria”, relembra o amigo, de 80 anos.