Alienação de Controle de Companhias Abertas Brasileiras - PUC-SP

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
MARCELO ABREU DOS SANTOS TOURINHO
OFERTA PÚBLICA DE AQUISIÇÃO DE AÇÕES POR ALIENAÇÃO
DE CONTROLE DE COMPANHIAS ABERTAS BRASILEIRAS
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2012
MARCELO ABREU DOS SANTOS TOURINHO
OFERTA PÚBLICA DE AQUISIÇÃO DE AÇÕES POR ALIENAÇÃO
DE CONTROLE DE COMPANHIAS ABERTAS BRASILEIRAS
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Direito Comercial, sob a orientação do
Prof. Doutor Fábio Ulhoa Coelho.
SÃO PAULO
2012
Banca Examinadora
___________________________
___________________________
___________________________
SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 1
2 – A NATUREZA DO CONTROLE ACIONÁRIO ......................................................................... 7
2.1. Os Sentidos de Controle ................................................................................................ 7
2.2 O Poder de Controle como Poder Econômico ................................................................ 10
2.3. O Poder de Controle como Poder de Fato ..................................................................... 16
2.4. A Justificação do Poder de Controle ............................................................................. 21
3 - A DEFINIÇÃO LEGAL DE CONTROLE ACIONÁRIO............................................................. 28
3.1. O Acionista Controlador segundo a Lei das S.A. ........................................................... 28
3.2. Controle Interno e Controle Externo............................................................................. 31
3.3. Tipologia do Controle ................................................................................................. 33
3.3. Controle Unitário e Controle Compartilhado................................................................. 38
4 - HISTÓRICO DA ALIENAÇÃO DE CONTROLE NO DIREITO BRASILEIRO ................................ 41
5 – JUSTIFICATIVAS PARA A OBRIGATORIEDADE DE REALIZAÇÃO DE OPA ............................ 49
5.1. Conceituação do prêmio de controle............................................................................. 51
5.2. A doutrina brasileira ................................................................................................... 53
5.3. Considerações sobre as diferentes correntes doutrinárias no Brasil ................................. 59
5.4. A OPA no direito comparado....................................................................................... 66
5.5. O paralelo com doutrinas estrangeiras .......................................................................... 71
6 – CARACTERÍSTICAS DA ALIENAÇÃO DE CONTROLE ......................................................... 81
6.1. Elementos gerais para a caracterização de alienação de controle .................................... 83
6.2. Destinatários da Oferta e Valores Mobiliários considerados para os fins do Art. 254-A ... 85
6.3. Modalidades de Transferências de Controle .................................................................. 92
6.3.1. Transferência direta e indireta ................................................................................... 92
(i) Caso Arcelor/Mittal - Transferência indireta de controle no exterior .................. 96
6.3.2. Aquisição Originária, Derivada e Semiderivada ....................................................... 101
(i) Caso Royal Bank of Scotland – Aquisição originária de controle ...................... 104
(ii) Caso Suzano – Aquisição originária de controle / incorporação ...................... 107
6.4. Alienação de bloco de ações ...................................................................................... 111
(i) Caso Aracruz Celulose – Transferência intra bloco.......................................... 114
(ii) Caso Copesul – Transferência intra bloco ...................................................... 116
6.5. Alienação em etapas ................................................................................................. 118
(i) Caso CBD/Pão de Açúcar – alienação de controle de fato................................ 121
6.6. Análise do contrato de compra e venda de ações ......................................................... 123
6.7. Aplicabilidade do art. 254-A aos casos de alienação de controle minoritário ................. 125
(i) Caso TIM – alienação indireta de controle minoritário no exterior ................... 129
6.8. Consequências da não-realização da OPA .................................................................. 134
7 – PROCEDIMENTO DA OPA ............................................................................................ 138
7.1. Registro na CVM ...................................................................................................... 138
7.2. Prêmio de Permanência ............................................................................................. 141
7.3. O Novo Mercado ...................................................................................................... 143
8 - CONCLUSÃO ............................................................................................................... 147
Bibliografia .................................................................................................................... 153
ii
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar e explorar os aspectos controversos
envolvendo a regra da oferta pública de aquisição de ações prevista no art. 254-A da Lei
6.404/76, que estende aos minoritários titulares de ações votantes o direito de alienar suas
ações em casos de alienação de controle. Para tal analisamos (i) a natureza do “controle”,
entendido como poder de direcionar a atividade empresarial; (ii) a definição legal de acionista
controlador de acordo com a legislação brasileira; (iii) o histórico do instituto; (iv) as
diferentes justificativas para o instituto, segundo as doutrinas brasileira e estrangeiras; (v) os
elementos para a caracterização da alienação de controle, abordando os principais precedentes
da Comissão de Valores Mobiliários – CVM; e (vi) o procedimento para a realização de uma
oferta pública.
Palavras-Chave
Alienação de Controle – Oferta Pública de Aquisição de Ações – OPA – Tag Along – Poder
de Controle – CVM – Acionista Controlador – Acionista Minoritário – Aquisição de Controle
– Proteção dos Minoritários.
iii
ABSTRACT
This work aims to analyze and explore the controversial aspects related to mandatory
bid rule under Brazilian Corporate Law (Law 6,404/76), which extends to voting minority
shareholders the right to sell their shares in case of a control transfer. For this purpose we
analyze (i) the nature of “control”, as a power to direct the corporation’s business; (ii) the
legal definition of controlling shareholder under Brazilian law; (iii) the history of the
Brazilian institutional framework; (iv) the different justifications for the rule under Brazilian
and foreign doctrines; (v) the elements for the characterization of the transfer of control,
taking into consideration the key precedents of Comissão de Valores Mobliários - CVM; and
(vi) the mandatory bid rule procedures.
Key-words
Transfer of Control – Mandatory Bid Rule – tender offer – Tag Along – Power of Control –
CVM – Controlling Shareholder – Minority Shareholder – Acquisition of Control – Minority
Protection.
1
1 – INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, o mercado de capitais brasileiro passou por crescimento econômico
considerável. O aumento do número de investidores estrangeiros e de companhias acessando
o mercado são fatores que revelam não só esse crescimento, como também algumas de suas
principais características atuais, a saber: (i) o alto nível de internacionalização da economia,
como reflexo de um processo mais intenso de globalização e (ii) a maior dispersão do capital
acionário – o que resultou no enfraquecimento ou até mesmo no desaparecimento do acionista
controlador forte, em rompimento com as tradicionais figuras da empresa familiar e do dono,
que outrora tiveram forte presença no mercado de capitais brasileiro.
O contexto de maior interação econômica empresarial vem representando uma
mudança profunda nas estruturas do mercado de capitais, que pode ser vista tanto sob o
aspecto da profissionalização de seus agentes, quanto do surgimento de novos produtos
financeiros1. Do ponto de vista societário, destaca-se o aquecimento do mercado de “fusões e
aquisições” (ou M&A, abreviação em inglês de mergers and aquisitions), onde se vê a união
progressiva de empresas nacionais e internacionais, em processos de formação de grupos
empresariais mais fortes e competitivos.
Boa parte dessas operações de reestruturação societária envolve a alienação de
controle de companhias abertas. A legislação brasileira, como se verá, impõe atualmente a
necessidade de que o adquirente do controle de companhia aberta se obrigue a fazer oferta
pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da
companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% do valor pago por ação
com direito a voto, integrante do bloco de controle. A oferta pública de aquisição (ou OPA) é,
na prática, fator relevante para operações de alienação de controle, pois a necessidade de
realização de uma OPA pode ter impacto econômico significativo ao adquirente do controle,
1
Do ponto de vista da profissionalização, pode-se citar a criação e sofisticação de diversos sistemas de
certificação de agentes de mercado, tais como o programa de Certificação de Conselheiros do Instituto Brasileiro
de Governança Corporativa ou os programas de certificação da ANBIMA, que compreendem atualmente a
realização de mais 60 mil provas por ano (http://certificacao.anbid.com.br/noticias.asp#not130). Com relação à
criação e disponibilização de produtos financeiros ao mercado, a característica que talvez melhor represente o
cenário de mudanças, seja a popularização do home broker: instrumento para negociação de títulos e valores
mobiliários via internet.
2
significando o pagamento de algumas dezenas de milhões de reais pelas ações dos acionistas
minoritários.
A proliferação de operações societárias, em suas diversas formas, bem como a nova
organização dos mercados, movida em grande parte pela criatividade de empreendedores
internacionais com grande experiência, desafiam o direito societário atual e indicam a
existência de problemas para os quais a legislação brasileira ou mesmo a doutrina não haviam
atentado.
A difícil questão que se impõe a quem cuida da análise jurídica da alienação de
controle é, em última instância, a de se saber em que casos a OPA seria ou não exigível. O
esforço centra-se na definição de critérios objetivos de determinação, a fim de construir uma
teoria geral que abarque a multiplicidade de aspectos de uma alienação de controle, evitando,
com isso, a insegurança jurídica provocada pelo modelo atual, que demanda análise
casuística.
Recentes discussões vêm sendo travadas na Comissão de Valores Mobiliários – CVM
em casos de alienação de controle de companhias abertas, notadamente em operações em que
o controle societário envolve controle compartilhado2 ou em que é alienado indiretamente
para companhias estrangeiras3.
Nelas foram evidenciados interessantes problemas na aplicação do instituto, tais como
a definição do preço a ser pago na OPA em casos de alienação indireta de controle; a escolha
da lei aplicável para a definição de controle e para a determinação da exigibilidade da OPA; e
a exigibilidade ou não de OPA em caso de transferência de controle minoritário ou
envolvendo controle compartilhado.
A despeito de esses casos terem recebido respostas do Colegiado da CVM, não se
pode dizer que tais decisões tenham propriamente enfrentado os problemas verificados ou
mesmo esclarecido o entendimento da autarquia. O melhor exemplo disso é a decisão do
Processo CVM RJ2009/1956 ("Caso Tim"), em que se discutiu a lei aplicável e a
exigibilidade de OPA em caso de transferência de controle minoritário: nele, a Presidente
2
3
Vide casos COPESUL e ARACRUZ CELULOSE, comentados no Capítulo 6.
Vide casos TIM e ARCELOR/MITTAL, comentados no Capítulo 6.
3
Maria Helena Santana votou com base na lei italiana, enquanto todos os demais diretores
votaram com base na lei brasileira, tendo, quanto ao mérito, manifestado a opinião de que o
assunto é realmente complexo e sugerido, a fim de que se "possa evitar a excessiva
subjetividade de análises puramente casuísticas", a adoção de percentual de 30% do capital
votante para a obrigatoriedade de apresentação de OPA. O Diretor Otávio Yazbek, mesmo
reconhecendo a possibilidade de alienação de controle minoritário para os fins do art. 254-A,
decidiu que, naquele caso, não seria exigível a OPA. Já o Diretor Eli Loria afirmou que
mesmo em tese não seria exigível a OPA para alienação de controle minoritário. Os dois
únicos diretores cujos votos convergiram no sentido da exigibilidade de OPA, Marcos Pinto e
Eliseu Martins, foram vencidos.
Embora a atual dinâmica empresarial apresente novos desafios, não se pode dizer que
as dificuldades na aplicação do instituto sejam novas. O antigo art. 254 da Lei n o 6.404∕76
(Lei das S.A.), que impunha ao adquirente a obrigação de estender aos demais acionistas o
mesmo preço pago ao alienante do bloco de controle, era objeto de polêmica já ao tempo da
promulgação da lei4.
Por ocasião da onda de privatizações ocorrida ao longo década de 90, foi editada a Lei
9.457/97, que revogou o art. 254, eliminando a obrigatoriedade de apresentação de OPA por
alienação de controle. A obrigação somente foi restaurada com o advento da Lei 10.303/01 mas com importantes alterações em relação à obrigação prevista no antigo artigo art. 254.
Durante o período em que esteve em vigor, a obrigação de OPA por alienação de
controle ensejou uma série de discussões no âmbito da CVM, em casos de extrema
complexidade e para os quais eram necessárias respostas práticas, independentemente da
existência prévia de convicções doutrinárias sobre o assunto5.
As lições do passado e o histórico do instituto são fundamentais para a sua
compreensão nos dias atuais. Embora hoje sejam feitas muitas analogias e encontradas
4
A questão será aprofundada no Capítulo 4 deste trabalho. Adiante-se que o artigo 254 não constava do projeto
de lei original, tendo sido alvo de duras críticas por parte de seus autores: Alfredo Lamy Filho e José Luiz
Bulhões Pedreira.
5
A riqueza dos problemas encontrados pode ser verificada, por exemplo, na obra: SIQUEIRA, Carlos Augusto
Junqueira de. Transferência do Controle Acionário: Interpretação e Valor. Niterói: FMF, 2004. O trabalho
compila uma série de casos extraídos de mais de quinze anos de experiência do autor à frente do setor de
operações especiais da CVM, responsável pela análise de operações de transferências de controle acionário.
4
semelhanças com institutos de direito estrangeiro, a obrigação de oferta pública em casos de
alienação de controle é instituto que, até onde se sabe, não teve inspiração em outros
ordenamentos. Trata-se, ao contrário, de uma novidade, de uma criação brasileira: a obrigação
não existia nem mesmo na prática empresarial, como forma, por exemplo, de atração de
investidores (tal como é hoje vista), ou seja, como medida de boa governança corporativa.
Disso decorre que, na qualidade de instituto “criado”, foi objeto de uma natural
conformação por parte dos agentes de mercado, que consistiu no desenvolvimento de
mecanismos e operações que não se “enquadravam” propriamente na situação prevista na
norma. Tal como um remendo feito na lei meticulosamente elaborada por Lamy e Bulhões, e
sem guardar qualquer relação com sua sistemática, o instituto foi incluído na lei mesmo contra
a vontade dos autores, tendo sido, ao longo do tempo, interpretado de forma bastante diversa
– e só não o foi mais devido à interferência estatal que, por meio da regulamentação 6,
“encerrou” boa parte das dúvidas sobre o instituto.
Os problemas a serem enfrentados para a compreensão do instituto se iniciam com a
própria definição de poder de controle. Embora a Lei das S.A. reconheça a figura do
controlador, conferindo-lhe direitos e impondo-lhe deveres, sua identificação prática nem
sempre é tarefa fácil, ante as múltiplas formas sobre as quais se manifesta o fenômeno do
controle.
O tema é cercado também por uma visão romantizada das companhias, que toma a
grande empresa não como um meio de organização social para a exploração de uma atividade
com fins lucrativos, mas como instrumento “democrático voltado para o bem-estar social”.
Os acionistas – pessoas que se associam em prol de um fim comum – passam a figurar em
papéis antagônicos pré-determinados: o controlador como um perigoso agente de
concentração de poder econômico, um expropriador, e os acionistas minoritários como figuras
ingênuas7, espoliados8, cujos direitos devem ser protegidos e ampliados, em nome de uma
suposta participação democrática na persecução de fins sociais.
6
Faz-se referência à edição da Resolução CMN nº 401.
Como se diz no jargão de mercado, verdadeiras “velhinhas de Taubaté”, referência à conhecida personagem de
VERÍSSIMO, Luis Fernando. A Velhinha de Taubaté: novas histórias do analista de Bagé. LP&M, 1983.
8
Faz-se referência aqui àqueles que Comparato denominou como os campeões “na defesa do pobre-acionistaminoritário-espoliado” (COMPARATO, Fabio Konder. Anteprojeto de Lei das Sociedades Anônimas. Revista
de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, ano XIV, nº
17. pp. 118 – 125).
7
5
Os fatores decorrentes da exploração comercial via empresa, tais como a boa alocação
de recursos, a produção e circulação de mercadorias e riquezas, o desenvolvimento de novas
tecnologias e a redução de custos e dos preços dos produtos ao consumidor, são substituídos,
nesse tipo de discurso, pela visão simplista de que a sociedade está apenas “perseguindo o
lucro”, como se isso fosse ilegal ou ilegítimo. Esses atributos não são o bastante para o
idealismo de alguns, razão pela qual são substituídos por finalidades entendidas como
benéficas para a sociedade. Os estigmas que inevitavelmente surgem desse tipo de visão
merecem alguma consideração, mesmo que de forma breve, dada a limitação inerente ao
tema.
O objetivo do presente estudo é tentar delimitar e compreender as dificuldades
encontradas na aplicação do instituto da OPA, especialmente as encontradas em casos práticos
recentes, decorrentes do novo contexto em que se encontra o mercado de capitais brasileiro.
Para tal, será necessário investigar a função do instituto, seus fundamentos, origem
histórica, desenvolvimento e entendimento segundo a doutrina e a jurisprudência; sempre
tendo consciência de que dificilmente se produzirá uma teoria geral capaz de responder ex
ante as difíceis questões práticas que emergem da obrigação prevista no art. 254-A da Lei das
S.A.
Para muitas das questões analisadas ao longo dessa dissertação não há resposta certa e
a pretensão desse estudo não é respondê-las, mas antes indicá-las. A matéria não possui
uniformidade no direito brasileiro e no direito comparado, sendo comum que, diante da
indefinição da matéria, teorias sustentadas entre nossos doutrinadores encontrem, cada uma ao
seu modo, algum fundamento em doutrinas e legislações estrangeiras.
As dificuldades de aplicação do instituto comumente remetem a alguns conceitos
teóricos amplos que também não podem deixar de ser mencionados neste estudo, ainda que de
maneira breve, tais como poder, poder econômico, controle e propriedade.
Para fins de exposição da matéria, estruturamos o presente estudo da seguinte forma:
em primeiro lugar analisaremos o controle como poder econômico e como poder de fato; em
seguida trataremos da definição de controle, abordando o contexto no qual ele se insere e
6
sobre o qual se dão seus efeitos, qual seja, o da companhia aberta, principal veículo da grande
empresa; traremos o histórico da alienação de controle no Brasil e analisaremos e
comentaremos os principais argumentos da doutrina nacional e estrangeira a respeito de seus
fundamentos; para, por fim, analisarmos a aplicação prática do instituto no Brasil, juntamente
com os principais precedentes sobre a matéria.
Serão doravante designadas como OPA somente as referências à oferta pública de
aquisição de ações decorrente da alienação de controle de companhias abertas brasileiras, ou
seja, a OPA a posteriori9 (ou OPA obrigatória por alienação de controle) exigida pelo art.
254-A da Lei das S.A.
9
OPA a posteriori é termo que utilizamos com o sentido contraposto ao de OPA a priori, ou seja, a OPA
voluntária para a tomada de controle de uma companhia aberta, que a antecede. O sentido é o mesmo dado em
PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier Latin,
2005.
7
2 – A NATUREZA DO CONTROLE ACIONÁRIO
2.1. Os Sentidos de Controle
Efetivamente, a análise do fenômeno não deve reduzir-se a aspectos legais,
sob pena de mirar-se numa exegese estéril de palavras. O exercício do poder,
em qualquer sociedade, nem sempre se ajusta ao modelo normativo.
Fábio Konder Comparato10
O sentido de controle que serve como objeto de estudo deste trabalho é o de controle
exercido no âmbito das sociedades anônimas, que representa o exercício de um poder
decisório. Embora as noções de controle e poder pareçam de fácil compreensão,
especialmente aos mais afeitos ao direito societário, elas não apresentam sentidos iguais em
todas as suas manifestações.
Uma ideia comum para a palavra controle é a sua identificação com o conceito de
propriedade. Claude Champaud, em sua obra Le pouvoir de concentracion de la societé par
actions, define controle nos seguintes termos:
O controle é o direito de dispor dos bens de outrem como um proprietário.
Controlar uma empresa é deter o controle dos bens que lhe foram destinados
(direito de dispor deles como um proprietário) de modo a ser senhor da
direção de sua atividade econômica11. (grifamos)
Giuseppe Ferri o entende não como um direito sobre bens, mas um poder sobre a
atividade empresarial, de forma que a ação da sociedade – e não seus bens – é que estariam
submetidos à vontade do ente controlador. Guido Rossi, por sua vez, distingue o controle
sobre a sociedade do controle sobre a empresa, afirmando que o primeiro consiste na
faculdade de escolha dos administradores, sendo o segundo exercido pelos próprios
10
COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª
ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. p.45.
11
CHAMPAUD, Claude. Le pouvoir de concentration de la sociéte par actions. Paris: Sirey, 1962. p. 161. Apud
PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva. 1995. p.10.
8
administradores12. Já Berle e Means propõem que o controle seria ele mesmo um bem social
ou empresarial, cujo valor pertenceria à companhia e não aos seus acionistas, individualmente
considerados13.
Buscando abordar e criticar, de forma pioneira, essas diferentes formas de visão do
fenômeno do controle, Fabio Konder Comparato elaborou o estudo intitulado “O Poder de
Controle na Sociedade Anônima”, editado pela primeira vez em 1976, que veio a se tornar
importante obra de referência sobre o tema. Em sua investigação sobre essência do controle, o
autor indica, com acuidade, que a própria palavra controle é utilizada pelo legislador
brasileiro em dois sentidos: um brando, de disciplina ou regulação, e um forte, que representa
dominação.
Exemplo do primeiro sentido pode ser encontrado na Lei nº 4.595/64, que em seu
artigo 10, VII, atribui ao Banco Central do Brasil competência privativa para “exercer o
controle dos capitais estrangeiros, nos termos da lei”. O segundo sentido é o de poderdominação, característico do exercício pleno da vontade em uma sociedade empresarial e que
aparece, naquela mesma lei, no artigo 4º, inciso XV, que exclui do recolhimento compulsório
os depósitos efetuados nas instituições financeiras públicas pelas “pessoas jurídicas de direito
público que lhes detenham o controle acionário”.
É o segundo sentido de controle que nos interessa: o que se relaciona com a ideia de
poder.
O autor adverte que o estudo das sociedades mercantis, sob a ótica do poder, sempre
foi algo estranho à doutrina jurídica tradicional, tendo autores e tribunais preferido
explicações fundadas na teoria do contrato ou sob o ângulo institucional14.
Seguindo-se a teoria do contrato, a relação de poder se estabeleceria diretamente entre
os próprios sócios, tendo como pressuposto o fato de que estão em pé de igualdade e resolvem
as questões de acordo com o disposto no instrumento de fundação. Já sob o ângulo
12
FERRI, Giuseppe. Le Società. Turim: UTET, 1971. p. 252 e ROSSI, Guido. Persona Giuridica, Proprietà e
Rischio d’Impresa. Milão: Giuffré, 1967 Apud COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O
poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. pp.125 e 120.
13
BERLE, Adolph A.; MEANS, Gardiner C. The Modern Corporation and Private Property. 10 ed. 2009. A
tese dos autores é analisada no item 2.4 adiante e no Capítulo 5 deste trabalho.
14
A advertência consta do prefácio à 4ª edição do livro O Poder de Controle na Sociedade Anônima.
9
institucional, a organização da pessoa jurídica e as funções de seus órgãos obedeceriam à
“vontade” da lei, não sendo objeto de um negócio jurídico (contratual).
Sob a ótica do poder, Comparato buscou demonstrar que nas sociedades anônimas o
controle se dá indiretamente entre os sócios, mediante o exercício de poder que se manifesta
na hierarquização de funções através de órgãos impostos pela lei. Essa análise permitiu ao
autor distinguir, na fenomenologia do poder, os poderes “de fato” e os “de direito” e a traçar
uma tipologia do poder de controle muito útil para a compreensão do fenômeno pela doutrina
jurídica15.
Não obstante o esforço despendido, o exercício do poder de controle é tema que
permanece controverso; não propriamente em seu aspecto técnico-jurídico, mas sob
perspectiva mais ampla, que diz respeito à influência do poder nas ciências sociais.
Essa perspectiva ampla, filosófica, do poder pode oferecer um instrumental mais
preciso para que se distinga, dentro da linguagem técnico-jurídica, as assertivas de cunho
preponderantemente analítico e descritivo, das opiniões e dos juízos de valor. Referências
genéricas ao detentor do poder econômico ou ao controlador podem remeter o leitor a
estigmas e a conceitos quase pejorativos, em que o “exercício do poder econômico” é
relacionado à ocorrência de algum tipo de abuso ou excesso, em prejuízo daquele que foi
“subjugado” a tal poder.
A aplicação dessa lógica ao sistema existente em uma sociedade empresarial, ainda
que de modo despercebido e irrefletido, pode gerar graves confusões. No contexto atual do
direito, em que o judiciário, ao arrepio da lei, por vezes tenta reequilibrar situações tidas ex
ante como “injustas”, através de medidas de natureza exclusivamente política, corre-se o risco
de que, ante o tão em voga ativismo minoritário, investidores venham a ser rotulados de
antemão como injustiçados, hipossuficientes ou simplesmente vítimas do exercício de um
“poder econômico”.
15
Comparato se baseia na tipologia de Berle e Means (em The Modern Corporation and Private Property), os
quais identificaram (i) o controle na posse da quase totalidade das ações de uma companhia, (ii) o controle
fundado detenção da maioria das ações, (iii) o controle com menos da metade das ações, (iv) o controle “trough
a legal device” e (v) o controle administrativo ou gerencial. Mas o autor brasileiro, conforme será analisado no
Capítulo 3 do presente trabalho, reduz a quatro os tipos de controle: totalitário, majoritário, minoritário e
gerencial.
10
A preocupação tem em mira evitar que as respostas para os problemas a serem aqui
investigados venham a se misturar com inapropriadas formulações genéricas do tipo in dubio
pro minoritário, pois se o fundamento do instituto sob análise está realmente na proteção do
investidor, essa tem que ser uma conclusão a que se chega a partir da análise dos prós e
contras de sua aplicação prática e não uma premissa que sirva de molde ao raciocínio jurídico.
Com a finalidade de que esse tipo de visão do poder econômico não se converta em
uma convicção, é fundamental sejam feitas algumas considerações relativas às formas sobre
as quais esse poder se manifesta no seio da sociedade anônima.
2.2 O Poder de Controle como Poder Econômico
O tema do poder econômico, por sua extensão e complexidade, espraia-se por todos os
ramos do Direito, mas é no direito da concorrência ou antitruste que parece ter recebido maior
atenção da doutrina jurídica. Nele, o assunto é estudado com vistas à caracterização de
situações que representem domínio de mercados, eliminação da concorrência ou aumento
arbitrário dos lucros. Tem-se, em boa parte das referências ao poder econômico, a
preocupação com o abuso do poder econômico. Confira-se a lição de Paula Forgioni:
O poder econômico implica sujeição (seja dos concorrentes, seja de agentes
econômicos atuantes em outros mercados, seja dos consumidores) àquele
que o detém. Ao revés, implica independência, absoluta liberdade de agir
sem considerar a existência ou o comportamento de outros sujeitos16.
A conotação de poder econômico como algo abusivo, presente no direito antitruste,
pode ser sentida também em outros ramos do direito17, inclusive no societário, como se pode
notar a partir das claras palavras de Calixto Salomão Filho nesse sentido:
16
FORGIONI, Paula. Os Fundamentos do Antitruste. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1998 . p. 271.
Em recente estudo na seara Constitucional, Marcos Barbosa Pinto apresentou crítica à “influência deletéria do
poder econômico sobre o processo político”. O autor enxerga na desigualdade econômica um problema para o
processo de formação política, uma vez que, na prática, os detentores de riqueza têm uma influência desigual na
política, tanto no processo de escolha dos representantes, quanto na fiscalização e controle de seus atos. Disso
decorre uma tensão entre democracia e capitalismo, pois “enquanto as eleições democráticas são regidas pelo
princípio da igualdade, pela regra do ‘um homem, um voto’, no mercado a regra é ‘um real, um voto’”. Partindo
dessa lógica o autor apresenta os seguintes exemplos de tipos de influência do capital sobre a política: o controle
da informação, o clientelismo, a compra de votos e a corrupção e o financiamento de campanhas eleitorais.
(PINTO, Marcos Barbosa. Constituição e Democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 39).
17
11
Exatamente por seu potencial de exclusão e de criação de desigualdades nas
interações sociais é que um dos pontos essenciais para a criação de um
devido processo econômico é o combate às estruturas de poder no
mercado.
(...)
Conclui-se, portanto, que tanto pelo seu potencial criador como
distribuidor de conhecimento, o combate ao poder econômico pode e
deve ser um dos primeiros itens da lista de preocupações dos estudiosos
das relações sociais18 (grifamos).
É natural que a visão do poder econômico, altamente relacionada com ideia de abuso,
possa influenciar as propostas e conclusões do autor. É assim que, citando a polêmica
marxista entre a revolucionária Rosa de Luxemburgo e o reformista Eduard Bernstein sobre o
direito societário e a possibilidade de criação de uma democracia acionária, o autor propõe
que seja em torno da grande sociedade anônima que se deva estruturar parte importante de
uma “agenda reformista” de nosso sistema econômico19.
Não é aqui o local para analisar a visão do referido autor. O importante, por ora, é ter
presente que, ao se falar em poder de controle como poder econômico, é possível que se esteja
falando de seu abuso ou seu desvio e não de seu exercício lícito e legítimo20.
As preocupações com o exercício do poder econômico, de suas consequências
políticas e mesmo de seu aspecto moral são válidas, mas parte da atratividade do tema se deve
18
COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª
ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. p.18. Em outro trecho (p. 12), o autor é ainda mais enfático: “Não há,
portanto, possibilidade de construção de sociedades desenvolvidas economicamente e justas socialmente sem
um combate estruturado ao poder econômico”.
19
COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª
ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. p.238.
20
Vale lembrar algumas palavras de Miguel Reale sobre essa necessária distinção: “Destarte, todo ‘abuso de
poder econômico’ redunda, no mais das vezes, em ‘desvio do poder econômico’, pois o poder econômico, em si
mesmo, não é ilícito, enquanto instrumento normal ou natural de produção e circulação de riquezas numa
sociedade, como a nossa, regida por normas constitucionais que consagram a ‘liberdade de iniciativa’, ‘a
função social da propriedade’ (...)”. (REALE, Miguel. Abuso do poder econômico e garantias individuais.
Revista Forense. Vol. 248, ano 70, out/nov/dez de 1974, p. 13). Nesse sentido também Fabio Nusdeo: “O
controle ou a repressão não do poder econômico, porque este é inerente à prática do sistema de mercado, mas
ao seu abuso, manifestado pelas mais diversas formas, constitui o objeto de toda a legislação de tutela da
concorrência ou antitruste. Por essa razão, tais leis existem em todos os países cuja economia se baseie no
mercado ou a ele atribuam arte significativa das decisões econômicas. O contrário seria revogar o princípio da
liberdade econômica, fulcro do mesmo mercado, pois no jogo econômico a liberdade pode ser tolhida com igual
eficiência tanto pelo poder político, quanto pelo poder econômico”. (NUSDEO, Fábio. Curso de economia:
introdução ao direito econômico. 6 ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2010, p. 282)
12
à confusão comum entre os sentidos em que o poder pode ser demonstrado: o de poder sobre
os bens materiais e o de poder sobre a conduta de outras pessoas21.
Todo o poder, de uma forma ou de outra, tem consequências sobre outros indivíduos.
A decisão de disposição de bens com base no direito de propriedade, por exemplo, representa
mais do que somente a relação direta de uma pessoa com um bem determinado; é parte de um
sistema legal de reconhecimento, que naturalmente obriga terceiros. Entretanto, há
incontestável diferença entre o poder que um indivíduo ou corporação detém sobre uma
parcela considerável de bens – e a influência que decorre dessa relação – daquela que surge
do uso dos recursos voltado a fins ilícitos, como a que ocorre, por exemplo, na compra de
votos e na corrupção. A distinção de tais aspectos merece uma breve digressão.
A lógica do sistema econômico de mercado e do próprio poder econômico funda-se na
ideia de trocas, tendo por base a noção de que se não houvesse a troca de bens, serviços e
informações entre os homens, cada pessoa nunca poderia ter mais do que aquilo do que ela
sozinha pode produzir22. É essa a razão de haver especialização e divisão de trabalho: junto
com possibilidade de livre troca, esses elementos permitem a produção em grande escala e,
consequentemente, o barateamento de produtos, em um processo que, tido em um regime de
competição, incentiva e estimula os agentes a serem mais produtivos e eficientes.
Os méritos do sistema econômico de mercado, baseado em trocas, são inegáveis,
mesmo que nem sempre sejam reconhecidos ou sequer mencionados. Há duzentos anos, o
status social de um homem permanecia inalterado do princípio ao fim de sua existência – era
herdado de seus ancestrais e jamais se alterava; se rico (geralmente nobre) assim
permaneceria; se pobre, pobre seria para sempre; esse era o sistema feudal, que imperou no
ocidente por muitos séculos23. O século XX no mundo ocidental aparece como notável
exceção à linha geral de desenvolvimento histórico, com inédito nível de expansão
21
HAYEK, Friedrich August. Law, Legislation and Liberty – A new statement of the liberal principles of justice
and political economy. Routledge & Kegan Paul, 1982, p.80.
22
READ, Leonard E. I Pencil: My Family Tree. Foundation For Economic Education. 2008. O clássico de Read
ilustra com perfeição a interação entre agentes de mercado no surpreendentemente complexo processo de
elaboração de um simples lápis. A história demonstra que este instrumento de tão fácil acesso em qualquer
mercado, por um preço irrisório, depende de uma profunda especialização de mão-de-obra e de agentes com
tipos de conhecimentos (know-how) absolutamente distintos.
23
Como bem exemplifica Ludwig Von Mises, na Inglaterra do século XVIII, o território só podia dar sustento a
seis milhões de pessoas, em um baixíssimo padrão de vida; hoje, mais de cinqüenta milhões de pessoas
desfrutam de um padrão de vida que chega ser superior ao que desfrutavam os ricos no século XVIII. (MISES,
Ludwig von. As Seis Lições. 6ª ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1998, p.7).
13
populacional, aumento da expectativa de vida e desenvolvimento tecnológico. A integração
econômica em nível mundial aprofundou ainda mais essa estrutura, com a intensificação da
produção em massa e da competição empresarial.
A coordenação das atividades econômicas dos indivíduos, em regime de mercado,
depende da inexistência do uso da força por parte de agentes econômicos, sendo, por
definição, um sistema que requer liberdade, voluntariedade. O monopólio da violência –
mesmo em um regime de mercado livre – é atributo do Estado24, sendo o seu uso vedado e
sancionado penal e civilmente.
Ao emaranhado de relações interpessoais que constitui o mercado, bem como aos
institutos a ele subjacentes, tais como as regras, costumes, a moeda, os títulos de crédito, entre
outros, é aplicável uma ordem jurídica, que tem por finalidade justamente preservar seu
funcionamento, consolidando práticas comerciais e coibindo o uso da força e da fraude em
suas distintas modalidades25.
Se as relações de mercado se dão com base na voluntariedade, em que consistiria
então, o poder econômico? Como um agente pode impor sua vontade pelo poder econômico?
24
Conforme a clássica definição de Estado de Max Weber: “Estado é uma comunidade humana que se atribui
(com êxito) o monopólio legítimo da violência física, nos limites de um território definido. (...). Considera-se o
Estado como fonte única do direito de recorrer à força. Consequentemente, para nós, política constitui o
conjunto de esforços tendentes a participar da divisão do poder, influenciando sua divisão, seja entre Estados,
seja entre grupos num Estado”. (WEBER, Max. A Política como Vocação. Maurício Tragtenberg (trad.).
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003, p. 9.)
25
Vale aqui, no que diz respeito à ordem jurídica aplicável ao mercado, reproduzir a sóbria ressalva feita por
Otávio Yazbek à tese de Natalino Irti, em L’Ordine Giuridico del Mercato, que vem sendo reiteradamente
celebrada por parte da doutrina jurídica brasileira, de que o mercado consistiria em uma ordem artificial (objeto
de criação), caracterizada pela sua politicidade e juridicidade: “(...) a caracterização dos mercados é mais
complexa do que assevera Irti (...). (...) fica evidente que Irti procura afrontar um extremismo (o
“economicismo”, também um discurso político, dissimulado sob o manto da tecnicidade) com outro (o
formalismo jurídico). Os mercados, naturalmente existem dentro da ordem jurídica e são conformados pelo
ordenamento em razão de decisões políticas, mas a proposta de Irti vai além, consagrando a confusão entre
forma e conteúdo e reputando que este se encontra, necessariamente, dentro dos limites daquela” (YAZBEK,
Otávio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais. 2ª Ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.55)
Um questionamento simples pode ser feito à tese de Irti: A maioria os institutos do mercado (tais como a moeda,
os títulos de crédito, as sociedades comerciais) foi objeto de criação deliberada de alguém, via lei, ou resultado
de longa interação comercial ao longo da história? Dificilmente seria possível apontar ao menos um dos
“elaboradores” da maioria dos institutos de direito comercial por exemplo. Que autoridade impunha as normas
que constituíam a Lex Mercatória (que hoje serve como base a diversos ordenamentos jurídicos)? A função
precípua do direito jamais foi a de criar o “comércio”, o “mercado” ou seus institutos; ele na esmagadora maioria
das vezes regula, protege e consolida (positivando) institutos que surgem da interação comercial, sendo essa a
razão para que se encontrem tantos exemplos de institutos que emergiram de “usos” e “costumes” (tais como os
direitos de propriedade ou as regras gerais de contratos).
14
Estudando a natureza da empresa e a organização empresarial, Ronald Coase buscou
responder perguntas semelhantes a essas, em lição que muito pode ser útil aos propósitos da
compreensão do poder econômico, especialmente o poder econômico que envolve a
empresa26.
A motivação de Coase foi a constatação de que não havia uma explicação satisfatória
para a existência da empresa na economia clássica. Uma organização empresarial que
fabrique veículos, por exemplo, tem a faculdade de produzir seus automóveis do início ao
fim; pode, no entanto, ser apenas uma montadora, adquirindo as peças por meio de diversos
contratos não interligados feitos diretamente no mercado; ou então, apenas produzir o item
metálico que acompanha o cinzeiro do automóvel. Mas o que determina que a atividade será
feita por uma empresa, por várias, ou por indivíduos isoladamente?
Coase nota que há uma vantagem existente na organização empresarial, que consiste
exatamente na redução dos custos da informação, ou seja, nos menores custos do uso do
mecanismo de preços. Organizar a produção através da aquisição direta dos bens no mercado
implica a existência de um custo de se saber os preços, é o custo da informação. Isso porque
os preços não são homogêneos no mercado e descobrir os melhores é tarefa que representa,
invariavelmente, um custo.
O autor destaca que o empresário que opta por adquirir aquilo de que precisa no
mercado, ao invés de estruturar uma organização para produzi-la, terá o custo de negociar
cada contrato separadamente, de modo que o uso da empresa representa a substituição de
contratos de curto-prazo por contratos de longo-prazo27. Outro aspecto destacado é o de que
as transações realizadas por meio das organizações empresariais recebem tratamento
diferenciado por parte do governo e de entidades regulatórias: os serviços prestados por
empregado em uma empresa não estão sujeitos, por exemplo, à tributação incidente sobre
serviços obtidos pela empresa via mercado, em trabalhos avulsos.
Com seu estudo Coase aperfeiçoou a explicação econômica até então existente que
tinha por base a ideia de que movimentos de agentes do mercado são determinados em razão
26
COASE,
Ronald
H.
The
Nature
of
the
Firm
(1937).
Disponível
em
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1468-0335.1937.tb00002.x/pdf. Acesso em setembro de 2011.
27
Um empregado (contrato de longo prazo) representa, por exemplo, a substituição de vários contratos de curto
prazo, de serviços avulsos.
15
dos preços – a ideia de que o preço do produto, por representar a demanda do mercado,
movimentaria diretamente a produção28. O trabalho demonstra que dentro da estrutura
empresarial essa lógica era diferente; se o trabalhador de uma sociedade desloca-se de uma
determinada função para outra, não o faz em função do preço que será pago pelo novo
serviço, faz porque alguém lhe ordenou que assim o fizesse.
A relação do empregado com o empregador, mais do que qualquer outra relação de
mercado, talvez seja o exemplo mais claro do exercício do poder econômico, justamente pela
existência de subordinação, isto é, pelo fato de a movimentação do empregado
primordialmente em razão de ordens do empregador, e não em função dos preços.
Mas como bem nota Coase, certamente não há uma predileção do homem por
trabalhar sob as ordens de outros homens. O trabalhador que se submete a ordens de alguém o
faz necessariamente em troca de algo; o empregador, por sua vez, deverá pagar, direta ou
indiretamente, aos seus empregados mais do que esses conseguiriam agindo diretamente no
mercado, atuando, por exemplo, como autônomos ou em outras organizações empresariais.
Nesse tipo de relação a subordinação acaba obscurecendo o caráter de voluntariedade, mas
esta não deixa de existir.
Desta forma, há uma importante observação a ser feita quanto a esse tipo de poder:
não é um poder propriamente sobre a conduta de outra pessoa, mas sobre bens materiais – que
se reflete em pessoas sob a forma de influência. Ao se submeter a ordens do empregador o
empregado o faz voluntariamente, na expectativa de ganhos que justifiquem o recebimento de
ordens por outra pessoa. O que confere ao empregador a prerrogativa de submeter o
empregado é o poder que detém sobre bens materiais (ou dinheiro), que está disposto a trocar
por trabalho e não propriamente o poder de conduta do empregado29.
28
Se o preço de um produto X é maior do que o de Y, a tendência é a de que o produtor de Y, em tese, passe a
produzir X. O raciocínio tem por base a ideia de que os movimentos dos agentes do mercado se dão em razão
dos preços.
29
O mesmo se dá, de modo ainda mais claro, em outros tipos de relações de mercado em que é evidente o poder
econômico, como, por exemplo, na “barganha”. É natural que aquele que possua maior capacidade de compra
tenha recursos para obter condições negociais mais benéficas. Aquele que se submete a condições menos
vantajosas em relação a alguém que possui poder econômico, o faz em troca de algo; está disposto, por exemplo,
a diminuir o preço de produto vendido, em troca da venda de um maior número de unidades, ou então na
expectativa de receber algo em troca no futuro.
16
Portanto, alguém que possui o controle sobre muitos bens inegavelmente exerce algum
tipo de influência sobre terceiros. Qualquer homem que possua a capacidade de fornecer
serviços que tenham algum valor para outras pessoas será um potencial cliente, vendedor ou
comprador do trabalho de outros indivíduos30. Esse poder econômico é indispensável para
uma economia de mercado e totalmente diferente da prática de atos ilegais, que tenham como
instrumentos meios econômicos.
Combater o poder econômico para evitar o cometimento de abusos é tão absurdo
quanto combater a força física das pessoas para evitar a prática da coação. No estudo da
sociedade anônima e da relação de controle, sobre as quais incide a norma objeto de nosso
estudo – o art. 254-A da Lei das S.A. – considerações genéricas de que o poder econômico
deve ser combatido geralmente levam o interprete a juízos pré-concebidos que acabam por
justificar o “controle sobre o poder de controle” simplesmente por sua própria necessidade.
A fim de evitar petições de princípio e saltos lógicos consideramos, para fins de nossa
análise, o poder de controle como um poder econômico natural de toda estrutura empresarial
inserida em um sistema de mercado e desejável na medida em que permita que pessoas
obtenham legitimamente bens de que precisem.
2.3. O Poder de Controle como Poder de Fato
O controle não é um direito subjetivo do detentor do bloco de controle, tampouco uma
faculdade; é um poder.
Não é uma mera faculdade porque ultrapassa a esfera do interesse próprio e invade a
esfera de interesse de terceiros, se aproximando nesse sentido do direito subjetivo; mas desse
se difere na medida em que representa mais do que a prerrogativa de tutelar os próprios
interesses, consistindo na prerrogativa e no dever de tutelar também interesses de terceiros31.
30
POIROT, Paul L. Clichés of Socialism nº 53 – We Must Break Up Economic Power”. The Foundation for
Economic Education. Disponível em http://fee.org/wp-content/uploads/2009/11/cliches53.pdf. Acesso em
setembro de 2011.
31
CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. (Trad. Antônio Carlos Ferreira). São Paulo: LEJUS,
1999. pp.270-281.
17
O dispositivo normativo objeto deste estudo, qual seja, o art. 254-A da Lei das S.A.,
impõe ao controlador (adquirente) uma obrigação de realizar oferta pública de aquisição de
ações aos acionistas minoritários titulares de ações votantes. Não é simples a determinação
das hipóteses e condições em que tal obrigação deva ocorrer e tampouco há consenso, sobre
grande parte das questões práticas que emergem da aplicação do referido dispositivo legal;
mas com relação a uma questão específica parece haver consenso: a da existência de um
poder de controle, que confere ao acionista controlador prerrogativas distintas a dos demais
acionistas e que, normalmente, influencia positivamente o valor das ações que compõem o
bloco de controle – valor este a que muitos se referem como “prêmio de controle”.
Esse poder foi visto por Comparato como algo semelhante a um poder político.
Haveria, segundo o autor, uma analogia evidente entre o poder de controle e o poder político,
a saber, uma incoercível tendência à concentração32. Nesse sentido, haveria inevitável
paralelismo entre a realidade societária e política.
O próprio Comparato aponta também uma diferença relevante entre tais realidades –
alerta o autor que, na macroempresa, o poder de decidir apresenta sempre um caráter
impessoal e anônimo. Ao contrário da vida política, em que existe forte caráter personalista
sobre a figura do político, na grande empresa o controlador pode estar escondido em uma
intrincada rede de sociedades e fundos de investimento, de modo a não se saber as pessoas
físicas que detêm a soberania acionária.
Outras diferenças podem ser percebidas. Curiosamente, o suposto ponto de contato
entre o poder de controle e o poder de político, destacado por Comparato, é uma delas. É
verdade que os sistemas capitalistas foram os que mais tenderam à concentração de capital –
embora seja também verdade que foram os que mais geraram riquezas –, mas isso não permite
reconhecer qualquer paralelismo com a vida societária. Ao contrário, o que se vê hoje com o
32
“Convém lembrar que, no quadro da análise marxista do capitalismo, a concentração de capital é,
essencialmente, um aumento de poder sobre os concorrentes e sobre o próprio funcionamento dos órgãos do
Estado. É sabido, aliás, que a apropriação do saber tecnológico como instrumento de controle sobre órgãos de
poder, econômico ou político, foi o fator decisivo de expansão mundial do sistema capitalista, na Era Moderna.
(...). Assim é que a indiferença da maioria dos acionistas em comparecer às reuniões da assembleia geral nas
grandes companhias de capital aberto, propiciando o estabelecimento de um controle minoritário, corresponde
exatamente ao absenteísmo dos eleitores nos pleitos democráticos em que o voto é facultativo, o que permite,
com frequência, a eleição de parlamentos ou de chefes do poder executivo pela minoria do eleitorado”.
(COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed.
Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. Trecho retirado do prefácio).
18
fenômeno da globalização e com a dispersão acionária é justamente a polarização do poder de
controle, com maior equilíbrio das relações de poder intra-societárias.
Atualmente perde força a figura do controlador identificado como dono da empresa e
ganham importância os administradores (inclusive os independentes), acionistas minoritários
comuns (que cada vez contam com mais direitos), e acionistas minoritários com alto grau de
profissionalização, conhecimento e influência (tais como fundos de investimento e
investidores institucionais em geral). Vê-se, igualmente, o aumento da relevância da adoção
de práticas de controle, fiscalização e transparência por parte de sociedades anônimas,
genericamente chamadas de práticas de governança corporativa33, em um movimento de
dispersão e diminuição do poder controle e não de concentração.
A globalização, que coloca as empresas nacionais em direta competição com as
estrangeiras e vice-versa, impõe a adoção de medidas de governança corporativa como
requisito necessário para a conquista do investidor. Sem a adoção de práticas dessa natureza,
não se consegue financiar qualquer atividade econômica hoje em dia, tanto no mercado
acionário como no financeiro. Como bem ressalta Fábio Ulhoa Coelho:
O controlador que não estiver disposto a abrir mão de parcela do poder de
controle, não consegue mais dinheiro; rectius, não atrai o interesse de
investidores ou acaba fazendo a companhia pagar taxa de risco (spread) mais
elevado nos juros do financiamento bancário.
Assim, quando o controlador abre mão de parte de seu poder, o faz em razão
de uma irrefreável tendência “democratizante”, entendida esta não como o
amoldamento da estrutura societária ao padrão da organização política do
estado, mas apenas no sentido metafórico de reequilíbrio da equação entre
assunção de risco e poder de comando, provocado pela globalização34.
O poder de controle, nesse sentido, parece se assemelhar mais a uma situação de fato,
decorrente de uma relação econômica ou contratual, do que propriamente a um poder de
natureza política. Vale lembrar que as relações societárias em geral estão situadas no âmbito
33
Arnold Wald propõe a expressão “governo das empresas” no lugar de “governança corporativa”. Para o autor a
expressão “governança corporativa” é um anglicismo condenável, que pode gerar confusões, tendo em vista que
na língua portuguesa corporação tem o sentido de associação profissional, que não guarda qualquer relação com
empresa ou sociedade anônima. (WALD, Arnoldo. O governo das empresas. Revista de Direito Bancário e de
Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo: RT, nº 15, jan/abr. 2002)
34
COELHO, Fábio Ulhoa. “Democratização” das Relações entre os Acionistas. pp. 46-53. In: CASTRO,
Rodrigo R. Monteiro de; MOURA AZEVEDO, Luiz André N. de (Coord.) Poder de Controle e outros temas de
direito societário e mercado de capitais. São Paulo: Quartier Latin. 2010.
19
da autonomia da vontade e se fundamentam justamente no poder das partes em regular seus
interesses próprios nas relações recíprocas. O grau de voluntariedade, em se tratando de
indivíduo que aplica seu capital em uma sociedade anônima, é indiscutivelmente maior do
que a de, por exemplo, um contribuinte em relação ao Estado.
É fato que o poder de controle compreende um aspecto político, uma vez que, em se
tratando de sociedades, o poder se manifesta em Assembleia Geral mediante o exercício do
direito de voto, mas isso definitivamente não significa que seja o poder de controle um poder
político – e nem que se apliquem a ele os princípios característicos da organização política do
Estado.
Não é o poder de controle de um poder instituído, formal. Pelo contrário, sua
característica preponderante é a variabilidade de manifestações, que pode derivar de relações
jurídicas diversas, sendo uma das grandes dificuldades do tema justamente a definição, em
tese, das diferentes possibilidades fáticas em que ele pode se apresentar.
Essa característica do poder de controle não passou despercebida pela doutrina
jurídica, que há muito vem considerando o poder de controle como um poder de fato35 e não
como um poder jurídico. Confira-se a clássica justificativa dos autores da lei, Lamy e
Bulhões, para o entendimento do poder de controle como tal:
O poder de controle da companhia não é poder jurídico contido no complexo
de direitos da ação: cada ação confere apenas o direito (ou poder jurídico) de
um voto. O poder de controle nasce do fato da reunião na mesma pessoa (ou
grupo de pessoas) da quantidade de ações cujos direitos de voto, quando
exercidos no mesmo sentido, formam a maioria nas deliberações da
Assembleia Geral. A natureza de fato do poder de controle fica evidente
quando se considera que: a) não há norma legal que confira ou assegure
poder de controle: esse poder nasce do fato da formação do bloco de controle
e deixa de existir com o fato da sua dissolução; b) poder de controle não é
direito subjetivo: o acionista controlador não pode pedir a tutela do Estado
para obter que esse poder seja respeitado, a não ser quando se manifesta
35
Entre os autores brasileiros conferir EIZIRIK, Nelson. Oferta Pública de Aquisição na Alienação de Controle
de Companhia Aberta. in SADDI, Jairo (org.). Fusões e aquisições: Aspectos Jurídicos e Econômicos. São
Paulo: IOB, 2002, p.237. SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário:
Interpretação e Valor. Rio de Janeiro: FMF Editora, 2004. Entre os estrangeiros, e.g. ASCARELLI, Tulio.
Riflessioni in Tema di Titoli Azionari e Società tra Società, in Banca, Borsa e Titoli di Crèdito, 1952, I, p.358,
nos Studi in onore di Alfredo De Gregorio. CHAMPAUD, Claude. Droit des Groupes de Societés, p.29; e
VANHAECKE, M. Les Groupes de Societés. Paris: LGDJ, 1962. Apud COMPARATO, Fábio Konder;
SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense.
2005. p. 47.
20
através do exercício regular do direito (ou poder jurídico) de voto nas
deliberações da Assembléia Geral; e c) o poder de controle não é objeto de
direito: não pode ser adquirido nem transferido independentemente do bloco
de controle, que é sua fonte. O acionista controlador (ou a sociedade
controladora) não é, portanto, “sujeito ativo” de poder de controle: tem ou
detém esse poder enquanto é titular (ou sujeito ativo) de direitos de voto em
número suficiente para lhe assegurar a maioria nas deliberações da
Assembléia Geral36.
Embora o poder de controle não seja garantido pelo direito é reconhecido por este. O
controlador tem status próprio no ordenamento jurídico e a ele são atribuídos deveres e
obrigações, como, por exemplo, os descritos nos artigos 116 e 117 da Lei das S.A. A
referência da doutrina ao poder de controle como um poder jurídico parece estar ligada ao
controle como algo reconhecido e regulado pelo ordenamento jurídico, sendo pertinentes, a
esse respeito, as palavras de Tércio Sampaio Ferraz Júnior:
A doutrina refere-se ao problema do controle no sentido poder-dominação.
Contudo, o poder é aí primordialmente encarado como fenômeno bruto,
irracional e, pois, extrajurídico, que aparece, como tal, nos processos de
formação do direito, em sua gênese, mas nela esgotando sua função,
passando, daí por diante, a contrapor-se ao direito em termos da dicotomia
poder-força versus poder-jurídico. Como poder-força, ele aparece assim
como algo que pode pôr, permanentemente, em risco o próprio direito. Por
isso, nas teorizações sobre poder, a doutrina falará preferivelmente em
poder-jurídico como uma espécie de arbítrio castrado e esvaziado da
brutalidade da força, um exercício do controle que se deve confundir com a
obediência e a conformidade às leis37.
O poder de controle é, portanto, um poder extrajurídico, fático38, reconhecido e
regulado pelo direito, que se manifesta na sociedade anônima segundo a hierarquização de
funções predeterminadas, sendo estritamente nesse sentido um poder jurídico. É um poder que
emerge da reunião, em uma mesma pessoa ou grupo de pessoas, de quantidade de ações cujos
direitos de voto são capazes de formar a maioria, determinando a vontade da sociedade. Sua
fonte é o bloco de controle.
36
LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A.: pressupostos, elaboração,
aplicação. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p.620.
37
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6ª Ed. São
Paulo: Atlas. 2008, p.289.
38
Em sentido contrário conferir Modesto Carvalhosa, para quem “o poder de controle pode ser entendido como
o poder de dirigir as atividades sociais. Trata-se de poder no seu sentido jurídico estrito, ou seja, o de poder
dispor dos bens alheios como prerrogativa própria e não delegada. (...). Não se trata, pois, de um poder de
fato, eventual ou ocasional, mas de um poder de direito permanente, real, atual e autárquico, ao qual
corresponde uma ingerência efetiva nos negócios sociais, conforme preceito legal”. (Acordo de Acionistas:
Homenagem a Celso Barbi Filho. São Paulo: Saraiva. 2001. p. 191. Grifos não constantes do original).
21
O processo por meio do qual os indivíduos interagem, estruturando-se em relações
societárias que dão azo ao surgimento de relações de poder, é um fenômeno eminentemente
econômico, praxeológico. Aquele que se propõe a controlar a atividade empresarial – da
mesma forma que, por exemplo, aquele que deseja ter preferências ou vantagens em suas
ações – tem que dar algo em troca e, como regra geral, deve pagar um preço pelo bloco de
ações que lhe proporciona essa condição. O poder de controle é, assim, antes um poder
econômico e factual do que um poder político ou jurídico.
2.4. A Justificação do Poder de Controle
O sucesso da empresa depende, entre outros fatores, da criatividade do empreendedor
e, em especial, de investimento. Dificilmente se poderia imaginar a maior parte das grandes
invenções que revolucionaram o modo de vida do homem ao longo dos últimos cem anos,
sem essa combinação.
O investimento é necessário tanto para a descoberta de novas tecnologias, quanto para
a expansão da capacidade produtiva. E, em regra, quanto maiores forem os empreendimentos,
maiores serão o risco e a necessidade de capital.
Figura central nesse contexto é a sociedade anônima, veículo da grande empresa,
voltada para a canalização de recursos de grande número de investidores para um objeto
comum. A “associação” entre pessoas para a exploração de atividade empresarial, que se dá
sob a forma jurídica da sociedade anônima, é resultado de longo processo de interação, que
remonta ao século XVII39.
As normas que hoje regulam a sociedade anônima no Brasil e no exterior emergiram
em grande parte de sua larga utilização ao longo dos últimos anos, como resultado de tal
interação. Esse poderoso mecanismo de associação e canalização de capital para a produção é
comumente visto sob seu aspecto patrimonial, interessando à doutrina, particularmente,
39
A primeira das companhias colonizadoras a ser fundada foi a Companhia das Índias Orientais, em 20 de março
de 1602. O modelo de sociedades por ações, surgido com as companhias colonizadoras, não tardaria a ser
utilizado em outros tipos de empreendimentos, tais como seguradoras, mineradoras e bancos. Mas suas
características podiam ser observadas desde o final da idade média, em formas geminais da sociedade anônima,
tais como as Maone (associações de credores para a administração de créditos), as Rheederein (associações
constituídas para a armação de navios) e as corporações medievais (LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José
Luiz Bulhões. A Lei das S.A.: pressupostos, elaboração, aplicação. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, pp.29 – 38).
22
compreender a relação entre o capital investido e o exercício do controle dos bens que
compõem o patrimônio da sociedade.
Esse tipo de abordagem foi visto, de forma pioneira, nos estudos de Adolf Berle Jr. e
Gardiner Means, desenvolvidos nos fins dos anos 20, com o fim de compreender a
dissociação entre a propriedade e o seu controle, que vinha ocorrendo nas grandes indústrias
americanas. Os autores observaram exemplos extraordinários de dispersão acionária, que
permitiam o controle de grandes companhias com pequeno percentual de capital, tais como o
da Pennsylvania Railroad, Amer. Tel. & Tel. e United Steel Corp., cujos maiores acionistas
em 1929, detinham, respectivamente, 0,34%, 0,60% e 0,74%40.
A partir da análise do contexto americano, concluíram que a dissociação de interesses
entre administradores e acionistas, ou entre esses e controladores, representaria um problema,
pois seria a própria subversão do sistema de propriedade. Nas palavras dos autores:
A separação entre propriedade e controle produz condição na qual os
interesses do proprietário e dos administradores podem e usualmente são
divergentes, e onde muitas das restrições que anteriormente serviam para
limitar o uso do poder desaparecem. (...)
Ao criar essas novas relações, as companhias quase-públicas podem ser
tidas como operando uma revolução. Elas destruíram a unidade que
comumente denominamos propriedade – dividindo a propriedade em
propriedade formal e poder (que anteriormente era a ela relacionado). Dessa
forma a companhia alterou a natureza dos negócios que visam o lucro. Essa
revolução é o objeto do presente estudo41.
Segundo os autores, a separação entre propriedade e controle acabaria com o sistema
de pesos e contrapesos que os acionistas (proprietários) têm sobre os administradores, de
modo que estes poderiam controlar os bens da sociedade no seu próprio interesse. Tal
presunção veio a sofrer uma crítica inevitável por parte dos estudiosos da matéria, que logo
notara, a inviabilidade de um sistema que pudesse levar os acionistas a perder totalmente o
poder sobre sua propriedade. Veja-se a advertência de Harold Demsetz:
40
BERLE, Adolph A.; MEANS, Gardiner C. The Modern Corporation and Private Property. 10 ed. 2009,
pp.98-100.
41
No original “The separation of ownership from control produces a condition where the interest of owner and
of the ultimate manager may, and often do, diverge, and where many of the cheeks which formerly operated to
limit the use of power disappear. (...). In creating these new relationships, the quase-public corporations may
fairly be said to work a revolution. It has destroyed the unity that we commonly call property – has divided
ownership into nominal ownership and the power formerly joined to it. Thereby the Corporation has changed
the nature of profit-seeking enterprise. This revolution forms the subject of the presente study”. (BERLE, Adolph
A.; MEANS, Gardiner C. The Modern Corporation and Private Property. 10 ed. 2009. p.7.)
23
Em um mundo no qual o interesse individual possui importante papel no
comportamento econômico, é insensato acreditar que proprietários de
recursos valiosos sistematicamente abram mão de seu controle desses bens
para administradores que não tendam a servir seus interesses42.
Diferentes expedientes puderam ser vistos em reação ao que seria a dissociação
“maléfica” entre propriedade e controle a que se referiam Berle e Means, tais como a
utilização pedidos públicos de procuração (proxy fights) e as brigas pela tomada de controle
(takeover battles). O poder absoluto dos administradores, vislumbrado pelos autores, não se
verifica na prática, uma vez que pressões econômicas diversas fazem com que a
administração, assim como acionistas controladores minoritários, permaneçam vinculados de
alguma forma à produção de resultados, com a distribuição de dividendos satisfatória.
O mérito do estudo de Berle e Means, segundo entendemos, foi apontar a
possibilidade de dissociação de interesses de proprietários e detentores do controle, enfoque
que permitiu o desenvolvimento de importantes mecanismos de alinhamento de interesses e
fiscalização por parte de acionistas, hoje amplamente estudados no campo da governança
corporativa.
Esse modo de abordagem da questão do controle acionário levou muitos estudiosos a
voltar sua atenção para o problema da justificação do poder de controle, ou seja, de se saber a
razão pela qual alguém poderia controlar bens de outros indivíduos. A aparente iniquidade
existente no fato de pessoas com pequena ou nenhuma parcela de capital poderem controlar
parcela relevante de capital gerou grande interesse, especialmente entre estudiosos da
governança corporativa.
O fundamento da necessidade de alinhamento de interesses, que serve de mola
propulsora para estudos de governança corporativa, notadamente dos agency problems43, é
42
No original: “In a word in which self-interest plays a significant role in economic behavior, it is foolish to
believe that owners of valuable resources systematically relinquish control to managers who are not guided to
serve their interest”. (DEMSETZ, Harold. The Structure of Ownership and the Theory of the Firm. Journal of
Law and Economics, 1983, pp.375-390).
43
O Problema de Agência refere-se ao potencial desalinhamento de interesses entre um agent (pessoa que
possui o controle sobre recursos de terceiros em uma relação fiduciária) e seus principais (terceiros a quem deve
o agent servir). O problema de agência passa a existir no momento em que o agente, que deve sempre atuar no
melhor interesse do principal, passa a atuar, ao contrário, em seu próprio interesse pessoal. Sobre o tema,
conferir o clássico trabalho de JENSEN, Michael, MECKLING, William. Theory of the firm: managerial
24
simples. O acionista que investe maior parte do capital é quem se submete ao maior risco e
quem, naturalmente, tem maior interesse sobre o sucesso do negócio, sendo que as condições
da sociedade lhe afetam de maneira peculiar, razão pela qual tal acionista tende a querer
influenciar e participar mais ativamente das decisões sociais. Em consequência, o poder de
controle que decorre de número de votos suficientes para fazer a vontade da sociedade resulta,
primordialmente, da relação de risco assumida, tendo em vista que, em regra, quem se
submete ao maior risco o faz na espera de maiores retornos44.
Tal fundamento justificaria, por exemplo, o combate à supressão ao direito de voto nas
ações preferências, medida hoje já vigora para companhias abertas brasileiras que seguem
padrões diferenciados de governança corporativa45.
Contudo, é importante notar que essa não é uma relação de causa e efeito, isto é, não
necessariamente o alinhamento de interesses se dá pelo exercício do direito de voto. Nem
sempre o acionista majoritário detém a maior parcela do capital social; é comum que em razão
dos mecanismos de organização de poder utilizados o controle da sociedade anônima esteja
nas mãos de quem contribuiu com parcela reduzida para a constituição do capital social46, sem
que tal realidade represente propriamente uma distorção ou anomalia do sistema, tampouco o
desalinhamento de interesses.
Como se sabe o direito de voto tem natureza contratual, razão pela qual pode o titular
das ações dele dispor47. A própria Lei das S.A., nesse sentido, permite a supressão ou a
restrição do direito de voto das ações preferenciais (art. 15, §2 da Lei das S.A.). É de se supor
que o indivíduo que venha adquirir uma ação preferencial sem direito de voto não esteja
behavior, agency costs and ownership structure. Journal of Financial Economics, v.3, p. 305-360, October,
1976.
44
Interessante notar que a dispersão acionária influencia diretamente essa relação. Em companhias com capital
disperso, um acionista pode vir a conseguir determinar a vida da sociedade com parcela de capital relativamente
pequena; por outro lado, quanto menor for a parcela de capital detido, maiores serão as chances de que o este
acionista não consiga fazer valer sua vontade ou esteja sujeito a perder o controle.
45
Como se tem, por exemplo, com as companhias listadas no segmento do Novo Mercado que permite somente
a existência de ações ordinárias.
46
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 10ª ed. São Paulo, Saraiva, 2007,
v. 2. p. 281
47
O direito de disposição não compreende a faculdade de alienar o voto, nem de cedê-lo definitivamente a
terceiros. Refere-se à existência de espécie de ações sem essa prerrogativa, as ações preferenciais sem direito de
voto, e ao fato de a Lei das S.A. admitir o exercício de direito de voto desacompanhado da titularidade da ação,
como ocorre no voto por procurador. Vale lembrar, nesse sentido, que essa é uma evolução em relação ao
Decreto 2.627/40, que em seu artigo 90, §1, dispunha que os acionistas poderiam ser representados por
procurador em assembleia geral, desde que este fosse acionista. (CARVALHOSA, Modesto. Acordo de
Acionistas: homenagem a Celso Barbi Filho. São Paulo, Saraiva, 2011. pp.93-94)
25
interessado em fazer valer sua vontade na companhia; seu interesse pode estar nos dividendos
ou, eventualmente, na liquidez dessas ações – ou ainda em outras preferências, vantagens e
características das ações preferenciais. Supor que o proprietário tenha necessariamente
vontade participar da vida social da Companhia através do exercício do direito de voto é negar
toda a lógica que justifica a existência, atratividade e o próprio sucesso das ações
preferenciais.
Talvez, melhor do que a tentativa de justificar a relação entre propriedade e controle
no necessário alinhamento de interesses via exercício do direito de voto, seja considerar tal
relação sob o aspecto da motivação, reconhecendo nos acionistas das sociedades anônimas
diferentes tipos interesses.
Há perfis diversos de acionistas em uma sociedade anônima de capital aberto, assim
como há diferentes situações que justificam o interesse ou não de acionistas pelo exercício do
direito de voto. O acionista com perfil empreendedor, por exemplo, é pessoa interessada na
exploração da atividade e geralmente detém conhecimento do negócio, pelo que busca dirigir
a vida social, exercendo o direito de voto e elegendo membros da administração. Há
investidores que buscam maximizar o potencial da companhia investida, através da imposição
de melhores práticas de gestão e governança corporativa, como ocorre, por exemplo, com os
fundos de investimento em participações. Existem, ainda, inúmeros outros tipos de
investidores que tem interesse no exercício do direito de voto.
Mas há também investidores para quem o exercício do direito de voto não representa
interesse primordial. Investidores com perfil especulador, por exemplo, podem estar
interessados em ganhos imediatos, o que pode os levar a privilegiar ações com maior liquidez
e maior distribuição de dividendos. Pode não lhes interessar se os fundamentos da
Companhia, no longo prazo, são bons, ou se a realização de determinado investimento pela
sociedade é ou não conveniente.
Da mesma forma, há acionistas que desejam somente formar uma carteira de
investimentos para diversificar riscos e que não tem interesse nas decisões tomadas no âmbito
da companhia, inexistindo interesse no exercício do voto, até mesmo pelo baixo percentual de
participação no capital social, incapaz de modificar ou influenciar as decisões.
26
A Lei das S.A. é um aparato legal que visa a canalizar o capital desses diferentes tipos
de investidores para a exploração e desenvolvimento da atividade empresarial. Esse objetivo
fica ainda mais claro em se tratando de sociedades anônimas com registro de companhia
aberta.
A fim de conferir estabilidade a essa relação entre acionistas a Lei das S.A. prevê uma
série de mecanismos, tais como, direitos essenciais dos acionistas (art. 109 da Lei das S.A.),
exigência de distribuição de dividendos obrigatórios (art. 202), direito de recesso (art. 137),
direito de indicar em separado membros do Conselho de Administração (art. 161, §4),
possibilidade de adoção de voto múltiplo (art. 141), mecanismo de convocação de assembleia
(art. 123, § único, alínea “c”), entre outros.
O poder de controle não confere ao controlador a possibilidade se utilizar da empresa
em benefício próprio ou de modo prejudicial aos acionistas minoritários. A Lei das S.A.,
seguindo a lógica aqui descrita, proíbe e combate o abuso do poder de controle, inclusive
citando expressamente exemplos de atos considerados abusivos.
Por outro lado – e é esse o ponto principal a que se quer chegar – reconhece o legítimo
exercício do controle ao garantir o sistema majoritário nas deliberações assembleares.
É impossível imaginar-se que a disciplina legal ou estatutária seria capaz de prever
todos os potenciais conflitos entre acionistas ao longo da existência de uma companhia. Há
uma inegável incompletude na disciplina das sociedades anônimas, natural a qualquer relação
contratual48 - e o modo de solução de conflitos entre acionistas é o de prevalência dos votos
em assembleia, seja por maioria formada ocasionalmente, seja em companhias com
controlador pré-definido.
O exercício do poder de controle é um dado natural e necessário, decorrente de uma
conformação prática que consiste na união de diferentes “interesses” em prol de um objeto em
comum, mas que naturalmente possui lacunas, a serem preenchidas, ao longo do tempo, de
acordo com a vontade da maioria.
48
BAKER, Scott; KRAWIEC, Kimberly D. Incomplete Contracts in a Complete Contract World. Disponível em
www.ssrn.com. Acesso em setembro de 2011.
27
Seria ótimo – como já se pensou em outros tempos – que as decisões fossem tomadas
todas por unanimidade49 e que não houvesse conflitos nas sociedades anônimas entre
controladores e minoritários, mas, para o desgosto daqueles cujo objetivo final está sempre na
“defesa dos minoritários”, infelizmente isso é impossível.
49
Nos primórdios das sociedades comerciais, o critério adotado para a tomada de decisões em sede de
deliberações sociais era o da unanimidade. Todavia, observou-se que este critério ensejava entraves a adequada
eficiência do órgão deliberativo, pois a tomada das decisões era excessivamente procrastinada em virtude da
dificuldade de reunião de consensos. (TRIUNFANTE, Armando Manuel. A Tutela das Minorias nas sociedades
anônimas – Direitos Individuais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, pp. 19 ss. apud MACHADO, Flávia Costa. O
abuso de minoria: Aspectos doutrinais à luz da doutrina lusitana. Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7767. Acesso em setembro de 2011).
28
3 - A DEFINIÇÃO LEGAL DE CONTROLE ACIONÁRIO
3.1. O Acionista Controlador segundo a Lei das S.A.
O Decreto-lei 2.627/40 que regulava as sociedades anônimas nada dispunha sobre o
acionista controlador. O critério adotado para a determinação da vontade social era
quantitativo, majoritário, fazendo prevalecer a ficção democrática segundo a qual o poder de
comando da companhia era exercido pela assembleia geral dos acionistas, sem que se
indagasse quem detinha, de fato, o controle dos negócios sociais, o que, na prática, acarretava
a diluição das responsabilidades pelas decisões tomadas em assembleias gerais ou pelos
órgãos de administração das companhias50.
A Lei das S.A., de 1976, não adotou um conceito de controle, mas criou, em seu art.
116, a figura do acionista controlador, a quem impôs uma série de deveres e
responsabilidades51. Confira-se a redação do art. 116:
Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica,
ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum,
que:
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a
maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a
maioria dos administradores da companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o
funcionamento dos órgãos da companhia.
Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer
a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e
responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela
trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses
deve lealmente respeitar e atender.
50
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2003.
p.164.
51
Como informa Nelson Eizirik, “ao definir a figura do acionista controlador, permitindo a identificação do
poder de controle acionário, a Lei das S/A superou a ‘ficção democrática’ da sociedade anônima, que
acarretava a diluição das responsabilidades pelas deliberações sociais entre os administradores, uma vez que
prevalecia até então a ideia de que as decisões eram tomadas pela comunhão dos acionistas, como se não
existissem acionistas controladores e minoritários”. (EIZIRIK, Nelson. Temas de Direito Societário. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005. p. 323).
29
A Lei adotou o critério de identificar o controlador como aquele que comanda de fato
os negócios sociais, fazendo prevalecer de modo permanente a sua vontade, tratando-o,
portanto, como um poder de fato, a ser identificado caso a caso. Optou o legislador por não
exigir um percentual mínimo de ações votantes para a caracterização da figura do acionista
controlador.
O mesmo critério foi utilizado no §2º do art. 243, que estabelece ser controlada a
sociedade na qual a controladora, diretamente ou por meio de outras controladas, “é titular de
direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações
sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores”.
Uma semana após a promulgação da Lei das S.A., o Conselho Monetário Nacional
editou a Resolução CMN nº 401, na qual divulgou o entendimento de que, para os fins da Lei,
considerava-se como permanente a manifestação do poder de controle se o acionista possuísse
ações que lhe assegurassem a maioria absoluta de votos nas três últimas assembleias gerais 52.
Embora a Resolução CMN nº 401 regulasse o revogado art. 254, que antecedeu o artigo 254A, entende parte da doutrina que o critério para a determinação do acionista controlador
continua pertinente53.
Em sentido contrário, havia quem sustentasse que quando da vigência do art. 254 a
disposição da Resolução era ilegal, pois fora dos limites regulamentares do Conselho
Monetário Nacional. A Superintendência Jurídica da CVM, por exemplo, questionou em seu
Parecer/CVM/SJU/Nº29/85 a competência do CMN para ampliar o conceito legal do então
vigente art. 254, entendendo que:
52
Note-se, desde já, que o critério temporal para a definição do controle é de suma importância na determinação
da exigibilidade da OPA por alienação de controle e representa um de seus grandes problemas de aplicação
prática. A questão pode ser formulada da seguinte maneira: se a alienação de controle prevista no art. 254-A
depende da transferência de controle que resulte na presença de um novo controlador, deve-se esperar para saber
se esse novo acionista exercerá, de fato, o seu controle ou a OPA é exigível já quando da transferência das aões
que compõem o bloco de controle?
53
Nesse sentido, vide COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 10ª ed. São
Paulo: Saraiva, v. 2., 2007, p. 281 e EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Vol. I. São Paulo: Quartier
Latin, 2011, p.669. Observe-se que influências da definição contida no item II da Resolução CMN podem ser
sentidas até hoje. O Regulamento do Novo Mercado assim define controlador: “significa o poder efetivamente
utilizado de dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da Companhia, de forma direta
ou indireta, de fato ou de direito, independentemente da participação acionária detida. Há presunção relativa
de titularidade do controle em relação à pessoa ou ao Grupo de Acionistas que seja titular de ações que lhe
tenham assegurado a maioria absoluta dos votos de acionistas presentes nas 3 (três) últimas assembleias gerais
da Companhia, ainda que não seja titular das ações que lhe assegurem a maioria absoluta do capital votante”.
30
Não se pode, em vista do texto legal, pensar em uma norma cuja
exiquibilidade dependesse da futura regulamentação pela entidade ali
mencionada. A Competência do CMN é claramente delimitada:
estabelecimento de normas que disciplinem a oferta pública. A regra
substantiva, o teor da norma impositiva, encontrasse na lei. Ao órgão
regulador cabe um papel de mera definição das regras processuais que
conduzem a oferta pública. Nos momentos em que interpreta a lei, o
regulamento perde legitimidade naquilo que exceda ou restrinja.
Independentemente da aplicabilidade ou não do critério previsto na Resolução CMN
nº 401, a Lei das S.A. considera como acionista controlador aquele que, de fato, comanda os
negócios sociais, sendo essa inclusive a orientação constante da Exposição de Motivos da Lei
(Mensagem 204), que dispôs expressamente que “a caracterização do ‘acionista controlador’
é definida no artigo 116 e pressupõe, além da maioria dos votos, o efetivo exercício do poder
de controle”54.
Tem-se, a partir disso, que não será considerado controlador, para os fins do art. 116
da Lei das S.A., o acionista que, embora detendo bloco de ações que lhe poderia assegurar o
controle da sociedade, não o exerça na prática55. Mesmo não sendo comum encontrar alguém
que, podendo, não exerça o controle de uma companhia, o requisito do exercício de fato para
a caracterização do controle foi objeto de polêmicas na doutrina. A divergência teve por
fundamento em especial o fato de o art. 243 não mencionar, assim como o art. 116 da Lei das
S.A., o “uso efetivo” do poder.
Ante a diferença nas redações dos artigos exsurgiu a dúvida de se o exercício efetivo
do poder de controle seria parte integrante da definição de controlador e de sociedade
controladora, ou se esse atributo seria inerente a quem simplesmente detivesse a maioria das
ações votantes56.
Da divergência podem ser apontadas três correntes. Uma entende que o uso efetivo do
poder de controle seria necessário para a caracterização tanto do acionista controlador quanto
da sociedade controladora. Uma segunda corrente sustenta que a prova do uso efetivo só seria
54
Seguindo o conceito de controlador previsto no art. 116 da Lei das S.A., a Instrução CVM nº 361 reproduziu a
disposição de que só é exigível a oferta pública a posteriori por alienação de controle quando se tratar de
alienação de ações de propriedade de acionistas que estejam no “efetivo” exercício do controle.
55
Vide o Processo CVM RJ/2005/4069, em que o diretor relator Pedro Marcílio trata da hipótese. Esse
precedente (Caso CBD) é comentado adiante no Capítulo 6.
56
BULGARELLI, Waldirio (coord.). Reforma da lei das sociedades por ações: Lei nº 6.404/76 e Lei nº
6.385/76, ambas alteradas pela Lei nº 9.457 de 05/05/97, coord. Waldírio Bulgarelli. São Paulo: Pioneira,
1998.p.71.
31
necessária para a caracterização do controlador pessoa física, sendo dispensável para as
jurídicas, para as quais haveria uma presunção ou suposição de controle. A terceira, por sua
vez, entende que somente seria necessária a verificação do uso efetivo em casos de controle
minoritário, tendo em vista que a detenção da maioria das ações do capital votante pressupõe
a condição de controlador, seja ele pessoa física ou jurídica57.
Alfredo Lamy Filho, co-autor da Lei das S.A., posicionou-se a respeito da matéria, em
livro publicado em 2007, da seguinte maneira:
A razão do art. 116 é que ele se reporta a pessoas físicas, que, muita vez, por
ausência, ignorância, omissão ou herança, não sabem ou não podem exercer
o controle. Para essas pessoas, seria injurídico atribuir-lhes
responsabilidades de controlador que de fato não eram.
Já as pessoas jurídicas controladoras – como sociedades comerciais que são
– têm o poder e o dever estatutário de exercer o seu objeto, são, pois,
necessariamente controladoras, e, coo tal, respondem se detêm a maioria.
Não precisava e não devia a lei, incluí-las na definição para as pessoas
físicas (art. 116, b) – ‘usa efetivamente o poder para dirigir as atividades
sociais e orientar os órgãos da companhia’ porque têm o dever, como
sociedade mercantil, de realizar seu objeto estatutário e administrar seu
patrimônio58.
Parece-nos que a resposta da questão deve ser a de que há uma presunção relativa de
que aquele que detém ações que lhe conferem o controle o exerce. Mas essa é presunção que
poderá ser oposta, pela demonstração in casu de que, por alguma razão específica, o controle
não é exercido de fato.
3.2. Controle Interno e Controle Externo
É comum que se distinga, do ponto de vista doutrinário, o controle interno do controle
externo59. A distinção se funda no fato de ser possível a existência de controle exercido
mediante influência dominante, que não necessariamente se relaciona com a titularidade de
ações que compõem o bloco de controle.
57
Apud BULGARELLI, Waldirio (coord.). Reforma da lei das sociedades por ações: Lei nº 6.404/76 e Lei nº
6.385/76, ambas alteradas pela Lei nº 9.457 de 05/05/97, coord. Waldírio Bulgarelli. São Paulo: Pioneira,
1998.p.71.
58
LAMY FILHO, Alfredo. Temas de S/A. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 332.
59
COMPARATO, Fábio Konder, Aspectos Jurídicos da Macroempresa, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 1970. p. 51.
32
Assim, pode-se definir como controle interno aquele exercido quando o titular do
controle atua no interior da sociedade, sendo titular do bloco de ações, cujo direito de voto
que lhe confira tal prerrogativa.
Já o controle externo não decorre do direito de voto, mas de fatores tais como relações
contratuais e de endividamento60. Trata-se de controle de fato exercido mediante transferência
de direitos ou decorrente de dependência econômica, por meio do qual se dita o futuro da
companhia, muito embora a formalização das decisões seja feita por quem de direito pode
exercer o voto, ou seja, os acionistas. Nesse caso o controle que pertence a um ou mais
agentes que atuam de fora da sociedade, isto é, exercendo uma influência dominante 61 nos
assuntos sociais.
É possível encontrar, na própria Lei das S.A., exemplos de exercício de influência
características do controle externo. Ao regular o voto de ações empenhadas e de ações
alienadas fiduciariamente, por exemplo, a Lei previu expressamente que o acionista não
poderá, sem o consentimento do credor, votar em certas deliberações ou que somente poderá
o fazer nos termos do contrato (vide art. 113 caput e parágrafo único).
Sob tal perspectiva de classificação a lei brasileira compreendeu, em seu conceito de
controle, somente o controle interno62, de maneira que a configuração do controle externo não
implica qualquer consequência na esfera do direito societário, seja do ponto de vista da
responsabilização por abuso de controle, prevista no art. 117, seja para a determinação de
alienação de controle, para os fins do art. 254-A da Lei das S.A.
60
Sobre a transferência da direção dos negócios jurídicos através do endividamento, vide COELHO, Fábio
Ulhoa. O Conceito de Poder de Controle na Disciplina Jurídica da Concorrência. Revista do Instituto dos
Advogados de São Paulo. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 3, jan/jun, 1999, p.23 e 24.
61
A influência dominante foi introduzida recentemente em nosso ordenamento jurídico pela Lei 11.941/09 que,
alterou a redação do §1º do art. 243 da Lei das S.A., ao definir que “são coligadas as sociedades nas quais a
investidora tenha influência significativa”. A redação do §4 do mesmo artigo também foi alterada, passando a
prever que “há influência significativa quando a investidora detém ou exerce o poder de participar nas decisões
política financeira ou operacional da investida, sem controla-la”.
62
Nelson Eizirik exemplifica a questão: “Assim, por exemplo, se determinado banco, que detém créditos de
montante elevado frente a uma companhia aberta e sobre ela exerce uma influência dominante, um verdadeiro
‘controle’ de suas atividades (‘controle externo’), cede seu crédito para outra instituição, não se caracteriza a
alienação de controle, para os efeitos do art. 254-A, pois inexistente a transferência de controle acionário”.
(EIZIRIK, Nelson. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 235)
33
3.3. Tipologia do Controle
Consideradas hipóteses de controle interno existentes, a doutrina classifica as
modalidades de controle nas sociedades anônimas em: (i) totalitário, (ii) majoritário, (iii)
minoritário, e (iv) gerencial.
O controle totalitário caracteriza-se pela concentração da totalidade ou quasetotalidade das ações com direito a voto em um só acionista, existindo, por exemplo, nas
companhias subsidiárias integrais, previstas no art. 251 da Lei das S.A., que têm como único
acionista sociedade brasileira.
Em determinadas hipóteses a unanimidade de votos de acionistas é imprescindível,
caracterizando também o controle totalitário. Esse seria o caso, por exemplo, de sociedade em
que nenhum acionista pode exercer, isoladamente, o controle, conforme explica Comparato:
Preferimos falar em controle totalitário, quando nenhum acionista é excluído
do poder de dominação na sociedade, quer se trate de sociedade unipessoal,
quer se esteja diante de uma companhia tipo familiar (controle totalitário
conjunto). Em tais hipóteses, a unanimidade é de rigor63.
O controle majoritário é aquele exercido por acionista ou grupo de acionistas titular de
mais da metade das ações com direito a voto, ou seja, 50% mais uma ação votante. A
formação de vontade dá-se, nesse caso, independentemente da vontade da minoria – embora
esta conte com uma série de prerrogativas deliberativas conferidas pela Lei das S.A., que
independem do voto do controlador, tais como a adoção do processo de voto múltiplo para a
escolha de administradores (art. 141), direito de recesso (art. 137), e o direito de indicar em
separado membros do Conselho de Administração (art. 161, §4).
O controle minoritário ou “controle diluído”64, por sua vez, é o controle exercido por
acionista que, embora tendo menos da metade das ações com direito de voto, consegue fazer
prevalecer, de modo permanente, a sua vontade. Essa modalidade de controle pode ocorrer
quando não há um controlador majoritário ou, havendo, este não exerça efetivamente o
63
COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª
ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. p.59 e 60.
64
A denominação “controle diluído” é proposta em OIOLI, Erik Frederico. Obrigatoriedade do Tag Along na
Aquisição de Controle Diluído. In: ADAMEK, Marcelo Vieira von (coord.). Temas de Direito Societário e
Empresarial Contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 319.
34
controle. Sua caracterização depende da existência de um acionista minoritário que consiga
exercer o controle de fato nas assembleias gerais, notadamente mediante a eleição dos
administradores, não podendo sua vontade prevalecer de modo esporádico.
Aplica-se a esse caso, segundo entendemos, como padrão de referência o disposto na
Resolução CMN nº 401, segundo o qual se deve considerar como controlador aquele que o
tiver exercido nas últimas três assembleias. É claro que a regra da Resolução não deve ser
aplicada de modo estrito.
Roberta Nioac Prado65 apresenta exemplo que demonstra a limitação da Resolução
CMN nº 401: é o caso de um acionista que, tendo exercido o controle em dez assembleias
gerais da companhia, deixa de exercer na penúltima e alega que esse não exercício
descaracteriza o controle. Por óbvio, o fato descrito no exemplo seria irrelevante para a
descaracterização do controle, uma vez que é visível a forte intenção de fraude no caso.
Entendemos que o principal ponto para a determinação do controle, mais do que
propriamente as três últimas assembleias, está na verificação do exercício do controle nas
últimas assembleias (de modo geral) e, especialmente, na eleição da maioria dos membros da
administração, pois é através de tal recurso que o acionista consegue, na prática, exercer
controle sobre o dia-a-dia da companhia.
O art. 116 admitiu implicitamente o controle minoritário, uma vez que não exige
percentual mínimo de ações para definir o controle acionário. Embora a existência de controle
minoritário no mercado brasileiro seja algo relativamente recente, essa posição parece já estar
sedimentada na doutrina.
Não obstante, não se pode deixar de mencionar a opinião de Modesto Carvalhosa
sobre o assunto, que em recente artigo66 defendeu a inexistência do controle minoritário para
os efeitos do art. 116. Segundo o autor, a expressão “de modo permanente” contida no
dispositivo quer significar que existe um acionista ou grupo deles possuindo 50% mais uma
65
PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier Latin,
2005. p.138.
66
CARVALHOSA, Modesto. O desaparecimento do controlador nas companhias com ações dispersas. In:
ADAMEK, Marcelo Vieira von (coord.). Temas de Direito Societário e Empresarial Contemporâneos. São
Paulo: Malheiros, 2011. pp.516-521.
35
das ações votantes, não podem ser destituídos do seu direito de eleger a maioria dos
administradores por parte de qualquer outro grupo de acionistas, o que reveste a
administração do atributo da estabilidade.
O suposto controle minoritário, na visão de Carvalhosa, carece de permanência e
estabilidade, razão pela qual não haveria em nosso regime legal a figura do controle
minoritário, “que vez por outra é referido nos ambientes leigos do mercado de capitais”. O
autor cita, ainda, algumas decisões da CVM que, segundo ele, corroborariam tal
entendimento67.
A menção à figura do controle minoritário não se faz, como dito pelo autor, nos
“ambientes leigos do mercado de capitais”; pelo contrário, é feita por diversos doutrinadores
especializados na matéria, entre os quais destacamos Nelson Eizirik, que dispõe o seguinte
sobre o controle minoritário:
Já o controle minoritário caracteriza-se quando, dada a dispersão das ações
da companhia no mercado, um acionista ou grupo de acionistas exerce o
poder de controle com menos da metade do capital votante, uma vez que
nenhum outro acionista ou grupo está organizado ou detém maior volume de
ações com direito de voto. A Lei das S.A., ao não exigir, neste artigo [116],
um percentual mínimo de ações para definir o controle acionário, admitiu
implicitamente o controle minoritário (grifamos)68.
Além disso, nenhuma das decisões citadas por Carvalhosa tratam especificamente da
questão do controle minoritário. Somente reproduzem a ideia de que deve haver permanência,
mas em momento algum dizem, assim como Carvalhosa, que tal permanência só pode ser
alcançada com a titularidade de bloco majoritário de ações.
O grau de estabilidade e permanência do poder de controle no caso do controle
minoritário pode variar de companhia para companhia, a depender do número de assembleias
67
Processo Administrativo Sancionador CVM RJ/2001/9686 e Processos CVM RJ/2005/4069 e RJ/2009/0471.
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Vol. III. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 671. Para outros
autores que consideram o controle minoritário vide, por exemplo, BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito
Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 12ª edição, revista e atualizada pela Lei nº 11.941 de 27 de maio de 2009,
2010. p. 348; e MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Vol. 2, tomo I. Rio de Janeiro:
Forense, 1ª edição, 1978. p. 89.
68
36
nas quais prevalece a vontade dos acionistas integrantes do bloco controlador69, mas isso não
significa que seja impossível o exercício de controle de forma com percentual inferior à
metade do capital votante.
Embora discordemos da interpretação de Carvalhosa, entendemos que a verificação de
controle minoritário, na prática, segundo os critérios hoje presentes na lei, pode sim ensejar
grandes dificuldades, pois em companhia com capital com grande dispersão pode ocorrer,
com maior frequência, a “transferência” de controle entre acionistas diferentes.
A última das modalidades de controle é o controle gerencial: aquele em que a
dispersão acionária é tão grande que os próprios administradores devem ser considerados
controladores, pois que acabam por se perpetuar na direção da companhia70.
A existência de companhias sem controlador definido é uma realidade recente no
mercado de valores mobiliários brasileiro. A verificação de companhias com tal tipo de
distribuição acionária não decorre, no Brasil, de mero desenvolvimento e expansão do
mercado71, mas antes pela adoção de regras de dispersão acionária (também denominadas
poison pills72), especialmente em decorrência da listagem em segmentos diferenciados de
governança corporativa da BM&FBovespa. Começando pelas Lojas Renner, em 2005,
diversas outras companhias passaram a adotar normas desse tipo, tais como Eternit,
Brasilagro, Perdigão, Gafisa etc.
Exemplos de cláusulas dessa natureza são aquelas por meio das quais se restringe,
estatutariamente, o número máximo de votos de cada acionista nas deliberações em
assembleia geral, independentemente da participação acionária por ele detida; ou aquelas que
69
AZEVEDO, Luis André N. de Moura. Ativismo dos Investidores Institucionais e Poder de Controle nas
Companhias Abertas de Capital Pulverizado Brasileiras. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO,
Leandro Santos de. (Coord.). Direito Societário: Desafios atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 232.
70
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v.
2. p. 278.
71
Assim como aconteceu, por exemplo, no Reino Unido ou nos Estados Unidos, onde ainda na década de 30 já
havia uma série de companhias com capital pulverizado. Note-se: lá o “capital pulverizado” emergiu
naturalmente da expansão do mercado e da atração de grande numero de investidores; no Brasil, decorreu da
imposição de regras que têm como objetivo “promover” ou manter a dispersão acionária (vulgarmente
denominadas poison pills).
72
O termo poison pills que vem sendo utilizado no mercado brasileiro é distinto do instituto das poison pills
existente no direito norte-americano. A posion pill brasileira exige a realização de oferta pública aos demais
acionistas sem que tenha necessariamente havido alienação de controle acionário, bastando que seja atingido um
número percentual de ações definido no estatuto social, adquiridas em diversas operações de compra e venda,
que não configuram alienação do poder de controle.
37
obrigam a realização de OPA pelo acionista que adquira percentual de ações determinado no
estatuto social (e.g. 30% do capital).
Trata-se de um fenômeno um tanto peculiar. Uma espécie de crença de que capital
disperso representa uma boa prática de governança corporativa, ou seja, a partir de uma mera
observação – a de que países com mercados mais desenvolvidos (capazes de atrair mais
capital e maior número de investidores) – tenta-se estimular uma suposta “eficiência” no
mercado, através da adoção de regras que imponham essa “dispersão”. Um contrassenso bem
retratado por Eduardo Secchi Munhoz:
O reconhecimento da predominância do controle concentrado impõe desde
logo uma indagação: deve-se buscar a transformação da estrutura para a de
controle diluído, sistema havido como superior por grande parte da
literatura? A resposta, ainda que fosse positiva, levaria à adoção de posturas
ingênuas e pouco efetivas. A transformação da estrutura de controle
dominante em determinado país não se faz apenas por meio da modificação
das regras societárias, ainda que fosse possível aprovar tais modificações. Há
uma série de outros fatores, de ordem econômica, social e política, que
tornam a estrutura de controle presente em dado momento histórico
altamente resistente a mudanças. Prova disso é que o sistema de controle
diluído, havido como mais eficiente, é dominante talvez apenas nos Estados
Unidos e no Reino Unido.
Diante desse quadro, a tarefa do estudioso do direito societário, antes de
buscar a transformação do sistema, deve ser a de tornar a lei societária
aplicável à estrutura atual o mais eficiente possível, no sentido de ser capaz
de levar ao bem-estar geral73.
Aparentemente a Lei das S.A., em seu art. 116, excluiu o controle gerencial adotando
somente os três primeiros critérios de classificação: totalitário, majoritário e minoritário. O
controle gerencial se enquadra no inciso ‘b’ do art. 116 da lei societária, pois há, por parte dos
administradores, o exercício efetivo de poder de fazer valer sua vontade; entretanto, tendo em
vista as expressas referências existentes no artigo a “direitos de sócios”, “votos nas
deliberações assembleares” e “eleição” da maioria dos administradores, não fica claro se
seria possível caracterizar como controladores os administradores de companhias abertas
brasileiras em casos de “controle gerencial”74.
73
MUNHOZ, Eduardo Secchi. Desafios do direito societário brasileiro na disciplina da companhia aberta:
avaliação dos sistemas de controle diluído e concentrado. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de e ARAGÃO,
Leandro Santos de. (Coord.). Direito Societário: desafios atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 153.
74
Corroborando nosso entendimento, conferir EIZIRIK, Nelson. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro,
Renovar, 2005. p.235; e CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 2ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2003, v. 4, tomo II. p 163.
38
3.3. Controle Unitário e Controle Compartilhado
Dispõe o art. 116 da Lei das S.A. que é considerado controlador o “grupo de pessoas
vinculadas por acordo de voto”. Assim, com relação à titularidade do poder de controle, a Lei
das S.A. reconhece como controladores: (i) um único acionista (pessoal natural ou jurídica);
ou (ii) um grupo de sócios vinculados por acordo de voto.
O controle compartilhado é exercido por mais de uma pessoa que, atuando em
conjunto, formam um bloco de controle. Considera-se, para os fins do disposto no art. 116
como acordo de voto tanto o acordo tácito ou verbal, quanto o acordo celebrado por
instrumento formal, escrito75. Haverá acordo de acionistas verbal ou tácito quando o grupo
controlador votar em conjunto sistemática e reiteradamente nas assembleias gerais da
companhia, mesmo sem se vincular por instrumento contratual arquivado nos termos do art.
118 da Lei das S.A.
Embora não haja menção expressa no art. 116 a acordos tácitos, sua consideração
como modo de exercício de controle decorre da própria lógica do conceito de controle, de que
este consiste em um poder de fato, a ser verificado caso a caso. Se a inobservância dos
ditames do art. 118 da Lei das S.A., por parte de acionistas que atuem em conjunto, tivesse
por consequência a descaracterização destes como acionistas controladores, ter-se-ia a própria
viabilização de um modo de evasão da obrigação legal, uma vez que bastaria às partes manter
oculto o acordo para se eximir das obrigações de controlador76, já que o arquivamento do
acordo é ônus do controlador77.
Os acordos de acionistas são do tipo “acordo de voto” quando seus integrantes criam
“órgão” deliberativo, conhecido como “reunião prévia”, na qual a deliberação será tomada
previamente à assembleia geral, pela maioria absoluta dos signatários do acordo, vinculando a
todos (art. 118, §§8º e 9º). Outras cláusulas constantes de acordo de acionistas podem
caracterizar o controle conjunto, tais como: (i) direito de preferência para aquisição de ações
do signatário que deseje se retirar da companhia; (ii) direito de eleger um número
75
O controle conjunto sem acordo de acionistas foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (REsp 784-RJ,
4ª Turma).
76
No mesmo sentido, vide Parecer da Superintendência Jurídica da CVM nº 79/83.
77
COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª
ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. p.61.
39
determinado de membros da administração; e (iii) direito de veto sobre matérias relevantes
para o desenvolvimento dos negócios da companhia.78.
Tratando do controle conjunto, Nelson Cândido Motta ensina que:
O grupo de controle constitui, assim, uma unidade orgânica que tem perfil
legal perfeitamente delineado. Constitui uma entidade do direito societário,
com estrutura, funções e especificidades próprias. (...) Cumpre reconhecer –
por óbvio e evidente – que todos os acionistas que formam o grupo de
controle, qualquer que seja a quantidade de ações de cada um, integram,
todos eles, o bloco majoritário e ostentam, em conjunto, a condição de
acionista controlador79.
Entende-se que a titularidade do controle compartilhado de uma Companhia é atributo
coletivo do grupo de controle, não podendo ser atribuído isoladamente a um ou outro
integrante do bloco80.
Não basta a mera existência de um acordo de voto para que se tenha um bloco de
controle: acordos de voto podem ser celebrados por acionistas minoritários, sem que isso
tenha como intuito ou consequência o controle da sociedade81. Põe-se então a questão: como
verificar se o acordo de acionistas representa um acordo de voto para fins do art. 116?
Em primeiro lugar, é preciso verificar se o bloco de ações vinculado por acordo exerce
o controle, especialmente em caso de acordo de acionistas no qual o bloco de controle seja
minoritário.
78
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Vol. I. São Paulo: Quartier Latin, 2011. São Paulo: Quartier
Latin, 201, p. 670.
79
MOTTA, Nelson Cândido. Alienação e titularidade do poder de controle nas companhias abertas: notas sobre
a transferência de ações entre participantes do grupo controlador e sobre a interpretação do art. 254 da Lei das
S.A. Revista Forense. v. 324, 1993. p. 82.
80
“A circunstância de que qualquer um dos participantes seja eventualmente majoritário, dentro ou fora do
grupo, não o converte, ipso facto, em um acionista controlador, senão quando visto como parte componente da
coletividade. Até porque seria incompatível com a boa hermenêutica do dispositivo legal acima reproduzido
admitir que uma sociedade possa, ao mesmo tempo, ser controlada por um grupo de acionistas e por um dos
acionistas integrantes desse grupo. É impossível imaginar a existência concorrente, numa mesma companhia, de
dois acionistas controladores, um sendo parte integrante do outro. Em todo grupo de controle, a lei pressupõe
sempre o exercício de um poder coletivo, tanto que entende que essa coletividade deva ser encarada como um
único sujeito de direito – o acionista controlador. O poder de controle é, destarte, atributo do grupo,
considerado coletivamente, e não dos seus componentes isoladamente considerados”. (LEÃES, Luiz Gastão
Paes de Barros. Acordo de Comando e Poder Compartilhado. Pareceres. Vol. I. São Paulo: Editora Singular,
2004. pp.1309-1310).
81
Cite-se, nesse sentido, o que restou conhecido na doutrina como acordos de defesa. Os acordos de defesa têm
por objeto proteger a minoria. Nesse caso, os acionistas que não têm o controle da companhia organizam sua
posição, seja para oposição aos controladores, seja apenas para fiscalizar eficazmente a legalidade e legitimidade
dos atos por eles praticados ou para eleger seus representantes junto aos órgãos da administração.
40
Em segundo lugar, somos de posição de que é preciso verificar se os direitos
conferidos pelo acordo asseguram o controle compartilhado, ponto relevante para casos em
que um dos membros é detentor do controle, mesmo não sendo signatário do acordo de
acionistas. Pense-se, por exemplo, em um acordo celebrado entre um acionista ou grupo
majoritário e um acionista minoritário: para que configure controle compartilhado é
imprescindível que, em função dos direitos atribuídos, fique demonstrado que o controlador
abriu mão de seu poder de controlar isoladamente a companhia82.
A necessidade de verificação desses fatores, sem dúvida, dificulta a caracterização de
acionista controlador e tem, como se verá adiante, importante impacto na interpretação do art.
254-A da Lei das S.A.
82
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Vol. I. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 671. O autor cita
decisão do Colegiado da CVM nesse mesmo sentido (Processo CVM RJ/2001/7547).
41
4 - HISTÓRICO DA ALIENAÇÃO DE CONTROLE NO DIREITO BRASILEIRO
Ao fim da década de 60 o Decreto nº 2.627, que regulava as sociedades anônimas e
havia sido promulgado em 1940, encontrava-se completamente defasado e desajustado com o
contexto do mercado de capitais brasileiro. Tanto a Lei nº 4.728 (Lei do Mercado de
Capitais), quanto a estratégia do governo federal de apelar para incentivos fiscais (que teve
início em 1964 por meio de uma série de leis específicas que culminaram com a edição do
Decreto-Lei 157) já não surtiam mais os efeitos esperados83.
O Brasil começava a entrar em uma forte crise econômica que resultaria em fuga de
investimentos para títulos de renda fixa e imóveis. Como relata Roberto Teixeira da Costa, o
início daquela década foi marcado por um, convergência enorme “em que todos queriam
entrar no mercado ao mesmo tempo, do mesmo jeito, com a mesma orientação, e sem a
existência de um mecanismo neutralizador que viesse a coibir os excessos”.
Houve, segundo o autor, “uma febre e todos queriam ficar milionários depois de
investir no mercado de ações”, a qual evidenciava que os detentores de recursos não
imaginavam os riscos que estavam assumindo, não dispunham de informações atualizadas
sobre as companhias abertas84.
Nesse contexto que nasceu a ideia de uma nova legislação para as sociedades
anônimas, tarefa que coube aos juristas Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira e
resultou na edição da Lei das S.A. de 1976.
A tramitação do Projeto de Lei foi polêmica e cercada de discussões. Segundo Carlos
Augusto Silveira Lobo, a vontade do corpo legislativo refletia a insatisfação com uma prática
que vinha sendo mal vista pelo mercado desde a década de 50, quando o Governo Federal
começou a adotar uma política de recusar novas licenças para a abertura de agências
bancárias, mas de admitir a sucessão nas licenças existentes.
83
BARCELLOS, Marta (textos e reportagens); AZEVEDO, Simone (ed.), FURIATI, Bruno (org. da Lei). Lei
das S.As Aplicada ao Mercado de Capitais. São Paulo, Saint Paul Editora, 2007. p. 18.
84
COSTA, Roberto Teixeira da. Mercado de Capitais: uma trajetória de 50 anos. São Paulo: Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo, 2006. pp. 51-52.
42
Esse processo teve como consequência o aumento do valor dos bancos comerciais que,
impedidos de expandir suas redes de agências para obtenção de novas autorizações
outorgadas pelo Banco Central, passaram a buscar seu crescimento através de operações de
incorporação de outros bancos. A operação era um modo indireto de obter licenças para a
abertura de novas agências bancárias85.
Isso levou à difusão de operações de aquisição de controle de bancos comerciais
seguidas de sua incorporação pelo banco controlador. Como a aquisição de controle era meio
de adquirir, pela via da incorporação, as agências do banco a ser incorporado, comprador e
vendedor incluíam no preço pelo controle o valor das cartas patentes das agências86.
Possibilitava-se, desta forma, que o controlador do banco incorporado pudesse alienar
suas ações ao banco incorporador por preço bem superior ao atribuído aos minoritários no
procedimento de incorporação, razão pela qual teria surgido a ideia de que a legislação
deveria criar meios de os minoritários receberem parte da diferença do preço pago por ação do
bloco de controle.
Paulo Cesar Aragão aponta que teria sido “a venda do controle do Banco da Bahia ao
Bradesco, em 1973”, o estopim para a inclusão na legislação da obrigatoriedade de OPA em
casos de alienação de controle87.
Outros autores indicam que a crise se deu com o caso da Santa Casa de Misericórdia,
que tinha ações do Comind (Banco do Commércio e Indústria de São Paulo S.A.). O grupo
controlador do banco negociou diretamente, fora de pregão, junto à Santa Casa as ações
detidas pela instituição por preço relativamente superior ao da cotação em bolsa. Na semana
seguinte, alienou à instituição financeira incorporadora o bloco de controle juntamente às
demais ações adquiridas, por preço 12 vezes superior ao pago, preço esse previamente
contratado e não divulgado, nem ao mercado, nem à Santa Casa.
85
PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva. 1995.
pp.156 - 157.
86
LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões (coord.). Direito das Companhias. Rio de Janeiro,
Forense, 2009, v.2.p. 2009.
87
BARCELLOS, Marta (textos e reportagens); AZEVEDO, Simone (ed.), FURIATI, Bruno (org. da Lei). Lei
das S.As Aplicada ao Mercado de Capitais. São Paulo, Saint Paul Editora, 2007. p. 48.
43
Vale notar que embora tenha tido como efeito causar perplexidade popular sobre o
negócio jurídico da alienação de controle, esse caso envolvia, na verdade, insider trading.
Mas, tendo em vista que a operação foi precedida por um prévio acordo de alienação de
controle, a discussão acabou por girar em torno da regulação da alienação de controle de
companhias abertas88.
O cerne do problema estava, mais do que na confusão entre intangíveis e controle, na
suposta “apropriação” dos intangíveis pelo controlador. No entanto, a nosso ver há um ponto
que merece especial destaque na explicação das operações de incorporação que originaram o
art. 254 – e que, à época, não despertava a mesma atenção (ou indignação) que a alienação do
controle: o problema da incorporação.
Confira-se a explicação de Guilherme Doring sobre o problema:
Acresce que a operação não se esgotava na alienação do controle, mas sim
na incorporação da sociedade cujo controle se havia cedido, o que
arrematava o prejuízo dos acionistas minoritários da incorporadora. De que
forma?
A proteção essencial de todos os acionistas numa incorporação reside no
estabelecimento de uma adequada relação de substituição de ações (...). Essa
relação de troca, essencial para o equacionamento dos interesses dos vários
grupos de pessoas envolvidos, depende fundamentalmente da avaliação que
se faça do patrimônio das duas sociedades que participam da operação.
Ora, no período anterior à Lei 6.404/76, estabelecera-se a prática de avaliar
as instituições financeiras que participariam de uma incorporação com base
no valor de patrimônio líquido contábil delas, o que implicava a nãoconsideração dos intangíveis (...)89.
Havia à época um problema relativo aos métodos de avaliação das companhias que
causava enormes distorções sobre a relação de troca em operações de incorporação,
notadamente no que se referia aos intangíveis da companhia. A operação tinha ainda mais um
aspecto peculiar: envolvia uma sociedade controlada. Isso significa que na avaliação do
patrimônio líquido contábil da incorporadora considerava-se o valor da participação acionária
recém-adquirida, incluindo, portanto, o próprio valor pago pelo controle90.
88
PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier Latin,
2005. p.87.
89
PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva. 1995.
p.158.
90
O importante e difícil problema da relação de troca em operações de incorporação ganhou notoriedade mais
recentemente, com a edição dos Pareceres de Orientação CVM n. 34 e 35, que tratam respectivamente, do
“impedimento de voto em casos de benefício particular em operações de incorporação e incorporação de ações
44
A partir desses fatores, surgiu a necessidade de se encontrar meios para evitar que o
valor dos intangíveis fosse “apropriado” pelos controladores e que a participação dos
minoritários no capital da incorporadora não fosse diluída em razão do valor pago pelo
controle. Era opinião geral, à época, que todo o problema residia no valor de controle, que
passava de umas poucas mãos a outras91.
O texto do Anteprojeto, revisto apresentado ao Ministro da Fazenda e por ele
transmitido ao Presidente da República, se limitou a garantir tratamento igualitário aos
acionistas minoritários nas transferências de controle de companhias abertas que dependessem
de autorização do governo para funcionar.
Em seguida, depois de revisto pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico, em 27
de junho de 1976, o Anteprojeto foi enviado ao Congresso Nacional acompanhado de
exposição de motivos elaborada pelos seus autores. A exposição de motivos era clara no que
se refere às preocupações da época:
a transferência do controle, qualquer que seja o preço de negociação das
ações, não acarreta, em princípio, agravo a direito de minoritário; mas se a
compra efetivar-se por companhia que, a seguir, promova a incorporação da
controlada, do fato pode resultar flagrante prejuízo para a minoria, tanto da
incorporada quanto da incorporadora: com a extinção da companhia
controlada, deixa de existir o controle adquirido, e os acionistas minoritários
da controladora (dependendo das bases da incorporação) suportam parte do
custo de aquisição do controle. Mais ainda: em regra, todo o valor do
controle da companhia incorporada, ou ao menos parte dela, acresce ao valor
do controle da incorporadora, isto é, resulta em benefício do seu acionista
controlador
(...) os exemplos das vendas de controle de instituições financeiras, que
apresentam circunstâncias peculiares, não devem servir de justificativa para
normas gerais que pretendam negar o valor de mercado do controle.
A tentativa dos autores da Lei das S.A. de evitar possíveis abusos e prejuízos aos
minoritários veio no art. 255 do Anteprojeto, o qual submetia a transferência de controle de
em que sejam atribuídos diferentes valores para as ações de emissão de companhia envolvida na operação,
conforme sua espécie, classe ou titularidade” e de “deveres fiduciários dos administradores nas operações de
fusão, incorporação e incorporação de ações envolvendo a sociedade controladora e suas controladas ou
sociedades sob controle comum”.
91
PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva. 1995.
p.160.
45
instituições financeiras à aprovação do Banco Central e estipulava critérios de equitatividade
a serem observados por esta autoridade.
O relator da Comissão de Economia, Deputado Tancredo Neves, apresentou parecer
opinando no sentido de rejeitar todas as propostas de emendas que visavam a garantir ao
minoritário o direito de participar no preço da venda das ações de propriedade do acionista
controlador, entendendo que qualquer restrição legal ao direito de propriedade conflitaria com
a natureza e características da sociedade anônima que explicam seu sucesso e eficiência como
modelo de organização92.
O primeiro grande defensor da inserção do tag along na lei das sociedades anônimas
foi o deputado Herbert Levy, mas a emenda proposta pelo deputado foi rejeitada no Senado.
Perto da promulgação da lei foi proposta outra emenda, de conteúdo semelhante, de
autoria do Senador Otto Cyrillo Lehmann. A proposta, conhecida como “Emenda Lehmann”
veio a constituir o art. 254 da Lei das S.A., com o seguinte teor:
Art. 254. A alienação do controle da companhia aberta dependerá de prévia
autorização da Comissão de Valores Mobiliários.
§1º A Comissão de Valores Mobiliários deve zelar para que seja assegurado
tratamento igualitário aos acionistas minoritários, mediante simultânea
oferta pública para aquisição de ações.
§ 2º Se o número de ações ofertadas, incluindo as dos controladores ou
majoritários, ultrapassar o máximo previsto na oferta, será obrigatório o
rateio, na forma prevista no instrumento da oferta pública.
§ 3º Compete ao Conselho Monetário Nacional estabelecer normas a serem
observadas na oferta pública relativa à alienação do controle de companhia
aberta.
Os autores do Anteprojeto de Lei manifestaram-se contra a emenda, alegando que
adotava a proposição insustentável de que a venda das ações do controle de uma sociedade
anônima pode ser causa de “prejuízos” para os acionistas que não vendem suas ações93.
92
LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A lei das S.A.: pressupostos, elaboração, aplicação.
3ª Ed., Rio de Janeiro: Renovar, v. 1, 1997. pp. 268-269.
93
LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A lei das S.A.: pressupostos, elaboração, aplicação.
3ª Ed., Rio de Janeiro: Renovar, v. 1, 1997.p. 269.
46
Dúvidas não tardaram a surgiram da redação do art. 254. O artigo não deixava claro (i)
os poderes que teria a CVM a partir do disposto no §1º; (ii) a quem seria dirigido o direito de
participar da OPA a posteri, se todos os acionistas minoritários ou apenas aqueles com direito
de voto; (iii) se seria exigível a oferta em caso de alienação de controle compartilhado etc.
Em 15 de fevereiro de 1977, entrou em vigor a Resolução CMN nº 401, que passou a
regular a matéria. O normativo tratava do procedimento de aprovação que deveria ser seguido
pela Comissão de Valores Mobiliários, interpretava que os “acionistas minoritários”
mencionados no texto do artigo seriam apenas os titulares de ações com direito de voto, e
explicitava diversos conceitos da lei e tratava de hipóteses específicas de alienação de
controle compartilhado. O efeito da explicação da lei foi fundamental para que não
prevalecesse a tese de que a CVM poderia simplesmente desaprovar a alienação de controle,
tal como dava a entender a redação do art. 25494.
Mas a Resolução não ficou imune a críticas, pois continha disposições de clara
incongruência. Em seu inciso II, definia a operação de alienação do controle como o negócio
em que o acionista controlador transferia o conjunto das ações de sua propriedade, que lhe
asseguravam o poder de comando na companhia. Isso significava dizer que, caso alguém
detivesse 70% do capital votante da empresa, mediante a propriedade de 7 de ações
ordinárias, caso alienasse apenas 6 dessas ações, não estaria transferindo o controle, pois o
conjunto de suas ações não teria sido transacionado.
Em seu inciso III, estabelecia que, caso o poder de comando fosse exercido por
pessoas vinculadas em acordo ou sob controle comum, a transferência do controle somente
estaria caracterizada se todas essas pessoas cedessem suas ações. Com isso, em uma
sociedade onde 5 pessoas, cada uma delas detendo 15% do capital votante, se apenas 4
alienassem a terceiro suas participações, não ocorreria a alienação do controle. O resultado é
que tais regras jamais foram aplicadas pelo órgão regulador, abatidas que foram pela
interpretação extensiva da boa hermenêutica95.
94
A Resolução deixava claro que a competência da CVM se referia ao instrumento de oferta pública e não
propriamente na aprovação ou não da operação de alienação de controle.
95
SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Regulamentação e Interpretação, disponível em
http://www.acionista.com.br/mercado/artigos_mercado/170610_carlos_junqueira.htm. Acesso em setembro de
2011.
47
Com a edição da Medida Provisória nº 1.179, em 3 de novembro de 1995, destinada ao
fortalecimento do sistema financeiro nacional, a obrigação de tratamento igualitário por
ocasião de alienação de controle foi suprimida nas reorganizações societárias envolvendo
instituições financeiras incluídas no PROER.
Durante a implementação do programa de privatizações, foi editada a Lei nº 9.457/97,
que revogou o art. 254 com o objetivo de facilitar as reestruturações societárias evitando que
os antigos controladores (o Estado) dividissem o prêmio de controle com os demais
acionistas, sob o argumento de que tal regra elevava os custos de aquisição de controle de
modo ineficiente, desviando recursos que poderiam ser mais bem utilizados na capitalização
da companhia96.
A justificativa foi duramente criticada por diversos setores da sociedade, em especial
pela doutrina jurídica97. Não obstante, os atores da Lei das S.A. assim se manifestaram sobre a
revogação do art. 254:
A medida é salutar e deverá concorrer para aumentar o número das
companhias abertas, dado que o artigo 254 (que subordinava a alienação de
controle a autorização da CVM para o fim de assegurar oferta pública aos
minoritários) representou grave empecilho à abertura das companhias: é que
os controladores das companhias fechadas hesitavam em recorrer ao
mercado para o aumento de capital das suas empresas sabendo que, caso o
fizessem, as ações que detinham passavam a ter ônus diferente das demais.
Esses efeitos haviam sido agravados pela interpretação extensiva que a CVM
deu ao dispositivo, não obstante à Resolução CMN n. 401/76 que
regulamentou, ao aplicá-lo aos casos de alienação de controle de ‘holding’
de companhia aberta.
Com o fim das privatizações, iniciou-se uma forte pressão por parte de setores da
sociedade civil e de associações representativas de companhias abertas pelo retorno de uma
legislação que protegesse os interesses dos minoritários. Eis, então, que o pleito foi atendido,
96
CANTIDIANO, Luiz Leonardo. O novo Regime das Ações Preferenciais. In: LOBO, Jorge (Coord.). A
reforma da Lei das S.A, São Paulo: Atlas, 1998. p. 237.
97
“Vemos assim que, seque para sua revogação, melancolicamente, o antigo art. 254 mereceu uma justificativa
jurídica ou econômica razoável. Jurídica, não houve. A econômica foi questionável e vaga. Não foram debatidos
os argumentos que, em 1976, pelo menos quanto à situação de fato, embasaram a inclusão do dispositivo na lei.
Não se repetiu o enfrentamento entre os defensores e os opositores do preceito legal. Igualmente, a grande
polêmica que, naquela ocasião, foi travada no Congresso com ampla repercussão na mídia, não foi revivida
quando da revogação do preceito legal. Passou-se ao largo, fez-se silêncio em 1997”. (SIQUEIRA, Carlos
Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário: Interpretação e Valor. Rio de Janeiro: FMF
Editora, 2004. p. 50).
48
mediante a promulgação da Lei nº 10.303/01, que entre outras medidas, inseriu o art. 254-A
na Lei, com a seguinte redação:
Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta
somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de
que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações
com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de
modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento)
do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.
§ 1º Entende-se como alienação de controle a transferência, de forma direta
ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a
acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com
direito a voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos
ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que
venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade.
§ 2º A Comissão de Valores Mobiliários autorizará a alienação de controle
de que trata o caput, desde que verificado que as condições da oferta
pública atendem aos requisitos legais.
§ 3º Compete à Comissão de Valores Mobiliários estabelecer normas a
serem observadas na oferta pública de que trata o caput.
§ 4º O adquirente do controle acionário de companhia aberta poderá
oferecer aos acionistas minoritários a opção de permanecer na companhia,
mediante o pagamento de um prêmio equivalente à diferença entre o valor
de mercado das ações e o valor pago por ação integrante do bloco de
controle.
Finalmente, em 2002, a CVM editou a Instrução CVM nº 361, que ainda hoje regula
as ofertas públicas de aquisição de ações de companhia aberta, entre elas, a oferta pública por
alienação de controle.
A OPA por alienação de controle, como se vê, é uma figura que já era objeto de
polêmica antes mesmo de sua inserção na lei. O instituto permanece, ainda hoje, mais de
trinta anos depois, sendo objeto de divergências doutrinárias no que tange às justificativas
para a sua obrigatoriedade.
49
5 – JUSTIFICATIVAS PARA A OBRIGATORIEDADE DE REALIZAÇÃO DE OPA
O estudo da OPA por alienação de controle ou a posteriori deve necessariamente ser
precedido da análise do fundamento e das justificativas para sua existência. A adoção do
instituto no Brasil, como já analisado, deu-se como resultado de uma crença de que os abusos
decorrentes de operações de incorporação de instituições financeiras eram resultado exclusivo
da prerrogativa dos controladores de se apropriarem dos intangíveis da companhia, em
detrimento dos minoritários.
Na época, outros aspectos conexos relevantes desse tipo de operação acabaram
ganhando menor atenção, tais como, (i) o problema do intangível na avaliação de companhias
pelo valor patrimonial contábil, (ii) a dificuldade na determinação da relação de troca em
operação de incorporação envolvendo controlador e controlada; (iii) a necessidade de
disclosure e de combate ao insider trading; e, especialmente, (iv) as consequências
indesejáveis de uma política governamental de expansão de bancos comerciais.
Esses fatores, os quais, cada um ao seu tempo e de sua forma, foram posteriormente
sendo desenvolvidos pela doutrina, mas à época eram praticamente desconsiderados, recaindo
toda a indignação do mercado sobre a alienação de controle – o que provocou a inserção do
art. 254, mesmo contra a vontade dos autores do Anteprojeto.
Prevaleceram os aspectos subjetivos. A inspiração do legislador para a criação do tag
along, segundo noticia o próprio Otto Lehmann, foi “a preocupação com o aspecto social”. O
autor da emenda que inseriu o art. 254 na Lei das S.A. relata que se preocupava, à época,
“com as viúvas que tinham herdado ações de sues maridos, com aposentados, com pessoas
que dependiam daquele rendimento para viver e ficavam sem quase nada”98.
A justificativa não esclarece muito o propósito da regra. A preocupação com o
rendimento de investimentos de pequenos investidores poderia ter resultado na criação de
diversas outras normas, e tal explicação, por si só, não indica o porquê da decisão do
98
BARCELLOS, Marta (textos e reportagens); AZEVEDO, Simone (ed.), FURIATI, Bruno (org. da Lei). Lei
das S.As Aplicada ao Mercado de Capitais. São Paulo, Saint Paul Editora, 2007. p.52.
50
Congresso Nacional em fazer a “compensação” à falta de rendimentos dos acionistas
minoritários através da previsão da necessidade de realização de uma OPA.
A análise do fundamento do instituto da OPA por alienação de controle e as
justificativas para sua existência demandam, antes de tudo, compreender a razão pela qual se
deva atribuir, quando da alienação de controle, o prêmio de controle a outras pessoas que não
somente o controlador. Em outras palavras, se o prêmio é pago pelas ações que conferem o
controle (e que são de titularidade do controlador), por que esse deve ser compartilhado com
outros acionistas?
Essa indagação, como já advertimos, não deve ser embaçada por respostas do tipo
“isso é fundamental para a proteção do minoritário” ou “trata-se de boa prática de
governança corporativa”99. Especialmente nos meios não especializados e na imprensa em
geral é comum que esses argumentos venham acompanhados de justificativas tais como “a
maior parte dos países adota essa fórmula” ou “a nossa legislação está em linha com a
doutrina consagrada em países europeus”.
No Brasil a regulação se deu por motivos bem específicos, de forma original, sem ter
por inspiração doutrina ou legislação estrangeira e com objetivo diverso do da maior parte dos
países estrangeiros. Aqui, como se verá adiante, o intuito jamais foi o manter dispersão
acionária ou evitar aquisições hostis de controle.
Espera-se que as considerações feitas na parte inicial deste trabalho sejam úteis, nesse
ponto, para abrir caminho para uma discussão franca sobre os prós e contras do instituto da
OPA a posteriori, a fim de que não se descarte, de antemão, argumentos válidos e úteis para a
compreensão e desenvolvimento do instituto. A resposta à indagação sobre a repartição do
benefício econômico advindo da alienação do controle, por sua vez, requer a análise do
99
Há uma sensação geral de que a OPA por alienação de controle é um instrumento de governança corporativa
para proteção dos minoritários. Em dezembro de 2006, a APIMEC-SP publicou os resultados de uma pesquisa
conduzida pela sua Comissão de Governança Corporativa, com 152 participantes do mercado, entre analistas e
profissionais de investimento, cujo resultado foi o de que o tag along é o item mais importante na avaliação de
investimento. A pesquisa foi noticiada e comentada pela APIMEC-MG no endereço eletrônico
http://www.apimecmg.com.br/ApimecMG/Show.aspx?id_canal=1585&id_materia=14837. Acesso em setembro
de 2011.
51
próprio conteúdo de tal plus econômico, ou seja, daquilo que se entende por prêmio de
controle.
5.1. Conceituação do prêmio de controle
A aquisição do controle de uma companhia costuma ser precedida de um contrato
celebrado entre o controlador e o adquirente do controle, em que se estabelece um preço das
ações. Conforme o disposto no art. 254-A da Lei das S.A., este contrato deve conter cláusula
que condicione a transferência à apresentação de OPA por parte do adquirente do controle.
A condição de fazer da oferta pública pode ser resolutiva ou suspensiva: no primeiro
caso, o negócio jurídico produz seus efeitos, mas desconstitui-se caso o adquirente do controle
não realize a OPA, enquanto no segundo a transferência não se efetiva até que o adquirente
realize a OPA.
O preço pago pelas ações do controlador geralmente é superior ao valor de mercado
das ações que não compõem o bloco de controle. A explicação para tal fato é aparentemente
simples: por garantir o direito ao exercício do poder de controle, àquele conjunto de ações é
atribuído um sobrevalor, isto é, um valor adicional – comumente chamado pela doutrina
como prêmio de controle100.
É pacífico na doutrina que existe um plus de valor nas ações que compõem o bloco de
controle (enquanto bloco). Esse plus é tratado por termos empregados com significados
ambíguos ou diversos de suas definições técnicas, tais como, ágio, mais-valia, fundo de
comércio, aviamento e goodwill.
O uso dessas expressões não deve confundir o intérprete da lei. Não se deve confundir,
por exemplo, o prêmio de controle com o ágio. Este representa a diferença a maior entre o
100
“Toda a economia de mercado atribui valor econômico ao controle da companhia, independentemente do
valor das ações que o asseguram; o valor das ações resulta dos direitos, que conferem, de participação de
poder determinar o destino da empresa, escolher seus administradores e definir suas políticas”. (Exposição de
Motivos da nº 196, de 24 de junho de 1976, do Ministério da Fazenda, Seção VI). No mesmo sentido Mauro
Rodrigues Penteado: “O poder de controle acionário, é escusado dizer, tem significativo valor econômico, que é
melhormente verificado quando de sua alienação”. (PENTEADO, Mauro Rodrigues. Apontamentos sobre a
alienação do controle de companhias abertas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro.
São Paulo, nº 76, 1989. p.170.)
52
preço pago por um título e seu valor nominal, que não necessariamente coincide com o
prêmio de controle, tendo em vista que o prêmio é a diferença entre o preço pago pelas ações
do controlador e o valor das ações que não compõem o bloco de controle. O conceito de
prêmio está mais ligado ao valor de mercado do que ao valor nominal das ações, razão pela
qual não é precisa sua denominação como ágio.
Da mesma forma, não se deve denominar o prêmio de controle como mais-valia. A
mais-valia é expressão decorrente da doutrina econômica de Karl Marx, que significa o valor
do que o trabalhador produz menos o valor de seu próprio trabalho (dado pelo custo de seus
meios de subsistência). O conceito não tem relação com o sobrevalor dado em troca do poder
de controlar uma companhia. A analogia tem o inconveniente de comparar o trabalhador, que
na visão de Marx era vítima de exploração pelo empregador, com a figura do acionista
minoritário, que consiste em um investidor, sócio do acionista controlador. Entendemos que a
utilização do termo mais-valia pode acabar por desvirtuar a busca pelo verdadeiro
fundamento econômico da regra prevista no art. 254-A da Lei das S.A.
Outra comum referência é ao fundo de comércio101. O fundo de comércio é o valor
agregado a um conjunto de bens que formam o patrimônio social – que compreende bens de
natureza variada – em razão de seu agrupamento sob uma organização racional. Para ilustrar,
pense-se em uma biblioteca: os livros que a compõem ganham um sobrevalor ao serem
organizados de maneira racional, sob uma ordem capaz de facilitar ao usuário o acesso ao
conteúdo dos livros. A simples organização e união dos livros em um mesmo local agrega um
valor adicional ao conjunto em relação ao simples valor individual de cada livro. Entretanto,
isso não é equivalente ao prêmio de controle, pois o controlador não é proprietário, no sentido
técnico da palavra, do fundo de comercio ou mesmo da empresa; o que ele aliena são
simplesmente suas ações, só que estas, por conferirem o direito ao controle da sociedade – e
de forma indireta de “controlar” os bens que compõem o fundo de comércio – possuem um
sobrevalor.
Essas considerações de natureza terminológica não pretendem indicar que a utilização
desses termos é errada; ela é apenas inconveniente. Por outro lado, também não significa que
a definição do prêmio de controle seja algo fácil. Na prática não há como se distinguir que
101
Tratado por alguns autores como aviamento (importação do termo utilizado pelos italianos avviamento ou
azienda) ou goodwill (termo utilizado por ingleses e norte-americanos).
53
parte do preço representa o valor das ações e que parte representa o poder de controlar a
companhia102.
A figura do prêmio de controle serve apenas para indicar que há um sobrevalor e que
este, quando da alienação de controle, é transferido para o alienante, sendo, por força de
disposição legal, estendido a titulares de ações votantes, na proporção de 80% (art. 254-A da
Lei das S.A.).
5.2. A doutrina brasileira
Inicialmente, vale a ressalva de que a investigação, na doutrina brasileira, sobre a
quem pertence o prêmio de controle é um exercício complexo, pois é comum que opiniões
sobre o fundamento da OPA, e sobre como ela deveria ser, se misturem a opiniões relativas à
interpretação literal do dispositivo legal pertinente.
As diferenças de opinião podem ser identificadas em três correntes: uma sustenta que
o prêmio deve ser estendido somente aos acionistas com direito de voto; outra, que o prêmio
deve ser repartido entre todos os acionistas minoritários; e uma terceira, que o prêmio é
exclusivamente do acionista controlador.
A corrente que vem prevalecendo na redação da lei entende que o valor atribuído ao
poder de controle deva ser repartido entre todos os titulares de ações da mesma espécie e
classe103. Parte dos doutrinadores que pensam dessa forma o fazem em interpretação literal do
art. 254-A da Lei das S.A., sem entrar no mérito da conveniência da regra.
102
Pode-se, apenas para critério de referência, comparar o preço pago pelas ações do controlador em relação à
cotação de mercado. No entanto, não é raro que operações privadas, sejam as relativas a ações do controlador ou
não, tenham preços diversos do de cotação em bolsa. Esse método comparativo estará, ainda, sujeito a distorções
decorrentes, por exemplo, do nível de liquidez das ações ou de condições específicas das partes da operação.
Basta imaginar, nesse último caso, o caso de um controlador que esteja em dificuldades financeiras e precise de
recursos rapidamente: é possível que o preço da alienação seja inferior ao de mercado (o que não é de todo
incoerente, tendo em vista que a venda em bolsa de quantidade expressiva de ações teria por efeito aumentar a
oferta de ações e influenciando negativamente o preço).
103
A discussão sobre a extensão da OPA a posteriori a titulares de ações preferenciais perdeu sentido, na prática,
com a edição do art. 254-A, que é claro no sentido de que somente ações preferenciais fazem jus a tal.
54
Entre os poucos autores que se aventuram na justificativa do art. 254-A estão Egberto
Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro, para quem a motivação da norma tem
razões históricas:
(...) as transferências de controle, envolvendo vultosos ágios pagos apenas
aos controladores, podem ainda mais desestimular o investimento acionário.
Daí entendermos que a solução adotada na lei vale como medida
pragmática, tendo em vista as condições do momento histórico e as
características peculiares da conjuntura, justificando-se em face da
experiência verificada em anos recentes em nosso país.
Arnoldo Wald entende que o fundamento para a regra prevista no art. 254-A está no
fato de que as noções de maioria e minoria só fazem sentido com relação a ações com direito
a voto, porque somente estes possuem uma posição política na sociedade e guardam alguma
relação com o controle da companhia104.
Considera-se que a extensão ilimitada do prêmio de controle a todos os acionistas
poderia engessar a companhia, limitando seus negócios, inclusive no sentido de inviabilizar a
mudança do controle benéfica. Além disso, recursos a serem pagos pelo novo controlador
poderiam ser utilizados na sociedade, o que demandaria a imposição da OPA de forma
cautelosa e equilibrada105.
Fabio Konder Comparato, embora filiado a essa corrente, questiona a razão de
acionistas especuladores, que não tem nenhuma intenção de se ligar à empresa, serem
protegidos nas cessões de controle. Para o autor, quando se fala em proteção do acionista nãocontrolador, “tem-se em mira, evidentemente, o acionista ligado à empresa, o verdadeiro
investidor”106 e não qualquer tipo de acionista.
104
WALD, Arnoldo. Do descabimento da oferta pública de compra em relação às ações preferenciais. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo. n. 45, ano XXI, 1982. p.9.
105
SOUZA, Marcos Andrey de. O direito de saída conjunta (tag along) e os preferencialistas. In: CASTRO,
Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de (Org.). Sociedade Anônima. 1ª ed. São Paulo: Quartier
Latin, 2007, p.287.
106
Nesse sentido, COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na
sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. pp. 310-312. Adicionalmente, entendemos que
a observação teria difícil aplicabilidade prática, tanto mais quanto a companhias que possuem negociações em
bolsa de valores, pois seria necessária a criação de critérios para diferenciar especuladores de investidores de
longo prazo.
55
Uma segunda corrente sustenta que o valor do poder de controle deve ser estendido a
todos os acionistas que participam do capital social, sejam eles titulares de ações ordinárias ou
preferências. Calixto Salomão Filho se manifesta da seguinte forma sobre a matéria:
(...) em se tratando de companhia aberta ou fechada, se sobrevalor foi
atribuído à companhia pelo novo controlador, isso significa que esse é o
valor de mercado da companhia ou a sua perspectiva de rentabilidade. Ora,
reconhecer esse fato nada mais é do que admitir que o valor de controle
pertence à companhia. Se não deve ser pago a ela, como defendido no
clássico ensaio de Berle e Means, ao menos deve ser repartido entre todos os
acionistas107.
A lógica desse entendimento é a de que o novo controlador paga o sobrevalor
tomando por base a capacidade da companhia de produção de lucros futuros, capacidade essa,
por sua vez, que pertence à companhia e é anterior às novas diretrizes que serão tomadas pelo
novo controlador. Pertencendo à companhia, fazem jus ao seu aproveitamento titulares de
ações ordinárias e preferenciais, até porque ambos contribuem para a formação do capital108.
Esse é o entendimento também de Norma Parente, para quem a valorização das ações
deve refletir a participação no patrimônio social e se, no momento da subscrição, tanto o
controlador quanto os minoritários adquirem ações pelo mesmo valor, devem, igualmente
fazer jus à sua valorização, sejam eles preferencialistas ou não109.
Nelson Motta defendeu a tese sob o argumento de que admitir que as ações
preferenciais, porque não votam, tenham menos direitos do que as ações ordinárias (exceto os
direitos políticos) equivale a reconhecer que o direito de voto possa ser causa de desigualdade
entre acionistas em relação ao patrimônio da sociedade110.
Modesto Carvalhosa, seguindo essa mesma linha, afirma:
107
SALOMÃO FILHO, Calixto. Alienação de controle: o vaivém da disciplina e seus problemas. O novo Direito
Societário, Malheiros Editores 2ª ed., 2002. p.124
108
AMENDOLARA, Leslie. Os Direitos dos acionistas minoritários: com as alterações da Lei 9.457/97. São
Paulo: Editora STS, 1998, p.105.
109
PARENTE, Norma. Principais inovações introduzidas pela Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, à Lei das
Sociedades por Ações. In: LOBO, Jorge (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. São Paulo:
Forense, 2002. pp.39-40.
110
MOTTA, Nelson. Alienação de controle de instituições financeiras. Acionistas minoritários. Notas para uma
interpretação sistemática da lei das S.A., Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro n. 46,
ano XXI, 1982, p. 41.
56
O acionista minoritário, embora normalmente não tome a iniciativa de
promover a capitalização da sociedade, empresta seu esforço para tal mister,
comparecendo às chamadas de capital; ademais, esse tipo de acionista
experimenta os efeitos da política de autocapitalização da companhia,
usualmente realizada pelo controlador. É, portanto, co-participe da
valorização patrimonial da empresa, merecendo portanto tratamento
igualitário, quando da alienação de seu controle111.
O sobrevalor, segundo Waldirio Bulgarelli, representa o pagamento dos intangíveis e,
mais propriamente, o aviamento da empresa. A partir disso o autor opina no seguinte sentido:
“(...) o não controlador, que não recebeu dividendos durante muito tempo,
pela política imposta pelo controlador de fortalecer a empresa, tem direito a
reclamar quando o controlador, aproveitando-se dos resultados dessa
mesma política, vende com ágio astronômico as suas ações de controle
[...] o certo será a distribuição, ao menos do ágio, entre todos que
contribuíram para o fortalecimento da empresa” 112. (grifamos)
A posição adotada pelos autores que entendem que na alienação de controle o
adquirente se apropria do intangível da companhia é aprofundada por Andréa Andrezzo que,
em detalhado estudo, expõe com minúcia os componentes do prêmio de controle:
(i) prêmio de controle, entendido como o poder político de eleger a maioria
dos administradores e orientar a condução dos negócios da companhia;
(ii) expectativa de resultados a serem obtidos a partir da condução dos
negócios pelo novo controlador;
(iii) ativos não reconhecidos nas demonstrações contábeis, que pertencem à
sociedade e não ao seu acionista controlador, tais como marcas, tecnologias,
qualificação dos funcionários, dentre outros; e
(iv) eventuais expropriações, ou seja, apropriações indevidas em benefício
do controlador ou de terceiros e em detrimento dos acionistas nãocontroladores da companhia, tais como salários superiores aos de mercado,
luso particular de bens da sociedade, empréstimos subsidiados, dentre
outras113.
Assim, a obrigatoriedade para o compartilhamento do prêmio de controle resulta (i) da
valorização patrimonial da companhia, para a qual contribuíram todos os minoritários e (ii) do
111
Apud PENTEADO, Mauro Rodrigues. Apontamentos sobre a alienação do controle de companhias abertas.
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, nº 76, 1989. p. 19.
112
BULGARELLI, Waldirio. Regime jurídico da proteção às minorias nas S/A: De acordo com a reforma da
Lei nº 6.404/76. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. pp. 158 - 160. No mesmo sentido, LOBO, Jorge. Interpretação
Realista da Alienação de Controle de Companhia Aberta. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro. São Paulo: Ed. Malheiros, v. 130, abr-jun, 2003, p.160-179.
113
ANDREZZO, Andrea Fernandes. A Alienação de Controle de Companhia Aberta e a Recente
Reforma da Legislação Societária – Efetivo Avanço?. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, v. 130, Malheiros. Abr./Jun., 2003. pp. 160-179.
57
fato de o valor incluir não apenas o poder de dirigir a companhia, mas também os intangíveis
e outros ativos que também pertencem aos minoritários.
Favoravelmente a esse entendimento, é comum, ainda, que se argumente que a OPA
por alienação de controle seria uma forma de desligamento do acionista minoritário – uma
espécie de direito de saída, justificado pelo fato de minoritários levarem em consideração a
pessoa do controlador, de com ele manter relação de confiança, intuito personae, razão pela
qual seria razoável entender que, na mudança de controle, os minoritários não concordem em
permanecer associados a um novo controlador114.
Portanto, como consequência do princípio do tratamento igualitário sustenta-se,
segundo essa lógica, que o prêmio deve ser repartido por todos os acionistas. Importante
notar, que a redação do art. 254-A da Lei das S.A. reconheceu o valor econômico do bloco de
controle, o que serve de justificativa para que as ações que o integram recebam um preço
superior ao das ações dos minoritários por ocasião de sua alienação. O art. 254-A não
restaurou o princípio do tratamento igualitário existente no art. 254; ao contrário, consagrou
expressamente o princípio do valor diferenciado de ações da mesma espécie115.
Uma terceira corrente sustenta que o valor atribuído ao poder de controle deve ser
exclusivamente dos acionistas controladores, posição defendida pelos dos autores da Lei, para
quem, ao invés de proteger os direitos dos acionistas minoritários contra as modalidades de
abuso verificados no passado na incorporação de bancos, a exigibilidade de OPA a posteriori
somente estabelece um novo direito de acionistas, incompatível com a natureza da sociedade
114
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Vol. III. São Paulo: Quartier Latin, 2011. pp. 416-417; e
PRADO, Roberta Nioac. Da obrigatoriedade por parte do adquirente do controle de sociedade por ações de
capital aberto de fazer, em iguais condições, aos acionistas minoritários – art. 254 da lei 6.404/76 e Resolução
CMN 401/76 – É efetivo mecanismo de proteção dos minoritários?. Revista de Direito Mercantil, ano XXXVI,
n. 106, abr.-jun. 1997. p.90.
115
Trata-se, na opinião de Penalva Santos, de medida de sensatez e equilíbrio, intermediária entre a concessão da
oferta pública na base de 100% do valor das ações correspondente ao bloco de controle e a complexa exclusão de
tais benefícios, como previu o projeto Kandir (PENALVA SANTOS, J.A. Direito dos minoritários – Alienação
de Controle de Companhia Aberta e os Direitos dos Minoritários. Análise do art. 254 da Lei nº 6.404 de 1976.
In: LOBO, Jorge (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas: Inovações e Questões Controvertidas da
Lei nº 10.303, de 31.10.2001. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 502).Vide também EIZIRIK, Nelson. Oferta
Pública de Aquisição. Interpretação do art. 254-A da Lei das S.A. Revista de Direito da Associação dos
Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2004, v. 14. p. 73.
58
anônima, que não diz respeito à participação nos resultados ou no acervo da própria
sociedade, mas ao preço pelo qual cada acionista vende ações de sua propriedade116.
Sendo o controlador o titular do poder de controle, cabe a ele o benefício econômico
dele decorrente. O poder de controle deve ser atribuído a quem tem deveres e
responsabilidades em relação a ele, no caso o acionista controlador, pois se este gerir mal a
companhia ou escolher mal quem irá geri-la poderá ser administrativa, civil e, até mesmo,
penalmente responsabilizado por seus atos117.
Seguindo esse entendimento, conclui Guilherme Doring:
A atribuição de um valor patrimonial ou valor de mercado ao poder de
controle não representa um distorção quer sob aspecto econômico, quer sob
o jurídico ou mesmo ético-social. Por outro lado, tampouco representa uma
prática iníqua que esse valor seja recebido com exclusividade por aquele que
exerce as prerrogativas decorrentes desse poder. E a razão disso é que tal
poder não pertence à totalidade dos acionistas, nem ao com junto de
acionistas com direito a voto, mas àquele que detém os meios – a titularidade
do número de ações – que lhe permitem fazer valer sua orientação na
empresa118.
Também partidário dessa corrente é Jorge Lobo, segundo o qual, o motivo que levou o
país a criar a regra de compensação financeira via tag along foi o meio simples, fácil, objetivo
e rápido imaginado pelos legisladores para coibir práticas ilícitas de caráter financeiro, por
meio das quais controladores elevam o prêmio de controle a “inimagináveis três dígitos,
quando na prática internacional, ele é, em média, de 20%”. O autor chega, entre outras, às
seguintes conclusões:
(1º) intervenção indevida do Estado no domínio econômico e nas relações
privadas de companhias abertas e investidores que atuam no mercado de
ações, numa atuação típica do ‘estado-babá’”(...)
(2º) uma odiosa restrição ao livre-arbítrio e à capacidade de escolha e
decisão de pessoas dispostas a correr riscos em busca de maiores ganhos em
operações mercantis de alienação de controle de companhia aberta;
116
LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A.: pressupostos, elaboração,
aplicação. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p.278.
117
Compartilha desse entendimento, sob “o ponto de vista exclusivamente jurídico”, Roberta Nioac Prado. A
autora, por razões econômicas e relacionadas à governança corporativa, é favorável à repartição do prêmio com
minoritários. (PRADO, Roberta Nioac. Fundamentos Jurídicos e Econômicos da OPA a posteriori (tag along) e
a questão sob a ótica de empresas que praticam boas práticas de governança corporativa. Revista Direito GV., v.
3, 2006. p. 171).
118
PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva. 1995.
p.287.
59
(3º) uma violação do princípio constitucional da liberdade individual e dos
princípios da autonomia da vontade e do consensualismo, esteios do Direito
da Obrigações;
(4º) uma violação do direito de propriedade dos controladores de disporem
de bens que possuem a seu livre alvedrio e do direto de contratar dos
interessados na compra de controle de companhia aberta;
(5º) espoliador em relação aos controladores, perversos com os adquirentes
de controle acionário e iníquo com os preferencialistas;
(6º) odioso privilegio para os minoritários, se o fundamento econômico do
tag along for – como dizem ser – a contribuição dos acionistas para o
desenvolvimento e enriquecimento das companhias; (...)119.
5.3. Considerações sobre as diferentes correntes doutrinárias no Brasil
A redação do art. 254-A é clara e não deixa dúvidas de que somente os acionistas com
direito de voto fazem jus ao compartilhamento do prêmio de controle. Analisando o problema
sob a ótica de seu fundamento, a corrente que hoje prevalece no esteio da redação legal, a
nosso ver, não faz qualquer sentido, já que distinguir preferencialistas sem direito de voto dos
demais acionistas sob o argumento de que os primeiros não participam da vida política da
companhia é argumento que não guarda qualquer relação com a questão da repartição ou não
do premio de controle. Não convence o argumento de que a minoria a ser protegida, no caso,
é a com direito de voto; tal interpretação só fazia algum sentido quando da vigência do art.
254 da Lei das S.A., que previa o tratamento igualitário aos “acionistas minoritários”120.
A opção legislativa, a nosso ver, não possui fundamento lógico-sistemático121 e é
arbitrária – o que não invalida o argumento de que a extensão da obrigação a todas as ações
teria consequências econômicas perversas. Curiosamente, o argumento “econômico” poderia
ser utilizado também para as ações preferenciais, de modo a garantir somente a essas o direito
de participar da oferta, sob o fundamento, por exemplo, de que seus titulares possuem menos
instrumentos de proteção que os titulares de ações ordinárias. Se a questão está na
razoabilidade econômica, poder-se-ia diminuir o também arbitrário índice de 80% previsto no
119
LOBO, Jorge. Tag Along: Uma Análise à Luz da Escola do Realismo Científico. Revista da EMERJ, Rio de
Janeiro, v.14, n.55, jul./set. 2011. pp.240-260
120
Como dizia Comparato, quando a lei fala em majoritário não está se referindo a acionistas preferencialistas;
da mesma forma, o conceito de acionista minoritário só faria sentido quando referido ao direito de voto.
(COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed.
Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005 p.310).
121
Essa é a opinião de Calixo Salomão Filho, em nota de n. 82 (COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO
FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005.
P.312).
60
art. 254-A, a fim de estender a OPA também aos preferencialistas, sem inviabilizar
transferências de controle.
Assim, admitindo que o prêmio de controle deva ser estendido a alguém mais do que
simplesmente o controlador, não há qualquer critério razoável para discriminar os acionistas
que possuem direito de voto dos que não possuem.
Por que, então, compartilhar o prêmio de controle com os demais acionistas da
companhia?
Como visto, a doutrina apresenta diferentes fundamentos para uma a mesma
conclusão: (i) a de que o prêmio de controle representa uma diferenciação para ações iguais;
(ii) a de que a transferência de controle representa a “apropriação”, pelo controlador, do
intangível e da valorização futura da companhia e a (iii) de que a OPA seria uma forma de
viabilizar a retirada do acionista da companhia, como resposta à inexistência de affectio
socitatis com o novo controlador.
Vale fazer, quanto ao primeiro aspecto, uma importante diferenciação. Uma coisa é
direito de fazer jus ao resultado da companhia, inerente a todos os acionistas, outro é o valor
pago pelas ações na alienação, que leva em consideração aspectos subjetivos e peculiares de
cada operação; e outro é o sobrevalor pago pelo poder de controlar a companhia.
Uma ação é uma fração do patrimônio de uma companhia e, em princípio, todas as
ações iguais de uma companhia têm o mesmo valor e os mesmos direitos. Isso de forma
alguma significa que elas terão sempre o mesmo preço, pois este, assim como o preço de um
bem qualquer, varia de acordo com uma série de fatores, tais como as necessidades
específicas do comprador ou do vendedor, a falta ou o excesso de liquidez, de oferta e
demanda, entre outros. Transações com ações, até mesmo as que ocorrem em bolsa de
valores, têm valores diversos – vê-se isso da própria variação natural de sua cotação.
Duas operações idênticas, envolvendo o mesmo tipo e quantidade de ações, podem ter
preços diversos, não representando isso o descumprimento à igualdade de direitos entre ações
de mesma espécie e classe. Logo, é inevitável concluir que o preço das ações não guarda
61
qualquer relação com os direitos do acionista garantidos pela Lei da S.A no que se refere ao
patrimônio da sociedade.
Passemos, então, à análise de se o prêmio de controle representa, de fato, uma
diferenciação para ações iguais.
Blocos de ações podem ter atributos que lhes confiram um valor superior ao de ações
consideradas individualmente; um sobrevalor diferente do prêmio de controle. É o caso, por
exemplo, de bloco de ações equivalente a 5% do capital social, capaz de conferir a seu titular
a prerrogativa de requisição de exibição de livros (art. 105), de informações ao Conselho
Fiscal (art. 163, §6º), bem como de propositura de ação de responsabilidade contra os
administradores (art. 159, §4º).
Tal “bloco” tende a valer mais do que uma ação individualmente – e isso é natural já
que confere mais direitos do que uma ação isoladamente. Nada mais normal, então, que ao ser
alienado seja atribuído a esse bloco um prêmio em relação ao valor de mercado de uma ação
isolada. Há nesse exemplo igualmente um prêmio, mas que não é pelo controle, e sim por
direitos que aquele bloco confere a seu titular. Esse prêmio tende a ser consideravelmente
mais modesto do que o prêmio pago pelo controle, mas nem por isso deve ser desconsiderado.
Note-se que o prêmio do exemplo – ou prêmio pelo conjunto de ações – é um
componente do preço diverso da simples variação de preço a que nos referimos anteriormente,
porque o primeiro somente existe na medida em que o conjunto de ações seja capaz de
garantir algum plus em relação a uma ação.
Pode esse prêmio pelo conjunto de ações ser considerado uma diferenciação entre
ações de mesma natureza?
A resposta é igualmente não. Esse prêmio integra o preço pago por qualquer conjunto
de ações, sendo inerente a todas as transações de compra e venda de ações, na medida das
vantagens que o respectivo bloco ofereça. Dessa forma, um acionista que aliene bloco de
ações equivalente a 5% do capital social não estará, por essa razão, lesando a qum quer que
seja.
62
Os direitos conferidos por ações idênticas são iguais apenas enquanto acionistas da
companhia, em seus direitos de receber dividendos, participar no acervo social, entre outros,
mas não no proveito econômico que dela pode advir em uma alienação. A mesma lógica é
aplicável ao prêmio de controle, só que o bloco de ações que confere ao seu titular esse direito
tende a ter valor bastante superior ao de que qualquer ação ou bloco de ações.
Superada a falsa ideia de igualdade de direitos que justificaria a repartição do prêmio
de controle, vale analisar o argumento de que o prêmio compreende o intangível e lucros
futuros da sociedade.
Em regra, quando da aquisição de ações, assim como a de qualquer outro bem, há a
consideração, por parte de quem o está adquirindo, do benefício que ele poderá proporcionar.
No caso de ações de companhias, um dos fatores considerados é a expectativa de lucros dessa
companhia ou, mais propriamente, a perspectiva de rentabilidade de tais ações. Mas o que faz
crer que essa expectativa de lucros ou mesmo os intangíveis só sejam “apropriados” na venda
das ações do controlador? Uma venda de bloco minoritário não pode levar em conta as
perspectivas de rentabilidade da companhia, e por isso, ser alienada com um “prêmio” em
relação às demais ações?
Imagine-se um investidor profissional, com alta capacitação para avaliação de
participações acionárias e conhecimento de mercado, que seja capaz de verificar lucros
futuros de uma companhia ou intangíveis não contabilizados – ativos não reconhecidos nas
demonstrações contábeis que pertencem à sociedade e não aos seus acionistas. Daí esse
investidor adquire bloco de ações minoritário levando em consideração os aspectos por ele
verificados.
Pois bem, de duas uma: ou ele pagou um “preço mais elevado” pelas ações, de modo
que o alienante levou um prêmio por suas ações, com base no intangível e nos lucros futuros
da companhia, ou não pagou e se “apropriou” ele mesmo do intangível e dos lucros futuros
dos demais acionistas. Correto?
Não. Entendemos que a discussão sobre intangível não contabilizado e sobre os lucros
futuros em operações de compra e venda de ações é completamente irrelevante, pois confunde
valor e preço das ações. Aquilo que não está contabilizado, assim como todos os intangíveis e
63
demais aspectos econômicos que envolvem os ativos de uma companhia podem – e
comumente estão – refletidos no preço de mercado ações.
Os ativos não reconhecidos nas demonstrações contábeis não são apropriados somente
pelo controlador quando da alienação do bloco de controle. Quando alguém aliena a terceiro
uma só ação, também há, em princípio, a “transferência” do valor do intangível
correspondente àquela ação, se tal valor está refletido no preço de mercado da ação. Isso
porque o intangível tende a ser apreçado pelo adquirente e é levado em consideração na
formação do preço do negócio.
A questão é que o intangível não é agregado ao bloco de controle; é agregado a todo
patrimônio da companhia. Ocorre que, ao alienar sua participação, o acionista, seja o
controlador ou não, está realizado o valor do intangível correspondente a sua fração de ação,
pois em toda transação envolvendo ações, de um bloco ou de uma ação só, pode haver a
apropriação de parte do valor “não contabilizado”, uma vez que esse valor é inerente ao preço
pago por qualquer ação e não ao sobrevalor pelo controle.
Uma companhia, ao ser dissolvida e liquidada, entrega aos seus sócios o valor de
venda dos ativos, na proporção de sua participação, sem a distinção entre o controlador, o
detentor de “bloco relevante” ou o acionista com somente uma ação; todos recebem na
proporção de sua participação. Assim, para efeitos de distribuição dos bens na apuração de
haveres, não faz qualquer diferença se as ações compõem ou não o bloco de controle.
A discussão sobre intangível não contabilizado e sobre os lucros futuros só faz sentido
em se tratando de avaliação de ações, como acontece, por exemplo, quando uma companhia
realiza incorporação ou a incorporação de ações. Nesse caso, boa parte dos aspectos
subjetivos existentes em uma compra e venda de ações que influenciam a formação do preço
são desconsiderados, e aqui talvez resida o principal ponto de confusão sobre a matéria.
Relembre-se que o art. 254 foi inserido na Lei das S.A. em decorrência das operações
de transferência de controle de bancos comerciais seguidas de incorporação. Nessas operações
os controladores dos bancos vendiam suas participações, levando consigo o valor dos
intangíveis correspondentes às cartas patentes, enquanto os minoritários acabavam por ver
suas participações diluídas nos grandes bancos incorporadores.
64
Perceba-se que o problema não está – e nem nunca esteve – na transferência do
controle, já que, quando o controlador de um banco vendia sua participação para outro banco,
somente os intangíveis correspondentes ao bloco de controle eram transferidos. Se após tal
operação um acionista qualquer vendesse uma ação (uma fração do patrimônio), estaria
vendendo também o correspondente ao intangível dessa ação, o qual compreenderia o valor
não contabilizado da carta patente. Não é correto o argumento de que na alienação de controle
há a transferência do intangível, pois há, no máximo, a sua realização por parte de quem
alienando as ações (que, no caso, é o controlador).
O intangível não foi “apropriado” pelo controlador; ao contrário, permanece
integrando o patrimônio comum, do qual qualquer acionista tem sua respectiva fração. Prova
disso é que se o banco alienasse a carta patente (caso o Governo da época permitisse), o
valor correspondente a esse intangível seria atribuído a todo o patrimônio da companhia e
não do controlador.
O problema, segundo entendemos, não estava na alienação do controle, mas na
incorporação, ou melhor, na avaliação do patrimônio da sociedade e, consequentemente, no
cálculo da relação de troca122. À época não se dispunha de métodos de avaliação tão precisos
quanto hoje e que era comum que se avaliassem as instituições financeiras por valor de
patrimônio líquido contábil123.
Passemos, por fim, ao argumento de que a OPA seria uma forma de viabilizar a
retirada do acionista da companhia, em razão da inexistência de affectio socitatis com o
controlador124.
Esse argumento faz referência, claramente, aos tag along rights, direitos conferidos
contratualmente, geralmente por via de acordo de acionistas, para que seus signatários tenham
a prerrogativa de vender suas ações juntamente com o acionista alienante, assumindo esse a
122
Embora não se possa deixar de mencionar que, à época, não eram tão claros os conceitos e os mecanismos de
controle sobre o insider trading e o abuso do poder de controle – presentes em algumas daquelas operações.
123
PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva. 1995.
p.158.
124
O argumento vem sendo considerado como fundamento para o instituído no âmbito da CVM. Vide nesse
sentido ver voto proferido pelos respectivos relatores nas decisões dos Processos Administrativos CVM
RJ/2005/4069 e RJ/2007/7230.
65
obrigação de somente transferir suas ações se o adquirente comprar, concomitantemente,
aquelas detidas pelos acionistas que exercerem o tag along. Os tag along rights não se
confundem com o direito de saída conjunta outorgado pela Lei das S.A., pois nascem da
autonomia privada vontade das partes, ao contrário da OPA, que constitui norma legal
imperativa.
Os tag along rights têm fundamento na affectio societatis, na confiança e expectativa
típica daqueles que se aliam visando à composição de interesses individuais para o exercício
conjunto do controle de uma companhia. A affectio existente consiste, na verdade, na vontade
continuada de colaboração para a consecução dos objetivos previstos contratualmente.
O exercício do controle conjunto demanda um alinhamento afinado entre os
signatários do acordo, de modo a que a sua estabilidade não possa ser posta em perigo a toda
vez que um acionista deseje vender suas ações a terceiro. É compreensível que seja
interessante às partes terem a prerrogativa de querer sair conjuntamente em um acordo de
acionistas, estabelecendo tal obrigação contratualmente, especialmente porque o exercício de
controle conjunto é geralmente algo ligado à confiança que os acionistas detêm uns nos outros
e aos atributos de cada um.
Outra coisa é sustentar que há affectio societatis entre minoritários e controlador em
uma sociedade anônima de capital aberto, onde o investimento é, por natureza, mais
pulverizado e líquido, estando os investidores ligados entre si mais pela relação de capital do
que por qualquer tipo de relação pessoal.
A Lei das S.A. quando conferiu ao acionista direito de retirada o fez de forma
específica, mediante reembolso do valor das ações (art. 45). Não há motivo, a princípio, para
diferenciar as situações nela previstas da alienação de controle, ao menos não por esse
motivo.
Pense-se em uma incorporação de sociedades. Segundo o disposto no art. 136, IV, da
Lei das S.A. o acionista dissidente da sociedade incorporada faz jus ao direito de se retirar da
sociedade mediante reembolso do valor de suas ações. Indo além, imagine-se que dessa
incorporação de sociedades resulte um novo controlador; que, por exemplo, o controlador da
sociedade incorporadora, em razão da relação de troca ajustada, permaneça como controlador
66
após a incorporação, perdendo a condição de controlador o controlador da sociedade
incorporada. Tal situação embora envolva a “troca de controlador” não confere ao acionista o
direito de se retirar da sociedade, ainda mais segundo os critérios percentuais considerados no
art. 254-A125.
Para o propósito de resguardar o acionista minoritário quanto a um controlador
indesejado a regra do art. 254-A seria incoerente, pois somente é aplicável a aquisições
derivadas126. Como se verá quando tratarmos da aplicação prática do art. 254-A, um acionista
que adquire progressivamente ações em bolsa de valores e vem a se tornar controlador de uma
companhia aberta não está obrigado a realizar uma OPA aos demais acionistas. Seguindo a
lógica da affectio societatis, não haveria como justificar, nesse caso, a desnecessidade de
oferta ante a presença de um novo controlador. Parece-nos, portanto, problemática a
justificativa para a OPA a posteriori com base na affectio societatis existente entre
minoritários e acionista controlador de uma companhia aberta.
Sem dúvida nossas considerações nos aproximam da terceira corrente, defendida pelos
autores da Lei das S.A. de que o art. 254-A, que sustenta que a regra somente estabelece um
direito arbitrário aos acionistas que não diz respeito à participação nos resultados ou no
acervo da própria sociedade, mas ao preço pelo qual cada acionista vende ações de sua
propriedade.
Cabe então analisar, brevemente, as doutrinas estrangeiras sobre o tema que vêm
sendo invocadas para fundamentar a obrigatoriedade de realização de OPA na alienação de
controle de companhias abertas.
5.4. A OPA no direito comparado
Até o final dos anos 60 não se tem notícia da existência de regras que limitassem ou
proibissem a alienação de controle ou de bloco representativo de ações em companhias
abertas brasileiras ou estrangeiras. As regulações que primeiro surgiram nesse sentido
resultaram do aumento de ofertas para tomada hostil de controle de companhias abertas em
125
126
O direito de retirada se dá independentemente da troca ou não do controle.
Os conceitos relativos a aquisições originárias e derivadas são tratados no Capítulo 6.
67
mercado – o que se tornou possível em razão da alta dispersão acionária alcançada por
companhias em mercados mais desenvolvidos, notadamente nos Estados Unidos e no Reino
Unido.
Nos Estados Unidos, a lei federal Williams Act de 1968 incluiu dispositivos nos
capítulos 13 e 14 do Securities and Exchange Act de 1934 tratando da obrigatoriedade de
divulgação de informações em caso de oferta para aquisição de controle ou de participação
relevante (tender offers127).
O acionista controlador lá é livre para vender a posição de controle a qualquer preço
sem estender esse direito a minoritários, desde que a operação se dê sem a ocorrência de
fraude, insider trading, espoliação ou usurpação de oportunidades comerciais da
companhia128.
Não se prevê que o acionista minoritário terá o direito a vender suas ações por conta
de negociações privadas de controle. A tutela governamental somente se faz presente quando
a proposta de aquisição envolve investidores genericamente considerados; caso em que se
justifica o esforço para que a operação seja aberta ao público em geral de forma igualitária e
com a devida prestação de informações.
O arcabouço legal é meramente procedimental e estabelece apenas as informações que
devem ser apresentadas quando da realização de uma OPA a priori (para aquisição de
controle ou de participações societárias significativas), sem qualquer limitação material a
127
O Williams Act não define o que é uma tender offer. Sua verificação se dá caso a caso, mediante aplicação de
teste que a jurisprudência denominou como eight-factor test, por meio do qual a transação é analisada a fim de
determinar: (1) se compreende uma oferta dirigida à generalidade dos detentores de valores mobiliários; (2) se
envolve uma solicitação para uma percentagem substancial das ações da companhia emissora; (3) oferece um
prêmio sobre o preço de mercado; (4) contém termos contratuais pré-determinados (inflexíveis); (5) está
condicionada à aceitação de número fixo de ações; (6) possui período de limite pré-determinado; (7) se pressiona
para que os acionistas respondam com brevidade; e (8) resultaria na aquisição de uma quantidade substancial de
títulos. Vide precedentes SEC v. Carter Hawley Hale Stores, Inc., 760 F.2d 945 (9th Cir. 1985); Wellman v.
Dickinson, 475 F.Supp. 783 (S.D.N.Y. 1979). (SEC Interpretation: Commission Guidance on Mini-Tender
Offers and Limited Partnership Tender Offers, disponível em http://www.sec.gov/rules/interp/3443069.htm#P34_2354. Acesso em setembro de 2011.
128
Para decisões judiciais confirmando essa regra geral, conferir: Treadway Companies, Inc. v. Care Corp., 638
F.2d 357, 375 (2d Cir.1980); Clagett v. Hutchison, 583 F.2d 1259, 1262 (4th Cir.1978); Zetlin v. Hanson
Holdings, Inc., 397 N.E.2d 387, 388 (N.Y.1979); Tryon v. Smith, 229 P.2d 251, 254 (Or.1951); Glass v. Glass,
321 S.E.2d 69, 74 (Va.1984). Apud BAINBRIDGE, Stephen M. There is no Affirmative Action for Minorities,
Shareholder
and
Otherwise,
in
Corporate
Law.
Disponível
em
http://papers.ssrn.com/sol3/Delivery.cfm/SSRN_ID1279742_code109222.pdf?abstractid=1279742&mirid=1.
Acesso em setembro de 2011. p.6.
68
cessões de controle. Para efeitos legais, toda e qualquer oferta publica para a aquisição de
mais de 5% de ações de determinada classe de sociedade só pode ser efetuada mediante
registro na Securities and Exchange Commission, órgão governamental encarregado de
fiscalizar o mercado de capitais daquele país.
A regra contida no art. 254-A contém maiores semelhanças com regras de países
europeus. No Direito Inglês, por exemplo, as cessões de controle se encontram disciplinadas
em dispositivos legais esparsos e no City Code on Takeovers and Mergers, editado em 1968
por representantes de grandes agentes do mercado mobiliário de Londres.
A regra foi desenvolvida com o intuito de regular ofertas públicas de aquisição de
controle, as chamadas takeover bids129, determinando padrões de conduta para as partes na
transação, de modo a assegurar que todos os acionistas de uma mesma classe de companhia
pudessem ser tratados de maneira igualitária pelo adquirente do controle130.
O City Code contém uma série de regras que visam a garantir a adequada prestação de
informações aos acionistas e desencorajar aquisições de controle em negócios privados, tal
como a que obriga a realização de oferta pública quando uma pessoa, por uma, ou por várias
transações, adquire 30% das ações de uma companhia. As operações por ele reguladas são
objeto de supervisão e análise de órgão específico denominado Panel on Takeovers and
Mergers que tem por objetivo garantir o tratamento equitativo entre os acionistas em
aquisições de controle.
Na França, a regulação da matéria teve origem em 1973, através de normas editadas
pela Association Française des Banques – AFB, que determinavam a possibilidade de
acionistas minoritários alienarem suas ações em conjunto com o controlador, quando
129
As takeover bids são ofertas para aquisição de controle, também conhecidas como tomadas hostis de controle.
Na legislação brasileira, encontra-se regulada pelo art. 257 e seguintes da Lei das S.A. e, ao contrário da OPA
regulada no art. 254-A disciplina OPA a priori, em vista de preceder a tomada de controle. Em mercados com
grande dispersão acionária, onde a figura de um controlador majoritário não é tão presente quanto no Brasil, a
tomada de controle via OPA a priori é uma das principais formas de aquisição de controle de companhias
abertas.
130
“The Code is designed principally to ensure that shareholders in an offeree company are treated fairly and
are not denied an opportunity to decide on the merits of a takeover and that shareholders in the offeree company
of the same class are afforded equivalent treatment by an offeror. The Code also provides an orderly framework
within which takeovers are conducted. In addition, it is designed to promote, in conjunction with other
regulatory regimes, the integrity of the financial markets”. The Takeover Code. 10ª edição, de 19 de setembro de
2011, disponível em http://www.thetakeoverpanel.org.uk/wp-content/uploads/2008/11/code.pdf.
69
houvesse a transferência de controle de instituição financeira com alienante identificado. A
Lei 89.531/89 introduziu na França a OPA a priori, obrigatória para a compra de mais de um
terço das ações votantes de uma companhia.
Com a criação do Conselho de Mercados Financeiros – CMF, em 1996, e a edição do
Arrêté, em 1998, foram absorvidas as competências de regulação de oferta pública a priori e a
posteriori131. Hoje prevalece o princípio da igualdade de oportunidade entre acionistas, do
qual resulta a necessidade de formulação de oferta pública para a compra de ações detidas por
acionistas minoritários pelo mesmo preço pelo qual a cessão de controle foi realizada132.
Na Itália, a matéria é regulada pelo artigo 106 do Decreto Legislativo nº 58, de 24 de
fevereiro de 1998 (Texto Único para Finanças – T.U.F.), com a redação que lhe deu o Decreto
Legislativo de 9 de novembro de 2007, com vistas a adaptá-lo à Diretiva 2004/25/CE133. O
artigo estipula a obrigação de promover a oferta pública para aquisição da totalidade das
demais ações é exigível de qualquer pessoa que, por conta de uma aquisição, venha a deter
“participação superior a 30%” (o mesmo percentual do texto original do artigo 106)134.
No direito português, estabelece-se no artigo 187 do Código dos Valores Mobiliários
que está obrigado à realização da oferta aquele cuja participação ultrapasse um terço ou
metade das ações com direito a voto135.
Com base nos princípios que inspiraram essas legislações, o Parlamento Europeu e do
Conselho da União Europeia editou a Diretiva 2004/25/CE e estabeleceu, como regra geral, a
realização da oferta obrigatória para casos de aquisição de participação acionária relevante. A
Diretiva dispõe em seu art. 5º o seguinte:
131
PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier
Latin, 2005. pp. 287 – 291.
132
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada.Vol. III. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 418.
133
CORAPI, Diego. Parecer não publicado apresentado nos autos do Processo CVM RJ/2009/1956, referente ao
“Caso TIM”, analisado no Capítulo 6 deste trabalho.
134
Interessante notar que a obrigação independe da aquisição de controle acionário, tal como definido pelo
art.2359 do Código Civil.
135
Dispõe o art. 187 do Código dos Valores Mobiliários: “- 1. Aquele cuja participação em sociedade aberta
ultrapasse, directamente ou nos termos do n.º 1 do artigo 20.º, um terço ou metade dos direitos de voto
correspondentes ao capital social tem o dever de lançar oferta pública de aquisição sobre a totalidade das
acções e de outros valores mobiliários emitidos por essa sociedade que confiram direito à sua subscrição ou
aquisição”.
70
Proteção dos acionistas minoritários, oferta pública obrigatória e preço justo.
2. Sempre que uma pessoa natural ou jurídica, como resultado de uma
aquisição sua ou de terceiros atuando sob mesmo interesse, for titular de
valores mobiliários de companhia referida no Artigo 1(1), que, adicionados a
participações societárias detidas por ele ou por terceiros agindo sob mesmo
interesse, garanta, direta ou indiretamente, percentual de ações votantes que
confira o exercício do controle de tal companhia, os Estados Membros
deverão assegurar que tal pessoa faça uma oferta pública de aquisição, como
meio de proteção dos acionistas minoritários. A oferta pública de aquisição
deve ser dirigida, na maior brevidade possível, a todos os detentores de
valores mobiliários, para a aquisição da totalidade de seus títulos, por preço
justo (…)136.
Como se vê, a Diretiva não estabelece um percentual fixo para que haja a necessidade
de realização de OPA, ao contrário deixa aos países a faculdade de livremente estabelecerem
seus próprios percentuais.
As orientações da diretiva foram adotadas por grande parte dos países europeus, mas
com algumas diferenças de percentual e de aplicabilidade, como se vê a seguir:
País
Condições que acionam a obrigação de fazer uma oferta obrigatória
Áustria
Controle direto ou indireto através da aquisição de mais de 30% dos direitos de voto.
Controle indireto através de outros diretos conferidos de influência significativa na empresa-alvo.
Criação de participação no controle ao longo do tempo: aquisição de mais 2% dos direitos de voto para uma participação
de controle em período de menos de 12 meses, se o ofertante não tiver maioria dos direitos de voto.
Aquisição de 30% dos direitos de voto ou aquisição indireta do controle do alvo de acordo com determinadas
circunstâncias.
Aquisição de 40% dos direitos de voto.
Bélgica
República
Tcheca
Chipre
Dinamarca
Estônia
Alemanha
136
Aquisição de 30% dos direitos de voto.
Aquisição das ações se o adquirente:
-detém a maioria dos direitos de voto na empresa;
-passar a ter o direito de nomear ou destituir a maioria dos membros do conselho de administração;
-obtém o direito de exercer influência determinante sob a empresa com base no contrato social ou qualquer acordo
com a empresa em geral;
-controlar a maioria dos direitos de voto devido a um acordo com outros acionistas; ou
-é capaz de exercer a influência determinante sob a empresa e detém mais de um terço dos direitos de voto.
A obrigação de oferta obrigatória é desencadeada quando a pessoa obteve influência dominante sob a empresa-alvo, e
assim
-detém a maioria de votos na empresa; ou
-tem o direito de nomear ou destituir a maioria dos membros do conselho consultivo ou do conselho de
administração; ou
-controla, sozinho, a maioria dos votos em razão do acordo celebrado com os demais acionistas.
Aquisição indireta ou direta do controle, equivalente à aquisição de 30% dos direitos de voto da empresa-alvo. Essa
obrigação é desencadeada se o limite é ultrapassado pelos acionistas envolvidos em um acordo de “ação em conjunto”
No original: “Protection of minority shareholders, the mandatory bid and the equitable price.
1.Where a natural or legal person, as a result of his/her own acquisition or the acquisition by persons acting in
concert with him/her, holds securities of a company as referred to in Article 1(1) which, added to any existing
holdings of those securities of his/hers and the holdings of those securities of persons acting in concert with
him/her, directly or indirectly give him/her a specified percentage of voting rights in that company, giving
him/her control of that company, Member States shall ensure that such a person is required to make a bid as a
means of protecting the minority shareholders of that company. Such a bid shall be addressed at the earliest
opportunity to all the holders of those securities for all their holdings at the equitable price (…)”.
71
mesmo que tal acordo não tenha relação com a aquisição de ações da empresa-alvo.
Grécia
Aquisição de mais de um terço dos direitos de voto; ou aquisição de ainda 3% ou mais dos direitos de voto em um ano
além da obtenção entre um terço e 50% dos direitos de voto.
Aquisição de 30% e 50% dos direitos de voto.
Finlândia
Hungria
Irlanda
Aquisição de mais de 25% dos direitos de voto, desde que nenhum outro acionista seja titular de mais de 10% dos direitos
de voto da empresa ou aquisição de 33% dos direitos de voto.
Aquisição de 30% dos direitos de voto.
Látvia
Aquisição de 50% dos direitos de voto.
Lituânia
Aquisição de 40% ou mais dos direitos de voto.
Luxemburgo
Aquisição direta ou indireta de 33,33% dos direitos de voto.
Malta
Aquisição direta ou indireta de 50% mais um dos direitos de voto.
Holanda
Aquisição de 30% dos direitos de voto.
Polônia
Aquisição de mais de 66% dos direitos de voto.
Espanha
Eslováquia
O projeto de lei prevê um limite de 30% dos direitos de voto. Atualmente, esta obrigada a apresentar OPA qualquer pessoa
que adquira valores mobiliários que confiram o controle.
Aquisição de 33% dos direitos de voto.
Eslovênia
Aquisição de 25% dos direitos de voto.
Suécia
Aquisição de 30% dos direitos de voto; ou aumento de 30% de participação se o titular alcançou 30% de participação
acionária decorrente de medidas tomadas pela empresa ou outro acionista.
No resto do mundo é possível identificar, ainda, outros países que adotam regras que
garantem, de uma forma ou de outra, alguma espécie de tag along ao acionista minoritário,
tais como o México, China e Japão137.
5.5. O paralelo com doutrinas estrangeiras
Dada a existência de regras dessa natureza em outros regimes legais, não é raro que
doutrinadores brasileiros se utilizem de doutrinas estrangeiras a respeito do fundamento da
obrigatoriedade de realização de OPA em operações de alienação de controle.
Inclusive, é curioso que mesmo com características peculiares e tendo como origem
conjuntura bastante particular, a obrigação prevista inicialmente no art. 254 da Lei das S.A.,
venha a ter encontrado fundamentos idênticos aos desenvolvidos no exterior para a
exigibilidade de OPA. Como informa Rolf Skog, a regra geral contida na Diretiva Europeia é
apoiada em três justificativas, que já foram objeto de menção neste trabalho, quais sejam:
direito ao tratamento igualitário; direito à divisão do prêmio de controle e direito dos demais
137
No México a garantia está prevista no art. 98 da de Mercado de Valores, de 2005; na China, a previsão está
contida no artigo 85 da Lei de Valores Mobiliários (Securites Law of the People’s Republic of China); e no Japão
a obrigação decorre do art. 27-13, §4º da Financial Instruments and Exchange Law.
72
acionistas da companhia de poderem, se desejarem, sair de uma companhia onde ocorra uma
mudança de controle138.
Entre nós, as doutrinas que mais colaboraram para a defesa da obrigatoriedade da OPA
foram (i) a de que o controle pertence à companhia, (ii) a do tratamento igualitário; e (iii) a do
private benefits of control.
Começando pela primeira, deve-se fazer referência aos pioneiros na matéria Berle e
Means. A eles é atribuída a tese de que o controle pertence à companhia e não a um ou alguns
acionistas em particular139, sendo, portanto, um bem social (corporate asset).
Essa ideia foi objeto de duras críticas. Observou-se que ela implicaria sempre o
ajuizamento, pelos acionistas não controladores, de uma ação social uti singuli (derivative
action), produzindo indiretamente um benefício para os novos controladores, sobretudo se
acionistas majoritários, pois eles participam, em posição privilegiada dos lucros sociais140.
Além disso, a parcela de valor que a ação representa do patrimônio social é
propriedade de seu acionista titular e não da companhia. Ao admitir, como faziam Berle e
Means, que a cada vez que o controle fosse alienado e o prêmio depositado em favor da
companhia na forma de ativo social, esta teria um acréscimo injustificado no seu patrimônio,
pois estaria recebendo por um controle que estava alienado, e que em última análise
138
SKOG, Rolf. Does Sweeden Need a Mandatory Bid Rule?
http://www.suerf.org/download/studies/study2.pdf. Acesso em setembro de 2011.
139
Amsterdam,
1997,
disponível
em
A síntese das ideias de Berle e Means dessa forma, feita entre nós pela primeira vez por Comparato
(COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed.
Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. p. 300) e reproduzida pela maior parte da doutrina nacional, nos parece
fugir da tese central dos autores. A tese central dos autores não é a de que “o poder de controle seria um ativo da
sociedade”. Há apenas uma menção a isso (p.216-217) em um trecho da obra que passa quase como um
“desabafo”, uma espécie de solução sugerida para um caso concreto discutido pelos autores (Stanton v. Schenck,
252 N. Y. Supp. 172). A tese é focada antes em demonstrar as características do novo modo de organização de
propriedade, realizado através das companhias, ressaltando como essa estrutura tende a separar a propriedade do
controle, em razão de aspectos como a dispersão acionária, a existência de ações sem direito de voto, a
possibilidade de modificação de direitos dos acionistas etc. Trata-se de um trabalho altamente descritivo, cuja
parte crítica está na elaboração de analogia entre a companhia e a sociedade democrática. No mais, o trabalho
possui tom crítico com relação à concentração de poder nas companhias e indica a necessidade de regulação
estatal desse novo tipo de organização da propriedade.
140
COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª
ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. p. 300.
73
permanecia seu, na medida em que nova mudança de controle resultaria novamente no
recebimento do prêmio141.
As ideias de Berle e Means inspiraram William D. Andrews que publicou, em 1965,
artigo142 sustentando que sempre que um acionista controlador vende suas ações, todos os
outros acionistas detentores de ações de mesma classe têm o direito de ter igual oportunidade
de vender suas ações, ou parte delas, nas mesmas e condições que o controlador.
O controle, segundo o autor, seria uma espécie de acréscimo patrimonial que surge a
partir da formação do patrimônio inicial da companhia, representando, nesse sentido, uma
espécie de lucro, do qual todos os acionistas teriam direito a sua parte. O prêmio de controle
seria do controlador, mas deveria ser compartilhado com os demais acionistas por uma
questão de equidade e tratamento igualitário.
É a partir dessa tese que surge o embrião de uma oferta pública obrigatória a
posteriori, com a divisão do prêmio de controle entre todos os acionistas, embora esta jamais
tenha sido adotada nos Estados Unidos143. A tese possui ainda mais um aspecto relevante: a
venda deve ser sempre pro rata entre todos os acionistas, proporcionalmente à percentagem
de ações do antigo controlador a serem adquiridas pelo adquirente do controle144.
A regra de igualdade de oportunidade de Andrews serviu de base para o
desenvolvimento da doutrina do “equal opportunity rule”145
141
146
e para a aplicação de regras
PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier
Latin, 2005. p. 57.
142
ANDREWS. William D. The stockholder’s right to equal opportunity in the sale of shares. Harvard Law
Review. V.78, Jan., 1965, p. 515.
143
PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier
Latin, 2005. pp. 60-61.
144
Sustentava o autor que “toda vez que o titular do controle vende suas ações, todos os outros acionistas (da
mesma classe) têm o direito de ver-se assegurada a mesma oportunidade de vender suas ações, ou uma parcela
pro rata delas, em idênticas condições”. (ANDREWS. William D. The stockholder’s right to equal opportunity
in the sale of shares. Harvard Law Review. V.78, Jan.,1965. p. 515).
145
TESTA, Pedro. The Mandatory Bid Rule in the European Community and in Brazil: A Critical View. 2006.
Disponível em SSRN: http://ssrn.com/abstract=943089 ou http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.943089. Acesso em
setembro de 2011. p.20
146
Outro autor comumente apontado como tendo contribuído para o desenvolvimento do “equal opportunity
rule” é JENNINGS, Richard W. Trading in Corporate Control. California Law Review, Vol. 44, 1956.
74
que obrigam a realização de OPA em casos de aquisição de participação relevante, também
conhecidas como mandatory bid rules (MBR)147.
O tratamento igualitário foi criticado pela doutrina, sob o argumento de que a regra de
divisão do prêmio de controle tem como efeito reprimir transferências de controle ao invés de
beneficiar minoritários. Dar aos minoritários a chance de alienar suas ações nas mesmas
condições que o controlador tem como consequência fazer com que o comprador tenha que
adquirir mais ações do que seria necessário para o exercício do controle, o que inviabiliza
economicamente cessões de controle. Isso ganha ainda maior relevância em companhias de
capital disperso e controle gerencial, onde limitações a transferências de controle tendem a
dar excessiva estabilidade à administração, com reflexos negativos sobre a condução dos
negócios, dada a falta de instrumentos reais de controle e “pressão” por parte dos
acionistas148.
A tese da venda pro rata de Andrews foi igualmente objeto de críticas, especialmente
pelo fato de que a ofertante que objetivasse a aquisição de parte das ações de emissão da
companhia – e não a totalidade – ver-se-ia na incômoda situação de ter como sócio o antigo
controlador, com ações suficientes para dificultar o pleno exercício do controle. Veja-se o
exemplo de um de seus críticos:
Tomando um caso hipotético: 10% de uma emissão com um valor agregado
de mercado de U$ 500 milhões poderia normalmente implicar no controle de
uma empresa (isso levando-se em consideração as particularidades do
mercado americano) e constituiria um investimento de U$ 50 milhões. A
regra de igualdade de oportunidades, se aplicada de maneira a garantir que
uma oferta pelos 10% do capital dessa companhia seja estendida a todos os
acionistas, resultaria na situação de o vendedor ter de deixar U$45 milhões
sob o risco e administração do adquirente obtendo apenas U$ 5 milhões. É
pouco provável que muitos controladores aceitassem esses termos.
Assumindo, por hipótese, que isso fosse satisfatório para o acionista que
aliena o controle, provavelmente não seria para o adquirente. Ainda que este
147
A doutrina de Andrews é expressamente mencionada no Relatório sobre Partial Takeover Bids, de 1985,
elaborado pelo Companies and Securities Law Review Committee, órgão que compõe o Takeovers Panel Inglês.
Dispõe o relatório: “This paper favours recognition of control as a corporate asset. The case for any control
premium to be vested proportionately in all shares is based on fundamental notions of fairness and equity: a
share is a proportionate interest in the enterprise, and no aggregation of shares ought fairly claim entitlement to
a value derived from the enterprise greater than the sum of the individual value of each share. The strongest
support for this case comes in the writings of Professor David Bayne S.J. [2] - although he is primarily
concerned with sale by a controller - and of Professor William Andrews [3]. The Andrews position was restated
by A.B. Greenwood as an NCSC view in a paper to CEDA in March 1982” (grifamos).
148
EASTERBROOK, Frank H. FISCHEL, Daniel R. The economic structure of corporate law. Cambridge:
Harvard University Press, 1991. p.127.
75
insistisse, como parte da transação, na renúncia dos membros do conselho de
administração, não poderia estar seguro de que seu investimento de U$ 50
milhões, representando 10% do capital, significaria o controle se cotejado
com os U$ 45 milhões representando 9% mantido pelo anterior
controlador149.
As críticas não impediram a aceitação parcial das ideias de Andrews em países
europeus, mediante a positivação de regras de MBR, com fortes influências, posteriormente,
para extensão de seus princípios a alienações de controle privada. Partindo da lógica
razoavelmente aceita nesses países europeus de que operações de fusão, incorporação e
takeover bids necessitam ser reguladas e ensejariam a aplicação de MBR, passou-se também a
questionar se a proteção conferida aos minoritários em tais operações não deveria abranger
igualmente casos de cessão privada de controle.
Com efeito, nas operações que dão ensejo a MBR, tais como fusões, incorporações e
takeover bids os minoritários tem direito a voto, podendo aceitá-las ou não; e, dada a
dispersão acionária de muitas companhias estrangeiras, é comum que essas operações sejam
bloqueadas por minoritários. Além disso, o procedimento de oferta demanda a divulgação de
uma série de informações aos minoritários sobre o ofertante e sobre a oferta. Em razão da
inexistência desse tipo de mecanismo em cessões privadas de controle, sobre as quais somente
alienante e adquirente têm voz, haveria entre os diferentes tipos de concentração acionária
uma importante diferença regulatória em termos de proteção aos minoritários150, pelo que se
justificaria a regulação também das alienações privadas de controle.
Porém, é importante notar que o negócio que configura a tomada hostil de controle é
diferente do da alienação privada de controle. Na alienação privada de controle o alienante
detém isoladamente o controle da companhia, ou seja, o controle é resultado da propriedade
da titularidade de bens (ações) do controlador, que são por sua natureza alienáveis.
Já as takeover bids pressupõem um perfil acionário diverso, referente à companhia
com capital disperso, onde não há a detenção de controle por parte de um acionista ou,
havendo, este é controle minoritário. O sucesso da operação depende da aceitação da oferta
149
LETTS, J. Spencer. Sales of Control stock and the rights of minority shareholders. The Business Lawyer,
p.620 apud PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva.
1995. p.172.
150
Sobre o assunto vide PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São
Paulo: Saraiva. 1995. p.168.
76
por parte de número suficiente de acionistas – que, isoladamente, não possuem controle – mas
cujas ações, em conjunto, formam um bloco de controle. É indiscutível que, pela própria
natureza da operação, existe uma paridade maior entre minoritários, visto que para a formação
do bloco de controle a ser adquirido a quantidade de ações detidas por cada um dos alienantes
é relevante, de modo que ex ante todos acionistas são, por assim dizer, “importantes” para o
bom resultado da operação, enquanto na alienação privada de controle, as condições do
negócio só podem ser determinadas por aquele que é titular do bloco de controle.
O recurso a doutrinas estrangeiras referentes ao MBR para fundamentar a
exigibilidade de OPA a posteriori prevista no art. 254-A da Lei das S.A. possui, pelos mesmo
motivos, diferenças do ponto de vista normativo.
Como regra geral, para a aplicação da MBR não importa se o adquirente do controle
ou de bloco de ações o adquiriu de quem possuía o controle, ou seja, diferentemente da regra
brasileira, não é necessário que a aquisição seja derivada do antigo controlador. A MBR busca
estender aos demais acionistas o prêmio pago por bloco de ações negociado, ainda que não
represente a alienação de controle151. Mesmo a aquisição de controle mediante a aquisição
progressiva de ações em bolsa para a formação de um novo bloco de controle enseja a MBR,
pois há, nesse caso, a aquisição do controle, sem que haja propriamente sua alienação.
O outro fundamento para a exigibilidade de OPA em casos de aquisição de
participação acionária relevante, também utilizado entre nós como fundamento em doutrinas
estrangeiras é a doutrina do “private benefits of control” (PBC)152.
Segundo esse entendimento, o prêmio de controle seria reflexo de uma insuficiente
proteção aos minoritários, resultado da possibilidade de os acionistas controladores se
apropriem dos chamados benefícios privados do controle (PBC), tais como empréstimos
subsidiados e operações com partes relacionadas. O uso destes benefícios justificaria o
sobrevalor pago pelo adquirente pela expectativa de recuperar seu investimento através de
151
Conforme dispõe o Report on the implementation of the Directive on Takeover Bids, p. 9. Fonte: Comissão
Europeia. Disponível em http://ec.europa.eu/internal_market/company/docs/takeoverbids/2007-02-report_en.pdf.
Acesso em setembro de 2011.
152
Vide DYCK, A. and ZINGALES, L. Private Benefits of Control: An International Comparison. Journal of
Finance. 2004. Disponível em http://www.nber.org/papers/w8711.pdf e HOFSTETTER, Karl. One size does not
fit all: Corporate Governance for Controlled Companies. 2005. Disponível em www.hertig.ethz.ch/LE_200506_files/Papers/Hofstetter_Corporate_Governance_2005.pdf. Acesso em setembro de 2011.
77
expropriações indevidas de recursos da companhia. Por essas razões, este sobrepreço deveria
ser compartilhado com os minoritários no momento da alienação de controle153.
A doutrina costuma identificar dois tipos de PBCs, os benefícios externos e os
benefícios internos154.
Os benefícios externos são aqueles que o controlador possui na qualidade de acionista,
tais como poder eleger os membros da administração, alterar o estatuto social e a estrutura de
capital da companhia, tomando decisões que não necessariamente são consideradas boas pelos
minoritários. Incluem-se nesse tipo de “benefícios” as decisões de aumentar sua participação
na companhia e de alienar todas as ações em bloco.
Os benefícios internos, por sua vez, são os que decorrem da possibilidade de o
controlador, na qualidade de membro da administração da companhia, notadamente de sua
diretoria, apropriar-se de ativos, informações e oportunidades da companhia. São exemplos de
benefícios internos: (i) desvio de recursos através da movimentação de contas bancárias; (ii)
realização de operações com partes relacionadas fora das condições de mercado (e.g.
empréstimos a juros baixos, venda de bens por preço inferior ao de mercado etc.); (iii)
utilização de bens sociais para interesses privados (e.g. uso particular de automóveis,
compartilhamento de equipamentos e instalações com sociedades sob controle comum sem o
devido rateio das despesas etc.); (iv) aproveitamento exclusivo de oportunidades comerciais
surgidas no âmbito da companhia, relacionadas às suas atividades (e.g. celebração de contrato
por intermédio de outras sociedades do controlador sem o devido compartilhamento dos
ganhos decorrentes com os minoritários); e (v) uso de informações confidenciais da
companhia para interesses próprios.
A alienação do controle de companhia seria um tipo de benefício privado externo, que,
nessa qualidade, estaria sujeita às regras de mercado, e resultado do próprio direito que tem o
controlador de dispor livremente de sua propriedade, assim como qualquer acionista em
relação às suas respectivas ações.
153
EIZIRIK, Nelson; et. al. Mercado de Capitais regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 587.
HOFSTETTER, Karl. One size does not fit all: Corporate Governance for Controlled Companies. 2005.
Disponível em www.hertig.ethz.ch/LE_2005-06_files/Papers/Hofstetter_Corporate_Governance_2005.pdf.
Acesso em setembro de 2011.
154
78
Trata-se de algo lícito e legítimo. O problema é que, segundo os partidários da
doutrina dos PBCs, no valor do prêmio estariam incluídos os benefícios internos (tipicamente
ilícitos), que resultam da quebra dos deveres fiduciários dos administradores em relação aos
acionistas (arts. 154 a 157 da Lei das S.A.). Seguindo essa lógica, maiores seriam os prêmios
de controle quanto maiores fossem as possibilidades de extração de PBC, o que, por sua vez,
tenderia a ocorrer em companhias com menor nível de controle e fiscalização sobre os atos
dos administradores e controladores (com baixos padrões de governança corporativa). Esse
entendimento pode ser corroborado pela análise empírica dos prêmios de controle pagos em
mercados onde a governança corporativa é considerada menor155.
A extensão do prêmio de controle aos minoritários seria, assim, uma forma de
socializar os benefícios privados do controle.
Esse entendimento merece algumas considerações. Entendemos que os benefícios
privados externos sequer podem ser chamados de “benefícios”. O controle não é um poder de
direito, mas de fato; que emerge a partir da titularidade de bloco de ações suficientes para
determinar os negócios da sociedade. O poder de decidir, ainda que contra a vontade dos
minoritários, decorre do exercício do direito de propriedade do titular da maioria das ações
com direito de voto. O mesmo se pode dizer quanto à possibilidade de alienar tais ações, já
que a livre disposição do bem também integra o direito de propriedade.
A esses atributos da propriedade sobre o bloco de controle é conferido um valor
adicional, um prêmio. Mas isso não representa de forma alguma um “benefício”; assim como
não é “benefício”, por exemplo, o direito de eleger um membro do Conselho de
Administração por parte do titular de 10% de ações preferenciais sem direito de voto de
emissão de companhia aberta (art. 141, §4º, II da Lei das S.A.). Essas são prerrogativas
decorrentes da propriedade de um bloco determinado de ações capaz de conferir tais direitos.
155
Vide estudo de ANDREZZO, Andrea Fernandes. A Alienação de Controle de Companhia Aberta e a Recente
Reforma da Legislação Societária – Efetivo Avanço?. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro, v. 130, Malheiros. Abr-Jun. 2003. pp. 160-179.
79
Assim, entendemos que no prêmio de controle estão incluídos não só os eventuais
benefícios privados ilícitos, que representam lesão aos acionistas minoritários, como também
os lícitos, que sequer são “benefícios”.
Visto que os atributos decorrentes da propriedade das ações que conferem o controle
são lícitos e legítimos, a alegação de que o prêmio de controle deve ser dividido com
minoritários passa a fundamentar-se, basicamente, na premissa de abuso, ou melhor, de
cometimento de ilegalidades por parte do controlador. Tal entendimento parte de premissa de
má-fé por parte do adquirente do controle para justificar uma divisão, com os minoritários, do
eventual produto do ilícito.
Fosse esse o fundamento da OPA, a premissa de má-fé estaria presente em
absolutamente todas as operações de alienação de controle156, tendo em vista que o
dispositivo do art. 254-A não tem qualquer mecanismo para distinguir controladores que
extraem maior ou menor benefício privado. Da mesma forma, representaria um estanho
incentivo ao cometimento de ilícitos, já que a premissa seria a de que ele os estaria de
qualquer forma cometendo.
A relação de altos prêmios de controle com maior possibilidade de extração de
benefícios privados é parcialmente verdadeira, pois diversos outros aspectos que constituem o
prêmio de controle nada têm em comum com a possibilidade de extração de benefícios por
parte do controlador.
O pagamento de um prêmio pelas ações do bloco de controle pode ter como
explicação a expectativa do adquirente em melhor administrar a companhia, mediante a
aplicação de tecnologia ainda não utilizada, pela adoção de planejamento fiscal mais eficiente,
ou em decorrência de sinergia específica que garanta ao adquirente do controle uma vantagem
comercial em relação ao antigo controlador. Esses fatores, e muitos outros, influenciarão o
valor do prêmio de controle, ainda que a possibilidade de extração de benefícios privados do
controle seja nenhuma.
156
Em abandono ao brocardo Bona fides semper praesumi nisi mala - Sempre se presume a boa-fé, se não
provar-se existir a má.
80
Há de se levar em consideração, ainda, que assim como há benefícios privados do
controle, há “custos privados do controle”157, que não são incorridos pelos acionistas
minoritários. As ações do bloco de controle, consideradas em conjunto, geralmente possuem
menor liquidez do que pequenas quantidades de ações – o que é natural, visto que há menor
quantidade de investidores capazes de, a qualquer momento, desembolsar valor
correspondente a grandes quantidades de ações. Igualmente, os custos incorridos pelo
controlador para a fiscalização da administração da companhia geralmente são superiores aos
suportados pelos demais acionistas, uma vez que é ele quem, na maior parte das vezes, possui
mais capital investido e, portanto, está sujeito a maior risco pela má administração da
companhia.
A existência de custos privados do controle não justifica qualquer medida
compensatória, pois é um ônus decorrente da propriedade das ações. Ante a isso, questionase: seria justo socializar o benefício privado do controle sem considerar os custos privados do
controle?
Entendemos que o estudo para a compreensão dos private benefits of control é
importante mais para o desenvolvimento de mecanismos de governança corporativa que
auxiliem o controle e fiscalização da administração e dos controladores, do que para justificar
a obrigação de realização de OPA para a divisão do prêmio de controle, sendo inaplicável tal
doutrina para os fins de justificação da regra contida no art. 254-A da Lei das S.A., assim
como a tese do tratamento igualitário e a do corporate asset de Berle e Means.
157
HOFSTETTER, Karl. One size does not fit all: Corporate Governance for Controlled Companies. 2005.
Disponível em www.hertig.ethz.ch/LE_2005-06_files/Papers/Hofstetter_Corporate_Governance_2005.pdf.; e
KANG, Jangkoo e KIM, Joon-Seok. Private benefits of control and firm leverage: An analysis of Korean firms.
2006. Disponível em http://business.kaist.ac.kr/re_center/fulltext/2006/2006-053.pdf. Acesso em setembro de
2011.
81
6 – CARACTERÍSTICAS DA ALIENAÇÃO DE CONTROLE
Como visto nos capítulos anteriores, está longe de haver unanimidade entre os
doutrinadores brasileiros quanto aos fundamentos e justificativas para a aplicabilidade da
OPA a posteriori prevista no art. 254-A.
A inserção do instituto da OPA a priori no direito brasileiro, em 1976, teve por
explicação fatores históricos peculiares que não mantinham relação alguma com a ocorrência
de takeover bids, ofertas características de mercados mais desenvolvidos, nos quais as
companhias possuem capital disperso; razão pela qual o paralelo com doutrinas e legislações
estrangeiras encontra, como visto, sérias limitações.
As semelhanças entre a OPA “à brasileira” e as regras de Mandatory Bid Rules só se
justificam no plano subjetivo, quando tratadas como “medidas protetivas” a fim de garantir o
tratamento “igualitário entre os acionistas”.
Objetivamente, pode-se dizer que divergem:
(i) quanto à origem, já que no Brasil surgiram a partir de operações de incorporações
de bancos comercias, na década de 70, em função de política do Banco Central da
época (de não conceder novas licenças, conforme mencionado no Capítulo 4 acima),
enquanto no exterior originaram-se em decorrência do aumento de tomadas hostis de
controle;
(ii) quanto aos fundamentos – estando a atenção, no Brasil, sempre voltada para a
extensão do prêmio de controle aos minoritários quando da alienação do controle; e
em países estrangeiros sobre a necessidade de ampla divulgação de informações para a
tomada de decisão informada pelos acionistas e à oportunidade de alienar suas ações
quando da aquisição de bloco considerável de ações, independentemente de tal bloco
conferir ou não o controle da companhia; e
82
(iii) sua aplicabilidade prática é distinta – primeiro, porque no Brasil a OPA é a
posteriori e no exterior a priori; segundo, porque no exterior a OPA só é exigível em
casos de aquisição originária de controle decorrente de takeover bids, enquanto no
Brasil dá-se exclusivamente em aquisições de controle derivadas.
Não obstante as diferenças e semelhanças que possam ser aventadas na doutrina
estrangeira, relativa aos aspectos teóricos sobre o tema, o fato é que, do ponto de vista prático,
encontra-se em vigor o art. 254-A, o qual, independentemente das razões o fundamentam,
exige a realização de OPA a posteriori nos casos de alienação de controle de companhias
abertas brasileiras.
Vejamos, então, sob o aspecto prático, como se caracteriza a alienação de controle
para fins do art. 254-A da Lei das S.A.
Dispõe o art. 254-A que a alienação, direta ou indireta, do controle de companhia
aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o
adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de
propriedade dos demais acionistas da companhia. Nesta oferta, o adquirente deve assegurar
que o preço pago pelas demais ações seja de, no mínimo, igual a 80% do valor pago por ação
com direito a voto, integrante do bloco de controle.
A alienação de controle foi definida pelo §1º do mesmo artigo como a transferência,
de forma direta ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a
acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto,
cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores
mobiliários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de controle acionário
da sociedade.
Para fins de análise do dispositivo legal, o presente capítulo será estruturado da
seguinte forma: (i) trataremos dos elementos gerais que caracterizam a alienação de controle
segundo a doutrina; (ii) em seguida, trataremos de identificar os destinatários da oferta, bem
como os valores mobiliários cuja transferência caracteriza a alienação de controle; (ii)
analisaremos as modalidades específicas de alienação de controle e suas particularidades; (iii)
abordaremos o problema da alienação de controle minoritário; para, enfim, analisarmos o
83
procedimento da OPA e as regras de autorregulação sobre a matéria. Os tópicos serão
abordados juntamente com casos concretos, presentes na jurisprudência da CVM, ou com
casos exemplificativos.
6.1. Elementos gerais para a caracterização de alienação de controle
A doutrina ressalta três elementos fundamentais para que se caracterize a alienação do
controle acionário, a saber:
(i)
que da operação, em seu conjunto, resulte a presença de um novo acionista
controlador ou grupo de controle;
(ii)
que a transferência do controle, qualquer que seja a sua modalidade,
apresente um caráter oneroso; e
(iii)
que tenha ocorrido a transferência da totalidade ou de parte de ações ou de
direitos sobre tais ações pertencentes ao antigo controlador158.
O primeiro elemento significa que da operação de transferência deverá resultar a
transferência de todas ou de parte das ações integrantes do bloco do controle para um terceiro,
o qual assumirá a posição de novo acionista controlador da companhia.
Se da operação não resultar um novo controlador, direto ou indireto, não há alienação
de controle, mas mera reestruturação societária. Exemplo disso é operação que envolve a
constituição de sociedade com o fim de consolidar e estabilizar o controle de companhia
aberta. Em operações do tipo, acionistas pessoas físicas aportam as ações que detém de
companhia aberta em sociedade nova, que passa a ser controladora direta da companhia
aberta. Neste caso, a alteração de controle direto não configura alienação de controle, pois
indiretamente os controladores permanecem sendo os mesmos.
Esse aspecto é particularmente complexo quando se trata de alienação de ações que
compõem bloco de controle compartilhado. Como se verá adiante, o terceiro adquirente deve
158
EIZIRIK, Nelson. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 239.
84
ser um novo integrante do bloco de controle, de forma que, como regra geral, a troca de
posições acionárias ocorridas dentro de blocos de controle compartilhado (operação
denominada intra bloco) não caracteriza, para fins do art. 254-A, a alienação de controle, a
menos que dela resulte a alteração na formação da vontade social, com a efetiva troca de
controle.
O segundo elemento destacado pela doutrina é o da onerosidade, que significa que
deve haver pagamento em dinheiro ou em bens pelas ações, valores mobiliários ou direitos de
subscrição que ensejam a transferência do controle. Operações de cessão gratuita de ações,
portanto, não representam alienação de controle acionário.
Hipóteses de cessão gratuita de ações, valores mobiliários ou direitos de subscrição,
por parte do acionista controlador, não são comuns e podem gerar desconfiança relacionada à
possibilidade de ter havido compensação oculta para o alienante, ou seja, alguma espécie de
fraude à lei.
Por outro lado, é comum a cessão gratuita em casos de companhias em difícil situação
econômico-financeira, nas quais o novo acionista majoritário ingressa na companhia para
aportar recursos, possibilitando, assim, que a companhia continue exercendo suas atividades.
Nesse caso, justifica-se economicamente a operação, pois que, para os antigos controladores,
é melhor ceder o comando da sociedade para ter uma parcela menor de ações de uma
companhia saudável, do que possuir o controle de uma companhia falida.
É necessário verificar-se constantemente se, esse ex-controlador, atual minoritário da
companhia, irá ou não alienar o restante de suas ações ao beneficiário da cessão gratuita. Caso
isso ocorra, ter-se-á situação interessante: embora o ex-controlador, em um segundo
momento, não esteja transferindo propriamente o bloco de controle, a operação, considerada
em conjunto com a cessão gratuita, poderá ser entendida como uma alienação de controle. No
momento da alienação de ações do ex-controlador para o atual (que isoladamente não
configura alienação de controle), será conferido o caráter oneroso à operação.
O fundamento de tal critério de determinação de alienação de controle é o de que se
não há qualquer preço a ser pago ao controlador pelas ações, não há preço a ser estendido
85
aos minoritários, sendo descabido se falar em OPA a posteriori159. Nesse ponto, toda a
discussão prática na determinação de uma alienação de controle gira sobre o prêmio de
controle a ser estendido – tema que, como veremos, é objeto de controvérsias, especialmente
em alienações de controle indireto160.
O terceiro critério estabelecido pela doutrina para que se caracterize a alienação do
controle acionário é o de que tenha ocorrido a transferência de ações ou de direitos sobre tais
ações pertencentes ao antigo controlador. O art. 254-A da Lei das S.A. é expresso no que
tange à transferência, pois se o controle é adquirido sem que o novo controlador adquira
ações ou títulos conversíveis em ações do antigo controlador, ou de direitos sobre tais ações,
não será obrigatória a realização de uma OPA.
A compreensão desse aspecto demandará nossa análise sobre os conceitos doutrinários
de aquisição originária, derivada e semiderivada, bem como de alienação de controle por
etapas.
Os três critérios apontados pela doutrina buscam criar regras gerais que possibilitem a
identificação da ocorrência de uma alienação de controle acionário. Esses critérios, diga-se,
não são fixos nem absolutamente precisos, pois há casos em que alguns fatores dificultam sua
determinação.
6.2. Destinatários da Oferta e Valores Mobiliários considerados para os fins do Art. 254A
A redação do art. 254-A da Lei das S.A., incluído na Lei das S.A. pela Lei nº
10.303/2001, encerrou as dúvidas existentes quando da vigência do art. 254 quanto à
159
Seguindo essa lógica, Cantidiano vai além ao afirmar que apenas se justifica a apresentação de OPA pelo
adquirente no caso de cessão onerosa em que há pagamento de prêmio de controle. (CANTIDIANO, Luiz
Leonardo. Reforma da Lei das S.A. Comentada. Rio de Janeiro: Renovar. 2002. p.240.). Em sentido contrário,
Modesto Carvalhosa entende que basta haver caráter oneroso, pois não se pode extrair da lei que o pagamento de
prêmio é condição para obrigatoriedade de o adquirente formular OPA a posteriori (CARVAHOSA, Modesto;
EIZIRIK, Nelson. A nova Lei das S.A., São Paulo: Saraiva, 2002. p.399).
160
Na alienação indireta de controle, na qual a companhia cujas ações adquiridas é proprietária de outros ativos
que não somente as ações da companhia aberta, é comum a discussão para a determinação do valor a ser
estendido aos minoritários na OPA. O assunto será abordado adiante e comentado com maior profundidade na
análise do Caso Arcelor/Mittal. A discussão do valor da oferta na extensão do prêmio de controle é levantada
também pelos defensores da aplicação do art. 254-A aos casos de incorporação, que será comentado na análise
do Caso Suzano.
86
necessidade ou não de extensão da OPA aos acionistas detentores de ações preferenciais, pois
determinou que os destinatários da oferta são os titulares de ações com direito de voto que não
integrem o bloco de controle161.
O extinto art. 254 da Lei das S.A. dispunha que deveria ser dado tratamento igualitário
aos acionistas minoritários mediante oferta pública para aquisição de ações. No entanto, o
dispositivo não deixava claro quem seriam os minoritários, o que dividia a opinião da
doutrina no que diz respeito à sua abrangência162.
A Resolução CMN nº 401, que regulamentou as alienações de controle, limitou a
obrigação de ofertar apenas aos titulares de ações com direito a voto, entendimento esse que
veio a ser consagrado pela redação do art. 254-A.
A nova redação, entretanto, não dirime todas as dúvidas relativas à questão.
Como é sabido, as ações ordinárias possuem, por sua própria natureza, o direito de
voto, conforme preceitua o art. 110 da Lei das S.A. No entanto, é possível que as ações
ordinárias tenham sua prerrogativa suprimida na forma do art. 120 da Lei, em decorrência da
inadimplência do acionista em relação a suas obrigações estatutárias e/ou legais. Diante disso,
pode-se questionar se as ações com direito de voto suspenso são objeto ou não de OPA por
alienação de controle.
O entendimento da doutrina é o de que há uma diferença entre o direito de usar o voto
e o direito de gozar e dispor do direito de voto em si. A assembleia geral, embora tenha o
poder de suspender temporariamente o exercício do direito de voto, não pode suspender o
161
Embora haja ainda críticas quanto à escolha legislativa. Vide PARENTE, Norma. Principais inovações
introduzidas pela Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, à Lei das Sociedades por Ações. In: LOBO, Jorge
(Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. São Paulo: Forense, 2002.. pp. 39-40.
162
Para Luiz Leonardo Cantidiano, “a noção de acionista minoritário representa um atributo que é mais
qualitativo do que quantitativo, um status, cujo referencial necessário é o poder de controle e não o direito de
voto” (CANTIDIANO, Luiz Leonardo. Alienação e aquisição de controle. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, ano XXIV, n. 59, 1985. p. 64). Em sentido oposto, Alfredo
Lamy Filho, em parecer de 1987, afirmou que “a dedução evidente da leitura do texto, é a de que se o controle
está em função da maioria com direito a voto, obviamente a lei se referia à minoria de acionistas titulares de
votos que, somados aos daquela maioria, são a totalidade dos que interferem na formação do controle” (LAMY
FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A.: pressupostos, elaboração, aplicação. Rio de
Janeiro: Renovar, 1995, p. 683).
87
direito de gozar dos benefícios do voto. Ou seja, mesmo com o direito de voto
temporariamente suspenso, o acionista não perde o direito de gozo dos benefícios conferidos
por tal direito, razão pela qual não devem tais acionistas ser excluídos da OPA163.
Ao mencionar ações com direito de voto e não ações ordinárias, a lei societária faz
surgir uma questão conexa com a tratada acima, a saber: acionistas preferencialistas com
direito de voto podem vir a ser caracterizados como destinatários da oferta?
Pela redação do artigo, depreende-se que ações preferenciais com direito de voto
conferido pelo Estatuto terão o direito de vender suas ações em OPA em virtude de alienação
de controle acionário. O problema está em saber se a Lei das S.A. incluiu no conceito de
ações com direito de voto as ações preferenciais que tenham adquirido o direito em virtude do
não pagamento de dividendos na forma do art. 111, §1º.
Carlos Augusto Junqueira de Siqueira, tratando do problema, opina no seguinte
sentido164:
“São destinatários da oferta pública todas as ações com direito permanente
de voto. Geralmente, as ordinárias. Quanto às preferenciais, terão direito a
habilitar-se na oferta caso tenham estatutariamente assegurado o direito de
voto ou, ainda que não possuam tal direito, o estatuto social estabeleça
como uma de suas vantagens a participação na oferta decorrente da
alienação de controle, em igualdade de condições com as ações votantes.
As ações preferenciais que adquiram o direito transitório de voto em face do
não pagamento de dividendos, não poderão participar na oferta pública.
(...)
A aquisição do direito de voto pelas ações preferenciais, em função do não
pagamento de dividendos, não credencia essas ações como destinatárias da
oferta. Nesta circunstância excepcional, o direito de voto é transitório e o
poder de controle só é compartilhado entre as ações com direito permanente
de voto. Apenas a elas serão estendidas as condições praticadas no negócio
de transferência do controle. Se o valor praticado na transação for
partilhado entre as ações não votantes, estas estariam apropriando-se de
algo que não lhes pertence, pois as preferenciais não compõem o poder de
controle”.
163
YAMASHITA, Douglas. Dos destinatários da Oferta Pública na Alienação de Controle de Companhia
Aberta. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros Editores, nº
131, 2003. p. 210.
164
SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário: Interpretação e Valor. Rio
de Janeiro: FMF Editora, 2004. pp. 361, 369 e 371.
88
A “benesse” dada ao preferencialista, assim, seria apenas uma providência contingente
que a lei concede a fim de assegurar que estes possam adquirir um direito específico – o de
votar. Isso não faria com que ações preferenciais pudessem ser consideradas como ações com
direito de voto, pois tal direito seria transitório e instável.
A Instrução CVM nº 361/02, que regula as ofertas públicas de aquisição de ações de
companhias abertas165, dispõe em seu art. 29 que a OPA por alienação de controle terá por
objeto todas as ações de emissão da companhia as quais seja atribuído o pleno e permanente
direito de voto, por disposição legal ou estatutária.
O dispositivo regulamentar é objeto de duras críticas pela doutrina. Entendem alguns
que a orientação emanada da Instrução seria ilegal, uma vez que o art. 254-A da Lei das S.A.
não faz qualquer menção à necessidade do controle ser exercido de modo permanente para a
caracterização de alienação de controle acionário166. Nesse sentido manifesta-se Fábio Ulhoa
Coelho:
os destinatários da oferta pública são os acionistas titulares do direito de
voto. Nessa condição, encontram-se (a) os ordinarialistas, sempre; (b) os
preferecialistas da classe ou classes em relação às quais o estatuto não
subtrai o direito de voto; (c) os preferencialistas com direito a dividendo
fixo ou mínimo, se a alienação do controle ocorre quando esses dividendos
não foram distribuídos pelo período fixado no estatuto não superior a três
exercícios consecutivos (LSA, art. 111, §1º). Todos esses acionistas têm o
direito de vender ao adquirente do controle suas ações, por preço
correspondente a pelo menos 80% pago ao controlador167.
Em sentido contrário, veja-se a lição de Alfredo Lamy Filho, ainda em referência ao
revogado art. 254:
165
A Instrução dispõe sobre o procedimento aplicável às ofertas públicas de aquisição de ações de companhia
aberta, bem como o registro das ofertas públicas de aquisição de ações (i) para cancelamento de registro de
companhia aberta, (ii) por aumento de participação de acionista controlador, (iii) por alienação de controle de
companhia aberta, (iv) para aquisição de controle de companhia aberta quando envolver permuta por valores
mobiliários, e (v) de permuta por valores mobiliários.
166
Nesse sentido, EIZIRIK. Nelson; et. al. Mercado de Capitais: regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
P. 574; CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
v. 4., tomo II. p. 151; e YAMASHITA, Douglas. Dos destinatários da Oferta Pública na Alienação de Controle
de Companhia Aberta. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros
Editores, nº 131, 2003. p 212.
167
COELHO, Fábio Ulhoa. O direito de Saída Conjunta (“Tag Along”). In: LOBO, Jorge (coord.). Reforma da
Lei das Sociedades Anônimas: inovações e questões controvertidas da Lei 10.303 de 31.10.2001. Rio de Janeiro:
Forense, 2002. p. 480.
89
Não temos dúvida em afirmar que a oferta pública para aquisição de ações,
por força da alienação de controle, não abrange os titulares de ações
preferenciais, sem direito a voto, mesmo que tais ações estejam no exercício
transitório desse direito por haver a companhia deixado de pagar
dividendos".168
O assunto já foi objeto de apreciação pelo colegiado da CVM, quando da decisão do
Processo CVM RJ/2004/6623. Na ocasião, o diretor relator Sérgio Weguelin manifestou o
entendimento de que “o art.254-A não parece ter delimitado apenas às ações ordinárias a
possibilidade de participação em OPAs da espécie, referindo-se a Lei unicamente ao ‘direito
de voto’”, de que gozariam ações de qualquer espécie, pelo que “a melhor interpretação” do
art. 254-A seria a de que as preferenciais com direito a voto, ainda que transitório, deveriam
ser contempladas em OPA por alienação de controle.
Em sentido contrário, o então presidente Marcelo Trindade consignou em seu voto que
as ações ordinárias, por sua natureza, são ações que têm direito de voto permanente, enquanto
às ações preferenciais sem direito a voto é atribuída tal vantagem política somente em certas
hipóteses (§ 6º do art. 44, art. 18, parágrafo único, § 1º do art. 111, e § 1º do art. 136). Tal
medida visaria apenas a assegurar a condição ou vantagem econômica a ela atribuída
previamente pelo estatuto ou pela própria lei, corroborando tal entendimento o fato de o
direito de voto se extinguir, no caso do § 1º do art. 111, quando recebidos os dividendos.
Assim, as ações preferenciais com direito de voto temporário não fariam jus a participar da
OPA por alienação de controle.
Portanto, não obstante as críticas, o entendimento hoje aplicável à matéria é o de que
detém o direito de participar da oferta o acionista titular de ações ordinárias (ainda que com o
voto suspenso) e os acionistas titulares de ações preferenciais com direito de voto pleno,
conferido pelo Estatuto.
Com relação às ações preferenciais com direito de voto, deve-se analisar, ainda, a
pertinência ou não aplicação do art.254-A a ações preferenciais que, embora tenham direito de
voto, o têm de modo restrito, na forma do art. 17, §1º. Poderia esse acionista participar da
168
LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A lei das S.A.: pressupostos, elaboração,
aplicação. 3ª Ed., Rio de Janeiro: Renovar, v. 2, 1997. pp. 636 e ss.
90
OPA por alienação de controle, vendendo suas ações, independentemente da limitação
imposta às ações de sua titularidade?
Parte da doutrina entende que o poder de influência na vida social, decorrente do
direito de voto, é primordialmente aquele que deriva da possibilidade de fazer a escolha dos
administradores da companhia, inclusive pelo fato de ter sido esse o critério explicitado pelo
próprio art. 116 ao definir o acionista controlador169.
Embora esse caso específico não apresente resposta clara na doutrina, parece-nos que
o entendimento que se pode extrair do voto do então presidente Marcelo Trindade no
precedente acima citado (Processo CVM RJ/2004/6623) – único que aparentemente tratou
diretamente dessa questão – é o de que a OPA somente abrange ações com direito de voto
permanente (e não condicional) e pleno (não restrito).
Ainda com relação às ações objeto de OPA por alienação de controle, discute-se, na
doutrina, se essa seria aplicável para o caso de ações ordinárias objeto de alienação fiduciária.
A alienação fiduciária implica em desdobramento da posse e transferência de propriedade. A
posse direta do bem é mantida pelo devedor e a posse indireta é transferida ao credor, junto
com a propriedade do bem.
No caso de alienação fiduciária de ações ocorre o seguinte: o acionista devedor
transfere ao credor, em garantia da dívida, a posse indireta e a propriedade de suas ações, e
permanece como possuidor indireto.
O assunto praticamente não é tratado pela doutrina, embora haja entendimento nesse
caso é o de que o acionista credor não poderá ser considerado destinatário da oferta 170. A
lógica adotada é a de que, como o credor garantido por alienação fiduciária não pode exercer
o direito de voto (na forma do art. 113, parágrafo único, da Lei das S.A.) e a oferta pública
169
CLEMENTE JR., José Alberto. Oferta pública de aquisição de ações na alienação de controle de companhias
abertas: Apontamentos sobre o art. 254-A da Lei das Sociedades Anônimas. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, nº 129, 2003. p. 91. Em sentido contrário, EIZIRIK, Nelson.
Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 244. Para este autor os titulares de ações com
direito de voto, ainda que restrito, têm direito de participar da OPA.
170
YAMASHITA, Douglas. Dos destinatários da Oferta Pública na Alienação de Controle de Companhia
Aberta. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros Editores nº 131,
2003. p. 210.
91
destina-se somente a estas ações, o credor fiduciário não poderá alienar suas ações. Seria
ilógico que este participasse da oferta pública apresentada pelo adquirente do controle,
alienando ações que posteriormente seria chamado a restituir. O devedor, segundo esse
entendimento, somente poderá participar se recuperar a propriedade das ações mediante a
substituição do bem dado em garantia ou pela quitação da dívida.
Na prática, os ofertantes (adquirentes de controle), com fundamento no art. 29 da
Instrução CVM 361/02, limitam suas ofertas somente às ações que possuam pleno e
permanente direito de voto, por disposição legal ou estatutária, sendo comum também que
limitem suas ofertas, no edital de OPA, somente para ações “livres e desembaraçadas de
todos e quaisquer ônus, dívidas e outros gravames”171.
Vale lembrar que, segundo o §1º do art. 254-A da Lei das S.A., entende-se como
alienação de controle a transferência não só das ações que conferem o controle, como também
de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, direitos de subscrição de
ações e outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que
possam resultar na alienação de controle acionário da sociedade. Por óbvio, estes valores
mobiliários ou direitos de subscrição, embora ensejem a OPA a posteriori, não são dela
objeto.
A cessão de direitos de subscrição difere da subscrição de ações com direito de voto,
pois nesta o exercício do poder conferido pelo voto pode ser exercido imediatamente quando
da subscrição, enquanto naquela há apenas a faculdade ou opção de subscrição, que poderá ou
não ocorrer em momento futuro. A questão, diante da distinção, está em se saber o momento
em que deverá ser realizada a OPA, se quando da cessão dos direitos de subscrição ou quando
da efetiva subscrição.
A mesma questão surge quanto às debêntures conversíveis. Modesto Carvalhosa
defende que, em se tratando de “valores mobiliários conversíveis em ações, não é a sua
171
Vide nesse sentido os seguintes editais, disponíveis no endereço eletrônico da CVM: Edital de OPA de ações
ordinárias de emissão da Eleva Alimentos S.A. por ordem e conta de Perdigão S.A.; Edital de OPA de ações
ordinárias de emissão da Redentor Energia S.A. por conta e ordem de Parati S.A. – Participações em Ativos de
Energia Elétrica, Edital OPA para aquisição de ações ordinárias de emissão da Vivo Participações S.A. por conta
e ordem de SP Telecomunicações Participações Ltda.; Edital de OPA de ações preferenciais de emissão de Tele
Norte Celular Participações S.A. por conta e ordem de Telemar Norte Leste S.A.
92
aquisição que caracteriza a alienação do controle, mas a sua efetiva conversão em ações”,
explicando que a lei societária não cogita de controle potencial, mas de controle efetivo, ou
seja, de uma relação fática que se materializa mediante o poder de dirigir os negócios sociais e
de eleger a maioria dos administradores.
A lógica de tal raciocínio é a de que uma pessoa pode adquirir uma debênture
conversível em ações ou direitos de subscrição em montante suficiente para o exercício de
controle, mas pode vir a jamais exercê-lo. O adquirente pode, por exemplo, alienar novamente
os títulos a um terceiro sem ter exercido qualquer influência da vida social da companhia.
Outro aspecto a ser considerado sobre os valores objeto da OPA é o de que o §1º do
art. 254-A, ao conceituar a transferência de controle, fixou-se apenas na transferência de
valores mobiliários. Com isso, pode-se dizer que operações em que não ocorra transferência
de valores mobiliários, mas apenas de direitos de voto, não haveria, em princípio, oferta
pública, nos termos do art. 254-A. Vale lembrar, nesse sentido, que o controle externo não é
considerado
“controle”
para
fins
do
art.
116,
sendo
também
desconsiderado,
consequentemente, para os fins do art. 254-A.
Não se deve confundir, portanto, a transferência de controle prevista no art. 254-A
com outras modalidades de operações que resultam na mudança de controle de fato da
sociedade, tampouco com a alienação de ativos da sociedade172.
6.3. Modalidades de Transferências de Controle
6.3.1. Transferência direta e indireta
A transferência de controle é operação que resulta na efetiva mudança do poder
decisório da sociedade, mediante a cessão onerosa de bloco de ações capaz de conferir o
controle a um terceiro adquirente.
172
SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário: Interpretação e Valor. Rio
de Janeiro: FMF Editora, 2004. pp. 279 e ss.
93
As formas sobre as quais se desenha a transferência de controle são muitas, algumas
ensejando a OPA prevista no art. 254-A da Lei das S.A. e outras não. Para a determinação das
hipóteses que ensejam a aplicação do dispositivo mencionado, é fundamental tentar
caracterizar as modalidades mais usuais de transferência de controle e suas possíveis
variações.
Logo no início da redação do art. 254-A da Lei das S.A., tem-se a menção à
“alienação, direta ou indireta, de controle de companhia aberta”.
A alienação direta de controle ocorre quando da realização de negócio jurídico privado
para a transferência do bloco de controle formado por ações de emissão da própria sociedade.
Já o controle indireto173 não decorre da titularidade de bloco de ações da companhia. O
controle é exercido indiretamente, por órgãos sociais de outra companhia. Assim, por
exemplo, se A controla B e B controla a companhia C, caracteriza-se o controle indireto de A
sobre C, exercido mediante os órgãos de administração de B. A Lei das S.A. reconhece a
existência do controle indireto em seus arts. 243, §2 e 236 parágrafo único.
Essa modalidade de alienação de controle, expressamente prevista no art. 254-A da
Lei das S.A., já foi objeto de grandes discussões quando da vigência do art. 254, que não a
previa expressamente. A modalidade acabou por ser considerada pela CVM como capaz de
ensejar a OPA a posteriori174.
A alienação indireta de controle se dá quando as ações da controladora final (e não da
própria companhia controlada) são transferidas à terceiro. Observe-se que se da operação não
resultar a perda de posição do controlador final, estaremos diante de uma reorganização
societária, sem reflexo no comando da companhia, para efeitos de incidência do disposto no
art. 254-A da Lei das S.A175.
173
A Lei das S.A. reconhece a existência do controle indireto em seus arts. 243, §2 e 236 parágrafo único.
Para a discussão sobre o reconhecimento da aplicabilidade do art. 254 aos casos de transferência indireta de
controle conferir Parecer/CVM/SJU/ n.86/82 e Parecer/CVM/SJU/ n.48/84.
175
SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário: Interpretação e Valor. Rio
de Janeiro: FMF Editora, 2004. p. 150.
174
94
Importante notar que é o controlador final quem deve realizar a oferta pelas ações dos
minoritários e não as adquirentes diretas do controle. Desse modo, em uma estrutura
societária em que haja a superposição de mais de uma companhia aberta, por exemplo, será
necessária a realização de uma OPA para cada companhia, sendo o ofertante o controlador
final. Confira-se o seguinte exemplo:
Companhia A
Detém o controle
Companhia Aberta B
de
Detém o controle
Companhia Aberta C
de
Se a Companhia A alienar as ações de sua titularidade que conferem o controle direto
da Companhia B para um terceiro, a operação ensejará duas ofertas públicas de aquisição,
sendo uma dirigida aos minoritários da Companhia B e outra aos minoritários da Companhia
C. Isso porque houve a alienação direta do controle da Companhia B e a alienação indireta do
controle da Companhia C.
A obrigação de realizar a oferta aos minoritários será do adquirente das ações da
Companhia B. Disso decorre que, após a realização da OPA na Companhia C, o adquirente
passará a ser não só seu controlador indireto (por ser controlador direto de B), como também
titular de ações da Companhia C.
Isso pode gerar situações interessantes. Como mencionado acima, antes da vigência do
art. 254-A já havia o entendimento de que a alienação indireta de controle seria causa para
exigibilidade de OPA por alienação de controle. Esse processo se deu, primordialmente, como
forma de evitar situações de fraude, por meio das quais adquirentes de controle procurassem
descaracterizar a alienação de controle mediante a interposição de sociedade ou através de
“negócios indiretos”. Como destaca Roberta Nioac Prado, esse entendimento deu-se com base
em três teses distintas da Superintendência Jurídica da CVM, a saber:
a primeira de que o legislador contemplara a modalidade de alienação direta
expressamente e a modalidade de alienação indireta tacitamente; a segunda,
95
de que os incisos II, III e IV da Resolução 401, que definiam o controle,
eram meramente exemplificativos e não taxativos. E finalmente, a última,
com base na teoria da desconsideração da personalidade jurídica da
sociedade holding para demonstrar que o controle da companhia aberta
controlada estava efetivamente sendo transferido176.
A nova redação do art. 254-A da Lei das S.A resultou justamente na consolidação a
esse entendimento.
Entretanto, considerada a alta complexidade das estruturas empresariais – que hoje
podem compreender, em um mesmo conglomerado, uma quantidade enorme de sociedades
sob controle indireto – o dispositivo legal acabou por abarcar não só os chamados “negócios
indiretos”, que visam à obtenção do controle da sociedade alvo, como também diversos outros
negócios por meio dos quais o adquirente do controle não necessariamente tem interesse no
exercício do controle indireto da companhia aberta.
Isso ganha contornos ainda mais interessantes se considerarmos que a alienação
indireta de controle ocorrida no exterior, ou seja, celebrada entre empresas estrangeiras, com
foro no exterior, pode vir a ensejar, igualmente, OPA por alienação de controle de companhia
aberta brasileira177.
Imagine-se o caso, por exemplo, de uma companhia italiana que adquira o controle de
uma companhia francesa, a qual, por sua vez, controle diversas outras sociedades (em outros
países do mundo) e que tenha, ao fim da cadeia, o controle sobre uma companhia aberta
brasileira.
Como resultado da operação a companhia italiana vir a ser obrigada a desembolsar
vultosas quantias por conta da necessidade de apresentação de uma OPA para acionistas
176
PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier
Latin, 2005. pp.149-150.
177
Trata-se de entendimento antigo da CVM, aplicado ainda quando da vigência do art. 254: “(...) os contratantes
– quando um deles é estrangeiro – são livres para escolher a lei competente para reger as relações jurídicas
decorrentes de contrato firmado no Brasil, A lei estrangeira, no entanto, não deverá ser aplicada quando importar
em desrespeito a preceito brasileiro de ordem pública, bem como para qualificar as obrigações assumidas no
contrato ou que aqui serão executadas. É competente a autoridade judiciária brasileira quando o réu tiver
domicílio no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação. Nos termos do art. 254 da Lei nº 6.404 e da
Resolução CMN nº 401, impõe-se a oferta pública aos minoritários, quando a alienação de controle de
companhia for realizada indiretamente mediante venda de controle de sociedade holding”
(Parecer/CVM/SJU/n.97/79).
96
minoritários da companhia aberta no Brasil, sobre a qual não necessariamente tinha interesse
quando da realização do negócio original.
Outro problema geralmente relacionado com transferências indiretas de controle está
na determinação do preço a ser pago na OPA pelo adquirente. Com efeito, o artigo 254-A da
Lei das S.A. determina que a oferta deva ser realizada por preço equivalente a 80% do preço
pago ao controlador. Surge, então, a questão referente ao cálculo do preço da oferta, uma vez
que o preço pago pode compreender não somente o bloco de controle da companhia aberta
como também outros ativos detidos pela companhia controladora.
O art. 29, §6º, da Instrução CVM n. 361/02 dispõe o seguinte sobre a matéria:
No caso de alienação indireta do controle acionário, o ofertante deverá
submeter à CVM, juntamente com o pedido de registro, a demonstração
justificada da forma de cálculo do preço devido por força do art. 254-A da
Lei n. 6.404/76, correspondente à alienação do controle da companhia
objeto.
O problema é que não há parâmetros para a justificação de quanto o investimento na
companhia aberta representa sobre o preço total pago ao controlador indireto – o que,
naturalmente, tende a ser ponto de conflito entre minoritários e adquirentes de controle.
(i) Caso Arcelor/Mittal - Transferência indireta de controle no exterior
Alguns dos principais problemas concernentes a transferências indiretas de controle
podem ser verificados no âmbito da aquisição de controle da Arcelor Brasil S.A. (“Arcelor
Brasil”). Em 27.01.06, a Mittal Steel Company N.V. (“Mittal”) divulgou ao mercado a
intenção de realizar uma OPA hostil para aquisição de controle da Arcelor S.A. (“Arcelor
Europa”), controladora indireta de Arcelor Brasil e Acesita S.A. (“Acesita”). Após duas
ofertas mal sucedidas, a Mittal conseguiu adquirir o controle da Arcelor Europa, passando a
ser titular de cerca de 90% das ações de sua emissão.
De acordo com as informações divulgadas pela Mittal e pela Arcelor Europa, a
operação societária compreenderia, ainda, a posterior “fusão entre iguais” das duas
sociedades, com a incorporação da Mittal pela Arcelor Europa. Após a incorporação, nenhum
97
acionista deteria mais de 50% do capital social da sociedade Arcelor-Mittal. Segundo as
companhias, a operação, tal como descrita, não geraria a necessidade de realização de OPA
aos acionistas minoritários da Arcelor Brasil e da Acesita178.
Em 06.07.2006, a CVM recebeu reclamação de representante de acionistas
minoritários da Arcelor Brasil defendendo a necessidade de realização de OPA aos
minoritários de Arcelor Brasil, com base no art. 10 do estatuto social179.
Em respostas reiteradas a solicitações de esclarecimentos requeridas pela área técnica
da CVM, Mittal e Arcelor Europa sustentaram que a OPA não mais se aplicaria uma vez que,
depois de realizada a “fusão entre iguais”, nenhum acionista iria deter mais de 50% do capital
votante da companhia. No caso em questão, não seria aplicável o art. 254-A da Lei das S.A.,
pois não teria havido “alienação do controle”, tendo em vista que a Arcelor Europa tinha o
capital social extremamente diluído, sem controle definido, e seu controle foi adquirido pela
Mittal mediante oferta pública. Além disso, a CVM não teria competência, de acordo com a
lei brasileira, para impor obrigações que não estivessem relacionadas a comandos previstos
em lei ou na regulamentação. A inobservância de cláusula contratual válida poderia ser, no
máximo, objeto de ação judicial promovida por quem se entendesse prejudicado, mas a CVM
não poderia “tomar uma decisão em tal sentido na qualidade de ente regulador, extrapolando
sua competência, conforme definido pela legislação brasileira".
No entendimento da área técnica da CVM, o disposto no art. 254-A, de fato, somente
seria aplicável quando da realização de um negócio jurídico de alienação de controle prédefinido. Entretanto, embasada em parecer da procuradoria federal especializada, a área
técnica entendeu que o estatuto da Arcelor Brasil foi além do que estabelece o art. 254-A,
determinando que a “aquisição do controle” geraria a necessidade de OPA aos acionistas
178
Confira-se o seguinte trecho do fato relevante da adquirente, de 05.07.2006: “As Partes esperam que após o
término da Oferta Revisada, a Arcelor continuará a não ter um acionista controlador final, uma vez que nem os
atuais acionistas da Mittal Steel nem qualquer outro acionista passarão a deter 50% mais uma ação da Mittal
Steel. Adicionalmente, de acordo com os termos do MOU, nem o Sr. Lakshmi Mittal e sua família nem qualquer
outro acionista será capaz de indicar a maioria dos membros dos respectivos conselhos de administração da
Arcelor ou da Mittal Steel”.
179
Art. 10. A oferta pública de aquisição de ações a que se refere o Artigo 8º será também exigida caso uma
pessoa, que não uma Pessoa Relacionada, adquira o poder de controle da Companhia por meio de aquisição de
ações de emissão do acionista controlador final da Companhia. Neste caso, a sociedade objeto da aquisição do
poder de controle ficará obrigada a declarar à Bolsa de Valores de São Paulo ("Bovespa") a mudança em seu
controle acionário e a sociedade adquirente deste ficará obrigada a declarar à Bovespa o valor atribuído à
Companhia nessa alienação.
98
minoritários, estendendo este direito mesmo no caso de a companhia não ter um controle prédefinido que possa ser alienado. Para a área técnica restou incontroverso que, antes oferta, a
Arcelor não possuía controlador, mas que, após esse evento, a Mittal Steel tornou-se titular
direta de cerca de 90% de seu capital social, suficiente para garantir o controle no Brasil e
fora. Ademais, ainda que houvesse intenção de realização de futura “fusão” entre as
companhias, o fato é que, na prática, antes da “fusão” o controle indireto da Arcelor Brasil
passou a ser exercido efetivamente pela Mittal Steel.
O Diretor Relator, Wladimir Castelo Branco, votou pela necessidade de apresentação
de OPA por parte da Mittal, considerando, para tal, que o art. 10 do estatuto social da Arcelor
Brasil disciplina uma nova hipótese de oferta pública de aquisição obrigatória, diversa das
previstas na legislação brasileira, não se aplicando os arts. 116 e 254-A da Lei das S.A. O
Diretor sustentou que a CVM é competente para exigir a OPA, uma vez que na Lei das S.A.
as imputações de responsabilidade mencionam, sempre de forma equiparada, a inobservância
da lei e do estatuto180, o que significa que, em nosso sistema, o descumprimento do estatuto
social é equiparado à infração à lei.
Segundo o Diretor, a operação representou a aquisição do poder de controle da Arcelor
Brasil, não podendo considerar-se contratada e vinculante, para efeitos jurídicos, o
compromisso de “fusão” assumido sob o regime de melhores esforços. O Colegiado, tendo
em vista os fundamentos expostos no voto do Relator, deliberou negar provimento ao recurso,
mantendo, dessa forma, o entendimento da área técnica.
A decisão, embora tenha desconsiderado a aplicação do art. 254-A para a operação
entre Arcelor Europa e Mittal – já que no caso ocorreu uma aquisição de controle e não
propriamente uma alienação – assentou o entendimento de que a OPA por alienação de
controle (ou, tal como nesse caso, de aquisição de controle) pode ser determinada pela via
estatutária, tendo a CVM competência para exigi-la.
Outro aspecto interessante discutido no referido processo é o da lei aplicável para fins
de definição das regras aplicáveis à OPA e para a definição de controle, tendo em vista o fato
180
O Diretor Relator cita os arts. 116, 117, 120 e 163 da Lei das S.A.
99
de Mittal e a Arcelor Europa serem sociedades estrangeiras e de a operação ter se dado fora
do Brasil.
Para os fins das regras aplicáveis à OPA, o Colegiado, sem maiores dificuldades,
entendeu que esta, na qualidade de obrigação, deveria ser cumprida e regulada pela lei
brasileira, na forma do art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil (“LICC”)181. Mas para se
saber se a OPA seria exigível segundo sob o aspecto da “aquisição do controle”, tal como
prevista no Estatuto Social, o Colegiado teve se valer da lei estrangeira.
Com efeito, a previsão estatutária da Arcelor Brasil determinava que a OPA seria
devida caso um terceiro adquirisse “o poder de controle da Companhia por meio de aquisição
de ações de emissão do acionista controlador final da Companhia" (grifamos). Como
ressaltado no voto do Presidente Marcelo Trindade, o Estatuto explicitou uma hipótese de
aquisição indireta do controle da Arcelor Brasil, companhia constituída no Brasil e, portanto,
regida pela lei brasileira, por força do art. 11 da LICC182. Tal hipótese estatutária, contudo, se
refere â aquisição de controle mediante a aquisição de ações de emissão da Arcelor Europa,
companhia governada pela lei de Luxemburgo, onde está constituída, segundo o mesmo
princípio universal de Direito Internacional Privado consagrado no art. 11 da LICC.
Assim, entendeu o Colegiado que a definição de poder de controle da Arcelor Brasil
caberia à lei brasileira; mas a definição de aquisição de poder de controle da Arcelor Europa,
deveria ser a da Lei de Luxemburgo183.
Por fim, deve-se mencionar, ainda, que a partir dessa decisão travou-se outra intensa
batalha na CVM entre Mittal e acionistas minoritários da Arcelor Brasil (discutida no âmbito
do Processo Administrativo CVM RJ 2007/1996), a respeito do cálculo do preço da OPA, o
181
Nas palavras do Diretor Relator: “Cabe esclarecer que o art. 11 não se confunde com o art. 9º da LICC
("para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem"). Este último elege o
elemento de qualificação em matéria de obrigações e contratos, revelando a opção do legislador brasileiro pela
lei do lugar em que a obrigação se constituiu (lex causae). A questão é irrelevante, porém, para o caso dos
autos, seja porque a obrigação de realizar a OPA foi constituída no Brasil (já que está assumida no estatuto
social de companhia brasileira), seja porque o §2º do art. 8º do estatuto da Arcelor Brasil remete à
regulamentação da CVM aplicável a ofertas públicas por alienação de controle no tocante ao prazo,
documentação e procedimento”.
182
Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações,
obedecem à lei do Estado em que se constituírem.
183
O problema da lei aplicável foi retomado no Caso TIM, comentado adiante, oportunidade em que a CVM
alterou esse entendimento.
100
qual deveria equivaler à parcela do preço pago pelas ações de Arcelor que correspondesse à
aquisição indireta das ações de controle de Arcelor Brasil, que pertenciam à Arcelor Europa.
Na discussão, surgiram questões preliminares quanto à competência da CVM para examinar o
acerto da utilização de um ou outro critério. Adicionalmente, foi requerida à CVM a dispensa
de apresentação de laudo de avaliação da Mittal-Arcelor, cujas ações compunham, em parte, o
preço da OPA, já que esta se daria através da permuta de ações da Arcelor Brasil por ações da
Mittal-Arcelor.
O Colegiado decidiu que a CVM tem competência para (e dever de) analisar se a
demonstração justificada da forma de cálculo do preço correspondente ou não à alienação do
controle da companhia objeto, isto é, se há elementos que comprovem que a parcela do preço
relativa ao controle indiretamente alienado é aquela descrita no edital.
Com relação ao mérito da justificativa apresentada, não obstante a área técnica ter
sustentado que o melhor critério seria o de comparação de valor de mercado das companhias
controlada e controladora, o Colegiado entendeu que é admissível a forma de cálculo
apresentada pela ofertante, baseada em múltiplos de EBITDA das companhias controladora e
controlada, pois se trata de critério de notória utilização para operações de fusões e
aquisições. Ademais, foi deferido o pedido de dispensa de apresentação de laudo de avaliação,
pois embora se tratasse de oferta de permuta, as ações da Mittal-Arcelor possuiam extrema
liquidez, sendo ampla a disponibilidade de informações sobre a companhia.
Na referida decisão o Presidente Marcelo Trindade apresentou voto, por meio do qual
esclareceu algumas diretrizes que devem nortear os agentes de mercado e a CVM em
operações de alienação indireta de controle, a saber:
(i) também em casos em que exista obrigação de realizar oferta por
aquisição indireta de controle, e não por alienação, aplica-se o dever de
demonstração justificada do preço de que trata o § 6º do art. 29 da Instrução
361/02, cabendo à CVM verificar se a demonstração foi feita de maneira
adequada;
(ii) a justificação do preço pode ser feita, em quaisquer casos, por
instrumentos contratuais, se houver, ou outros documentos que comprovem
com razoabilidade a parcela do preço correspondente à companhia
controlada, como o prospecto ou o edital da oferta, devendo o preço
resultante de tais documentos ser aceito pela CVM, salvo prova definitiva
da existência de uma parcela adicional de preço não indicada, caso em que a
101
oferta somente será registrada se tal parcela for desde logo acrescida ao
preço;
(iii) se a CVM entender que existem indícios de que o preço informado nos
documentos não é o verdadeiro, não poderá negar registro à oferta, devendo
iniciar investigação em paralelo e, ficando comprovada a fraude, formular
acusação, inclusive frente ao intermediário, sem prejuízo da indenização a
ser postulada pelos destinatários da oferta;
(iv) na ausência de instrumentos contratuais ou outros documentos que
comprovem a parcela do preço correspondente à companhia controlada, o
ofertante poderá justificar o preço por ele indicado por outros meios,
cabendo à CVM examinar tais justificativas, e obter outros elementos que
lhe permitam chegar a uma conclusão quanto a ter sido feita a adequada
demonstração do preço; e
(v) se os elementos apresentados pelo ofertante e colhidos pela CVM forem
insuficientes, e as ações da companhia controlada e da companhia
controladora tiverem liquidez em mercados regulados, o critério de
comparação dos preços de mercado das ações de ambas as companhias
antes do lançamento da oferta, ou do anúncio negócio de aquisição, deve ser
considerado um critério justificado para a demonstração do preço, e pode
ser adotado pela CVM.
6.3.2. Aquisição Originária, Derivada e Semiderivada
Transferências de controle pressupõem a presença de um novo controlador, sendo esse
um dos fatores determinantes para sua caracterização, conforme será demonstrado mais
adiante. Sob o ponto de vista do adquirente do controle, as aquisições podem ser classificadas
em originárias ou derivadas.
Na aquisição derivada, a propriedade das ações que conferem o controle é adquirida da
pessoa ou grupo de pessoas que o detinha o controle. A aquisição será originária quando
resultar da transferência do poder originariamente detido por outrem, sendo pressupostos para
essa modalidade de aquisição a preexistência de um controlador (ou grupo) definido e a
participação de seu titular na transferência.
O titular do controle, nesse caso, deve de alguma forma participar da operação,
transferindo o poder de controle para um terceiro, mediante a alienação de bloco de ações ou
títulos e direitos que confiram ao adquirente o controle da sociedade.
102
Se o antigo controlador perdeu o controle da sociedade sem ter alienado as ações de
sua titularidade, não há a aquisição derivada de controle, pois sequer há “alienação de
controle”.
O caso mais comum de aquisição derivada de controle é o da celebração de contratos
particulares de compra e venda de controle, onde as ações do controlador são diretamente
transferidas ao adquirente.
A aquisição derivada de controle pode ocorrer também da cessão onerosa de direito de
preferência na subscrição de aumento de capital, caso em que o adquirente do controle
subscreve desproporcionalmente o aumento de capital da companhia, passando a deter, após a
operação, o maior número de ações na sociedade184.
Embora a aquisição de ações, nesse caso, não diga respeito a ações de titularidade do
antigo controlador (já que as ações subscritas são “novas”), a aquisição do controle só se
mostra possível em razão da cessão do direito de preferência por parte do antigo controlador.
Pressupõe-se, assim, a cessão onerosa de um direito de subscrição, já que referente a ações
que conferem o controle.
Outra forma de aquisição derivada de controle é a privatização, ou seja, a alienação de
participações acionárias detidas pelo Estado em leilão público. Vale lembrar que no Brasil
esse foi o motivo para a revogação do art. 254 da Lei das S.A., sob a justificativa de que
oneraria demais o adquirente do controle – e consequentemente representaria menor
arrecadação do Estado.
Do exposto acima, vê-se que na aquisição derivada “quem vai perder o poder deve ter
algum papel na transferência, ainda que seja assentido a ela, pois do contrário, a hipótese
seria de apropriação antes que transferência”185. Do contrário, tem-se a aquisição originária,
ou seja, a formação de um núcleo de controle por parte de um ou mais acionistas que não o
184
Para exemplo de cessão onerosa de exercício de direito de preferência na subscrição de aumento de capital,
conferir PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier
Latin, 2005. P .204.
185
PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva. 1995. p.
33.
103
possuíam, sem que tal formação se opere a partir da transferência de ações do antigo
controlador.
Exemplo de aquisição originária de controle é o previsto no art. 257 da Lei das S.A.,
mediante apresentação de OPA a priori, para aquisição voluntária de ações dos acionistas
minoritários e formação de um novo bloco de controle; mecanismo comum de aquisição de
controle em mercados nos quais o poder de controle se encontra diluído nas mãos de um
grande número de acionistas.
Outro exemplo é a aquisição progressiva de ações em Bolsa de Valores, a chamada
“escalada em Bolsa”. Através dela, o adquirente consegue formar, aos poucos, um novo bloco
de controle, mediante o pagamento de pequenas quantias e sem necessariamente ter que
desembolsar o prêmio de controle. O risco da operação reside na falta de segurança na efetiva
aquisição do controle societário, já que a compra reiterada de ações votantes tende a fazer
com que a intenção de aquisição de controle seja identificada pelos acionistas minoritários e
que, consequentemente, o preço das ações aumente.
Esse tipo de operação tende a ocorrer com maior sucesso quando realizada em curto
espaço de tempo e quando aliada à compra privada de lotes expressivos de blocos de ações de
minoritários. Isso porque a compra de percentual significativo de ações de emissão de
companhias abertas deve ser informada à CVM e à bolsa, segundo a Instrução CVM
358/02186.
A aquisição originária pode ocorrer também quando da formação de um grupo de
controle pela celebração de acordo de acionistas. Exemplo disso é o caso de uma companhia
que possua um controlador titular de 40% das ações votantes, e cujos (dois) acionistas
minoritários sejam titulares de 30% das ações votantes: a celebração de acordo entre os
minoritários é capaz de formar um bloco novo de controle, caracterizando uma aquisição
originária.
186
Art. 12 - Os acionistas controladores, diretos ou indiretos, e os acionistas que elegerem membros do Conselho
de Administração ou do conselho fiscal, bem como qualquer pessoa natural ou jurídica, ou grupo de pessoas,
agindo em conjunto ou representando um mesmo interesse, que atingir participação, direta ou indireta, que
corresponda a 5% (cinco por cento) ou mais de espécie ou classe de ações representativas do capital de
companhia aberta, deve enviar à CVM e, se for o caso, à bolsa de valores e entidade do mercado de balcão
organizado em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação, (...).
104
Modesto Carvalhosa aponta, ainda, outra forma de aquisição de controle: a
semiderivada – aquela em que um ou mais participantes do bloco de controle transferem
individualmente todas ou parte de suas ações ou valores mobiliários conversíveis em ações. O
autor apresenta o seguinte exemplo:
a sociedade X, uma companhia aberta, é controlada por um grupo de
acionistas, sem acordo entre eles: A, com 20% das ações votantes; B, com
15%; C, com 6% e D, com 5%; as demais ações com direito de voto estão
pulverizadas no mercado, de sorte que o controle é exercido pelo grupo com
46% do capital votante. Fulano, interessado em adquirir o controle acionário
dessa companhia X, passa a comprar, no mercado, em sucessivas etapas,
ações ordinárias e direitos de subscrição, até atingir 42% das ações com
direito de voto, momento em que adquire ações de C (6% do capital
votante), passando, pois, a deter 48% do capital vontante e assumindo o
poder de comando da companhia, pois nenhum outro acionista ou grupo
detém percentual maior de ações. Na hipótese figurada, Fulano adquire o
controle sem que o grupo de controle o tivesse alienado em bloco187.
A distinção entre as hipóteses de aquisição de controle é importante na caracterização
da alienação de controle, uma vez que, segundo o art. 254-A da Lei das S.A., a oferta aos
minoritários deve assegurar o pagamento de 80% por ação com direito a voto integrante do
bloco de controle. Como já visto no item 6.1, é necessário que para a caracterização da
alienação de controle tenha havido a compra de ações do antigo controlador; disso decorre
que somente as aquisições derivadas são capazes de configurar alienações de controle para os
fins do referido artigo. Mas, como o artigo 254-A não exige que o controle tenha sido
adquirido mediante alienação de todas as ações integrantes do bloco de controle, entende-se
também exigível a OPA em casos de aquisição semiderivada.
(i) Caso Royal Bank of Scotland – Aquisição originária de controle
Caso prático envolvendo a distinção entre aquisição originária e derivada ocorreu no
Processo Administrativo CVM nº RJ-2007-14099, que teve por objeto o pedido de não
realização de OPA formulado por RFS Holding B.V. (“RFS”) no âmbito da aquisição do
controle acionário do ABN Amro Holding N.C (“ABN”), companhia com sede na Holanda,
detentora do controle indireto de duas companhias abertas brasileiras.
187
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v.
4., tomo II. p.174;
105
O RFS, sociedade privada de responsabilidade limitada, possuía quadro societário
formado integralmente por The Royal Bank of Scotland (“RBS”), Fortis AS/NY, Fortis N.V.,
e Banco Santander (“Santander”).
Em 17.10.11, o RFS adquiriu o controle do ABN por meio do lançamento de oferta
pública de aquisição de ações ordinárias, preferenciais conversíveis em ordinárias e de ABN
American Depositary Shares em circulação no mercado, condicionada à aceitação dos
acionistas detentores de 50,01% das ações emitidas. Quando liquidada a oferta, o RFS havia
adquirido ações no montante de 84,17% do capital social da ABN. Tal posição foi majorada
com novo lançamento de oferta de compra de ações da ABN, resultando na aquisição total de
96,95% do capital social da sociedade. Segundo o RFS, o capital social do ABN era
pulverizado, sem que existisse um acionista ou um grupo de acionistas que assumisse a
posição de controlador, nos termos da lei brasileira.
Como resultado de acordos de acionistas celebrados entre os bancos sócios do RFS
para a divisão dos ativos do ABN, ficou estabelecido que o Santander restaria como
adquirente final da totalidade dos ativos da ABM no Brasil, entre os quais constavam duas
companhias abertas: ABN Amro Arrendamento Mercantil, cujas ações não circulam no
mercado e Real Leasing S.A. Arrendamento Mercantil, com apenas 0,01% de ações de sua
emissão em circulação.
O RFS, entendendo que a operação não se enquadraria na hipótese prevista no art.
254-A da Lei das S.A. ou à Instrução CVM 361/02, uma vez que a aquisição de controle teria
caráter originário, protocolou pedido à CVM, em 21.11.07, no sentido da não realização de
OPA.
Em resposta, a área técnica da CVM manifestou entendimento de que seria exigível a
OPA. O fundamento da área técnica foi o de que a partir do momento em que o sucesso da
oferta de aquisição de controle se condiciona à aceitação dos acionistas detentores de 50,01%
das ações emitidas, com efetiva negociação de preço, “seria forçoso assumir a formação de
um bloco de controle ou de um acordo de acionistas tácito, cujos acionistas negociam por
meio dos administradores da companhia controladora”, ainda que não estivessem vinculados
por acordo formal. Ademais, alertou a área técnica que se não fosse considerado incidente ao
106
caso o art. 254-A da LSA, privar-se-ia os acionistas minoritários do direito de alienarem suas
ações face à mudança de controle ocorrida.
O Diretor Durval Soledade, relator do caso, não compartilhou do entendimento da área
técnica, defendendo que, à letra da lei, a obrigatoriedade de realização de OPA, conforme
disposto no art. 254-A, refere-se tão somente às situações em que ocorre efetiva alienação de
controle de uma companhia. O artigo seria aplicável somente quando acionista ou grupo de
acionistas aliena a outro acionista ou a terceiro, bloco de ações com direito a voto (ou os
direitos à titularidade dessas ações), possibilitando o exercício efetivo do poder de controle
que até então detinha(m).
No caso do ABN, dada a estrutura societária extremamente pulverizada e a
inexistência de um acordo de acionistas, é possível considerar de plano que nenhum acionista
ou grupo de acionistas da companhia exercia efetivamente o poder de controle. A operação de
aquisição de ações atuou, segundo entendeu o relator, justamente no sentido da formação de
um controle até então inexistente, caracterizando apenas uma aquisição originária.
Para o relator, isso significa que a oferta hostil (takeover) realizada no exterior, que
resulte na mudança de comando de companhia estrangeira controladora de sociedade
brasileira, não obriga o atual acionista controlador indireto desta a realizar OPA, visto que o
art. 254-A não incide sobre as operações de aquisição originária de controle.
Concluiu o relator estar incorreta a posição da área técnica quando afirmou que o fato
de que sucesso da oferta pública estaria condicionado à aceitação dos detentores de 50,01%
das ações modificaria o caráter originário da aquisição do controle. Mesmo na hipótese de
negociação entre a administração da companhia e o potencial controlador, é imperativo
manter em mente que a “oferta permanece tendo como alvo os acionistas como um todo e não
apenas os pertencentes a um suposto bloco tácito de controle”. Além disso, ressaltou que o
sucesso de uma oferta de aquisição não necessariamente está condicionado à aceitação por
50,01% dos acionistas, uma vez que o percentual necessário para o efetivo exercício do
controle pode variar de acordo com sua estrutura societária, de modo que não é possível
quantificar, a priori, um determinado percentual para fins de caracterização do art. 254-A.
107
O relator decidiu pela não exigibilidade da realização de OPA no caso concreto, sendo
acompanhado pelo restante do Colegiado.
O caso ilustra bem como algumas confusões podem surgir quando da aplicação do art.
254-A. Fica clara a intenção da área técnica da CVM em tentar caracterizar a alienação de
controle pelo fato de ter havido a sua alteração. A confusão deu-se sobre o fato de que a
alteração do controle, por ser comum tanto na aquisição originária quanto na derivada, ter
sido considerada como aspecto principal para a caracterização da alienação de controle. A
reforma da decisão da área técnica pelo Colegiado está correta a nosso ver, pois, conforme
visto (i) não há como se extrair da redação do art. 254-A ou da Instrução CVM 361/02 que a
OPA por alienação de controle seja exigível daquele que adquire o controle de forma
originária e (ii) a OPA por alienação de controle não representa um direito de saída por
ocasião da alteração do controle, mas sim um instrumento para “socialização” do prêmio de
controle – existente somente em aquisições derivadas.
(ii) Caso Suzano – Aquisição originária de controle / incorporação
Outro caso ilustrativo envolvendo a discussão sobre a aplicabilidade do art. 254-A em
operações de aquisição originária de controle foi discutido no âmbito do Processo
Administrativo CVM RJ/2008/4156, referente à aquisição do controle da Suzano
Petroquímica S.A. (“Suzano”) pela Petróleo Brasileiro S.A. (“Petrobras”) e, em seguida, pela
União de Indústrias Petroquímicas S.A. (“Unipar”).
A aquisição do controle da Suzano pela Petrobrás se deu por meio da compra da
participação que os antigos controladores da Suzano detinham na Pramoa Participações S.A.
(“Pramoa”), que controlava a integralidade do capital da sociedade Dapean, a qual, por sua
vez, controlava diretamente a Suzano.
Em seguida, a Petrobras incorporou a Pramoa, tornando-se acionista controladora
direta da Dapean. Por conta da aquisição do controle da Suzano, a Petrobras, através da
Dapean, encaminhou à CVM um pedido de registro de oferta pública para aquisição das ações
ordinárias e preferenciais de emissão da Suzano de propriedade de seus demais acionistas.
108
Posteriormente, Petrobras e Unipar firmaram compromisso para consolidar seus ativos
petroquímicos, constituindo a sociedade petroquímica, a “CPS”. Para a constituição da CPS,
Petrobras e Unipar ajustaram contribuir com ativos de suas titularidades. A Unipar deveria
aportar ativos petroquímicos na Fasciatus Participações S.A. (“Fasciatus”), sociedade sob seu
controle e a Petrobras deveria aportar na Dapean a participação acionária na Petroquímica
União S.A. O passo seguinte seria a incorporação da Fasciatus pela Dapean, passando a
Unipar e a Petrobras a deterem, respectivamente, participação de 60% e 40% do capital
votante da Dapean.
A área técnica da CVM deferiu o registro da OPA da Petrobrás, mas em decorrência
dessa segunda operação entre Petrobrás e Unipar, determinou a inserção, em todo material
publicitário referente à aquisição da Suzano, da informação de que a “operação em tela enseja
nova OPA por alienação de controle que deverá ser formulada, oportunamente, pela
Unipar”.
Em recurso contra a decisão da área técnica, a Unipar alegou que a formação da CPS
não constituiria fato gerador de OPA e uma segunda OPA não geraria qualquer benefício
adicional aos minoritários. Segundo a Unipar não estariam presentes na operação dois
elementos essenciais à incidência do art. 254-A, nomeadamente “a transferência de valores
mobiliários ou direitos sobre o mesmo” e “a onerosidade”.
O relator, Diretor Sergio Weguelin, entendeu que realmente não havia transferência
direta de valores mobiliários entre Petrobras e Unipar, tendo em vista que, do ponto de vista
estritamente formal, os valores mobiliários que assegurariam a esta última o controle da
Dapean (e assim indiretamente da Suzano) seriam alcançados em razão da incorporação da
Fasciatus pela Dapean, por mera consequência matemática (i) do valor dos ativos detidos por
estas duas sociedades e (ii) do fato de a Unipar ser titular da totalidade do capital da Fasciatus.
Entretanto, para o relator, o art. 254-A se aplica às hipóteses de transferência
“indireta” de controle, assim considerada a transferência, por meio de acordo, dos direitos
políticos e econômicos dos valores mobiliários que asseguram o poder de controle. O fato de
a Petrobras iniciar a segunda parte da operação como controladora da Suzano e passar à
condição de minoritária, resultando a Unipar detentora indireta da maioria do capital votante
109
(antes pertencente à Petrobras) significa que tal desfecho só poderia ocorrer com o
“consentimento da Petrobras”. Desta forma, o consenso entre o acionista que deixou o
controle e aquele que o assumiu, com a alternância do controle da companhia, configuraria
esta hipótese como transferência “indireta”.
Para ele, embora não haja transferência direta de valores mobiliários, há um efeito
prático equivalente que justifica a realização da OPA, qual seja, a existência de uma
compensação financeira recebida pela Petrobrás. Segundo o relator, a participação da
Petrobrás, de 40%, seria certamente menor caso a Petrobras não tivesse aportado o controle da
Suzano ou se, por exemplo, este controle tivesse sido adquirido pela Petrobras e pela Unipar
conjuntamente e só então fosse aportado na Dapean. A compensação recebida pela Petrobras,
portanto, seria uma parcela dos 40% de participação direta na CPS e, indiretamente, nos
ativos nela aportados pela Unipar.
Por essas razões, o diretor Sérgio Weguelin votou pelo não provimento do recurso da
Unipar, mas não sem antes fazer interessante ressalva sobre o assunto:
A caracterização da alienação de controle nesta hipótese, reconheça-se, não é
trivial. Qualquer operação de incorporação, como se sabe, envolve um
aumento de capital da incorporadora, subscrito e realizado pelo patrimônio
líquido da incorporada. Os acionistas da incorporadora não possuem direito
de preferência para subscrever ações no aumento de capital da
incorporadora, e consequentemente suas participações relativas no capital
total da sociedade ficam diminuídas.
É teoricamente possível – e é o que ocorre no presente caso – que esta
diluição dos acionistas da incorporadora leve o controlador a deixar de deter
a maioria do capital social votante. É possível, ainda, que outro acionista,
egresso da incorporada, passe a deter as ações que asseguram o controle da
companhia resultante.
Neste caso, uma operação com tais contornos só poderia ser conduzida com
o consentimento do acionista a ser diluído. Do contrário a incorporação teria
sido rejeitada em assembléia. Por isto, esta operação normalmente terá uma
contrapartida para o acionista controlador, por exemplo, uma relação de
troca mais favorecida que a dos demais acionistas, embutindo o ágio pelo
controle até o limite permitido pelo art. 254-A.
Em sentido contrário, o Diretor Marcos Pinto votou pela não aplicabilidade do art.
254-A ao caso, pois a existência de um novo acionista controlador não é suficiente para
disparar a obrigação de oferta pública. Para o diretor, o conceito de transferência “indireta”
não comporta uma interpretação tão ampla como essa. Para a caracterização da alienação de
controle é preciso que haja a transferência de algo, direitos de voto ou o que seja, mas, no
110
caso concreto não haveria transferência de nada, pois a Petrobras manteria todas as suas
ações, com todos os seus direitos – razão pela qual não seria exigível a OPA. Além disso, não
seria necessária a OPA porque, na incorporação, todos os acionistas devem, via de regra,
receber o mesmo tratamento (o mesmo valor pelas suas ações).
O Diretor, que teve o voto acompanhado pelo restante do Colegiado, fez questão de
ressaltar que essa decisão não é aplicável a qualquer caso dessa natureza e que, caso se venha
ter incorporações de fachada, mediante a utilização de sociedades holding sem ativos
operacionais e pagamentos em dinheiro disfarçados, a CVM deverá aplicar a disciplina da
fraude à lei188, exigindo a realização da oferta pública.
Com essa decisão a CVM pela primeira vez se manifestou sobre a exigibilidade de
OPA para casos de incorporação, afastando a incidência do art. 254-A da Lei das S.A. para
tais casos. Poucos meses depois, a área técnica emitiu o MEMO/SRE/GER-1/Nº 214/2008, a
respeito das operações Datasul/Tovts, Tenda/Gafisa e Company/Brascan189, consolidando o
entendimento de que a incorporação de companhia ou de ações, ainda que possa resultar na
mudança de controle, não constitui uma alienação de controle para os fins do art. 254-A.
Entendemos correta a interpretação que prevaleceu nos casos em questão. Em primeiro
lugar porque, como visto ao longo deste trabalho, a alienação de controle demanda a
transferência de valores mobiliários, o que não ocorre em casos de incorporação. E, em
segundo, porque a incorporação e a incorporação de ações são negócios jurídicos típicos, com
regulação própria nos arts. 227 e 252 da Lei das S.A., que em momento algum mencionam a
obrigatoriedade de apresentação de OPA.
188
Henrique Beloch, comentando a decisão, questiona como o negócio fraudulento (operação teoricamente
inválida e ineficaz) poderia acarretar a obrigação de realizar uma OPA. A resposta, segundo ele, talvez esteja no
regime da simulação e no artigo 167 do Código Civil, que estabelece que “é nulo o negócio jurídico simulado,
mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma” (BELOCH, Henrique Vargas Gama.
CVM
afasta
Tag
Along
em
Operações
de
Incorporação.
Disponível
em
http://www.bmfbovespa.com.br/juridico/noticias-e-entrevistas/Noticias/081128NotA.asp. Acesso em setembro
de 2011).
189
No primeiro caso a operação se deu pela incorporação de ações da Datasul pela Makira do Brasil S.A.,
companhia fechada controlada pela Totvs, e subsequentemente, pela incorporação da Makira pela Totvs, de
modo que a base acionária da Datasul foi unificada à base acionária da Totvs. No segundo caso Tenda e Gafisa
ajustaram a integração societária das atividades de Tenda e de Fit Residencial Empreendimentos Imobiliários
Ltda., sociedade controlada por Gafisa, por meio de incorporação de Fit por Tenda, passando a Gafisa a ser
titular de ações representativas de 60% do capital total e votante de Tenda. No último caso, houve a incorporação
de ações da Company pela Brascan SPE SP-3 S.A., subsidiária da Brascan, e subsequentemente, a incorporação
da subsidiária pela própria Brascan, sendo a base acionária da Company unificada à base acionária da Brascan,
nos moldes do caso Datasul/Totvs.
111
Encerramos esse tópico reproduzindo interessante ponto levantado pela área técnica,
que serve de crítica aos defensores da aplicação do art. 254-A aos casos de incorporação,
assim como para reflexão sobre a conveniência da OPA por alienação de controle:
É importante salientar que os casos apresentados envolviam, de ambos os
lados, companhias abertas. Desse modo, como reagiria o mercado e os
investidores da companhia que, tenho um caminho da incorporação previsto
em lei e razoável estrategicamente, optasse pelo caminho mais oneroso de
aquisição do controle de outra companhia aberta, com necessidade de
formulação de oferta pública aos minoritários, a preços de 130% da cotação
em mercado, por exemplo?
6.4. Alienação de bloco de ações
Prevê o §1º do art. 254-A da Lei da S.A., como uma das formas de alienação de
controle, a transferência de “ações vinculadas a acordos de acionistas”.
A determinação da alienação de controle envolvendo grupos de ações pode apresentar
algumas dificuldades, especialmente em casos nos quais não são alienadas todas as ações do
bloco de controle ou em que não há acionista que, individualmente, detenha o poder de
controle.
Como regra geral, entende-se que mera mudança de posição dentro do bloco de
controle, com a transferência de ações de um acionista para outro, sem que haja a mudança da
vontade predominante do grupo, não configura alienação de controle, pois tal transferência de
ações dá ensejo a uma mera consolidação de controle.
Isso não significa que transferências intra bloco sempre descaracterizem a alienação
de controle para fins do art. 254-A. Quando alguém que detinha participação minoritária (e
com poucos poderes de mando) adquire ações que lhe conferem uma posição de
predominância, passando a exercer a vontade dentro do bloco de controle, está caracterizada a
alienação de controle. Esse é o entendimento que se extrai da redação do art. 254-A, que
prevê sua incidência na transferência de ações integrantes de acordo de acionistas e não das
ações integrantes de acordo de acionistas.
112
Não há a ocorrência de alienação de controle em casos de alienação parcial do
controle, assim entendida a operação de ingresso de novo ou de novos acionistas no bloco de
controle, desde que continue predominando no interior deste, a orientação do controlador
anterior190.
A dificuldade em transferências de controle dessa natureza está em se verificar como é
formada a vontade do grupo, identificando, por exemplo, uma vontade que predomine nas
decisões mais importantes. O acordo de acionistas comumente desvincula o número de ações
em relação ao poder de mando dos acionistas, fazendo com que um acionista com pequeno
percentual de ações votantes tenha amplos poderes decisórios e vice-versa.
Dificuldades podem ser encontradas também em operações que mesclem
características de aquisição originária com aquisição derivada, em casos que formalmente
fujam das características mais comuns de alienação de controle. Pense-se, por exemplo, em
uma companhia com a seguinte estrutura:
Acionista A – 51% das ações votantes
Acionista B – 25%
Acionista C – 7%
Capital nas mãos de acionistas diversos (free float) – 17%
O acionista A, necessitando de recursos, decide alienar 10% de ações votantes de sua
titularidade para o acionista B. Ato contínuo, o acionista B (com 35% do capital votante)
celebra acordo de acionistas com o acionista C, formando um novo bloco de controle, com
42% das ações votantes.
A rigor, houve a mudança de controle na companhia, do acionista A para os acionistas
B e C, mas nem o acionista A vendeu ações que, isoladamente, lhe conferiam o controle, nem
os acionistas B e C adquiriram o controle de forma derivada – já que o bloco de controle se
formou a partir de um acordo de acionistas; o que descaracterizaria a alienação de controle
propriamente dita.
190
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007,
v. 2, p.289.
113
Por outro lado, imagine-se que o preço pago sobre o bloco de 10% de ações votantes
alienado pelo acionista A ao acionista B tenha tido sobrepreço consideravelmente superior ao
valor de mercado de ações. Provavelmente, acionistas minoritários argumentariam, nesse
caso, ter havido uma aquisição semiderivada do controle quando da alienação das ações do
acionista A, configurando a operação como uma atuação fraudulenta dos acionistas A, B e C a
fim de burlar o art. 254-A.
Vale notar que tal possibilidade desloca o problema para a análise da existência ou não
de prêmio na alienação de ações pertencentes ao controlador, aspecto também de difícil
determinação como já visto, pois nem sempre se pode distinguir em que medida foram
ponderados os poderes do controlador e as perspectivas de rentabilidade da companhia191.
Carlos Augusto Junqueira de Siqueira cria também outro exemplo que demonstra a
dificuldade do tema192. Nele, o controle acionário da companhia “Omega” é compartilhado
por seis acionistas, todos familiares, que o exercem conjuntamente, com as seguintes
participações no capital votante:
Acionistas A
B
C
D
E
F
Total
Cap. Soc
16%
4%
3%
3%
3%
51%
22%
Os dois maiores acionistas (“A” e “B”) alienam a um terceiro (“X”), parcelas de suas
ações, respectivamente 10 % e 7%. O menor acionista (“F”) vende também a totalidade de sua
posição, passando o adquirente desses lotes a deter 20% do capital votante e a composição
acionária da companhia a ser assim distribuída:
Acionistas X
A
B
C
D
E
Total
Cap. Soc
12%
9%
4%
3%
3%
51%
191
22%
Como ensina Fábio Ulhoa Coelho: “Desmembrar o preço da ação, de modo a identificar, de um lado, a
contrapartida à transferência do poder de dirigir a companhia, e, de outro, o potencial econômico dela, nem
sempre é factível. Em primeiro lugar, porque as informações com que operou cada negociador não são
necessariamente públicas. Em segundo lugar, porque muitas vezes as negociações são feitas por valores globais
(idiossincráticos ou resultantes das estratégias e sinergias específicas de cada negociador), sem que alienante e
adquirente se preocupem com detalhamentos”. (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de
Empresa. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 2. P .286)
192
SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário: Interpretação e Valor. Rio
de Janeiro: FMF Editora, 2004. pp. 168 -172.
114
Na oportunidade, é firmado um acordo de acionistas, entre o adquirente das ações e os
demais integrantes do grupo controlador. Assim, embora o adquirente “X” tenha alcançado o
status de maior acionista individual da sociedade, os remanescentes, somando suas posições,
continuam detendo a maioria, não se podendo afirmar a ocorrência da transferência do
controle acionário.
Segue-se, porém, mais uma etapa da operação, quando o acionista A transfere mais
1% de sua participação e o acionista B, todas as ações que ainda restavam sob sua
titularidade. O comprador é o mesmo adquirente anterior – o acionista “X” – que incrementa
sua posição e passa a deter participação superior àquela que era detida, conjuntamente, pelos
ex-controladores remanescentes.
Ao atingir participação equivalente a 30% nas ações com direito a voto, a tese do
Acionista “X” para a não realização de OPA poderia se fundar no fato de o mesmo não
possuir o controle absoluto (50% +1) sobre as ações votantes. Conclui Carlos Augusto
Junqueira, no entanto, que “nesse ponto a tese já não se apresenta pacífica, nem consistente”,
porque já não existe na sociedade outro acionista em posição de frustrar ou impedir a
preponderância da vontade de “X”, o que evidenciaria a transferência do controle pelo lado do
adquirente, sendo irrelevante que ele tenha ou não adquirido todo o bloco de ações que
assegurava o controle da companhia.
O caso é complexo, mas a conclusão do autor nos parece precipitada. Poderia ser
oposto a este argumento o fato de que, na existência de um acordo de acionistas, o aumento de
participação não necessariamente significa o exercício de controle exclusivo. Entendemos que
a verificação sobre a alienação de controle, no exemplo, deveria ser precedida da análise dos
poderes conferidos pelo Acordo de Acionistas, pois somente a partir dessa análise seria
possível determinar-se a pessoa ou grupo de pessoas que controlam a sociedade.
(i) Caso Aracruz Celulose – Transferência intra bloco
115
Um dos primeiros e mais conhecidos precedentes sobre transferências de controle
intra bloco é o Caso Aracruz Celulose, julgado quando a Lei 10.303/01, que introduziu o art.
254-A na Lei das S.A., ainda estava em período de vacatio193.
O processo foi levado a julgamento no Colegiado da CVM em razão de recurso
apresentado pela Votorantim Celulose e Papel S.A. (“Votorantim”) contra decisão da área
técnica da CVM, que determinou a divulgação de informações, na forma da Instrução CVM
299/99, em decorrência do processo de aquisição de ações integrantes do bloco de controle da
Aracruz Celulose S.A. (“Aracruz”), pela Votorantim, antes de titularidade do Grupo Mondi.
Basicamente, a Votorantim sustentava não ter ocorrido alienação do controle, em
razão de o poder de controle, quando exercido em bloco, ser atributo e prerrogativa do grupo
e não de qualquer de seus integrantes individualmente. Assim sendo, o mero fato de haver
adquirido ações pertencentes ao grupo de controle e aderido ao acordo de acionistas, por
exigência nele contida, não caracterizaria alienação do controle.
A área técnica da CVM, por sua vez, entendeu que em momento algum a Lei das S.A.
caracteriza como controlador somente aquele que é titular, individualmente, do poder de
controle. Não poderia a Votorantim invocar o acordo de acionistas para se eximir das
responsabilidades derivadas do poder de controle. Para a área técnica, não é necessária a
alienação da totalidade das ações pertencentes ao grupo de controle, bastando somente que as
ações adquiridas o integrassem.
O relator do caso, Diretor Marcelo Trindade, manifestou-se de maneira contrária à
área técnica. Aduziu ter havido simples transferência de participação e não alienação do poder
de controle. A alienação exigiria “a transferência, de forma direta ou indireta, de ações
integrantes do poder de controle”, isto é, na transmissão do poder de exercer “a maioria dos
votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos
administradores da companhia”, situação que não se concretizou no caso.
Tendo o Colegiado acompanhado o voto do relator, foi dado provimento ao recurso
interposto.
193
À época vigia a Instrução CVM 299/99, posteriormente revogada pela Instrução CVM 361/02, que dispunha,
entre outros assuntos, sobre a obrigação de divulgação de informações quando da alienação de controle.
116
O caso sedimentou o entendimento que já se tinha na doutrina, mesmo ainda quando
da vigência do art. 254, de que transferências intra bloco, como regra geral, não dão causa à
OPA por alienação de controle. Mas o voto do então diretor Marcelo Trindade já alertava
sobre as dificuldades que podem advir de transferências dessa natureza:
Ocorre que este caso não desafia as complexas questões que podem surgir
quanto ao conceito de alienação de controle detido por grupo de acionistas
unidos por acordo. Aqui não houve alienação de uma participação
majoritária dentro do bloco de controle, como se viu do quadro transcrito
no relatório, nem se está diante da aquisição de uma participação que,
somada àquela já detida pelo adquirente, o eleve à condição de
controlador único. (grifamos)
(ii) Caso Copesul – Transferência intra bloco
Caso emblemático sobre a transferência intra bloco é o referente à alteração de
controle da Companhia Petroquímica do Sul (“COPESUL”), decidido no Processo
Administrativo CVM RJ/2007/7230. A COPESUL é uma companhia aberta cujo controle era
compartilhado entre BRASKEM e Ipiranga Petroquímica S.A. ("IPQ"), cada uma com 29,5%
das ações de sua emissão.
Em 18/3/07 foi celebrado contrato de compra e venda de ações entre a Ultrapar
Participações S.A. (“ULTRAPAR”) e acionistas controladores da Refinaria de Petróleo
Ipiranga S.A. (“RPI”) e da Distribuidora de Produtos de Petróleo Ipiranga S.A. (“DPPI”) para
a aquisição, pela ULTRAPAR, da totalidade das ações por eles detidas nestas companhias e
na Companhia Brasileira de Petróleo Ipiranga (“CBPI”). Com a operação, a ULTRAPAR
adquiriu, como comissária e por conta e ordem da BRASKEM e da PETROBRÁS, na
proporção de 60% para a BRASKEM e 40% para a PETROBRÁS, a totalidade das ações da
Ipiranga Química S.A., sua participação na IPQ e a participação acionária desta última na
COPESUL, representativa de 29,46% do capital da COPESUL.
Os acionistas minoritários da COPESUL alegaram que a operação em comento
consistiria na alienação do controle da COPESUL para a BRASKEM, tendo em vista que,
anteriormente, o poder de controle da companhia era exercido pela BRASKEM e pela IPQ de
forma compartilhada, sendo as decisões do bloco de controle tomadas em conjunto, na forma
117
do acordo de voto; mas que, com a operação, a BRASKEM teria passado a deter um
percentual de ações que, indiretamente, asseguraria a ela prevalência em qualquer deliberação
societária da companhia. A operação consistiria, segundo os acionistas minoritários, na
transferência de titularidade do poder de controle, que antes era atributo do grupo, para um
acionista apenas.
Para a área técnica da CVM prevaleceu a tese da consolidação de controle nas mãos de
controlador que, de fato, já o exercia, ainda que em conjunto – não ensejando tal fato a
realização de oferta pública de aquisição de ações de sua emissão, nos termos do art. 254-A
da Lei das S.A.
Para o relator, Diretor Eli Loria, as características da alienação do controle acionário
que obrigam a realização de oferta pública são duas: (i) que a titularidade do poder de
controle seja conferida a pessoa diversa do anterior detentor do controle e (ii) que a
transferência de ações do bloco de controle seja realizada a título oneroso, com ônus e bônus
tanto para o alienante quanto para o adquirente. O art. 254-A trata da alienação, direta ou
indireta, do controle de companhia aberta, e o faz segundo um objeto de análise bastante lato,
porquanto indica as operações com valores mobiliários que importem na transferência do
poder de controle da empresa, de um titular a outro. Disso decorre, no entender do diretor, que
a venda de participação a uma pessoa já integrante do bloco de controle não implica, em
princípio, na obrigatoriedade de realização de oferta pública. Para ele, o fato de a participação
ser majoritária ou minoritária no bloco de controle original, por si só, não caracteriza, ou
deixa de caracterizar, reforço de controle, motivo pelo qual devem ser analisados os termos do
Acordo de Acionistas e o efetivo exercício do poder de controle.
No caso, as signatárias de Acordo de Acionistas, BRASKEM e IPQ, detinham
participações paritárias e o controle da COPESUL era exercido pela comunhão de vontades
das duas sociedades. Como nenhuma das duas empresas exercia isoladamente o controle da
COPESUL, o diretor relator entendeu que a IPQ alienou valores mobiliários para a
BRASKEM, mas não o poder de controle, pois não detinha o mesmo, pelo menos não em sua
plenitude.
O Presidente Marcelo Trindade iniciou seu voto ressaltando que o art. 254-A
estabelece a obrigação de realizar OPA quando houver alienação do controle. O argumento
118
da área técnica de que os integrantes do acordo de acionistas “já eram controladores” serve
para provar que não houve aquisição, mas também para provar que houve alienação, e a lei
fala de alienação como condição para a OPA.
Esse impasse revela, segundo ele, a dificuldade de aplicação do art. 254-A da Lei das
S.A. a situações de controle compartilhado, e poderia, ele mesmo, fazer com que se tendesse a
uma solução conservadora, de não reconhecer a incidência da obrigação de realizar a OPA em
casos de dúvida, evitando-se que o adquirente fosse apanhado pela surpresa dessa obrigação
incerta.
Entretanto, esse entendimento não deveria prosperar diante do intenso debate já
existente sobre a possibilidade de aplicação do art. 254-A a alienações de controle envolvendo
integrantes de acordo de acionista. Para esse caso, as razões para a não aplicação do art. 254A decorrem do fato de o controle só poder ser alienado pelo grupo de pessoas vinculadas por
acordo de voto, e não por um membro desse grupo que detenha menos que a maioria das
ações com voto (ressalvada a análise do acordo de acionistas).
O Colegiado, acompanhando o voto do Diretor Relator, decidiu negar provimento ao
recurso interposto pelos acionistas minoritários.
Essa decisão é interessante e traz um aspecto novo sobre as dificuldades a serem
enfrentadas em transações intra bloco. Nesse caso, mostra-se um tanto mais complexa a
caracterização de “reforço de controle”, já que, sendo o controle originalmente compartilhado
de maneira igual entre BRASKEM e IPQ, não havia propriamente “um acionista
controlador” cujo controle pudesse ser reforçado. Por outro lado, a decisão é acertada porque
considera que o controle não pode ser alienado por quem não o detém – e o fato é que IPQ
não o detinha.
6.5. Alienação em etapas
Outra mudança advinda com alteração da Lei das S.A., em 2001, de grande relevância
para o tema, foi a tentativa de enumeração não exaustiva de várias modalidades de negócios
jurídicos, com o fim de abranger não somente as alienações de controle realizadas por ato
único, como também as alienações que ocorrem ao longo do tempo. Trata-se da alienação por
119
etapas, sequencia encadeada de negócios que resultam na alienação de controle, à semelhança
da multistep acquisition da prática norte-americana, na qual o interessado em adquirir o
controle, por exemplo, (i) compra privadamente um bloco significativo de ações; (ii) em
seguida realiza uma OPA aos minoritários e (iii) na etapa final, procede a uma fusão ou
incorporação194.
É nesse sentido que, consolidando a jurisprudência da CVM, o artigo define de forma
ampla a alienação de controle, nela incluindo negócios envolvendo ações votantes ou títulos
nelas conversíveis, se a operação resultar na alienação de controle acionário da sociedade. A
amplitude do §1º do artigo 254-A é tal que chama a atenção o fato de sua redação, de modo
circular, definir a alienação de controle como a operação que possa resultar em alienação de
controle.
Para superar essa circularidade conceitual, a Instrução CVM 361/02 estabeleceu, no
§4º do art. 29, que se entende por alienação de controle:
a operação, ou o conjunto de operações, de alienação de valores mobiliários
com direito a voto, ou neles conversíveis, ou de cessão onerosa de direitos de
subscrição desses valores mobiliários, realizada pelo acionista controlador
ou por pessoas integrantes do grupo de controle, pelas quais um terceiro, ou
um conjunto de terceiros representando o mesmo interesse, adquira o poder
de controle da companhia, como definido no art. 116 da Lei 6.404/76.
A Instrução é mais clara ao determinar que alienação pode ocorrer por operação
isolada ou por um conjunto de operações, dificultando a fraude à lei pelo fracionamento do
negócio de aquisição.
Negócios dessa natureza podem dificultar a determinação da ocorrência de alienação
de controle, tanto por conterem elementos que, isoladamente, não a configuram, como, por
exemplo, a aquisição de ações que não constituíam bloco de controle, quanto por ser difícil a
verificação do momento em que a OPA passa a ser exigível.
Vejamos, como exemplo, o caso tratado no Parecer CVM SJU/n.13/81, em que um
terceiro adquiriu participação minoritária em sociedade controladora de companhia aberta,
194
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v.
4., tomo II. p.172.
120
celebrando, ato contínuo, acordo de acionistas. Tempos depois, já fazendo parte do grupo de
controle, esse terceiro começou a adquirir, paulatinamente, parcelas de capital dos demais
signatários do acordo de acionistas, até atingir a maioria do capital social da holding –
momento em que alega não ter havido alienação de controle, pois já seria controlador da
sociedade, consistindo a operação em mero “reforço de controle”.
Na ocasião, a Superintendência Jurídica da CVM não acatou a tese, pois entendeu que
a alienação de controle teria havido já quando da celebração do acordo de acionistas, por meio
do qual o terceiro passou a ser controlador da sociedade holding, mesmo tendo a aquisição de
ações sido feita posteriormente.
Parece-nos que o entendimento da superintendência foi precipitado, ante a
possibilidade de mera aquisição originária por parte do terceiro. Somente houve a
transferência de direito do controle quando da aquisição das ações, momento em que foi pago
o prêmio de controle195. É esse o entendimento que se extrai, inclusive, da redação do §5º do
art. 29 da Instrução CVM 361/02, que assim dispõe:
Sem prejuízo da definição constante do parágrafo anterior, a CVM poderá
impor a realização de OPA por alienação de controle sempre que verificar
ter ocorrido a alienação onerosa do controle de companhia aberta.
(grifamos)
Essa conclusão nos conduz novamente à dificuldade na determinação do preço
aplicável à OPA por alienação de controle, mas agora sob outro aspecto. Embora o grande
elemento caracterizador da alienação de controle seja, em nossa opinião, o pagamento de
prêmio de controle, nem sempre este é de fácil identificação.
Utilizando o exemplo acima analisado, suponhamos que cada uma das operações de
aquisição de ações dos demais controladores tenha sido objeto de quantidade diferente de
ações, com preços diversos e ao longo de meses. Como calcular, na forma do art. 254-A da
Lei das S.A., os “80% do preço pago pelas ações do bloco de controle”? Seria incluído no
cálculo, por exemplo, o valor referente à primeira aquisição, quando o terceiro ainda sequer
era controlador?
195
Nossa conclusão segue, sobre esse mesmo caso, a opinião de PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de
Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier Latin, 2005. pp. 208-209.
121
Fabio Ulhoa Coelho, tratando do problema do momento da exigibilidade da OPA, bem
como do preço base para a oferta, assim se manifesta:
Quando a alienação do controle resulta de uma sucessão de atos, deve-se
assegurar, no último deles, o direito à saída conjunta. (...) O preço a se tomar
de base para aplicação do deságio legal não poderá ser, contudo,
simplesmente o da última venda. Caberá nesse caso fixar-se o preço da
oferta por médias ponderadas, de forma a assegurar ao minoritário o mesmo
ganho que lhe caberia, se todos os atos de que resultou a alienação do poder
de controle tivessem se concentrado numa única operação196.
Entendemos, nesse mesmo sentido, que ao considerar a operação como um só negócio,
caracterizando-a como aquisição por etapas, todas as aquisições devem ser levadas em
consideração na determinação do preço, estabelecendo-se uma média de valor por ação em
cada aquisição, e aplicando-se a correção monetária dos valores, na forma do §7º do art. 29 da
Instrução CVM 361/02197.
(i) Caso CBD/Pão de Açúcar – alienação de controle de fato
A discussão sobre a exigibilidade de OPA em casos de alienação de controle por
etapas foi o ponto central do recurso interposto pela Companhia Brasileira de Distribuição
(CBD), julgado em 11.04.06. A Companhia questionava a decisão da área técnica da CVM
que determinou a realização de OPA decorrente de alienação de controle indireta, em virtude
da implementação de Joint Venture Agreement entre Abílio Diniz e família, de um lado, e
Casino Guidchard Perrachon S.A. (Casino) do outro.
A CBD era controlada pela holding Vieri Participações S.A., de propriedade de Abílio
Diniz, que detinha 61,19% das ações com direito a voto. O Casino, acionista da CBD desde
1999, e co-controlador em virtude de acordo de acionistas, detinha 30,53% das ações com
direito a voto.
196
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, v.
2,2007. pp.- 289-290
197
O referido dispositivo determina que “Nas alienações com pagamento em dinheiro, o preço da OPA deve ser,
ao menos, igual a 80% do preço pago ao controlador, acrescido de juros à taxa Selic ou, caso essa taxa deixe
de ser calculada, outra taxa que venha a substituí-la, desde a data do pagamento ao controlador até a data da
liquidação financeira da OPA”.
122
O Joint Venture Agreement, em uma primeira etapa, a aquisição, pelo Cassino, de 50%
das ações ordinárias da Vieri Participações S.A., detidas por Abílio Diniz. Após a operação,
Abílio e o Casino ficariam, cada um, com 50% das ações com direito a voto da Vieri. Em
pagamento pela participação, o Casino entregaria um bilhão de reais, duzentos milhões de
dólares americanos e quantidade significativa de ações preferenciais da CBD que detinha. O
acordo previa, ainda, a opção de compra, pelo adquirente, de uma ação ordinária ao preço de
um real.
A operação foi entendida pela área técnica da CVM como uma transferência de
controle, já que o preço pelo controle estava sendo pago desde o momento de celebração do
acordo. Em resposta, a companhia argumentou que o adquirente não possuía poderes de
comando para, isoladamente, exercer o controle; logo, não era acionista controlador para os
fins do art. 116.
O deslinde do caso veio com a decisão do Diretor Pedro Marcílio. Nela, o diretor
argumentou que o conceito do art. 116 não é perfeitamente aplicável para casos de alienação
de controle, pois não é preciso o requisito “exercício do poder”. Confira-se o entendimento do
diretor:
31. Isso nos leva a perguntar se faria sentido excluir o exercício de controle como requisito
para a necessidade de oferta pública. Parece-me que sim, por um argumento simples: se, na
alienação de controle, alienante deve entregar algo e adquirente deve receber esse mesmo algo,
e, dado que não há obrigação de o titular de mais de 50% das ações com direito a voto exercer
controle, a verificação da aquisição de controle – que obrigaria o adquirente a realizar
oferta pública – só poderia ser verificada posteriormente à transferência dos valores
mobiliários, se e quando o adquirente passasse a exercer o controle (grifamos).
O caso é ilustrativo para demonstrar que a definição de controlador prevista no art.
116 não é a mesma que a do art. 254-A da Lei das S.A. Para fins do art. 254-A bastaria a
verificação de que o adquirente é titular de direitos de sócio que possam lhe assegurar, de
modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de
eleger a maioria dos administradores da companhia. Infere-se, a partir da decisão, que o
requisito exercício de fato não se aplica ao art. 254-A da Lei das S.A..
Pretendia-se, com a opção para compra de uma ação, caracterizar a operação como
uma espécie de alienação por etapas, cuja efetiva transferência só ocorreria com o exercício
da opção. O que fez a CVM foi antecipar os efeitos do exercício da opção, reconhecendo que
123
a medida era apenas um mecanismo para burlar a alienação de controle, já que o prêmio
estava sendo pago ainda quando da primeira operação.
6.6. Análise do contrato de compra e venda de ações
Merece menção o fato de que embora a OPA seja a posteriori a verificação da CVM
da ocorrência de uma alienação de controle prescinde de seu exercício efetivo por parte do
adquirente – sendo esse talvez o principal critério que diferencie o conceito de controle do art.
254-A em relação ao art. 116 da Lei das S.A.
Tendo em vista que não se pode esperar para ver se o controle será ou não exercido,
outros métodos se fazem necessários para a comprovação da alienação de controle. Um deles
é a análise do contrato de compra e venda de ações198.
Nele, as partes compradora e vendedora devem ser identificadas com o alienante e
adquirente de controle, segundo os critérios aqui estudados. É preciso também que se trate de
cessão de controle e não somente de contrato de cessão de ações. A distinção entre os dois
tipos de contrato, por óbvio, não está na denominação utilizada pelas partes, mas sim em suas
características principais. Algumas cláusulas constantes do contrato de compra e venda
geralmente demonstram que a cessão de ações, no caso, representa a cessão de controle.
A doutrina diferencia os dois tipos de negócios da seguinte forma:
Na operação do primeiro tipo [cessão de controle], de finalidade muito mais
ampla que a visada na segunda modalidade [mera cessão de ações],
conjugam-se elementos típicos inexistentes nesta última, tais como: o objeto
da operação é o domínio da atividade empresarial; o preço abrange o valor
econômico do poder de dispor dos bens sociais e de dirigir os negócios da
empresa; a responsabilidade assumida pelos cedentes, geralmente abarca
garantias quanto à integridade do ativo e a veracidade do passivo; a
estipulação, na hipótese do preço da cessão a ser pago a prazo, de que o
cessionário pode compensar o montante efetivamente apurado, da
responsabilidade do cedente com o valor das prestações do preço ainda não
pagas199.
198
O contrato deve seguir os requisitos gerais essenciais previstos no art. 104 do Código Civil para que seja
considerado válido como ato jurídico: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei.
199
COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª
ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. pp. 210, 218-219.
124
Um elemento marcante da alienação de controle é a renúncia dos administradores logo
após cessão das ações. Trata-se do aspecto mais evidente de que o controle foi efetivamente
alienado, pois é justamente através da nomeação de novos administradores que o adquirente
(novo controlador) passa a exercer seus poderes200.
Outro aspecto que necessariamente deve ser analisado de modo a caracterizar a
onerosidade do contrato e o valor da OPA aos minoritários é o do preço pago pelas ações de
controle.
É entendimento já antigo da CVM que a inexistência do pagamento de ágio na
alienação de controle não afasta a obrigatoriedade do igual tratamento aos minoritários 201.
Isso significa que a OPA é exigível mesmo em operações em que o valor proposto por açãoobjeto é significativamente inferior à cotação de mercado das ações da companhia cujo
controle foi alienado202. Ou seja, mesmo sabendo-se de antemão que a OPA dificilmente terá
alguma aceitação por parte dos minoritários - já que eles podem vender suas ações no
mercado por preço superior ao ofertado pelo adquirente do controle na OPA – não deixa a
mesma de ser exigível, segundo a autarquia203.
Vale lembrar que a justificativa do preço na alienação indireta de controle é ônus do
adquirente de controle, que deve ser feita quando do pedido de registro da oferta na CVM. Na
ausência de instrumentos contratuais ou outros documentos que comprovem a parcela do
preço correspondente, o ofertante justificar o preço por outros meios, cabendo à CVM
examinar tais justificativas, e obter outros elementos que lhe permitam chegar a uma
conclusão quanto ao preço proposto para a OPA.
200
Vide Parecer/CVM/SJU/ n. 79/83 e Parecer/CVM/SJUn.28/87 para casos nos quais a Superintendência
Jurídica da CVM entendeu que a renúncia de cargos diretivos reforçava a efetiva alienação de controle.
201
No parecer CVM/SJU/Nº 79/83 a procuradora Luíza Monteiro afirma que a inexistência do pagamento de
ágio na alienação de controle não afasta a obrigatoriedade do igual tratamento aos minoritários previsto no
antigo art. 254 da Lei, bem como ressalta a importância da tutela legal nesses casos, “em face da dificuldade de
desinvestimento, freqüentemente ocasionada pela perda de liquidez dos títulos no mercado”.
202
Vide decisões dos Processos CVM nº RJ/2006/6802 e RJ/2006/7658, em que a CVM reitera tal entendimento.
203
O argumento contrário ao da autarquia é o de que a OPA nessas condições impõe gastos desnecessários ao
adquirente de controle, tais como a contratação de instituição intermediária, a realização de leilão público,
publicação de edital, entre outros.
125
6.7. Aplicabilidade do art. 254-A aos casos de alienação de controle minoritário
Hipótese para a qual a doutrina não tem dado muita atenção e que passará a ser cada
vez mais comum daqui em diante é o da aplicabilidade do art. 254-A da Lei das S.A. a casos
de alienação de controle minoritário. O aparente desinteresse da doutrina sobre a matéria se
justifica pelo fato de ainda ser muito incomum operações desse tipo, ante o fato de a grande
maioria das companhias brasileiras ainda possuir controle majoritário.
A questão é difícil e foi encarada pela primeira vez no julgamento do Caso Tim,
comentado mais adiante, a partir do qual começaram a surgir posições doutrinárias favoráveis
ou contrárias à aplicação do art. 254-A a casos de alienação de controle minoritário.
O pioneiro sobre a matéria foi Nelson Eizirik, em artigo204 desenvolvido com base em
parecer a ele solicitado pelos supostos adquirentes do controle no Caso Tim. A tese central do
autor é a de que o art. 254-A da lei societária não se aplica a casos de alienação de controle
minoritário.
Para ele, a regra do art. 116 da lei societária não pode ser utilizada para se analisar
todos os casos de alienação de controle. O autor utiliza o exemplo da alienação de ações por
parte de um acionista que, embora detendo a maioria do capital votante da companhia aberta,
não comparece às assembleias gerais. Embora nesse caso o alienante não exerça efetivamente
o poder (requisito da alínea b do art. 116 da Lei das S.A.), ele é titular de bloco de ações cuja
alienação permite ao adquirente o exercício do controle, bem como o recebimento de prêmio
– o que tornaria exigível a OPA.
Eizirik verifica que a alienação de controle depende da transferência do bloco de
controle ou, ao menos, de parte das ações que o compõe. Segundo o autor, somente existe um
“bloco de controle” se ele for composto por ações representativas de mais da metade do
capital votante da companhia, de forma a assegurar ao seu titular, em qualquer circunstância,
o exercício do poder de controle.
204
EIZIRIK, Nelson. Aquisição de Controle Minoritário. Inexigibilidade de Oferta Pública. In: CASTRO,
Rodrigo R. Monteiro de; MOURA AZEVEDO; Luis André N. (coord.) Poder de Controle e Outros Temas de
Direito Societário e Mercado de Capitais – São Paulo: Quartier Latin, 2010. pp.178 – 191.
126
Haveria, assim, uma distinção entre o mero exercício do controle (existente no caso de
um controlador minoritário) e a titularidade do bloco controle, sendo o primeiro suficiente
para permitir a aplicação do art. 116, mas somente o segundo capaz de ensejar a aplicação do
art. 254-A da Lei das S.A.
Adicionalmente, deve-se levar em consideração, segundo Eizirik, que o ônus imposto
pela realização de oferta para aquisição de ações dos acionistas minoritários é maior caso se
trate de aquisição de controle minoritário, pelo que não seria razoável exigir uma OPA por
parte de seu adquirente, que poderia, inclusive, vir a perder a condição de controlador a
qualquer momento.
Eizirik faz questão de ressaltar que suas conclusões não significam que a oferta
pública por alienação de controle somente seja obrigatória em operações que envolvam a
transferência de ações representativas de mais de 50% do capital votante. Se o acionista titular
de 30% do capital social votante aliena suas ações a um acionista detentor de mais de 20% do
capital social, estará caracterizada a alienação de controle para os fins do art. 254-A da lei
societária205.
Modesto Carvalhosa chega a esta conclusão, pelo fato de entender que o controle
minoritário sequer está compreendido no art. 116206.
Eduardo Secchi Munhoz entende igualmente que o art. 254-A seria inapropriado para
tratar de alienações de controle minoritário, mas por razões diversas. A conclusão deriva de
uma critica mais abrangente ao modelo regulatório brasileiro que, segundo o autor, utiliza
critérios inadequados para regular movimentos de realocação de controle em companhias sem
controle majoritário, especialmente por não considerar os casos de aquisição originária207.
205
A mesma posição é defendida por Calixto Salomão Filho, para quem seria impossível aplicar o art. 254-A às
situações de controle minoritário, porque o referido dispositivo exigiria o requisito da estabilidade da posição;
por outro lado, para efeito de aplicação da disciplina da responsabilidade (art. 116 da Lei das S.A.) a hipótese de
incidência abrangeria o controle minoritário (COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O
poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005. p.71.)
206
CARVALHOSA, Modesto. O desaparecimento do controlador nas companhias com ações dispersas. In:
ADAMEK, Marcelo Vieira von (coord.). Temas de Direito Societário e Empresarial Contemporâneos. São
Paulo: Malheiros, 2011. p. 520.
207
MUNHOZ, Eduardo Secchi. Desafios do direito societário brasileiro na disciplina da companhia aberta:
avaliação dos sistemas de controle diluído e concentrado. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO,
Leandro Santos de. (Coord.). Direito Societário: Desafios atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2009. pp. 321232.
127
Em sentido contrário, Erik Frederico Oioli entende ser aplicável o art. 254-A a
operações de alienação de controle “diluído”208. Para ele não parece razoável a ideia de a lei
admitir dois conceitos de acionista controlador, um para fins de responsabilização e outro para
aplicação da OPA a posteriori. Ainda que o art. 254-A não faça referência a acionista
controlador ou ao poder de controle, é irrefutável que o “controle” citado expressamente no
dispositivo é manifestação do poder de controle do acionista controlador, tal como definido
no art. 116 da Lei das S.A. Além disso, as dificuldades de aplicação do dispositivo e da
caracterização do controle minoritário não são motivos para a não aplicação do dispositivo.
Entendemos que uma posição conservadora, que leve em consideração o ônus que
uma OPA por alienação representa ao adquirente do controle deveria conduzir à conclusão de
que a obrigação não é exigível para casos de alienação de controle minoritário. Reforça essa
posição o fato de nesses casos o controle ser mais instável e o ônus ser maior do que no da
transferência de controle majoritário.
A aplicação do art. 254-A a casos de controle minoritário sem dúvida é complexa, mas
essas considerações de caráter prático não bastam para uma resposta à questão. O ponto
central do problema nos parece estar no prêmio de controle.
Salvo melhor juízo, é presumível que aquele que aliena um bloco que lhe confere o
controle de uma determinada sociedade (ainda que minoritário) não o faça sem cobrar um
prêmio de controle. Por sua vez, aquele que o adquire, pode até não vir a deter efetivamente o
controle – imaginando, por exemplo, que os minoritários se juntem e formem um novo bloco
de controle – mas é, no mínimo, provável que ele esteja interessado em seu exercício (e
disposto a pagar por isso). Em outras palavras, dificilmente alguém aliena o controle
acionário para quem não o está adquirindo (e pagando o preço correspondente) ou para quem
não está disposto a exercê-lo.
Bem, se o propósito principal do art. 254-A é, como parece ser, a extensão do prêmio
de controle aos acionistas minoritários titulares de ações votantes, não há porque deixar de
aplicá-lo a casos de alienação de controle minoritário.
208
OIOLI, Erik Frederico. Obrigatoriedade do Tag Along na Aquisição de Controle Diluído. In: ADAMEK,
Marcelo Vieira von (coord.). Temas de Direito Societário e Empresarial Contemporâneos. São Paulo:
Malheiros, 2011. pp. 316-326.
128
A estabilidade do poder de controle não é inerente apenas aos blocos majoritários. Em
companhias com grande dispersão acionária é possível que o potencial adquirente tenha
razoável segurança de que conseguirá exercer o controle societário ao adquirir bloco
minoritário de alguém que, atualmente, consegue com aquele mesmo bloco exercer o
controle. E mais: ao comprar número reduzido de ações, o adquirente consegue
contrabalancear o risco da possível perda de controle com o fato de estar adquirindo o
controle com pequeno número de ações e, consequentemente, despendendo menos recursos
para a aquisição efetiva de controle de uma companhia aberta.
Veja-se que é justamente nesses casos que o prêmio de controle pode vir a ser mais
relevante, uma vez que invariavelmente acabará por incorporar parte dos “ganhos” do
adquirente decorrentes da aquisição de número reduzido de ações. Exemplificando: imaginese que um indivíduo adquira um bloco de controle correspondente a 10% das ações votantes;
é presumível que o prêmio de controle pago em relação ao número de ações adquiridas seja
maior do que ele pagaria se tivesse que adquirir 51% de ações votantes.
Entendemos que do ponto de vista do direito positivo, não parece que seja possível
descartar a norma para casos de alienação de controle minoritário, pois considerada a redação
vigente dos artigos 116 e 254-A da Lei das S.A., qualquer interpretação diversa não passará
de um malabarismo hermenêutico.
Não se quer, com isso, defender que os efeitos da regra sejam benéficos ou mesmo
convenientes; muito pelo contrário: são muito ruins, assim como o são também os efeitos do
artigo mesmo para casos de alienação de controle majoritário. A defesa de não aplicação do
art. 254-A a casos de alienação de controle minoritário é, nesse sentido, um ato de mais
completo bom senso.
Do ponto de vista normativo, entendemos que as indesejadas consequências que
advém da aplicação do art. 254-A a transferências de controle minoritário são somente mais
um indício de que um artigo tão polêmico e complexo deve ser repensado, embora isso, de
forma alguma, nos autorize a descartá-lo na prática.
129
(i) Caso TIM – alienação indireta de controle minoritário no exterior
Um dos precedentes que melhor mostra a riqueza e a dificuldade da aplicação do art.
254-A da Lei das S.A. é, sem dúvida, o Caso TIM, referente ao Processo CVM
RJ/2007/14344. A diferença desse caso em relação aos anteriormente apreciados pela CVM é
a de que, além de consistir em alienação de controle no exterior, se cuidou, pela primeira vez,
da possibilidade de aplicação do art. 254-A em uma alienação de controle minoritário.
A discussão teve origem a partir de reclamação de acionistas minoritários da Tim
Participações S.A. (Tim), em virtude de uma série de operações ocorridas ao longo de 2007,
que resultaram na aquisição, pela sociedade estrangeira Telco S.p.A. (Telco), de 100% do
capital da Olimpia (controladora direta da Telecom Itália Internationl NV e indireta da Tim).
A cadeia de controle da Tim, companhia aberta brasileira, era a seguinte à época:
OLIMPIA
17,99%
TELECOM ITÁLIA S.p.A.
100%
Exterior
TELECOM ITÁLIA INTERNATIONAL NV
Exterior
100%
Brasil
Brasil
TIM BRASIL S.A.
81,19%
ON
TIM PARTICIPAÇÕES S.A.
Por meio de contrato de compra e venda de ações, os acionistas controladores da Telco
obrigaram-se a adquirir 100% do capital de Olimpia. Além disso, os ajustes estipulados pelas
sócias de Telco para realizar a aquisição previam, entre outras, a obrigação de que
Assicurazioni Generali S.p.a. e Mediobanca S.p.a. conferissem as participações por elas
130
detidas, direta ou indiretamente, no capital social de Telecom Italia S.p.a. (respectivamente,
4,06% e 1,54%) ao capital da Telco S.p.a. (em aumento de capital). Como resultado de tais
operações, Telco tornou-se titular de 100% do capital de Olimpia S.p.a., titular por sua vez de
17,99% do capital de Telecom Itália S.p.a. e diretamente titular de 5,60% do capital de
Telecom Itália S.p.a.
Os acionistas minoritários alegavam que, antes da operação, a Olimpia, apesar de ter
17,99% do capital ordinário, exercia o controle de fato da Telecom Itália e que, na alienação
de ações da Olimpia para a Telco, teria havido o pagamento de prêmio equivalente a 41% do
valor de mercado.
O Diretor relator, Eliseu Martins, esclareceu que a análise do processo envolvia,
primeiramente, definir qual seria a lei aplicável para extrair o conceito de controle, se a lei
italiana ou a brasileira, para somente em seguida avaliar se, com base nessa lei, teria havido
transferência de controle209.
Para ele, se a legislação do país da sede da sociedade onde ocorreu a operação de
alienação tivesse que ser analisada, forçoso seria reconhecer soluções distintas para casos
semelhantes, dependendo do conceito de controle adotado pelo respectivo país, o que
representaria ônus injustificável à companhia brasileira e aos minoritários para o
acompanhamento de transferências controle indireto. O Diretor apresentou voto no sentido de
que se deveria ser aplicado o conceito de controle da lei brasileira, pois é no Brasil que a Tim
tem sede, tendo sido acompanhado pelo Diretor Marcos Pinto e pelo Diretor Otavio Yazbek.
O Diretor Eli Loria entendeu, igualmente, pela aplicação da lei brasileira, mas por
fundamento diverso (art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil210). Sustentou que a
satisfação da condição, suspensiva ou resolutiva, colocada no art. 254-A, assume a natureza
jurídica de obrigação, porquanto estabelece um vínculo jurídico pelo qual o pretenso
adquirente do controle se obriga a realizar a OPA. Assim, não obstante a realização de OPA
209
O relator considerou incabível a adoção da operação envolvendo a Arcelor-Mittal como paradigma para este
processo, já que naquele caso a decisão se deu pela existência, no estatuto da Arcelor Brasil, da obrigação da
OPA por aquisição originária de controle, e não por força do comando previsto no art. 254-A.
210
Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem.
§ 1º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada,
admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
§ 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituida no lugar em que residir o proponente.
131
seja uma condição para eficácia do negócio jurídico de alienação do controle acionário, tendo
em vista que ela abarca uma determinada prestação para um terceiro, alheio ao negócio
anterior, surge uma obrigação que tem como parte ativa os detentores de ações com direito a
voto, e como parte passiva, o adquirente do controle.
A Presidente Maria Helena Santana manifestou-se no sentido de ser aplicável a lei
italiana, por envolver análise do controle de sociedade com sede naquele país, nos termos do
art. 11 da LICC211.
No mérito, sustentou o relator que na época da realização da operação a Olimpia
controlava a Telecom Itália diretamente e a Tim indiretamente, de acordo com o disposto na
legislação brasileira, pois consistentemente obtinha a maioria dos votos presentes nas
assembleias gerais da Telecom Itália e elegia a maioria de seus administradores. Além disso,
entendeu que o pagamento de prêmio por participação minoritária, embora não seja
determinante, indicava a existência controle e de sua alienação, ajudando a reforçar a
conclusão de que teria havido a alienação de controle no caso. O Diretor Relator concluiu pela
exigibilidade da OPA, entendendo ter restado configurada alienação de controle minoritário
exercido de modo indireto. O voto foi acompanhado pelo Diretor Marcos Pinto.
A Presidente Maria Helena Santana, o Diretor Eli Loria e Diretor Otavio Yazbek
manifestaram-se pela inexigibilidade de realização de OPA, mas cada um por um fundamento
diferente.
A Presidente concluiu, com base na lei italiana, que não haveria obrigatoriedade de
realização de OPA. Isso porque a Diretiva Europeia não trouxe definição de controle
societário e, segundo lei italiana a OPA, somente seria obrigatória quando da aquisição de
mais de 30% do capital votante.
211
Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações,
obedecem à lei do Estado em que se constituírem.
§ 1o Não poderão, entretanto. ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos
constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.
§ 2o Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituído,
dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou susceptíveis de
desapropriação.
§ 3o Os Governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à sede dos representantes
diplomáticos ou dos agentes consulares.
132
O Diretor Eli Loria sustentou que o preenchimento do requisito do art. 116 da Lei das
S.A. é necessário e suficiente para que se exija a realização de oferta pública nos termos do
art. 254-A, não sendo necessário que o alienante exerça o poder “de fato” nos termos do art.
116, b; a contrário senso, se o alienante não possui o poder de controle de forma permanente,
ainda que seja o controlador de fato, não pode alienar o que não tem.
O Diretor Otávio Yazbek entendeu que não havia como reconhecer, de forma
inequívoca, que a alienação da totalidade das ações da Olimpia para a Telco asseguraria a esta
a detenção direitos hábeis a lhe garantir, de modo permanente a posição de controladora
indireta da Telecom Itália e, consequentemente, da Tim. Nas palavras do diretor:
Com a participação detida exclusivamente pela Olimpia, ainda em 16/04/2007, esta
obteve 49,94% dos votos válidos em assembléia da Telecom Italia. Observe-se que,
ainda que se tratasse de participação significativa no quadro de acionistas presentes,
ela não correspondia a 50% do todo. Entendo que, mesmo levando em conta o
resultado das deliberações assembleares da Telecom Italia e a sua consistência
temporal (ou seja, mesmo levando em conta as deliberações pregressas), não é de
todo evidente a situação de controle, desde o início, pela Olimpia.
Por maioria, vencidos o Diretor Relator e o Diretor Marcos Pinto, o Colegiado decidiu
dar provimento ao recurso interposto por Telco contra a decisão da área técnica, não exigindo,
portanto, a realização de OPA.
O resultado do julgamento deste caso, se não nos serve como parâmetro a ser seguido
no futuro – já que cada diretor votou com um fundamento diferente – é útil para demonstrar
que o art. 254-A, antes do que uma medida em prol da governança corporativa, é uma porta
de entrada para a insegurança jurídica no que se refere ao mercado de controle de companhias
aberta brasileiras.
Discordamos do entendimento que nele prevaleceu.
No que se refere ao voto da Presidente Maria Helena Santana, consideramos ter
havido um grave equivoco jurídico. A Presidente não poderia ter votado no mérito com base
na lei italiana, tendo em vista que todos os demais membros do colegiado votaram que
aplicável ao caso era a brasileira. A escolha da lei, como bem destacado no voto do relator, é
uma questão prévia: primeiro se decide qual será a lei aplicável, para somente depois julgar
133
no mérito. Assim, tendo a Presidente sido vencida no quesito lei aplicável, não lhe restava
alternativa que não votar com base na lei brasileira. De todo modo, mesmo a interpretação
dada à lei italiana foi equivocada, a nosso ver, pois o que se buscava, no caso, era o conceito
de controle no direito italiano e não saber-se quando seria ou não obrigatória a OPA segundo
o direito italiano.
O voto do Diretor Eli Loria tem a qualidade ser o único a fugir da análise casuística,
cristalizando a orientação de que a alienação de controle, para os fins do art. 254-A da Lei das
S.A, somente se aplica para controle majoritário. O fundamento do diretor parte de uma
análise a contrário senso do entendimento estabelecido no julgamento do Caso CBD, de que a
alínea b do art. 116 não é aplicável ao conceito de controle previsto no art. 254-A, de modo
que a alienação de controle minoritário (ou de fato) não seria capaz de caracterizar a alienação
de controle.
O que se disse no caso CBD foi que (i) para a caracterização da alienação de controle
não é preciso esperar para saber se o adquirente exercerá ou não o controle de fato; e que (ii) o
titular de ações que lhe assegurem o controle, mas que não o exerça na prática, faz incidir o
art.254-A ao alienar suas ações. Disso se extraiu a “regra” que o requisito controle de fato não
é necessário para a caracterização da alienação de controle do art. 254-A; logo, se controle
minoritário é sempre controle de fato, sua alienação não exigiria OPA.
Pensamos que o termo controle de fato possa ter causado uma má interpretação. O
controle de fato, é verdade, compreende tanto o controle minoritário quanto o controle
majoritário; a contrario senso, a ausência de controle de fato dá-se para todos os acionistas
que não possam ou, por qualquer motivo, não exerçam o controle na prática, inclusive o
titular de mais da metade do capital social votante.
Que a alienação de controle independe da verificação do exercício do controle de fato
por parte do adquirente não há dúvidas, até mesmo pela redação do art. 254-A. Mas a
inferência de que o requisito de controle de fato também é desnecessário para o alienante
somente é verdadeira para esse exemplo (bastante incomum) em que o titular de participação
majoritária não exerce o controle de fato.
134
Veja-se: o alienante de participação majoritária (mesmo que não exerça o controle de
fato) receberá prêmio de controle pela participação alienada, já que do ponto de vista do
adquirente estará havendo a aquisição do controle. O prêmio não deixa de existir pelo simples
fato de a participação acionária não ser considerada controle para os fins do art. 116 da Lei
das S.A.
Da mesma forma, um acionista com participação minoritária que exerça o controle de
fato, regra geral, alienará sua participação a quem esteja interessado no exercício do controle,
recebendo, consequentemente, um prêmio. Neste caso, o requisito do controle de fato aplicase ao art. 254-A.
Em outras palavras, não é porque o controle minoritário é de fato que sua alienação
será desconsiderada para fins do art. 254-A; do mesmo modo que também não é verdadeira a
“regra” (equivocadamente extraída do Caso CBD) de que o requisito de fato não se aplica ao
art. 254-A.
Quanto ao voto do Diretor Otávio Yazbek, cremos que foi adotado o procedimento
mais correto para a verificação da alienação de controle, qual seja, a análise do resultado do
exercício do direito de voto da Olimpia nas assembleias gerais da Telecom Itália.
Entretanto, discordamos da conclusão do Diretor de que não seria possível atestar o
exercício do controle, nesse caso, em razão de a Olimpia não ter obtido a maioria absoluta
dos votos em uma assembleia (de 16/04/2007). Na referida assembleia a Olimpia obteve
49,94% dos votos válidos e o fato é que, assim como veio fazendo ao longo dos últimos anos,
elegeu a maioria dos administradores e fez valer sua vontade.
Pelo exposto, entendemos que a decisão do Colegiado além de não ser a mais correta,
não foi capaz de passar uma orientação clara para o mercado sobre a interpretação da
autarquia quanto ao art. 254-A da Lei das S.A., favorecendo, ao fim das contas, a insegurança
jurídica.
6.8. Consequências da não-realização da OPA
135
A alienação de controle, segundo o art. 254-A, somente poderá ser contratada sob a
condição suspensiva ou resolutiva de que o adquirente se obrigue a fazer uma OPA aos
minoritários titulares de ações com direito de voto.
De rara ocorrência, a condição suspensiva, como o próprio nome diz, suspende os
efeitos do contrato de alienação de controle até a realização da OPA; enquanto na condição
resolutiva o contrato produz efeito desde sua celebração, tornando-se nulo o negócio jurídico
caso o adquirente não venha a apresentar a OPA.
Como determina o §2º do art. 29 da Instrução CVM 361/02 o requerimento de registro
da OPA por alienação de controle deverá ser apresentado à CVM no prazo máximo de 30
(trinta) dias, a contar da celebração do instrumento definitivo de alienação das ações
representativas do controle, quer a realização da OPA se constitua em condição suspensiva,
quer em condição resolutiva da alienação. O registro da OPA, pela CVM, implica na
autorização da alienação do controle, sob a condição de que a oferta pública venha a ser
efetivada nos termos aprovados e prazos regulamentares.
Vale lembrar que o registro da OPA pode ser recusado pela CVM. Como destacado no
voto da Presidente Maria Helena Santana no Processo CVM RJ/2008/0252:
(...) cabe aclarar que a CVM possui plenos poderes para indeferir o registro
da OPA, na forma como procedeu neste processo. Admitir o contrário
equivaleria a dizer que a CVM tem obrigação de registrar qualquer OPA,
mesmo que não atendidos os requisitos legais para a concessão de registro.
Como tive oportunidade de me manifestar no Caso Arcelor, já citado neste
processo, a Instrução CVM nº 361/02 estabelece, em seu art. 29, § 6º, o
dever do ofertante de apresentar à CVM a demonstração justificada da
forma de cálculo do preço devido na oferta, nos casos de alienação indireta
do controle. Isso confere à CVM, segundo entendo, não o direito, mas a
obrigação de avaliar, como condição para a concessão do registro da OPA,
primeiramente, se foi efetivamente apresentada uma demonstração e, em
seguida, se essa demonstração pode ser considerada justificada.
Mas o qual é a consequência prática da não-apresentação da OPA ou da não obtenção
do registro perante a CVM?
136
A primeira e mais evidente consequência é a possibilidade de abertura de inquérito
administrativo por parte da CVM, com base no art. 11 da Lei 6.385/76, que confere à
autarquia poder de impor multas aos infratores da Lei das S.A. ou de qualquer outra norma
legal ou regulamentar que lhe incumba fiscalizar.
Outra consequência é a nulidade da operação (em caso de condição resolutiva). Mas
como se opera essa nulidade na prática? Tendo o alienante recebido o preço e o adquirente
transferido as ações para o seu nome e alterado inclusive a administração da companhia, como
se restabelece o status quo? Seria necessária uma ação judicial para declaração de nulidade do
negócio jurídico ou poderia, por exemplo, a CVM declarar, a qualquer tempo, essa ineficácia?
Não há resposta para tais questões na doutrina. Marcelo Trindade, a quem foi
solicitado um parecer no Caso TIM, sustentou que poderia a CVM declarar, a qualquer tempo,
a ineficácia de um negócio jurídico de alienação de controle quando o adquirente não
apresentasse a OPA, devendo ainda comunicar aos demais órgãos reguladores das atividades
da companhia aberta a não autorização para alienação de controle.
A declaração de ineficácia do negócio jurídico, entretanto, pode não ser solução
suficiente para o caso. Em casos como o da TIM, de alienação de controle indireto, no qual a
compra e venda de ações se dá no exterior, não há transferência de titularidade de ações no
Brasil, de modo que nenhum efeito teria a declaração de ineficácia da CVM sobre o negócio
ocorrido fora do Brasil e entre estrangeiros.
Marcelo Trindade indica, então, a possibilidade de a assembleia geral suspender o
direito de voto do acionista controlador, com base no art. 120 da Lei das S.A:
Art. 120. A assembléia-geral poderá suspender o exercício dos direitos do
acionista que deixar de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto,
cessando a suspensão logo que cumprida a obrigação.
Trata-se de sugestão interessante, mas de difícil aplicação prática, uma vez que para
que o acionista tenha os direitos suspensos pela assembleia, necessário seria que se provasse
que deixou de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto. Se o suposto adquirente do
controle discordar que a operação caracteriza alienação de controle para fins do art. 254-A,
dificilmente se conseguirá, em assembleia geral, suspender o direito de voto de tal acionista,
137
pois será ele próprio, na qualidade de controlador, que comandará a referida assembleia – o
que nos leva a concluir que tal efeito teria, de qualquer forma, que ser obtido em juízo.
Vale mencionar, ainda, que em casos de alienação indireta de controle isso poderia
representar a punição a acionistas que não propriamente o adquirente do controle. A
suspensão dos direitos de voto na companhia aberta afetaria indiretamente o adquirente do
controle, mas diretamente outros acionistas, sem qualquer relação com a operação de
alienação de controle212.
212
Vide, nesse sentido, o argumento utilizado pela adquirente do controle da Telecom Itália no caso Tim
segundo o qual, se fosse reconhecida a necessidade de realização de OPA e o inadimplemento dessa obrigação,
apenas a Telco (e não a TIM Brasil) poderia ser punida. A punição da TIM Brasil causaria sérios danos aos
demais acionistas de outras companhias da cadeia societária, além de instabilidade à Companhia.
138
7 – PROCEDIMENTO DA OPA
7.1. Registro na CVM
Caracterizada a alienação de controle acionário, deverá ser realizada OPA aos
acionistas minoritários titulares de ações votantes, obedecendo-se os procedimentos
estipulados pela Instrução CVM nº 361/02. O art. 4º, II, da referida Instrução, estipula que a
oferta deverá ser realizada de modo a garantir tratamento equitativo aos destinatários,
permitir-lhes a adequada informação quanto à companhia objeto e ao ofertante, e dotá-los dos
elementos necessários à tomada de uma decisão refletida e independente quanto à aceitação
da OPA.
A divulgação de informações deve ser feita de forma clara e precisa, sendo necessária,
quando configurada a alienação de controle, a divulgação e publicação de Fato Relevante na
forma da Instrução CVM 358/02.
Para que se realize uma OPA, deverá haver registro na CVM da oferta, com a
contratação de instituição financeira para atuar como intermediária da OPA e cuidar da
liquidação financeira do leilão. A OPA se materializa em instrumento de edital de oferta
pública, documento que deve seguir os ditames do art. 10 da Instrução 361/02213 e os demais
213
Art. 10 O instrumento da OPA será firmado conjuntamente pelo ofertante e pela instituição intermediária e
conterá, além dos requisitos descritos no Anexo II a esta Instrução, o seguinte:
I – declaração do ofertante, quando este for acionista controlador ou pessoa a ele vinculada ou a própria
companhia, de que se obriga a pagar aos titulares de ações em circulação, que aceitarem a OPA, a diferença a
maior, se houver, entre o preço que estes receberem pela venda de suas ações, atualizado nos termos do
instrumento de OPA e da legislação em vigor, e ajustado pelas alterações no número de ações decorrentes de
bonificações, desdobramentos, grupamentos e conversões eventualmente ocorridos, e:
a) o preço por ação que seria devido, ou venha a ser devido, caso venha a se verificar, no prazo de 1 (um) ano
contado da data de realização do leilão de OPA, fato que impusesse, ou venha a impor, a realização de OPA
obrigatória, dentre aquelas referidas nos incisos I a III do art. 2 o; e
b) o valor a que teriam direito, caso ainda fossem acionistas e dissentissem de deliberação da companhia objeto
que venha a aprovar a realização de qualquer evento societário que permita o exercício do direito de recesso,
quando este evento se verificar dentro do prazo de 1 (um) ano, contado da data da realização do leilão de OPA.
II – declarações do ofertante e da instituição intermediária de que desconhecem a existência de quaisquer fatos
ou circunstâncias, não revelados ao público, que possam influenciar de modo relevante os resultados da
companhia objeto ou as cotações das ações objeto da OPA;
139
princípios gerais aplicáveis às demais OPA previstas na referida Instrução 214. O requerimento
de registro da OPA deve ser feito à CVM no prazo máximo de 30 dias contados da celebração
do instrumento definitivo de alienação de controle (Art. 29, §2º).
O edital deve ser publicado “nos jornais de grande circulação habitualmente
utilizados pela companhia objeto”. A competência da CVM restringe-se à verificação do
instrumento de oferta pública a fim de garantir os direitos dos acionistas minoritários nos
termos da legislação, não cabendo qualquer juízo de conveniência sobre os aspectos
subjetivos da alienação de controle em si215. Do ponto de vista da responsabilidade, a
autarquia exige, com base no art. 11, §1º da Instrução CVM 361/02, que conste cláusula no
instrumento de OPA com a informação de que o deferimento do pedido de registro da OPA
não implica, por parte da CVM, garantia de veracidade das informações prestadas, julgamento
sobre a qualidade da companhia objeto ou o preço ofertado pelas ações objeto da OPA.
Até a edição da Instrução CVM 487/10, que alterou a Instrução CVM 361/02, exigiase laudo de avaliação para a concessão do registro da OPA. A exigência foi retirada, embora a
Instrução ressalve a faculdade da CVM de pedi-lo, nos casos de alienação indireta de controle
(§6º, do art. 29)216.
III – declaração do ofertante de que cumpriu com as obrigações previstas no § 1º do art. 7º;
IV – declaração, pelo ofertante, acerca do preço por ação da companhia objeto em negociações privadas
relevantes, entre partes independentes, envolvendo o ofertante, o acionista controlador ou pessoas a eles
vinculadas, realizadas nos últimos 12 (doze) meses; e
V – declaração da instituição intermediária de que cumpriu com as obrigações previstas no § 2º do art. 7º.
VI – outras informações consideradas necessárias pela CVM para garantir o perfeito esclarecimento do mercado.
(...).
214
O art. 4 da Instrução estabelece uma série de princípios aplicáveis às diferentes formas de OPA, tais como, o
de que a OPA será sempre dirigida indistintamente aos titulares de ações da mesma espécie e classe daquelas que
sejam objeto da OPA, assegurado o rateio entre os aceitantes de OPA parcial; e de que a OPA será realizada de
maneira a assegurar tratamento eqüitativo aos destinatários, permitir-lhes a adequada informação quanto à
companhia objeto e ao ofertante, e dotá-los dos elementos necessários à tomada de uma decisão refletida e
independente quanto à aceitação da OPA. (incisos I e II).
215
PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier
Latin, 2005. p.251.
216
A justificativa da CVM para a referida alteração, apresentada no Relatório de Audiência Pública que resultou
na edição da Instrução CVM 487/10 foi a seguinte: “A CVM optou por manter a dispensa do laudo, dado que a
OPA por alienação de controle não precisa ser realizada por preço justo, mas sim por um percentual do preço
pago ao controlador, que pode ser verificado no contrato de compra e venda de ações. Nesses casos,
naturalmente, o benefício trazido pelo laudo é menor, a ponto de não justificar o custo de sua elaboração. Além
disso, essa dispensa pode resultar em redução do prazo de análise para concessão do registro dessas OPA pela
CVM”.
140
A OPA se dá via leilão em bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado,
mediante a abertura de prazo para habilitação dos acionistas interessados em alienar suas
ações.
O preço a ser pago pelas ações dos minoritários com direito de voto deve ser
equivalente a 80% do valor pago pelas ações do bloco de controle. Na vigência da Resolução
CMN nº 401 os adquirentes de controle poderiam pagar à vista aos minoritários217, mas com a
edição da Instrução CVM 361/02 o preço passou a ter que ser oferecido nas mesmas
condições que o pagamento realizado ao controlador, seja no parcelamento do pagamento,
seja na extensão das garantias dadas ao controlador ou no pagamento suplementar ao preço
proposto218.
Hoje, a OPA poderá ter preços à vista e a prazo distintos, desde que haja razão
justificada para tal e que a faculdade de escolha caiba aos minoritários.
Quando da realização do leilão de OPA, tal preço deverá expressar o mesmo valor
monetário, ou seja, deverá ser corrigido desde a data do pagamento feito pelo adquirente até a
data da OPA. O procedimento estabelecido pela Instrução CVM 361/02 é bastante
burocrático, no entanto, a Instrução, buscando atenuar os ônus impostos ao adquirente do
controle prevê, em seu art. 34219, algumas hipóteses excepcionais nas quais a CVM poderá
dispensar a oferta ou estabelecer um procedimento diferenciado.
217
O inciso XIV da Resolução CMN nº 401 determinava que se a venda das ações do acionista controlador for
contratada com pagamento a prazo, o adquirente do controle poderá optar pela oferta aos acionistas minoritários
de pagamento à vista, em valor correspondente ao preço unitário contratado com o controlador, descontada a
taxa de juros em vigor no mercado financeiro considerada adequada pela CVM.
218
Vide Parecer/CVM/SJU/31/79 acerca do pedido de aprovação de minuta de pagamento suplementar ao
proposto no instrumento de oferta pública condicionado à performance da companhia. Nele a Superintendência
Jurídica da CVM recomenda a inclusão da informação sobre o quanto montam os referidos saldos devedores, a
fim de que os acionistas tenham noção da quantia que podem vir a receber.
219
Art. 34. Situações excepcionais que justifiquem a aquisição de ações sem oferta pública ou com procedimento
diferenciado, serão apreciadas pelo Colegiado da CVM, para efeito de dispensa ou aprovação de procedimento e
formalidades próprios a serem seguidos, inclusive no que se refere à divulgação de informações ao público,
quando for o caso.
§1o São exemplos das situações excepcionais referidas no caput aquelas decorrentes:
I - de a companhia possuir concentração extraordinária de suas ações, ou da dificuldade de identificação ou
localização de um número significativo de acionistas;
II - da pequena quantidade de ações a ser adquirida frente ao número de ações em circulação, ou do valor total,
do objetivo ou do impacto da oferta para o mercado;
III - da modalidade de registro de companhia aberta, conforme definido em regulamentação própria;
IV - de tratar-se de operações envolvendo companhia com patrimônio líquido negativo, ou com atividades
paralisadas ou interrompidas; e
V - de tratar-se de operação envolvendo oferta simultânea em mercados não fiscalizados pela CVM.
141
Conforme exposto pelo Diretor Luiz Antônio de Sampaio Campos, em voto proferido
no Processo CVM nº 2003/11238:
Em certos casos a instrução pode ser excessivamente ‘pesada’ e acabar por
representar um ônus desproporcional (...). Daí porque o art. 34 prevê a
possibilidade de tratamento excepcional para determinadas ofertas públicas
de aquisição e pode ser aplicado sempre que a CVM entender que a
proteção que se imaginou em tese no caso específico não se justifique ou
que, dentro da realidade e especificidade da oferta, representa um ônus
desproporcional, de forma que aquele equilíbrio que se procurou obter com
a intervenção reguladora pode não fazer sentido.
Quanto aos destinatários da oferta, como já comentado, a Instrução CVM 361/02
dispõe em seu art. 29, que a OPA terá por objeto todas as ações de emissão da companhia as
quais seja atribuído o pleno e permanente direito de voto, por disposição legal ou estatutária.
7.2. Prêmio de Permanência
A edição da Lei 10.303/01 trouxe nova possibilidade para a disciplina da alienação do
controle acionário: a possibilidade de apresentação de prêmio aos acionistas minoritários para
permanência na companhia. Confira-se a redação do §4 do art. 254-A da Lei das S.A.:
O adquirente do controle acionário de companhia aberta poderá oferecer aos
acionistas minoritários a opção de permanecer na companhia, mediante o
pagamento de um prêmio equivalente à diferença entre o valor de mercado
das ações e o valor pago por ação integrante do bloco de controle.
O pagamento de prêmio pode vir a ser vantajoso tanto para o adquirente do controle,
que desembolsará menos recursos para a aquisição do controle da companhia, como para os
destinatários da oferta, que receberão mais do que receberiam caso aderissem à OPA (já que
além dos 20% de prêmio, permanecerão titulares de suas ações).
Questão interessante acerca da aplicabilidade do artigo é a de que pode ocorrer em
caso de baixa liquidez da ação ordinária de determinada companhia, em que não exista um
§2o A CVM poderá autorizar a formulação de uma única OPA, visando a mais de uma das finalidades previstas
nesta instrução, desde que seja possível compatibilizar os procedimentos de ambas as modalidade de OPA, e não
haja prejuízo para os destinatários da oferta.
142
parâmetro para determinar o valor de mercado das ações, impedindo o adquirente de fazer a
opção que a lei lhe confere220.
Parte da doutrina não vê na questão um real problema, pois, sendo o prêmio
facultativo, o valor oferecido pode ser menor que o determinado na lei, e seria dever do
adquirente apresentar prêmio atrativo o suficiente para garantir a adesão dos minoritários221.
O entendimento de que o prêmio a ser oferecido pode ser menor do que o determinado
em lei nos parece sem qualquer fundamento, pois não há como se extrair isso da redação do
artigo. Tal interpretação tornaria sem qualquer sentido a previsão de que o prêmio é
“equivalente à diferença entre o valor de mercado das ações e o valor pago por ação
integrante do bloco de controle”, pelo que entendemos que o prêmio não poderá ser inferior a
tal valor.
Outra questão que surge da redação da lei é a de se saber se o prêmio é uma faculdade
complementar à OPA ou alternativa a ela. Cantidiano sustenta que o prêmio seria uma
alternativa à realização da OPA:
Permite a lei que o adquirente do controle, por decisão unilateral sua, ao
invés de apresentar oferta pública de compra das ações ordinárias que são
detidas pelos acionistas minoritários, para estender aos referidos acionista
aos referidos acionistas, 80% do preço que tiver sido [pago] pelas ações
integrantes do bloco de controle, possa se limitar a estender aos minoritários
o pagamento do prêmio de controle222.
A interpretação nos parece também fugir da literalidade do art. 254-A e seus
parágrafos, embora apresente certa coerência lógica. Foge da literalidade porque não há
qualquer menção no parágrafo quarto do referido artigo de que a adoção do mecanismo
eximiria a obrigação descrita no caput, o que nos leva a crer que a opção conferida no
parágrafo quarto seria complementar e não alternativa à OPA, até porque não há impedimento
para que os dois processos coexistam. Ou seja, dá-se ao acionista a opção de sair, recebendo
220
A questão é levantada por CANTIDIANO, Luiz Leonardo. A Reforma da Lei das S.A. Comentada. Rio de
Janeiro: Renovar. 2002.p.98.
221
PARENTE, Norma. Principais inovações introduzidas pela Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, à Lei das
Sociedades por Ações. In: LOBO, Jorge (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. São Paulo:
Forense, 2002.p. 42; e PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São
Paulo: Quartier Latin, 2005. p.103.
222
CANTIDIANO, Luiz Leonardo. A Reforma da Lei das S.A. Comentada. Rio de Janeiro: Renovar. 2002. p.
248.
143
80% do valor pago ao controlador ou, a critério do acionista, a de ficar, recebendo a diferença
entre o valor de mercado e o valor pago ao controlador.
O problema é que do ponto de vista lógico, tem-se normalmente em uma OPA
acionistas que aceitam a oferta e acionistas que não a aceitam. Se a faculdade de oferecer um
prêmio ao acionista é cumulada com a OPA, a figura do acionista que simplesmente não
aceita a OPA desaparece, de modo que o adquirente ou terá que adquirir as ações ou que
pagar o prêmio. Tal entendimento é corroborado pela própria determinação contida na
Instrução CVM 361/02 que, ao regular a oferta de prêmio para permanência do acionista,
determinou, no §1º do art. 30, que oferecida tal faculdade, os acionistas poderão manifestar,
no leilão da OPA, “sua opção por receber o prêmio, ao invés de aceitar a OPA, entendendose que todos os acionistas que não se manifestarem aceitam e fazem jus ao prêmio”.
Isso reduz de tal forma o âmbito de aplicação do prêmio de permanência previsto no
§4º do art. 254-A da Lei das S.A. que não nos resta alternativa que não a de reconhecer no
mínimo certa coerência lógica na interpretação de que a faculdade conferida ao adquirente
supriria a necessidade de OPA223.
7.3. O Novo Mercado
Embora não seja objeto principal deste trabalho, não poderíamos deixar de analisar,
ainda que brevemente, as disposições da autorregulação sobre a OPA por alienação de
controle, já que é nesse ambiente que emerge, com maior força, a justificativa de ser a OPA
um instrumento de proteção dos minoritários.
No Brasil, as normas de autorregulação sobre o tema se desenvolveram no âmbito dos
segmentos especiais de listagem do mercado de ações da Bolsa de Valores de São Paulo
(BM&FBOVESPA), notadamente nos segmentos denominados Novo Mercado e Nível 2.
223
Roberta Nioac Prado, embora não tenha essa interpretação, propõe solução com a qual concordamos: “Uma
possibilidade que não foi pensada pelo legislador, e que nos parece interessante de ser estudada em trabalho
específico, é que seja obrigatório o pagamento do prêmio para o acionista na companhia, tal qual prevê o §4º
do art. 254-A da LSA de 1976, consubstanciado na diferença entre o preço de mercado das ações (quando estas
são cotadas e negociadas em Bolsa) e o prêmio pago pelo controle, mas a OPA propriamente dita não”.
(PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier Latin,
2005. p.104).
144
Para fins de exposição, mencionaremos aqui somente das disposições do Novo
Mercado – o primeiro a estabelecer a obrigatoriedade de realização de OPA pelo preço pago
pelas ações do controlador (100% tag along) – cujas regras sobre a matéria foram replicadas
para o Nível 2 por ocasião da reforma dos segmentos operada em 2011.
A obrigação de realização de oferta este prevista no item 8.1 do Regulamento do Novo
Mercado, que tem a seguinte redação:
8.1 Contratação da Alienação de Controle da Companhia. A Alienação de
Controle da Companhia, tanto por meio de uma única operação, como por
meio de operações sucessivas, deverá ser contratada sob a condição,
suspensiva ou resolutiva, de que o Adquirente se obrigue a efetivar oferta
pública de aquisição das ações dos demais acionistas da Companhia,
observando as condições e os prazos previstos na legislação vigente e neste
Regulamento, de forma a lhes assegurar tratamento igualitário àquele dado
ao Acionista Controlador Alienante.
A regra se aplica tanto a acionistas titulares de ações ordinárias como de ações
preferenciais e prevê o tratamento igualitário, à semelhança do art. 254 da Lei das S.A. Além
disso, incorpora o conceito da alienação por etapas, ao prever que a alienação se dá tanto “por
meio de uma única operação, como por meio de operações sucessivas”.
Para aquisições por operações diversas determina o Regulamento que:
8.2 Aquisição de Controle por meio de Diversas Operações. Aquele que
adquirir o Poder de Controle da Companhia, em razão de contrato particular
de compra de ações celebrado com o Acionista Controlador, envolvendo
qualquer quantidade de ações, estará obrigado a:
(i) efetivar a oferta pública referida no item 8.1; e
(ii) pagar, nos termos a seguir indicados, quantia equivalente à diferença
entre o preço da oferta pública e o valor pago por ação eventualmente
adquirida em bolsa nos 6 (seis) meses anteriores à data da aquisição do
Poder de Controle, devidamente atualizado. Referida quantia deverá ser
distribuída entre todas as pessoas que venderam ações da Companhia nos
pregões em que o Adquirente realizou as aquisições, proporcionalmente ao
saldo líquido vendedor diário de cada uma, cabendo à BM&FBOVESPA
operacionalizar a distribuição, nos termos de seus regulamentos.
145
A regra apresenta uma solução para operações por etapas, ao prever a compensação de
pessoas que eventualmente tenham alienado suas ações nos seis meses anteriores ao da
alienação de controle, mediante o pagamento diferença de preço da OPA e o preço pago
quando da alienação.
Outro aspecto que merece nota é o de que a OPA prevista no Regulamento do Novo
Mercado guarda maior relação com a ideia de controle de fato do que a OPA prevista no art.
254-A. Veja-se, nesse sentido, que o item 8.2 estabelece a obrigatoriedade de apresentação de
OPA independentemente da quantidade de ações transferidas – o que acaba por encerrar, no
âmbito das empresas listadas naquele segmento, a polêmica a respeito da alienação de
controle minoritário.
No Novo Mercado o que importa é a efetiva transferência de controle e não
necessariamente das ações que compõem o bloco de controle. Poder de controle, para fins de
seu Regulamento, significa o poder efetivamente utilizado de dirigir as atividades sociais e
orientar o funcionamento dos órgãos da Companhia, de forma direta ou indireta, “de fato ou
de direito, independentemente da participação acionária detida”.
Adota-se o conceito originalmente existente na Resolução CMN nº 401, segundo o
qual há presunção relativa de titularidade do controle em relação à pessoa ou ao grupo de
acionistas que seja titular de ações que lhe tenham assegurado a maioria absoluta dos votos
dos acionistas presentes nas três últimas assembleias gerais da Companhia, ainda que não seja
titular das ações que lhe assegurem a maioria absoluta do capital votante.
As regras do Novo Mercado, pelo fato de serem mais claras e apresentarem menor
grau insegurança em sua aplicação, representam um avanço em relação à regra do 254-A da
Lei das S.A. São, ainda, eficientes para aquilo que se propõem, a saber, o estabelecimento de
regras mais rígidas de governança corporativa para as companhias nele listadas.
Isso não significa, contudo, que delas se possa tirar alguma conclusão em termos de
conveniência ou de eficiência. É difícil saber se a maior rigidez, por si só, representa um
ganho aos acionistas ou se, ao contrário, é um entrave a transferências de controle eficientes.
Tal como estabelecidas, as regras parecem ser mais convenientes do que a da lei somente pela
maior precisão, mas não nos parece que sua amplitude seja necessariamente boa.
146
Por exemplo: entendemos que a regra prevista no item 8.2 (ii), que prevê a
compensação dos acionistas que tiverem alienado suas ações nos seis meses anteriores, é
completamente arbitrária e representa um ônus quase aleatório ao adquirente de controle.
Como se sabe, o preço da ação em uma compra e venda é composto por diversos aspectos,
objetivos e subjetivos, do comprador e do vendedor, que variam de negócio para negócio; e as
condições de mercado ao longo de seis meses podem mudar muito, sendo possível que ações
de mesma natureza sejam negociadas a preços completamente diferentes. A suposta
“compensação” dos acionistas não tem fundamento quando levadas em consideração essas
variáveis; basta pensar-se no caso em que o preço das ações de uma determinada companhia
tenha se depreciado ao longo dos seis meses anteriores ao da alienação de controle – em que
não haverá qualquer tipo de compensação, ainda que esta tenha se dado com alto prêmio de
controle; ou o caso em que o preço tenha aumentado consideravelmente ao longo do período –
ocasião em que a compensação representará um verdadeiro enriquecimento injustificado.
Enfim, independentemente da aparente conveniência ou não das regras do Novo
Mercado acerca da alienação de controle, o fato é que não se tem instrumento claro de
aferição da eficiência de suas regras. A única coisa que se pode dela extrair, com segurança,
para os fins deste trabalho, é um critério mais claro de aplicabilidade; só isso.
147
8 - CONCLUSÃO
O tag along visa à proteção aos minoritários na alienação de controle
de companhia aberta1. Este é o mito; a realidade, todavia, é outra (...)
Jorge Lobo224
A percepção dos participantes do mercado é a de que o instituto previsto no art. 254-A
da Lei da S.A. é um instrumento eficiente para a proteção das minorias 225, sendo esse um dos
preceitos mais difundidos e aceitos entre especialistas em governança corporativa.
Na doutrina jurídica, a maior parte dos defensores do instituto segue, sem grandes
resistências ou reflexões, o sentimento de que o tag along é uma conquista do direito
societário brasileiro que, em linha com legislações estrangeiras, vem promovendo o
compartilhamento do prêmio de controle com os acionistas minoritários, evitando, assim, a
sua espoliação e abuso por parte do controlador.
O sentimento é favorecido por uma difundida concepção, inundada de subjetividades,
a respeito das estruturas de poder no mercado, as quais, teriam supostamente um potencial de
exclusão e criação de desigualdades, pelo que justificariam um combate proativo, mediante a
implementação de “agenda reformista”226. O poder de controle, por essa razão, é alvo dos
mesmos ataques que são dirigidos ao mercado, sendo comum, como visto no Capítulo 2 deste
trabalho, que a noção de exercício de poder econômico seja confundida com o abuso do poder
econômico.
Nesse contexto de grotesca estigmatização da figura do controlador, não é difícil que
julgamentos efêmeros, baseados em juízos de “equidade” ou “razoabilidade”, nos conduzam
rapidamente à conclusão de que os acionistas minoritários são, de fato, merecedores dos
benefícios econômicos advindos da alienação de controle.
224
LOBO, Jorge. Interpretação Realista da Alienação de Controle de Companhia Aberta. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Malheiros, v. 130, abr-jun, 2003. p. 240.
225
Vide nota 99, em que mencionamos pesquisa da APIMEC nesse sentido.
226
Faz-se referência às palavras de Calixto Salomão Filho (nota 18) e às ideias comentadas no Capítulo 2 deste
trabalho.
148
A análise das razões para a origem do instituto da OPA por alienação de controle no
Brasil torna patente a influência que o sentimento ora descrito teve sobre os legisladores. Não
é demais relembrar que, nas palavras do próprio autor da emenda que veio a inserir o art. 254
ma Lei das S.A., a preocupação da época era com o “aspecto social”, mais propriamente “com
as viúvas que tinham herdado ações de sues maridos, com aposentados, com pessoas que
dependiam daquele rendimento para viver e ficavam sem quase nada”227.
Embora seja tarefa difícil, acreditamos que a separação dos preconceitos relativos ao
poder econômico e, conseguintemente, ao poder de controle seja um passo inicial
indispensável para uma análise objetiva e racional dos propósitos e efeitos do instituto do tag
along. Reitere-se: se o fundamento do instituto sob análise está realmente na proteção do
investidor, essa tem que ser uma conclusão a que se chega a partir da análise dos prós e
contras de sua aplicação prática e não uma premissa que sirva de molde ao raciocínio jurídico.
O primeiro passo para tal é compreender o controle como um instrumento natural à
estrutura empresarial da sociedade anônima, necessário na medida em que se verifica que seu
funcionamento depende da tomada de uma série de decisões ao longo da existência da
sociedade, sobre assuntos que não poderiam ser jamais previstos ex ante; decorrendo, nesse
sentido, da própria noção do princípio majoritário, segundo o qual as decisões devem ser
tomadas pela maioria do capital votante.
A partir disso compreende-se que o controle não é um poder de direito do controlador,
mas um poder de fato, que será exercido por todo aquele que, detendo bloco de ações
votantes, faça a vontade da companhia.
A investigação dos modos de manifestação de controle societário, sob o aspecto
técnico, revela uma quantidade considerável de conceitos e classificações que enriquecem o
tema. A aplicação do instituto do tag along não prescinde de conhecimentos que vão além da
mera definição de controle prevista no art. 116 da Lei das S.A; demanda, ao contrário, a
perfeita compreensão de conceitos tais como controle interno e externo, direto e indireto,
unitário e compartilhado.
227
Vide Capítulo 5.
149
Mas mesmo o domínio sobre esses conceitos não é suficiente para resolver todos os
problemas que envolvem a aplicação do instituto do tag along228.
O recurso à história do instituto, mediante o estudo do contexto em que se deram os
debates que originaram a regra do art. 254, como visto no Capítulo 4, não ajuda muito.
Demonstra apenas que alguns dos aspectos que serviram como motivadores para a regra não
são considerados nem mesmo pelos defensores do instituto, tais como: (i) o problema do
intangível na avaliação de companhias pelo valor patrimonial contábil, (ii) a dificuldade na
determinação da relação de troca em operação de incorporação envolvendo controlador e
controlada; (iii) a necessidade de disclosure e de combate ao insider trading; e,
especialmente, (iv) as consequências indesejáveis de uma política governamental de expansão
de bancos comerciais, tal como a que existia à época.
Tendo boa parte desses aspectos sido superados ou aperfeiçoados ao longo da história,
a força para a defesa da necessidade de exigibilidade de OPA em casos de alienação de
controle teve que se apegar em outras justificativas, assemelhando-se, nesse sentido, a
doutrinas estrangeiras, como visto no Capítulo 5.
Mas a verdade é que a regra brasileira pouco tem de comum com as legislações
estrangeiras que obrigam adquirentes de controle a realizar OPA aos minoritários. A Diretiva
Europeia que serve de norte para a adoção da OPA na maior parte dos países estrangeiros tem
em mira a aquisição do controle, inclusive a originária, notadamente mediante a tomada
hostil.
Seja na Europa, seja nos Estados Unidos – onde não existe previsão ao tag along para
negociações privadas de controle – a tutela se dá sobre as oferta públicas e não sobre
negociações privadas de controle.
Entendemos, na esteira da lição dos autores da lei, que a exigibilidade de OPA por
alienação de controle somente estabelece um novo direito de acionistas, incompatível com a
natureza da sociedade anônima, que não diz respeito à participação nos resultados ou no
228
Como ocorreu, por exemplo, no Caso CBD, comentado no Capítulo 6, em que a noção de controle do art. 116
foi considerada, na prática, insuficiente para os fins do art. 254-A da Lei das S.A.
150
acervo da própria sociedade, mas ao preço pelo qual cada acionista vende ações de sua
propriedade.
As superficiais justificativas para a OPA em razão da suposta “apropriação do
intangível” ou da quebra de “affectio societatis” entre minoritários e controlador, analisadas
no capítulo 5, não convencem.
A difícil defesa de tais teses em bases lógicas, nos remete, novamente, à bom e velho
mito de que essa é uma boa regra de governança corporativa, eficiente e importante para a
confiabilidade do mercado.
Ora, como bem examina Fábio Ulhoa Coelho, “há quem só invista se lhe for
assegurado o tag along e há quem invista sem atribuir ao tag along nenhuma importância; é
raro, porém, encontrar-se alguém disposto a investir mais em razão do tag along”229.
Se é bem verdade que essa é uma medida de governança corporativa, nada mais
comum, então, que seja resolvida entre os acionistas, contratualmente, assim como o são os
tag along rights, a que fizemos menção no item 5.3 deste trabalho.
Entendemos que as companhias deveriam ser livres para estabelecer em seus
respectivos estatutos sociais a obrigatoriedade ou não de OPA. Se é verdade que esse é um
instrumento tão importante como propagam os seus defensores, não haveria qualquer
problema em deixá-lo aberto para que companhias, ao seu critério, escolhessem adotá-lo ou
não. Afinal, será que alguma companhia ousaria retirar tão importante instrumento de
governança corporativa de seu estatuto, correndo o risco de perder recursos de investidores
mais bem informados com as mais modernas práticas de governança corporativa?
Talvez sim. Talvez perdessem espaço para aqueles mesmos investidores que,
incompreensivelmente, insistem, por exemplo, em investir ações preferenciais de companhias
abertas, contrariando as melhores práticas de governança corporativa. Melhor então não dar
229
COELHO, Fábio Ulhoa. O direito de Saída Conjunta (“Tag Along”). In: LOBO, Jorge (coord.).
Reforma da Lei das Sociedades Anônimas: inovações e questões controvertidas da Lei 10.303 de
31.10.2001. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.484.
151
abertura para essa resposta do mercado, impondo-lhe aquilo que parece ser, segundo o
sentimento geral, o mais razoável.
Entendemos que não há melhor mecanismo para a verificação da eficiência de um
instrumento do que o teste prático, do que a tentativa e erro – e esse seria um teste um tanto
interessante com um instituto que, como demonstramos no Capítulo 2, foi “criado” pelo
legislador, e não resultante da prática comercial.
Talvez esse seja o motivo pelo qual tanto há de polêmico no que se refere ao instituto
do tag along.
Como foi visto, mesmo com a assimilação de toda a experiência prática resultante da
aplicação do antigo art. 254, não se conseguiu, com a introdução do art. 254-A, eliminar a
polêmica que cerca o tema. Mesmo adotando-se os fundamentos destacados pelos defensores
do instituto e considerando-os como verdadeiros, vê-se que a regra não atende
satisfatoriamente os propósitos para os quais foi criada.
Os inúmeros casos práticos que surgiram da aplicação dos arts. 254 e 254-A da Lei das
S.A. se, por um lado, serviram para aperfeiçoar o entendimento sobre a matéria; por outro,
demonstram que ainda há muito a se evoluir. Corrobora tal entendimento, o fato de os casos
mais recentes sobre a matéria, tais como o Caso Tim e Arcelor, analisados no Capítulo 6,
terem apresentado problemas novos, para os quais não haviam respostas, e que literalmente
desconcertaram aqueles que se viram na difícil missão de resolvê-los.
A OPA para alienação de controle parece ter sido incluída na Lei das S.A. para
solucionar um problema que não está relacionado com a alienação de controle, mas sim com a
incorporação e com a incorporação de ações, notadamente relacionado à consideração dos
intangíveis quando do estabelecimento da relação de troca.
É preciso uma investigação mais profunda nos fundamentos e nos efeitos da previsão
legal por parte da doutrina. Até lá deverá ser respeitada a escolha do legislador brasileiro,
através da adaptação do instituto em sua aplicação aos casos para os quais a regra não oferece
respostas claras.
152
Seria interessante que trabalhos futuros, talvez não na área do direito, procurassem
mecanismos de quantificação da suposta eficiência da norma em termos de atratividade de
capital. A comparação poderia ser feita em relação a companhia fechadas ou a sociedades
limitadas de grande porte, de forma a tentar compreender o porquê de ser tão incomum que,
em tais sociedades, os acionistas ou cotistas instituam a obrigatoriedade de OPA para casos de
alienação de controle.
153
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