PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP MARCELO ABREU DOS SANTOS TOURINHO OFERTA PÚBLICA DE AQUISIÇÃO DE AÇÕES POR ALIENAÇÃO DE CONTROLE DE COMPANHIAS ABERTAS BRASILEIRAS MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2012 MARCELO ABREU DOS SANTOS TOURINHO OFERTA PÚBLICA DE AQUISIÇÃO DE AÇÕES POR ALIENAÇÃO DE CONTROLE DE COMPANHIAS ABERTAS BRASILEIRAS Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Comercial, sob a orientação do Prof. Doutor Fábio Ulhoa Coelho. SÃO PAULO 2012 Banca Examinadora ___________________________ ___________________________ ___________________________ SUMÁRIO 1 – INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 1 2 – A NATUREZA DO CONTROLE ACIONÁRIO ......................................................................... 7 2.1. Os Sentidos de Controle ................................................................................................ 7 2.2 O Poder de Controle como Poder Econômico ................................................................ 10 2.3. O Poder de Controle como Poder de Fato ..................................................................... 16 2.4. A Justificação do Poder de Controle ............................................................................. 21 3 - A DEFINIÇÃO LEGAL DE CONTROLE ACIONÁRIO............................................................. 28 3.1. O Acionista Controlador segundo a Lei das S.A. ........................................................... 28 3.2. Controle Interno e Controle Externo............................................................................. 31 3.3. Tipologia do Controle ................................................................................................. 33 3.3. Controle Unitário e Controle Compartilhado................................................................. 38 4 - HISTÓRICO DA ALIENAÇÃO DE CONTROLE NO DIREITO BRASILEIRO ................................ 41 5 – JUSTIFICATIVAS PARA A OBRIGATORIEDADE DE REALIZAÇÃO DE OPA ............................ 49 5.1. Conceituação do prêmio de controle............................................................................. 51 5.2. A doutrina brasileira ................................................................................................... 53 5.3. Considerações sobre as diferentes correntes doutrinárias no Brasil ................................. 59 5.4. A OPA no direito comparado....................................................................................... 66 5.5. O paralelo com doutrinas estrangeiras .......................................................................... 71 6 – CARACTERÍSTICAS DA ALIENAÇÃO DE CONTROLE ......................................................... 81 6.1. Elementos gerais para a caracterização de alienação de controle .................................... 83 6.2. Destinatários da Oferta e Valores Mobiliários considerados para os fins do Art. 254-A ... 85 6.3. Modalidades de Transferências de Controle .................................................................. 92 6.3.1. Transferência direta e indireta ................................................................................... 92 (i) Caso Arcelor/Mittal - Transferência indireta de controle no exterior .................. 96 6.3.2. Aquisição Originária, Derivada e Semiderivada ....................................................... 101 (i) Caso Royal Bank of Scotland – Aquisição originária de controle ...................... 104 (ii) Caso Suzano – Aquisição originária de controle / incorporação ...................... 107 6.4. Alienação de bloco de ações ...................................................................................... 111 (i) Caso Aracruz Celulose – Transferência intra bloco.......................................... 114 (ii) Caso Copesul – Transferência intra bloco ...................................................... 116 6.5. Alienação em etapas ................................................................................................. 118 (i) Caso CBD/Pão de Açúcar – alienação de controle de fato................................ 121 6.6. Análise do contrato de compra e venda de ações ......................................................... 123 6.7. Aplicabilidade do art. 254-A aos casos de alienação de controle minoritário ................. 125 (i) Caso TIM – alienação indireta de controle minoritário no exterior ................... 129 6.8. Consequências da não-realização da OPA .................................................................. 134 7 – PROCEDIMENTO DA OPA ............................................................................................ 138 7.1. Registro na CVM ...................................................................................................... 138 7.2. Prêmio de Permanência ............................................................................................. 141 7.3. O Novo Mercado ...................................................................................................... 143 8 - CONCLUSÃO ............................................................................................................... 147 Bibliografia .................................................................................................................... 153 ii RESUMO O presente trabalho tem por objetivo analisar e explorar os aspectos controversos envolvendo a regra da oferta pública de aquisição de ações prevista no art. 254-A da Lei 6.404/76, que estende aos minoritários titulares de ações votantes o direito de alienar suas ações em casos de alienação de controle. Para tal analisamos (i) a natureza do “controle”, entendido como poder de direcionar a atividade empresarial; (ii) a definição legal de acionista controlador de acordo com a legislação brasileira; (iii) o histórico do instituto; (iv) as diferentes justificativas para o instituto, segundo as doutrinas brasileira e estrangeiras; (v) os elementos para a caracterização da alienação de controle, abordando os principais precedentes da Comissão de Valores Mobiliários – CVM; e (vi) o procedimento para a realização de uma oferta pública. Palavras-Chave Alienação de Controle – Oferta Pública de Aquisição de Ações – OPA – Tag Along – Poder de Controle – CVM – Acionista Controlador – Acionista Minoritário – Aquisição de Controle – Proteção dos Minoritários. iii ABSTRACT This work aims to analyze and explore the controversial aspects related to mandatory bid rule under Brazilian Corporate Law (Law 6,404/76), which extends to voting minority shareholders the right to sell their shares in case of a control transfer. For this purpose we analyze (i) the nature of “control”, as a power to direct the corporation’s business; (ii) the legal definition of controlling shareholder under Brazilian law; (iii) the history of the Brazilian institutional framework; (iv) the different justifications for the rule under Brazilian and foreign doctrines; (v) the elements for the characterization of the transfer of control, taking into consideration the key precedents of Comissão de Valores Mobliários - CVM; and (vi) the mandatory bid rule procedures. Key-words Transfer of Control – Mandatory Bid Rule – tender offer – Tag Along – Power of Control – CVM – Controlling Shareholder – Minority Shareholder – Acquisition of Control – Minority Protection. 1 1 – INTRODUÇÃO Nos últimos anos, o mercado de capitais brasileiro passou por crescimento econômico considerável. O aumento do número de investidores estrangeiros e de companhias acessando o mercado são fatores que revelam não só esse crescimento, como também algumas de suas principais características atuais, a saber: (i) o alto nível de internacionalização da economia, como reflexo de um processo mais intenso de globalização e (ii) a maior dispersão do capital acionário – o que resultou no enfraquecimento ou até mesmo no desaparecimento do acionista controlador forte, em rompimento com as tradicionais figuras da empresa familiar e do dono, que outrora tiveram forte presença no mercado de capitais brasileiro. O contexto de maior interação econômica empresarial vem representando uma mudança profunda nas estruturas do mercado de capitais, que pode ser vista tanto sob o aspecto da profissionalização de seus agentes, quanto do surgimento de novos produtos financeiros1. Do ponto de vista societário, destaca-se o aquecimento do mercado de “fusões e aquisições” (ou M&A, abreviação em inglês de mergers and aquisitions), onde se vê a união progressiva de empresas nacionais e internacionais, em processos de formação de grupos empresariais mais fortes e competitivos. Boa parte dessas operações de reestruturação societária envolve a alienação de controle de companhias abertas. A legislação brasileira, como se verá, impõe atualmente a necessidade de que o adquirente do controle de companhia aberta se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle. A oferta pública de aquisição (ou OPA) é, na prática, fator relevante para operações de alienação de controle, pois a necessidade de realização de uma OPA pode ter impacto econômico significativo ao adquirente do controle, 1 Do ponto de vista da profissionalização, pode-se citar a criação e sofisticação de diversos sistemas de certificação de agentes de mercado, tais como o programa de Certificação de Conselheiros do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa ou os programas de certificação da ANBIMA, que compreendem atualmente a realização de mais 60 mil provas por ano (http://certificacao.anbid.com.br/noticias.asp#not130). Com relação à criação e disponibilização de produtos financeiros ao mercado, a característica que talvez melhor represente o cenário de mudanças, seja a popularização do home broker: instrumento para negociação de títulos e valores mobiliários via internet. 2 significando o pagamento de algumas dezenas de milhões de reais pelas ações dos acionistas minoritários. A proliferação de operações societárias, em suas diversas formas, bem como a nova organização dos mercados, movida em grande parte pela criatividade de empreendedores internacionais com grande experiência, desafiam o direito societário atual e indicam a existência de problemas para os quais a legislação brasileira ou mesmo a doutrina não haviam atentado. A difícil questão que se impõe a quem cuida da análise jurídica da alienação de controle é, em última instância, a de se saber em que casos a OPA seria ou não exigível. O esforço centra-se na definição de critérios objetivos de determinação, a fim de construir uma teoria geral que abarque a multiplicidade de aspectos de uma alienação de controle, evitando, com isso, a insegurança jurídica provocada pelo modelo atual, que demanda análise casuística. Recentes discussões vêm sendo travadas na Comissão de Valores Mobiliários – CVM em casos de alienação de controle de companhias abertas, notadamente em operações em que o controle societário envolve controle compartilhado2 ou em que é alienado indiretamente para companhias estrangeiras3. Nelas foram evidenciados interessantes problemas na aplicação do instituto, tais como a definição do preço a ser pago na OPA em casos de alienação indireta de controle; a escolha da lei aplicável para a definição de controle e para a determinação da exigibilidade da OPA; e a exigibilidade ou não de OPA em caso de transferência de controle minoritário ou envolvendo controle compartilhado. A despeito de esses casos terem recebido respostas do Colegiado da CVM, não se pode dizer que tais decisões tenham propriamente enfrentado os problemas verificados ou mesmo esclarecido o entendimento da autarquia. O melhor exemplo disso é a decisão do Processo CVM RJ2009/1956 ("Caso Tim"), em que se discutiu a lei aplicável e a exigibilidade de OPA em caso de transferência de controle minoritário: nele, a Presidente 2 3 Vide casos COPESUL e ARACRUZ CELULOSE, comentados no Capítulo 6. Vide casos TIM e ARCELOR/MITTAL, comentados no Capítulo 6. 3 Maria Helena Santana votou com base na lei italiana, enquanto todos os demais diretores votaram com base na lei brasileira, tendo, quanto ao mérito, manifestado a opinião de que o assunto é realmente complexo e sugerido, a fim de que se "possa evitar a excessiva subjetividade de análises puramente casuísticas", a adoção de percentual de 30% do capital votante para a obrigatoriedade de apresentação de OPA. O Diretor Otávio Yazbek, mesmo reconhecendo a possibilidade de alienação de controle minoritário para os fins do art. 254-A, decidiu que, naquele caso, não seria exigível a OPA. Já o Diretor Eli Loria afirmou que mesmo em tese não seria exigível a OPA para alienação de controle minoritário. Os dois únicos diretores cujos votos convergiram no sentido da exigibilidade de OPA, Marcos Pinto e Eliseu Martins, foram vencidos. Embora a atual dinâmica empresarial apresente novos desafios, não se pode dizer que as dificuldades na aplicação do instituto sejam novas. O antigo art. 254 da Lei n o 6.404∕76 (Lei das S.A.), que impunha ao adquirente a obrigação de estender aos demais acionistas o mesmo preço pago ao alienante do bloco de controle, era objeto de polêmica já ao tempo da promulgação da lei4. Por ocasião da onda de privatizações ocorrida ao longo década de 90, foi editada a Lei 9.457/97, que revogou o art. 254, eliminando a obrigatoriedade de apresentação de OPA por alienação de controle. A obrigação somente foi restaurada com o advento da Lei 10.303/01 mas com importantes alterações em relação à obrigação prevista no antigo artigo art. 254. Durante o período em que esteve em vigor, a obrigação de OPA por alienação de controle ensejou uma série de discussões no âmbito da CVM, em casos de extrema complexidade e para os quais eram necessárias respostas práticas, independentemente da existência prévia de convicções doutrinárias sobre o assunto5. As lições do passado e o histórico do instituto são fundamentais para a sua compreensão nos dias atuais. Embora hoje sejam feitas muitas analogias e encontradas 4 A questão será aprofundada no Capítulo 4 deste trabalho. Adiante-se que o artigo 254 não constava do projeto de lei original, tendo sido alvo de duras críticas por parte de seus autores: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira. 5 A riqueza dos problemas encontrados pode ser verificada, por exemplo, na obra: SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário: Interpretação e Valor. Niterói: FMF, 2004. O trabalho compila uma série de casos extraídos de mais de quinze anos de experiência do autor à frente do setor de operações especiais da CVM, responsável pela análise de operações de transferências de controle acionário. 4 semelhanças com institutos de direito estrangeiro, a obrigação de oferta pública em casos de alienação de controle é instituto que, até onde se sabe, não teve inspiração em outros ordenamentos. Trata-se, ao contrário, de uma novidade, de uma criação brasileira: a obrigação não existia nem mesmo na prática empresarial, como forma, por exemplo, de atração de investidores (tal como é hoje vista), ou seja, como medida de boa governança corporativa. Disso decorre que, na qualidade de instituto “criado”, foi objeto de uma natural conformação por parte dos agentes de mercado, que consistiu no desenvolvimento de mecanismos e operações que não se “enquadravam” propriamente na situação prevista na norma. Tal como um remendo feito na lei meticulosamente elaborada por Lamy e Bulhões, e sem guardar qualquer relação com sua sistemática, o instituto foi incluído na lei mesmo contra a vontade dos autores, tendo sido, ao longo do tempo, interpretado de forma bastante diversa – e só não o foi mais devido à interferência estatal que, por meio da regulamentação 6, “encerrou” boa parte das dúvidas sobre o instituto. Os problemas a serem enfrentados para a compreensão do instituto se iniciam com a própria definição de poder de controle. Embora a Lei das S.A. reconheça a figura do controlador, conferindo-lhe direitos e impondo-lhe deveres, sua identificação prática nem sempre é tarefa fácil, ante as múltiplas formas sobre as quais se manifesta o fenômeno do controle. O tema é cercado também por uma visão romantizada das companhias, que toma a grande empresa não como um meio de organização social para a exploração de uma atividade com fins lucrativos, mas como instrumento “democrático voltado para o bem-estar social”. Os acionistas – pessoas que se associam em prol de um fim comum – passam a figurar em papéis antagônicos pré-determinados: o controlador como um perigoso agente de concentração de poder econômico, um expropriador, e os acionistas minoritários como figuras ingênuas7, espoliados8, cujos direitos devem ser protegidos e ampliados, em nome de uma suposta participação democrática na persecução de fins sociais. 6 Faz-se referência à edição da Resolução CMN nº 401. Como se diz no jargão de mercado, verdadeiras “velhinhas de Taubaté”, referência à conhecida personagem de VERÍSSIMO, Luis Fernando. A Velhinha de Taubaté: novas histórias do analista de Bagé. LP&M, 1983. 8 Faz-se referência aqui àqueles que Comparato denominou como os campeões “na defesa do pobre-acionistaminoritário-espoliado” (COMPARATO, Fabio Konder. Anteprojeto de Lei das Sociedades Anônimas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, ano XIV, nº 17. pp. 118 – 125). 7 5 Os fatores decorrentes da exploração comercial via empresa, tais como a boa alocação de recursos, a produção e circulação de mercadorias e riquezas, o desenvolvimento de novas tecnologias e a redução de custos e dos preços dos produtos ao consumidor, são substituídos, nesse tipo de discurso, pela visão simplista de que a sociedade está apenas “perseguindo o lucro”, como se isso fosse ilegal ou ilegítimo. Esses atributos não são o bastante para o idealismo de alguns, razão pela qual são substituídos por finalidades entendidas como benéficas para a sociedade. Os estigmas que inevitavelmente surgem desse tipo de visão merecem alguma consideração, mesmo que de forma breve, dada a limitação inerente ao tema. O objetivo do presente estudo é tentar delimitar e compreender as dificuldades encontradas na aplicação do instituto da OPA, especialmente as encontradas em casos práticos recentes, decorrentes do novo contexto em que se encontra o mercado de capitais brasileiro. Para tal, será necessário investigar a função do instituto, seus fundamentos, origem histórica, desenvolvimento e entendimento segundo a doutrina e a jurisprudência; sempre tendo consciência de que dificilmente se produzirá uma teoria geral capaz de responder ex ante as difíceis questões práticas que emergem da obrigação prevista no art. 254-A da Lei das S.A. Para muitas das questões analisadas ao longo dessa dissertação não há resposta certa e a pretensão desse estudo não é respondê-las, mas antes indicá-las. A matéria não possui uniformidade no direito brasileiro e no direito comparado, sendo comum que, diante da indefinição da matéria, teorias sustentadas entre nossos doutrinadores encontrem, cada uma ao seu modo, algum fundamento em doutrinas e legislações estrangeiras. As dificuldades de aplicação do instituto comumente remetem a alguns conceitos teóricos amplos que também não podem deixar de ser mencionados neste estudo, ainda que de maneira breve, tais como poder, poder econômico, controle e propriedade. Para fins de exposição da matéria, estruturamos o presente estudo da seguinte forma: em primeiro lugar analisaremos o controle como poder econômico e como poder de fato; em seguida trataremos da definição de controle, abordando o contexto no qual ele se insere e 6 sobre o qual se dão seus efeitos, qual seja, o da companhia aberta, principal veículo da grande empresa; traremos o histórico da alienação de controle no Brasil e analisaremos e comentaremos os principais argumentos da doutrina nacional e estrangeira a respeito de seus fundamentos; para, por fim, analisarmos a aplicação prática do instituto no Brasil, juntamente com os principais precedentes sobre a matéria. Serão doravante designadas como OPA somente as referências à oferta pública de aquisição de ações decorrente da alienação de controle de companhias abertas brasileiras, ou seja, a OPA a posteriori9 (ou OPA obrigatória por alienação de controle) exigida pelo art. 254-A da Lei das S.A. 9 OPA a posteriori é termo que utilizamos com o sentido contraposto ao de OPA a priori, ou seja, a OPA voluntária para a tomada de controle de uma companhia aberta, que a antecede. O sentido é o mesmo dado em PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier Latin, 2005. 7 2 – A NATUREZA DO CONTROLE ACIONÁRIO 2.1. Os Sentidos de Controle Efetivamente, a análise do fenômeno não deve reduzir-se a aspectos legais, sob pena de mirar-se numa exegese estéril de palavras. O exercício do poder, em qualquer sociedade, nem sempre se ajusta ao modelo normativo. Fábio Konder Comparato10 O sentido de controle que serve como objeto de estudo deste trabalho é o de controle exercido no âmbito das sociedades anônimas, que representa o exercício de um poder decisório. Embora as noções de controle e poder pareçam de fácil compreensão, especialmente aos mais afeitos ao direito societário, elas não apresentam sentidos iguais em todas as suas manifestações. Uma ideia comum para a palavra controle é a sua identificação com o conceito de propriedade. Claude Champaud, em sua obra Le pouvoir de concentracion de la societé par actions, define controle nos seguintes termos: O controle é o direito de dispor dos bens de outrem como um proprietário. Controlar uma empresa é deter o controle dos bens que lhe foram destinados (direito de dispor deles como um proprietário) de modo a ser senhor da direção de sua atividade econômica11. (grifamos) Giuseppe Ferri o entende não como um direito sobre bens, mas um poder sobre a atividade empresarial, de forma que a ação da sociedade – e não seus bens – é que estariam submetidos à vontade do ente controlador. Guido Rossi, por sua vez, distingue o controle sobre a sociedade do controle sobre a empresa, afirmando que o primeiro consiste na faculdade de escolha dos administradores, sendo o segundo exercido pelos próprios 10 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. p.45. 11 CHAMPAUD, Claude. Le pouvoir de concentration de la sociéte par actions. Paris: Sirey, 1962. p. 161. Apud PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva. 1995. p.10. 8 administradores12. Já Berle e Means propõem que o controle seria ele mesmo um bem social ou empresarial, cujo valor pertenceria à companhia e não aos seus acionistas, individualmente considerados13. Buscando abordar e criticar, de forma pioneira, essas diferentes formas de visão do fenômeno do controle, Fabio Konder Comparato elaborou o estudo intitulado “O Poder de Controle na Sociedade Anônima”, editado pela primeira vez em 1976, que veio a se tornar importante obra de referência sobre o tema. Em sua investigação sobre essência do controle, o autor indica, com acuidade, que a própria palavra controle é utilizada pelo legislador brasileiro em dois sentidos: um brando, de disciplina ou regulação, e um forte, que representa dominação. Exemplo do primeiro sentido pode ser encontrado na Lei nº 4.595/64, que em seu artigo 10, VII, atribui ao Banco Central do Brasil competência privativa para “exercer o controle dos capitais estrangeiros, nos termos da lei”. O segundo sentido é o de poderdominação, característico do exercício pleno da vontade em uma sociedade empresarial e que aparece, naquela mesma lei, no artigo 4º, inciso XV, que exclui do recolhimento compulsório os depósitos efetuados nas instituições financeiras públicas pelas “pessoas jurídicas de direito público que lhes detenham o controle acionário”. É o segundo sentido de controle que nos interessa: o que se relaciona com a ideia de poder. O autor adverte que o estudo das sociedades mercantis, sob a ótica do poder, sempre foi algo estranho à doutrina jurídica tradicional, tendo autores e tribunais preferido explicações fundadas na teoria do contrato ou sob o ângulo institucional14. Seguindo-se a teoria do contrato, a relação de poder se estabeleceria diretamente entre os próprios sócios, tendo como pressuposto o fato de que estão em pé de igualdade e resolvem as questões de acordo com o disposto no instrumento de fundação. Já sob o ângulo 12 FERRI, Giuseppe. Le Società. Turim: UTET, 1971. p. 252 e ROSSI, Guido. Persona Giuridica, Proprietà e Rischio d’Impresa. Milão: Giuffré, 1967 Apud COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. pp.125 e 120. 13 BERLE, Adolph A.; MEANS, Gardiner C. The Modern Corporation and Private Property. 10 ed. 2009. A tese dos autores é analisada no item 2.4 adiante e no Capítulo 5 deste trabalho. 14 A advertência consta do prefácio à 4ª edição do livro O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 9 institucional, a organização da pessoa jurídica e as funções de seus órgãos obedeceriam à “vontade” da lei, não sendo objeto de um negócio jurídico (contratual). Sob a ótica do poder, Comparato buscou demonstrar que nas sociedades anônimas o controle se dá indiretamente entre os sócios, mediante o exercício de poder que se manifesta na hierarquização de funções através de órgãos impostos pela lei. Essa análise permitiu ao autor distinguir, na fenomenologia do poder, os poderes “de fato” e os “de direito” e a traçar uma tipologia do poder de controle muito útil para a compreensão do fenômeno pela doutrina jurídica15. Não obstante o esforço despendido, o exercício do poder de controle é tema que permanece controverso; não propriamente em seu aspecto técnico-jurídico, mas sob perspectiva mais ampla, que diz respeito à influência do poder nas ciências sociais. Essa perspectiva ampla, filosófica, do poder pode oferecer um instrumental mais preciso para que se distinga, dentro da linguagem técnico-jurídica, as assertivas de cunho preponderantemente analítico e descritivo, das opiniões e dos juízos de valor. Referências genéricas ao detentor do poder econômico ou ao controlador podem remeter o leitor a estigmas e a conceitos quase pejorativos, em que o “exercício do poder econômico” é relacionado à ocorrência de algum tipo de abuso ou excesso, em prejuízo daquele que foi “subjugado” a tal poder. A aplicação dessa lógica ao sistema existente em uma sociedade empresarial, ainda que de modo despercebido e irrefletido, pode gerar graves confusões. No contexto atual do direito, em que o judiciário, ao arrepio da lei, por vezes tenta reequilibrar situações tidas ex ante como “injustas”, através de medidas de natureza exclusivamente política, corre-se o risco de que, ante o tão em voga ativismo minoritário, investidores venham a ser rotulados de antemão como injustiçados, hipossuficientes ou simplesmente vítimas do exercício de um “poder econômico”. 15 Comparato se baseia na tipologia de Berle e Means (em The Modern Corporation and Private Property), os quais identificaram (i) o controle na posse da quase totalidade das ações de uma companhia, (ii) o controle fundado detenção da maioria das ações, (iii) o controle com menos da metade das ações, (iv) o controle “trough a legal device” e (v) o controle administrativo ou gerencial. Mas o autor brasileiro, conforme será analisado no Capítulo 3 do presente trabalho, reduz a quatro os tipos de controle: totalitário, majoritário, minoritário e gerencial. 10 A preocupação tem em mira evitar que as respostas para os problemas a serem aqui investigados venham a se misturar com inapropriadas formulações genéricas do tipo in dubio pro minoritário, pois se o fundamento do instituto sob análise está realmente na proteção do investidor, essa tem que ser uma conclusão a que se chega a partir da análise dos prós e contras de sua aplicação prática e não uma premissa que sirva de molde ao raciocínio jurídico. Com a finalidade de que esse tipo de visão do poder econômico não se converta em uma convicção, é fundamental sejam feitas algumas considerações relativas às formas sobre as quais esse poder se manifesta no seio da sociedade anônima. 2.2 O Poder de Controle como Poder Econômico O tema do poder econômico, por sua extensão e complexidade, espraia-se por todos os ramos do Direito, mas é no direito da concorrência ou antitruste que parece ter recebido maior atenção da doutrina jurídica. Nele, o assunto é estudado com vistas à caracterização de situações que representem domínio de mercados, eliminação da concorrência ou aumento arbitrário dos lucros. Tem-se, em boa parte das referências ao poder econômico, a preocupação com o abuso do poder econômico. Confira-se a lição de Paula Forgioni: O poder econômico implica sujeição (seja dos concorrentes, seja de agentes econômicos atuantes em outros mercados, seja dos consumidores) àquele que o detém. Ao revés, implica independência, absoluta liberdade de agir sem considerar a existência ou o comportamento de outros sujeitos16. A conotação de poder econômico como algo abusivo, presente no direito antitruste, pode ser sentida também em outros ramos do direito17, inclusive no societário, como se pode notar a partir das claras palavras de Calixto Salomão Filho nesse sentido: 16 FORGIONI, Paula. Os Fundamentos do Antitruste. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1998 . p. 271. Em recente estudo na seara Constitucional, Marcos Barbosa Pinto apresentou crítica à “influência deletéria do poder econômico sobre o processo político”. O autor enxerga na desigualdade econômica um problema para o processo de formação política, uma vez que, na prática, os detentores de riqueza têm uma influência desigual na política, tanto no processo de escolha dos representantes, quanto na fiscalização e controle de seus atos. Disso decorre uma tensão entre democracia e capitalismo, pois “enquanto as eleições democráticas são regidas pelo princípio da igualdade, pela regra do ‘um homem, um voto’, no mercado a regra é ‘um real, um voto’”. Partindo dessa lógica o autor apresenta os seguintes exemplos de tipos de influência do capital sobre a política: o controle da informação, o clientelismo, a compra de votos e a corrupção e o financiamento de campanhas eleitorais. (PINTO, Marcos Barbosa. Constituição e Democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 39). 17 11 Exatamente por seu potencial de exclusão e de criação de desigualdades nas interações sociais é que um dos pontos essenciais para a criação de um devido processo econômico é o combate às estruturas de poder no mercado. (...) Conclui-se, portanto, que tanto pelo seu potencial criador como distribuidor de conhecimento, o combate ao poder econômico pode e deve ser um dos primeiros itens da lista de preocupações dos estudiosos das relações sociais18 (grifamos). É natural que a visão do poder econômico, altamente relacionada com ideia de abuso, possa influenciar as propostas e conclusões do autor. É assim que, citando a polêmica marxista entre a revolucionária Rosa de Luxemburgo e o reformista Eduard Bernstein sobre o direito societário e a possibilidade de criação de uma democracia acionária, o autor propõe que seja em torno da grande sociedade anônima que se deva estruturar parte importante de uma “agenda reformista” de nosso sistema econômico19. Não é aqui o local para analisar a visão do referido autor. O importante, por ora, é ter presente que, ao se falar em poder de controle como poder econômico, é possível que se esteja falando de seu abuso ou seu desvio e não de seu exercício lícito e legítimo20. As preocupações com o exercício do poder econômico, de suas consequências políticas e mesmo de seu aspecto moral são válidas, mas parte da atratividade do tema se deve 18 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. p.18. Em outro trecho (p. 12), o autor é ainda mais enfático: “Não há, portanto, possibilidade de construção de sociedades desenvolvidas economicamente e justas socialmente sem um combate estruturado ao poder econômico”. 19 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. p.238. 20 Vale lembrar algumas palavras de Miguel Reale sobre essa necessária distinção: “Destarte, todo ‘abuso de poder econômico’ redunda, no mais das vezes, em ‘desvio do poder econômico’, pois o poder econômico, em si mesmo, não é ilícito, enquanto instrumento normal ou natural de produção e circulação de riquezas numa sociedade, como a nossa, regida por normas constitucionais que consagram a ‘liberdade de iniciativa’, ‘a função social da propriedade’ (...)”. (REALE, Miguel. Abuso do poder econômico e garantias individuais. Revista Forense. Vol. 248, ano 70, out/nov/dez de 1974, p. 13). Nesse sentido também Fabio Nusdeo: “O controle ou a repressão não do poder econômico, porque este é inerente à prática do sistema de mercado, mas ao seu abuso, manifestado pelas mais diversas formas, constitui o objeto de toda a legislação de tutela da concorrência ou antitruste. Por essa razão, tais leis existem em todos os países cuja economia se baseie no mercado ou a ele atribuam arte significativa das decisões econômicas. O contrário seria revogar o princípio da liberdade econômica, fulcro do mesmo mercado, pois no jogo econômico a liberdade pode ser tolhida com igual eficiência tanto pelo poder político, quanto pelo poder econômico”. (NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 6 ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2010, p. 282) 12 à confusão comum entre os sentidos em que o poder pode ser demonstrado: o de poder sobre os bens materiais e o de poder sobre a conduta de outras pessoas21. Todo o poder, de uma forma ou de outra, tem consequências sobre outros indivíduos. A decisão de disposição de bens com base no direito de propriedade, por exemplo, representa mais do que somente a relação direta de uma pessoa com um bem determinado; é parte de um sistema legal de reconhecimento, que naturalmente obriga terceiros. Entretanto, há incontestável diferença entre o poder que um indivíduo ou corporação detém sobre uma parcela considerável de bens – e a influência que decorre dessa relação – daquela que surge do uso dos recursos voltado a fins ilícitos, como a que ocorre, por exemplo, na compra de votos e na corrupção. A distinção de tais aspectos merece uma breve digressão. A lógica do sistema econômico de mercado e do próprio poder econômico funda-se na ideia de trocas, tendo por base a noção de que se não houvesse a troca de bens, serviços e informações entre os homens, cada pessoa nunca poderia ter mais do que aquilo do que ela sozinha pode produzir22. É essa a razão de haver especialização e divisão de trabalho: junto com possibilidade de livre troca, esses elementos permitem a produção em grande escala e, consequentemente, o barateamento de produtos, em um processo que, tido em um regime de competição, incentiva e estimula os agentes a serem mais produtivos e eficientes. Os méritos do sistema econômico de mercado, baseado em trocas, são inegáveis, mesmo que nem sempre sejam reconhecidos ou sequer mencionados. Há duzentos anos, o status social de um homem permanecia inalterado do princípio ao fim de sua existência – era herdado de seus ancestrais e jamais se alterava; se rico (geralmente nobre) assim permaneceria; se pobre, pobre seria para sempre; esse era o sistema feudal, que imperou no ocidente por muitos séculos23. O século XX no mundo ocidental aparece como notável exceção à linha geral de desenvolvimento histórico, com inédito nível de expansão 21 HAYEK, Friedrich August. Law, Legislation and Liberty – A new statement of the liberal principles of justice and political economy. Routledge & Kegan Paul, 1982, p.80. 22 READ, Leonard E. I Pencil: My Family Tree. Foundation For Economic Education. 2008. O clássico de Read ilustra com perfeição a interação entre agentes de mercado no surpreendentemente complexo processo de elaboração de um simples lápis. A história demonstra que este instrumento de tão fácil acesso em qualquer mercado, por um preço irrisório, depende de uma profunda especialização de mão-de-obra e de agentes com tipos de conhecimentos (know-how) absolutamente distintos. 23 Como bem exemplifica Ludwig Von Mises, na Inglaterra do século XVIII, o território só podia dar sustento a seis milhões de pessoas, em um baixíssimo padrão de vida; hoje, mais de cinqüenta milhões de pessoas desfrutam de um padrão de vida que chega ser superior ao que desfrutavam os ricos no século XVIII. (MISES, Ludwig von. As Seis Lições. 6ª ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1998, p.7). 13 populacional, aumento da expectativa de vida e desenvolvimento tecnológico. A integração econômica em nível mundial aprofundou ainda mais essa estrutura, com a intensificação da produção em massa e da competição empresarial. A coordenação das atividades econômicas dos indivíduos, em regime de mercado, depende da inexistência do uso da força por parte de agentes econômicos, sendo, por definição, um sistema que requer liberdade, voluntariedade. O monopólio da violência – mesmo em um regime de mercado livre – é atributo do Estado24, sendo o seu uso vedado e sancionado penal e civilmente. Ao emaranhado de relações interpessoais que constitui o mercado, bem como aos institutos a ele subjacentes, tais como as regras, costumes, a moeda, os títulos de crédito, entre outros, é aplicável uma ordem jurídica, que tem por finalidade justamente preservar seu funcionamento, consolidando práticas comerciais e coibindo o uso da força e da fraude em suas distintas modalidades25. Se as relações de mercado se dão com base na voluntariedade, em que consistiria então, o poder econômico? Como um agente pode impor sua vontade pelo poder econômico? 24 Conforme a clássica definição de Estado de Max Weber: “Estado é uma comunidade humana que se atribui (com êxito) o monopólio legítimo da violência física, nos limites de um território definido. (...). Considera-se o Estado como fonte única do direito de recorrer à força. Consequentemente, para nós, política constitui o conjunto de esforços tendentes a participar da divisão do poder, influenciando sua divisão, seja entre Estados, seja entre grupos num Estado”. (WEBER, Max. A Política como Vocação. Maurício Tragtenberg (trad.). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003, p. 9.) 25 Vale aqui, no que diz respeito à ordem jurídica aplicável ao mercado, reproduzir a sóbria ressalva feita por Otávio Yazbek à tese de Natalino Irti, em L’Ordine Giuridico del Mercato, que vem sendo reiteradamente celebrada por parte da doutrina jurídica brasileira, de que o mercado consistiria em uma ordem artificial (objeto de criação), caracterizada pela sua politicidade e juridicidade: “(...) a caracterização dos mercados é mais complexa do que assevera Irti (...). (...) fica evidente que Irti procura afrontar um extremismo (o “economicismo”, também um discurso político, dissimulado sob o manto da tecnicidade) com outro (o formalismo jurídico). Os mercados, naturalmente existem dentro da ordem jurídica e são conformados pelo ordenamento em razão de decisões políticas, mas a proposta de Irti vai além, consagrando a confusão entre forma e conteúdo e reputando que este se encontra, necessariamente, dentro dos limites daquela” (YAZBEK, Otávio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais. 2ª Ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.55) Um questionamento simples pode ser feito à tese de Irti: A maioria os institutos do mercado (tais como a moeda, os títulos de crédito, as sociedades comerciais) foi objeto de criação deliberada de alguém, via lei, ou resultado de longa interação comercial ao longo da história? Dificilmente seria possível apontar ao menos um dos “elaboradores” da maioria dos institutos de direito comercial por exemplo. Que autoridade impunha as normas que constituíam a Lex Mercatória (que hoje serve como base a diversos ordenamentos jurídicos)? A função precípua do direito jamais foi a de criar o “comércio”, o “mercado” ou seus institutos; ele na esmagadora maioria das vezes regula, protege e consolida (positivando) institutos que surgem da interação comercial, sendo essa a razão para que se encontrem tantos exemplos de institutos que emergiram de “usos” e “costumes” (tais como os direitos de propriedade ou as regras gerais de contratos). 14 Estudando a natureza da empresa e a organização empresarial, Ronald Coase buscou responder perguntas semelhantes a essas, em lição que muito pode ser útil aos propósitos da compreensão do poder econômico, especialmente o poder econômico que envolve a empresa26. A motivação de Coase foi a constatação de que não havia uma explicação satisfatória para a existência da empresa na economia clássica. Uma organização empresarial que fabrique veículos, por exemplo, tem a faculdade de produzir seus automóveis do início ao fim; pode, no entanto, ser apenas uma montadora, adquirindo as peças por meio de diversos contratos não interligados feitos diretamente no mercado; ou então, apenas produzir o item metálico que acompanha o cinzeiro do automóvel. Mas o que determina que a atividade será feita por uma empresa, por várias, ou por indivíduos isoladamente? Coase nota que há uma vantagem existente na organização empresarial, que consiste exatamente na redução dos custos da informação, ou seja, nos menores custos do uso do mecanismo de preços. Organizar a produção através da aquisição direta dos bens no mercado implica a existência de um custo de se saber os preços, é o custo da informação. Isso porque os preços não são homogêneos no mercado e descobrir os melhores é tarefa que representa, invariavelmente, um custo. O autor destaca que o empresário que opta por adquirir aquilo de que precisa no mercado, ao invés de estruturar uma organização para produzi-la, terá o custo de negociar cada contrato separadamente, de modo que o uso da empresa representa a substituição de contratos de curto-prazo por contratos de longo-prazo27. Outro aspecto destacado é o de que as transações realizadas por meio das organizações empresariais recebem tratamento diferenciado por parte do governo e de entidades regulatórias: os serviços prestados por empregado em uma empresa não estão sujeitos, por exemplo, à tributação incidente sobre serviços obtidos pela empresa via mercado, em trabalhos avulsos. Com seu estudo Coase aperfeiçoou a explicação econômica até então existente que tinha por base a ideia de que movimentos de agentes do mercado são determinados em razão 26 COASE, Ronald H. The Nature of the Firm (1937). Disponível em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1468-0335.1937.tb00002.x/pdf. Acesso em setembro de 2011. 27 Um empregado (contrato de longo prazo) representa, por exemplo, a substituição de vários contratos de curto prazo, de serviços avulsos. 15 dos preços – a ideia de que o preço do produto, por representar a demanda do mercado, movimentaria diretamente a produção28. O trabalho demonstra que dentro da estrutura empresarial essa lógica era diferente; se o trabalhador de uma sociedade desloca-se de uma determinada função para outra, não o faz em função do preço que será pago pelo novo serviço, faz porque alguém lhe ordenou que assim o fizesse. A relação do empregado com o empregador, mais do que qualquer outra relação de mercado, talvez seja o exemplo mais claro do exercício do poder econômico, justamente pela existência de subordinação, isto é, pelo fato de a movimentação do empregado primordialmente em razão de ordens do empregador, e não em função dos preços. Mas como bem nota Coase, certamente não há uma predileção do homem por trabalhar sob as ordens de outros homens. O trabalhador que se submete a ordens de alguém o faz necessariamente em troca de algo; o empregador, por sua vez, deverá pagar, direta ou indiretamente, aos seus empregados mais do que esses conseguiriam agindo diretamente no mercado, atuando, por exemplo, como autônomos ou em outras organizações empresariais. Nesse tipo de relação a subordinação acaba obscurecendo o caráter de voluntariedade, mas esta não deixa de existir. Desta forma, há uma importante observação a ser feita quanto a esse tipo de poder: não é um poder propriamente sobre a conduta de outra pessoa, mas sobre bens materiais – que se reflete em pessoas sob a forma de influência. Ao se submeter a ordens do empregador o empregado o faz voluntariamente, na expectativa de ganhos que justifiquem o recebimento de ordens por outra pessoa. O que confere ao empregador a prerrogativa de submeter o empregado é o poder que detém sobre bens materiais (ou dinheiro), que está disposto a trocar por trabalho e não propriamente o poder de conduta do empregado29. 28 Se o preço de um produto X é maior do que o de Y, a tendência é a de que o produtor de Y, em tese, passe a produzir X. O raciocínio tem por base a ideia de que os movimentos dos agentes do mercado se dão em razão dos preços. 29 O mesmo se dá, de modo ainda mais claro, em outros tipos de relações de mercado em que é evidente o poder econômico, como, por exemplo, na “barganha”. É natural que aquele que possua maior capacidade de compra tenha recursos para obter condições negociais mais benéficas. Aquele que se submete a condições menos vantajosas em relação a alguém que possui poder econômico, o faz em troca de algo; está disposto, por exemplo, a diminuir o preço de produto vendido, em troca da venda de um maior número de unidades, ou então na expectativa de receber algo em troca no futuro. 16 Portanto, alguém que possui o controle sobre muitos bens inegavelmente exerce algum tipo de influência sobre terceiros. Qualquer homem que possua a capacidade de fornecer serviços que tenham algum valor para outras pessoas será um potencial cliente, vendedor ou comprador do trabalho de outros indivíduos30. Esse poder econômico é indispensável para uma economia de mercado e totalmente diferente da prática de atos ilegais, que tenham como instrumentos meios econômicos. Combater o poder econômico para evitar o cometimento de abusos é tão absurdo quanto combater a força física das pessoas para evitar a prática da coação. No estudo da sociedade anônima e da relação de controle, sobre as quais incide a norma objeto de nosso estudo – o art. 254-A da Lei das S.A. – considerações genéricas de que o poder econômico deve ser combatido geralmente levam o interprete a juízos pré-concebidos que acabam por justificar o “controle sobre o poder de controle” simplesmente por sua própria necessidade. A fim de evitar petições de princípio e saltos lógicos consideramos, para fins de nossa análise, o poder de controle como um poder econômico natural de toda estrutura empresarial inserida em um sistema de mercado e desejável na medida em que permita que pessoas obtenham legitimamente bens de que precisem. 2.3. O Poder de Controle como Poder de Fato O controle não é um direito subjetivo do detentor do bloco de controle, tampouco uma faculdade; é um poder. Não é uma mera faculdade porque ultrapassa a esfera do interesse próprio e invade a esfera de interesse de terceiros, se aproximando nesse sentido do direito subjetivo; mas desse se difere na medida em que representa mais do que a prerrogativa de tutelar os próprios interesses, consistindo na prerrogativa e no dever de tutelar também interesses de terceiros31. 30 POIROT, Paul L. Clichés of Socialism nº 53 – We Must Break Up Economic Power”. The Foundation for Economic Education. Disponível em http://fee.org/wp-content/uploads/2009/11/cliches53.pdf. Acesso em setembro de 2011. 31 CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. (Trad. Antônio Carlos Ferreira). São Paulo: LEJUS, 1999. pp.270-281. 17 O dispositivo normativo objeto deste estudo, qual seja, o art. 254-A da Lei das S.A., impõe ao controlador (adquirente) uma obrigação de realizar oferta pública de aquisição de ações aos acionistas minoritários titulares de ações votantes. Não é simples a determinação das hipóteses e condições em que tal obrigação deva ocorrer e tampouco há consenso, sobre grande parte das questões práticas que emergem da aplicação do referido dispositivo legal; mas com relação a uma questão específica parece haver consenso: a da existência de um poder de controle, que confere ao acionista controlador prerrogativas distintas a dos demais acionistas e que, normalmente, influencia positivamente o valor das ações que compõem o bloco de controle – valor este a que muitos se referem como “prêmio de controle”. Esse poder foi visto por Comparato como algo semelhante a um poder político. Haveria, segundo o autor, uma analogia evidente entre o poder de controle e o poder político, a saber, uma incoercível tendência à concentração32. Nesse sentido, haveria inevitável paralelismo entre a realidade societária e política. O próprio Comparato aponta também uma diferença relevante entre tais realidades – alerta o autor que, na macroempresa, o poder de decidir apresenta sempre um caráter impessoal e anônimo. Ao contrário da vida política, em que existe forte caráter personalista sobre a figura do político, na grande empresa o controlador pode estar escondido em uma intrincada rede de sociedades e fundos de investimento, de modo a não se saber as pessoas físicas que detêm a soberania acionária. Outras diferenças podem ser percebidas. Curiosamente, o suposto ponto de contato entre o poder de controle e o poder de político, destacado por Comparato, é uma delas. É verdade que os sistemas capitalistas foram os que mais tenderam à concentração de capital – embora seja também verdade que foram os que mais geraram riquezas –, mas isso não permite reconhecer qualquer paralelismo com a vida societária. Ao contrário, o que se vê hoje com o 32 “Convém lembrar que, no quadro da análise marxista do capitalismo, a concentração de capital é, essencialmente, um aumento de poder sobre os concorrentes e sobre o próprio funcionamento dos órgãos do Estado. É sabido, aliás, que a apropriação do saber tecnológico como instrumento de controle sobre órgãos de poder, econômico ou político, foi o fator decisivo de expansão mundial do sistema capitalista, na Era Moderna. (...). Assim é que a indiferença da maioria dos acionistas em comparecer às reuniões da assembleia geral nas grandes companhias de capital aberto, propiciando o estabelecimento de um controle minoritário, corresponde exatamente ao absenteísmo dos eleitores nos pleitos democráticos em que o voto é facultativo, o que permite, com frequência, a eleição de parlamentos ou de chefes do poder executivo pela minoria do eleitorado”. (COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. Trecho retirado do prefácio). 18 fenômeno da globalização e com a dispersão acionária é justamente a polarização do poder de controle, com maior equilíbrio das relações de poder intra-societárias. Atualmente perde força a figura do controlador identificado como dono da empresa e ganham importância os administradores (inclusive os independentes), acionistas minoritários comuns (que cada vez contam com mais direitos), e acionistas minoritários com alto grau de profissionalização, conhecimento e influência (tais como fundos de investimento e investidores institucionais em geral). Vê-se, igualmente, o aumento da relevância da adoção de práticas de controle, fiscalização e transparência por parte de sociedades anônimas, genericamente chamadas de práticas de governança corporativa33, em um movimento de dispersão e diminuição do poder controle e não de concentração. A globalização, que coloca as empresas nacionais em direta competição com as estrangeiras e vice-versa, impõe a adoção de medidas de governança corporativa como requisito necessário para a conquista do investidor. Sem a adoção de práticas dessa natureza, não se consegue financiar qualquer atividade econômica hoje em dia, tanto no mercado acionário como no financeiro. Como bem ressalta Fábio Ulhoa Coelho: O controlador que não estiver disposto a abrir mão de parcela do poder de controle, não consegue mais dinheiro; rectius, não atrai o interesse de investidores ou acaba fazendo a companhia pagar taxa de risco (spread) mais elevado nos juros do financiamento bancário. Assim, quando o controlador abre mão de parte de seu poder, o faz em razão de uma irrefreável tendência “democratizante”, entendida esta não como o amoldamento da estrutura societária ao padrão da organização política do estado, mas apenas no sentido metafórico de reequilíbrio da equação entre assunção de risco e poder de comando, provocado pela globalização34. O poder de controle, nesse sentido, parece se assemelhar mais a uma situação de fato, decorrente de uma relação econômica ou contratual, do que propriamente a um poder de natureza política. Vale lembrar que as relações societárias em geral estão situadas no âmbito 33 Arnold Wald propõe a expressão “governo das empresas” no lugar de “governança corporativa”. Para o autor a expressão “governança corporativa” é um anglicismo condenável, que pode gerar confusões, tendo em vista que na língua portuguesa corporação tem o sentido de associação profissional, que não guarda qualquer relação com empresa ou sociedade anônima. (WALD, Arnoldo. O governo das empresas. Revista de Direito Bancário e de Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo: RT, nº 15, jan/abr. 2002) 34 COELHO, Fábio Ulhoa. “Democratização” das Relações entre os Acionistas. pp. 46-53. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; MOURA AZEVEDO, Luiz André N. de (Coord.) Poder de Controle e outros temas de direito societário e mercado de capitais. São Paulo: Quartier Latin. 2010. 19 da autonomia da vontade e se fundamentam justamente no poder das partes em regular seus interesses próprios nas relações recíprocas. O grau de voluntariedade, em se tratando de indivíduo que aplica seu capital em uma sociedade anônima, é indiscutivelmente maior do que a de, por exemplo, um contribuinte em relação ao Estado. É fato que o poder de controle compreende um aspecto político, uma vez que, em se tratando de sociedades, o poder se manifesta em Assembleia Geral mediante o exercício do direito de voto, mas isso definitivamente não significa que seja o poder de controle um poder político – e nem que se apliquem a ele os princípios característicos da organização política do Estado. Não é o poder de controle de um poder instituído, formal. Pelo contrário, sua característica preponderante é a variabilidade de manifestações, que pode derivar de relações jurídicas diversas, sendo uma das grandes dificuldades do tema justamente a definição, em tese, das diferentes possibilidades fáticas em que ele pode se apresentar. Essa característica do poder de controle não passou despercebida pela doutrina jurídica, que há muito vem considerando o poder de controle como um poder de fato35 e não como um poder jurídico. Confira-se a clássica justificativa dos autores da lei, Lamy e Bulhões, para o entendimento do poder de controle como tal: O poder de controle da companhia não é poder jurídico contido no complexo de direitos da ação: cada ação confere apenas o direito (ou poder jurídico) de um voto. O poder de controle nasce do fato da reunião na mesma pessoa (ou grupo de pessoas) da quantidade de ações cujos direitos de voto, quando exercidos no mesmo sentido, formam a maioria nas deliberações da Assembleia Geral. A natureza de fato do poder de controle fica evidente quando se considera que: a) não há norma legal que confira ou assegure poder de controle: esse poder nasce do fato da formação do bloco de controle e deixa de existir com o fato da sua dissolução; b) poder de controle não é direito subjetivo: o acionista controlador não pode pedir a tutela do Estado para obter que esse poder seja respeitado, a não ser quando se manifesta 35 Entre os autores brasileiros conferir EIZIRIK, Nelson. Oferta Pública de Aquisição na Alienação de Controle de Companhia Aberta. in SADDI, Jairo (org.). Fusões e aquisições: Aspectos Jurídicos e Econômicos. São Paulo: IOB, 2002, p.237. SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário: Interpretação e Valor. Rio de Janeiro: FMF Editora, 2004. Entre os estrangeiros, e.g. ASCARELLI, Tulio. Riflessioni in Tema di Titoli Azionari e Società tra Società, in Banca, Borsa e Titoli di Crèdito, 1952, I, p.358, nos Studi in onore di Alfredo De Gregorio. CHAMPAUD, Claude. Droit des Groupes de Societés, p.29; e VANHAECKE, M. Les Groupes de Societés. Paris: LGDJ, 1962. Apud COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. p. 47. 20 através do exercício regular do direito (ou poder jurídico) de voto nas deliberações da Assembléia Geral; e c) o poder de controle não é objeto de direito: não pode ser adquirido nem transferido independentemente do bloco de controle, que é sua fonte. O acionista controlador (ou a sociedade controladora) não é, portanto, “sujeito ativo” de poder de controle: tem ou detém esse poder enquanto é titular (ou sujeito ativo) de direitos de voto em número suficiente para lhe assegurar a maioria nas deliberações da Assembléia Geral36. Embora o poder de controle não seja garantido pelo direito é reconhecido por este. O controlador tem status próprio no ordenamento jurídico e a ele são atribuídos deveres e obrigações, como, por exemplo, os descritos nos artigos 116 e 117 da Lei das S.A. A referência da doutrina ao poder de controle como um poder jurídico parece estar ligada ao controle como algo reconhecido e regulado pelo ordenamento jurídico, sendo pertinentes, a esse respeito, as palavras de Tércio Sampaio Ferraz Júnior: A doutrina refere-se ao problema do controle no sentido poder-dominação. Contudo, o poder é aí primordialmente encarado como fenômeno bruto, irracional e, pois, extrajurídico, que aparece, como tal, nos processos de formação do direito, em sua gênese, mas nela esgotando sua função, passando, daí por diante, a contrapor-se ao direito em termos da dicotomia poder-força versus poder-jurídico. Como poder-força, ele aparece assim como algo que pode pôr, permanentemente, em risco o próprio direito. Por isso, nas teorizações sobre poder, a doutrina falará preferivelmente em poder-jurídico como uma espécie de arbítrio castrado e esvaziado da brutalidade da força, um exercício do controle que se deve confundir com a obediência e a conformidade às leis37. O poder de controle é, portanto, um poder extrajurídico, fático38, reconhecido e regulado pelo direito, que se manifesta na sociedade anônima segundo a hierarquização de funções predeterminadas, sendo estritamente nesse sentido um poder jurídico. É um poder que emerge da reunião, em uma mesma pessoa ou grupo de pessoas, de quantidade de ações cujos direitos de voto são capazes de formar a maioria, determinando a vontade da sociedade. Sua fonte é o bloco de controle. 36 LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A.: pressupostos, elaboração, aplicação. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p.620. 37 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6ª Ed. São Paulo: Atlas. 2008, p.289. 38 Em sentido contrário conferir Modesto Carvalhosa, para quem “o poder de controle pode ser entendido como o poder de dirigir as atividades sociais. Trata-se de poder no seu sentido jurídico estrito, ou seja, o de poder dispor dos bens alheios como prerrogativa própria e não delegada. (...). Não se trata, pois, de um poder de fato, eventual ou ocasional, mas de um poder de direito permanente, real, atual e autárquico, ao qual corresponde uma ingerência efetiva nos negócios sociais, conforme preceito legal”. (Acordo de Acionistas: Homenagem a Celso Barbi Filho. São Paulo: Saraiva. 2001. p. 191. Grifos não constantes do original). 21 O processo por meio do qual os indivíduos interagem, estruturando-se em relações societárias que dão azo ao surgimento de relações de poder, é um fenômeno eminentemente econômico, praxeológico. Aquele que se propõe a controlar a atividade empresarial – da mesma forma que, por exemplo, aquele que deseja ter preferências ou vantagens em suas ações – tem que dar algo em troca e, como regra geral, deve pagar um preço pelo bloco de ações que lhe proporciona essa condição. O poder de controle é, assim, antes um poder econômico e factual do que um poder político ou jurídico. 2.4. A Justificação do Poder de Controle O sucesso da empresa depende, entre outros fatores, da criatividade do empreendedor e, em especial, de investimento. Dificilmente se poderia imaginar a maior parte das grandes invenções que revolucionaram o modo de vida do homem ao longo dos últimos cem anos, sem essa combinação. O investimento é necessário tanto para a descoberta de novas tecnologias, quanto para a expansão da capacidade produtiva. E, em regra, quanto maiores forem os empreendimentos, maiores serão o risco e a necessidade de capital. Figura central nesse contexto é a sociedade anônima, veículo da grande empresa, voltada para a canalização de recursos de grande número de investidores para um objeto comum. A “associação” entre pessoas para a exploração de atividade empresarial, que se dá sob a forma jurídica da sociedade anônima, é resultado de longo processo de interação, que remonta ao século XVII39. As normas que hoje regulam a sociedade anônima no Brasil e no exterior emergiram em grande parte de sua larga utilização ao longo dos últimos anos, como resultado de tal interação. Esse poderoso mecanismo de associação e canalização de capital para a produção é comumente visto sob seu aspecto patrimonial, interessando à doutrina, particularmente, 39 A primeira das companhias colonizadoras a ser fundada foi a Companhia das Índias Orientais, em 20 de março de 1602. O modelo de sociedades por ações, surgido com as companhias colonizadoras, não tardaria a ser utilizado em outros tipos de empreendimentos, tais como seguradoras, mineradoras e bancos. Mas suas características podiam ser observadas desde o final da idade média, em formas geminais da sociedade anônima, tais como as Maone (associações de credores para a administração de créditos), as Rheederein (associações constituídas para a armação de navios) e as corporações medievais (LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A.: pressupostos, elaboração, aplicação. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, pp.29 – 38). 22 compreender a relação entre o capital investido e o exercício do controle dos bens que compõem o patrimônio da sociedade. Esse tipo de abordagem foi visto, de forma pioneira, nos estudos de Adolf Berle Jr. e Gardiner Means, desenvolvidos nos fins dos anos 20, com o fim de compreender a dissociação entre a propriedade e o seu controle, que vinha ocorrendo nas grandes indústrias americanas. Os autores observaram exemplos extraordinários de dispersão acionária, que permitiam o controle de grandes companhias com pequeno percentual de capital, tais como o da Pennsylvania Railroad, Amer. Tel. & Tel. e United Steel Corp., cujos maiores acionistas em 1929, detinham, respectivamente, 0,34%, 0,60% e 0,74%40. A partir da análise do contexto americano, concluíram que a dissociação de interesses entre administradores e acionistas, ou entre esses e controladores, representaria um problema, pois seria a própria subversão do sistema de propriedade. Nas palavras dos autores: A separação entre propriedade e controle produz condição na qual os interesses do proprietário e dos administradores podem e usualmente são divergentes, e onde muitas das restrições que anteriormente serviam para limitar o uso do poder desaparecem. (...) Ao criar essas novas relações, as companhias quase-públicas podem ser tidas como operando uma revolução. Elas destruíram a unidade que comumente denominamos propriedade – dividindo a propriedade em propriedade formal e poder (que anteriormente era a ela relacionado). Dessa forma a companhia alterou a natureza dos negócios que visam o lucro. Essa revolução é o objeto do presente estudo41. Segundo os autores, a separação entre propriedade e controle acabaria com o sistema de pesos e contrapesos que os acionistas (proprietários) têm sobre os administradores, de modo que estes poderiam controlar os bens da sociedade no seu próprio interesse. Tal presunção veio a sofrer uma crítica inevitável por parte dos estudiosos da matéria, que logo notara, a inviabilidade de um sistema que pudesse levar os acionistas a perder totalmente o poder sobre sua propriedade. Veja-se a advertência de Harold Demsetz: 40 BERLE, Adolph A.; MEANS, Gardiner C. The Modern Corporation and Private Property. 10 ed. 2009, pp.98-100. 41 No original “The separation of ownership from control produces a condition where the interest of owner and of the ultimate manager may, and often do, diverge, and where many of the cheeks which formerly operated to limit the use of power disappear. (...). In creating these new relationships, the quase-public corporations may fairly be said to work a revolution. It has destroyed the unity that we commonly call property – has divided ownership into nominal ownership and the power formerly joined to it. Thereby the Corporation has changed the nature of profit-seeking enterprise. This revolution forms the subject of the presente study”. (BERLE, Adolph A.; MEANS, Gardiner C. The Modern Corporation and Private Property. 10 ed. 2009. p.7.) 23 Em um mundo no qual o interesse individual possui importante papel no comportamento econômico, é insensato acreditar que proprietários de recursos valiosos sistematicamente abram mão de seu controle desses bens para administradores que não tendam a servir seus interesses42. Diferentes expedientes puderam ser vistos em reação ao que seria a dissociação “maléfica” entre propriedade e controle a que se referiam Berle e Means, tais como a utilização pedidos públicos de procuração (proxy fights) e as brigas pela tomada de controle (takeover battles). O poder absoluto dos administradores, vislumbrado pelos autores, não se verifica na prática, uma vez que pressões econômicas diversas fazem com que a administração, assim como acionistas controladores minoritários, permaneçam vinculados de alguma forma à produção de resultados, com a distribuição de dividendos satisfatória. O mérito do estudo de Berle e Means, segundo entendemos, foi apontar a possibilidade de dissociação de interesses de proprietários e detentores do controle, enfoque que permitiu o desenvolvimento de importantes mecanismos de alinhamento de interesses e fiscalização por parte de acionistas, hoje amplamente estudados no campo da governança corporativa. Esse modo de abordagem da questão do controle acionário levou muitos estudiosos a voltar sua atenção para o problema da justificação do poder de controle, ou seja, de se saber a razão pela qual alguém poderia controlar bens de outros indivíduos. A aparente iniquidade existente no fato de pessoas com pequena ou nenhuma parcela de capital poderem controlar parcela relevante de capital gerou grande interesse, especialmente entre estudiosos da governança corporativa. O fundamento da necessidade de alinhamento de interesses, que serve de mola propulsora para estudos de governança corporativa, notadamente dos agency problems43, é 42 No original: “In a word in which self-interest plays a significant role in economic behavior, it is foolish to believe that owners of valuable resources systematically relinquish control to managers who are not guided to serve their interest”. (DEMSETZ, Harold. The Structure of Ownership and the Theory of the Firm. Journal of Law and Economics, 1983, pp.375-390). 43 O Problema de Agência refere-se ao potencial desalinhamento de interesses entre um agent (pessoa que possui o controle sobre recursos de terceiros em uma relação fiduciária) e seus principais (terceiros a quem deve o agent servir). O problema de agência passa a existir no momento em que o agente, que deve sempre atuar no melhor interesse do principal, passa a atuar, ao contrário, em seu próprio interesse pessoal. Sobre o tema, conferir o clássico trabalho de JENSEN, Michael, MECKLING, William. Theory of the firm: managerial 24 simples. O acionista que investe maior parte do capital é quem se submete ao maior risco e quem, naturalmente, tem maior interesse sobre o sucesso do negócio, sendo que as condições da sociedade lhe afetam de maneira peculiar, razão pela qual tal acionista tende a querer influenciar e participar mais ativamente das decisões sociais. Em consequência, o poder de controle que decorre de número de votos suficientes para fazer a vontade da sociedade resulta, primordialmente, da relação de risco assumida, tendo em vista que, em regra, quem se submete ao maior risco o faz na espera de maiores retornos44. Tal fundamento justificaria, por exemplo, o combate à supressão ao direito de voto nas ações preferências, medida hoje já vigora para companhias abertas brasileiras que seguem padrões diferenciados de governança corporativa45. Contudo, é importante notar que essa não é uma relação de causa e efeito, isto é, não necessariamente o alinhamento de interesses se dá pelo exercício do direito de voto. Nem sempre o acionista majoritário detém a maior parcela do capital social; é comum que em razão dos mecanismos de organização de poder utilizados o controle da sociedade anônima esteja nas mãos de quem contribuiu com parcela reduzida para a constituição do capital social46, sem que tal realidade represente propriamente uma distorção ou anomalia do sistema, tampouco o desalinhamento de interesses. Como se sabe o direito de voto tem natureza contratual, razão pela qual pode o titular das ações dele dispor47. A própria Lei das S.A., nesse sentido, permite a supressão ou a restrição do direito de voto das ações preferenciais (art. 15, §2 da Lei das S.A.). É de se supor que o indivíduo que venha adquirir uma ação preferencial sem direito de voto não esteja behavior, agency costs and ownership structure. Journal of Financial Economics, v.3, p. 305-360, October, 1976. 44 Interessante notar que a dispersão acionária influencia diretamente essa relação. Em companhias com capital disperso, um acionista pode vir a conseguir determinar a vida da sociedade com parcela de capital relativamente pequena; por outro lado, quanto menor for a parcela de capital detido, maiores serão as chances de que o este acionista não consiga fazer valer sua vontade ou esteja sujeito a perder o controle. 45 Como se tem, por exemplo, com as companhias listadas no segmento do Novo Mercado que permite somente a existência de ações ordinárias. 46 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 10ª ed. São Paulo, Saraiva, 2007, v. 2. p. 281 47 O direito de disposição não compreende a faculdade de alienar o voto, nem de cedê-lo definitivamente a terceiros. Refere-se à existência de espécie de ações sem essa prerrogativa, as ações preferenciais sem direito de voto, e ao fato de a Lei das S.A. admitir o exercício de direito de voto desacompanhado da titularidade da ação, como ocorre no voto por procurador. Vale lembrar, nesse sentido, que essa é uma evolução em relação ao Decreto 2.627/40, que em seu artigo 90, §1, dispunha que os acionistas poderiam ser representados por procurador em assembleia geral, desde que este fosse acionista. (CARVALHOSA, Modesto. Acordo de Acionistas: homenagem a Celso Barbi Filho. São Paulo, Saraiva, 2011. pp.93-94) 25 interessado em fazer valer sua vontade na companhia; seu interesse pode estar nos dividendos ou, eventualmente, na liquidez dessas ações – ou ainda em outras preferências, vantagens e características das ações preferenciais. Supor que o proprietário tenha necessariamente vontade participar da vida social da Companhia através do exercício do direito de voto é negar toda a lógica que justifica a existência, atratividade e o próprio sucesso das ações preferenciais. Talvez, melhor do que a tentativa de justificar a relação entre propriedade e controle no necessário alinhamento de interesses via exercício do direito de voto, seja considerar tal relação sob o aspecto da motivação, reconhecendo nos acionistas das sociedades anônimas diferentes tipos interesses. Há perfis diversos de acionistas em uma sociedade anônima de capital aberto, assim como há diferentes situações que justificam o interesse ou não de acionistas pelo exercício do direito de voto. O acionista com perfil empreendedor, por exemplo, é pessoa interessada na exploração da atividade e geralmente detém conhecimento do negócio, pelo que busca dirigir a vida social, exercendo o direito de voto e elegendo membros da administração. Há investidores que buscam maximizar o potencial da companhia investida, através da imposição de melhores práticas de gestão e governança corporativa, como ocorre, por exemplo, com os fundos de investimento em participações. Existem, ainda, inúmeros outros tipos de investidores que tem interesse no exercício do direito de voto. Mas há também investidores para quem o exercício do direito de voto não representa interesse primordial. Investidores com perfil especulador, por exemplo, podem estar interessados em ganhos imediatos, o que pode os levar a privilegiar ações com maior liquidez e maior distribuição de dividendos. Pode não lhes interessar se os fundamentos da Companhia, no longo prazo, são bons, ou se a realização de determinado investimento pela sociedade é ou não conveniente. Da mesma forma, há acionistas que desejam somente formar uma carteira de investimentos para diversificar riscos e que não tem interesse nas decisões tomadas no âmbito da companhia, inexistindo interesse no exercício do voto, até mesmo pelo baixo percentual de participação no capital social, incapaz de modificar ou influenciar as decisões. 26 A Lei das S.A. é um aparato legal que visa a canalizar o capital desses diferentes tipos de investidores para a exploração e desenvolvimento da atividade empresarial. Esse objetivo fica ainda mais claro em se tratando de sociedades anônimas com registro de companhia aberta. A fim de conferir estabilidade a essa relação entre acionistas a Lei das S.A. prevê uma série de mecanismos, tais como, direitos essenciais dos acionistas (art. 109 da Lei das S.A.), exigência de distribuição de dividendos obrigatórios (art. 202), direito de recesso (art. 137), direito de indicar em separado membros do Conselho de Administração (art. 161, §4), possibilidade de adoção de voto múltiplo (art. 141), mecanismo de convocação de assembleia (art. 123, § único, alínea “c”), entre outros. O poder de controle não confere ao controlador a possibilidade se utilizar da empresa em benefício próprio ou de modo prejudicial aos acionistas minoritários. A Lei das S.A., seguindo a lógica aqui descrita, proíbe e combate o abuso do poder de controle, inclusive citando expressamente exemplos de atos considerados abusivos. Por outro lado – e é esse o ponto principal a que se quer chegar – reconhece o legítimo exercício do controle ao garantir o sistema majoritário nas deliberações assembleares. É impossível imaginar-se que a disciplina legal ou estatutária seria capaz de prever todos os potenciais conflitos entre acionistas ao longo da existência de uma companhia. Há uma inegável incompletude na disciplina das sociedades anônimas, natural a qualquer relação contratual48 - e o modo de solução de conflitos entre acionistas é o de prevalência dos votos em assembleia, seja por maioria formada ocasionalmente, seja em companhias com controlador pré-definido. O exercício do poder de controle é um dado natural e necessário, decorrente de uma conformação prática que consiste na união de diferentes “interesses” em prol de um objeto em comum, mas que naturalmente possui lacunas, a serem preenchidas, ao longo do tempo, de acordo com a vontade da maioria. 48 BAKER, Scott; KRAWIEC, Kimberly D. Incomplete Contracts in a Complete Contract World. Disponível em www.ssrn.com. Acesso em setembro de 2011. 27 Seria ótimo – como já se pensou em outros tempos – que as decisões fossem tomadas todas por unanimidade49 e que não houvesse conflitos nas sociedades anônimas entre controladores e minoritários, mas, para o desgosto daqueles cujo objetivo final está sempre na “defesa dos minoritários”, infelizmente isso é impossível. 49 Nos primórdios das sociedades comerciais, o critério adotado para a tomada de decisões em sede de deliberações sociais era o da unanimidade. Todavia, observou-se que este critério ensejava entraves a adequada eficiência do órgão deliberativo, pois a tomada das decisões era excessivamente procrastinada em virtude da dificuldade de reunião de consensos. (TRIUNFANTE, Armando Manuel. A Tutela das Minorias nas sociedades anônimas – Direitos Individuais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, pp. 19 ss. apud MACHADO, Flávia Costa. O abuso de minoria: Aspectos doutrinais à luz da doutrina lusitana. Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7767. Acesso em setembro de 2011). 28 3 - A DEFINIÇÃO LEGAL DE CONTROLE ACIONÁRIO 3.1. O Acionista Controlador segundo a Lei das S.A. O Decreto-lei 2.627/40 que regulava as sociedades anônimas nada dispunha sobre o acionista controlador. O critério adotado para a determinação da vontade social era quantitativo, majoritário, fazendo prevalecer a ficção democrática segundo a qual o poder de comando da companhia era exercido pela assembleia geral dos acionistas, sem que se indagasse quem detinha, de fato, o controle dos negócios sociais, o que, na prática, acarretava a diluição das responsabilidades pelas decisões tomadas em assembleias gerais ou pelos órgãos de administração das companhias50. A Lei das S.A., de 1976, não adotou um conceito de controle, mas criou, em seu art. 116, a figura do acionista controlador, a quem impôs uma série de deveres e responsabilidades51. Confira-se a redação do art. 116: Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. 50 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2003. p.164. 51 Como informa Nelson Eizirik, “ao definir a figura do acionista controlador, permitindo a identificação do poder de controle acionário, a Lei das S/A superou a ‘ficção democrática’ da sociedade anônima, que acarretava a diluição das responsabilidades pelas deliberações sociais entre os administradores, uma vez que prevalecia até então a ideia de que as decisões eram tomadas pela comunhão dos acionistas, como se não existissem acionistas controladores e minoritários”. (EIZIRIK, Nelson. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 323). 29 A Lei adotou o critério de identificar o controlador como aquele que comanda de fato os negócios sociais, fazendo prevalecer de modo permanente a sua vontade, tratando-o, portanto, como um poder de fato, a ser identificado caso a caso. Optou o legislador por não exigir um percentual mínimo de ações votantes para a caracterização da figura do acionista controlador. O mesmo critério foi utilizado no §2º do art. 243, que estabelece ser controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou por meio de outras controladas, “é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores”. Uma semana após a promulgação da Lei das S.A., o Conselho Monetário Nacional editou a Resolução CMN nº 401, na qual divulgou o entendimento de que, para os fins da Lei, considerava-se como permanente a manifestação do poder de controle se o acionista possuísse ações que lhe assegurassem a maioria absoluta de votos nas três últimas assembleias gerais 52. Embora a Resolução CMN nº 401 regulasse o revogado art. 254, que antecedeu o artigo 254A, entende parte da doutrina que o critério para a determinação do acionista controlador continua pertinente53. Em sentido contrário, havia quem sustentasse que quando da vigência do art. 254 a disposição da Resolução era ilegal, pois fora dos limites regulamentares do Conselho Monetário Nacional. A Superintendência Jurídica da CVM, por exemplo, questionou em seu Parecer/CVM/SJU/Nº29/85 a competência do CMN para ampliar o conceito legal do então vigente art. 254, entendendo que: 52 Note-se, desde já, que o critério temporal para a definição do controle é de suma importância na determinação da exigibilidade da OPA por alienação de controle e representa um de seus grandes problemas de aplicação prática. A questão pode ser formulada da seguinte maneira: se a alienação de controle prevista no art. 254-A depende da transferência de controle que resulte na presença de um novo controlador, deve-se esperar para saber se esse novo acionista exercerá, de fato, o seu controle ou a OPA é exigível já quando da transferência das aões que compõem o bloco de controle? 53 Nesse sentido, vide COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 2., 2007, p. 281 e EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Vol. I. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p.669. Observe-se que influências da definição contida no item II da Resolução CMN podem ser sentidas até hoje. O Regulamento do Novo Mercado assim define controlador: “significa o poder efetivamente utilizado de dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da Companhia, de forma direta ou indireta, de fato ou de direito, independentemente da participação acionária detida. Há presunção relativa de titularidade do controle em relação à pessoa ou ao Grupo de Acionistas que seja titular de ações que lhe tenham assegurado a maioria absoluta dos votos de acionistas presentes nas 3 (três) últimas assembleias gerais da Companhia, ainda que não seja titular das ações que lhe assegurem a maioria absoluta do capital votante”. 30 Não se pode, em vista do texto legal, pensar em uma norma cuja exiquibilidade dependesse da futura regulamentação pela entidade ali mencionada. A Competência do CMN é claramente delimitada: estabelecimento de normas que disciplinem a oferta pública. A regra substantiva, o teor da norma impositiva, encontrasse na lei. Ao órgão regulador cabe um papel de mera definição das regras processuais que conduzem a oferta pública. Nos momentos em que interpreta a lei, o regulamento perde legitimidade naquilo que exceda ou restrinja. Independentemente da aplicabilidade ou não do critério previsto na Resolução CMN nº 401, a Lei das S.A. considera como acionista controlador aquele que, de fato, comanda os negócios sociais, sendo essa inclusive a orientação constante da Exposição de Motivos da Lei (Mensagem 204), que dispôs expressamente que “a caracterização do ‘acionista controlador’ é definida no artigo 116 e pressupõe, além da maioria dos votos, o efetivo exercício do poder de controle”54. Tem-se, a partir disso, que não será considerado controlador, para os fins do art. 116 da Lei das S.A., o acionista que, embora detendo bloco de ações que lhe poderia assegurar o controle da sociedade, não o exerça na prática55. Mesmo não sendo comum encontrar alguém que, podendo, não exerça o controle de uma companhia, o requisito do exercício de fato para a caracterização do controle foi objeto de polêmicas na doutrina. A divergência teve por fundamento em especial o fato de o art. 243 não mencionar, assim como o art. 116 da Lei das S.A., o “uso efetivo” do poder. Ante a diferença nas redações dos artigos exsurgiu a dúvida de se o exercício efetivo do poder de controle seria parte integrante da definição de controlador e de sociedade controladora, ou se esse atributo seria inerente a quem simplesmente detivesse a maioria das ações votantes56. Da divergência podem ser apontadas três correntes. Uma entende que o uso efetivo do poder de controle seria necessário para a caracterização tanto do acionista controlador quanto da sociedade controladora. Uma segunda corrente sustenta que a prova do uso efetivo só seria 54 Seguindo o conceito de controlador previsto no art. 116 da Lei das S.A., a Instrução CVM nº 361 reproduziu a disposição de que só é exigível a oferta pública a posteriori por alienação de controle quando se tratar de alienação de ações de propriedade de acionistas que estejam no “efetivo” exercício do controle. 55 Vide o Processo CVM RJ/2005/4069, em que o diretor relator Pedro Marcílio trata da hipótese. Esse precedente (Caso CBD) é comentado adiante no Capítulo 6. 56 BULGARELLI, Waldirio (coord.). Reforma da lei das sociedades por ações: Lei nº 6.404/76 e Lei nº 6.385/76, ambas alteradas pela Lei nº 9.457 de 05/05/97, coord. Waldírio Bulgarelli. São Paulo: Pioneira, 1998.p.71. 31 necessária para a caracterização do controlador pessoa física, sendo dispensável para as jurídicas, para as quais haveria uma presunção ou suposição de controle. A terceira, por sua vez, entende que somente seria necessária a verificação do uso efetivo em casos de controle minoritário, tendo em vista que a detenção da maioria das ações do capital votante pressupõe a condição de controlador, seja ele pessoa física ou jurídica57. Alfredo Lamy Filho, co-autor da Lei das S.A., posicionou-se a respeito da matéria, em livro publicado em 2007, da seguinte maneira: A razão do art. 116 é que ele se reporta a pessoas físicas, que, muita vez, por ausência, ignorância, omissão ou herança, não sabem ou não podem exercer o controle. Para essas pessoas, seria injurídico atribuir-lhes responsabilidades de controlador que de fato não eram. Já as pessoas jurídicas controladoras – como sociedades comerciais que são – têm o poder e o dever estatutário de exercer o seu objeto, são, pois, necessariamente controladoras, e, coo tal, respondem se detêm a maioria. Não precisava e não devia a lei, incluí-las na definição para as pessoas físicas (art. 116, b) – ‘usa efetivamente o poder para dirigir as atividades sociais e orientar os órgãos da companhia’ porque têm o dever, como sociedade mercantil, de realizar seu objeto estatutário e administrar seu patrimônio58. Parece-nos que a resposta da questão deve ser a de que há uma presunção relativa de que aquele que detém ações que lhe conferem o controle o exerce. Mas essa é presunção que poderá ser oposta, pela demonstração in casu de que, por alguma razão específica, o controle não é exercido de fato. 3.2. Controle Interno e Controle Externo É comum que se distinga, do ponto de vista doutrinário, o controle interno do controle externo59. A distinção se funda no fato de ser possível a existência de controle exercido mediante influência dominante, que não necessariamente se relaciona com a titularidade de ações que compõem o bloco de controle. 57 Apud BULGARELLI, Waldirio (coord.). Reforma da lei das sociedades por ações: Lei nº 6.404/76 e Lei nº 6.385/76, ambas alteradas pela Lei nº 9.457 de 05/05/97, coord. Waldírio Bulgarelli. São Paulo: Pioneira, 1998.p.71. 58 LAMY FILHO, Alfredo. Temas de S/A. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 332. 59 COMPARATO, Fábio Konder, Aspectos Jurídicos da Macroempresa, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1970. p. 51. 32 Assim, pode-se definir como controle interno aquele exercido quando o titular do controle atua no interior da sociedade, sendo titular do bloco de ações, cujo direito de voto que lhe confira tal prerrogativa. Já o controle externo não decorre do direito de voto, mas de fatores tais como relações contratuais e de endividamento60. Trata-se de controle de fato exercido mediante transferência de direitos ou decorrente de dependência econômica, por meio do qual se dita o futuro da companhia, muito embora a formalização das decisões seja feita por quem de direito pode exercer o voto, ou seja, os acionistas. Nesse caso o controle que pertence a um ou mais agentes que atuam de fora da sociedade, isto é, exercendo uma influência dominante 61 nos assuntos sociais. É possível encontrar, na própria Lei das S.A., exemplos de exercício de influência características do controle externo. Ao regular o voto de ações empenhadas e de ações alienadas fiduciariamente, por exemplo, a Lei previu expressamente que o acionista não poderá, sem o consentimento do credor, votar em certas deliberações ou que somente poderá o fazer nos termos do contrato (vide art. 113 caput e parágrafo único). Sob tal perspectiva de classificação a lei brasileira compreendeu, em seu conceito de controle, somente o controle interno62, de maneira que a configuração do controle externo não implica qualquer consequência na esfera do direito societário, seja do ponto de vista da responsabilização por abuso de controle, prevista no art. 117, seja para a determinação de alienação de controle, para os fins do art. 254-A da Lei das S.A. 60 Sobre a transferência da direção dos negócios jurídicos através do endividamento, vide COELHO, Fábio Ulhoa. O Conceito de Poder de Controle na Disciplina Jurídica da Concorrência. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 3, jan/jun, 1999, p.23 e 24. 61 A influência dominante foi introduzida recentemente em nosso ordenamento jurídico pela Lei 11.941/09 que, alterou a redação do §1º do art. 243 da Lei das S.A., ao definir que “são coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa”. A redação do §4 do mesmo artigo também foi alterada, passando a prever que “há influência significativa quando a investidora detém ou exerce o poder de participar nas decisões política financeira ou operacional da investida, sem controla-la”. 62 Nelson Eizirik exemplifica a questão: “Assim, por exemplo, se determinado banco, que detém créditos de montante elevado frente a uma companhia aberta e sobre ela exerce uma influência dominante, um verdadeiro ‘controle’ de suas atividades (‘controle externo’), cede seu crédito para outra instituição, não se caracteriza a alienação de controle, para os efeitos do art. 254-A, pois inexistente a transferência de controle acionário”. (EIZIRIK, Nelson. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 235) 33 3.3. Tipologia do Controle Consideradas hipóteses de controle interno existentes, a doutrina classifica as modalidades de controle nas sociedades anônimas em: (i) totalitário, (ii) majoritário, (iii) minoritário, e (iv) gerencial. O controle totalitário caracteriza-se pela concentração da totalidade ou quasetotalidade das ações com direito a voto em um só acionista, existindo, por exemplo, nas companhias subsidiárias integrais, previstas no art. 251 da Lei das S.A., que têm como único acionista sociedade brasileira. Em determinadas hipóteses a unanimidade de votos de acionistas é imprescindível, caracterizando também o controle totalitário. Esse seria o caso, por exemplo, de sociedade em que nenhum acionista pode exercer, isoladamente, o controle, conforme explica Comparato: Preferimos falar em controle totalitário, quando nenhum acionista é excluído do poder de dominação na sociedade, quer se trate de sociedade unipessoal, quer se esteja diante de uma companhia tipo familiar (controle totalitário conjunto). Em tais hipóteses, a unanimidade é de rigor63. O controle majoritário é aquele exercido por acionista ou grupo de acionistas titular de mais da metade das ações com direito a voto, ou seja, 50% mais uma ação votante. A formação de vontade dá-se, nesse caso, independentemente da vontade da minoria – embora esta conte com uma série de prerrogativas deliberativas conferidas pela Lei das S.A., que independem do voto do controlador, tais como a adoção do processo de voto múltiplo para a escolha de administradores (art. 141), direito de recesso (art. 137), e o direito de indicar em separado membros do Conselho de Administração (art. 161, §4). O controle minoritário ou “controle diluído”64, por sua vez, é o controle exercido por acionista que, embora tendo menos da metade das ações com direito de voto, consegue fazer prevalecer, de modo permanente, a sua vontade. Essa modalidade de controle pode ocorrer quando não há um controlador majoritário ou, havendo, este não exerça efetivamente o 63 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. p.59 e 60. 64 A denominação “controle diluído” é proposta em OIOLI, Erik Frederico. Obrigatoriedade do Tag Along na Aquisição de Controle Diluído. In: ADAMEK, Marcelo Vieira von (coord.). Temas de Direito Societário e Empresarial Contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 319. 34 controle. Sua caracterização depende da existência de um acionista minoritário que consiga exercer o controle de fato nas assembleias gerais, notadamente mediante a eleição dos administradores, não podendo sua vontade prevalecer de modo esporádico. Aplica-se a esse caso, segundo entendemos, como padrão de referência o disposto na Resolução CMN nº 401, segundo o qual se deve considerar como controlador aquele que o tiver exercido nas últimas três assembleias. É claro que a regra da Resolução não deve ser aplicada de modo estrito. Roberta Nioac Prado65 apresenta exemplo que demonstra a limitação da Resolução CMN nº 401: é o caso de um acionista que, tendo exercido o controle em dez assembleias gerais da companhia, deixa de exercer na penúltima e alega que esse não exercício descaracteriza o controle. Por óbvio, o fato descrito no exemplo seria irrelevante para a descaracterização do controle, uma vez que é visível a forte intenção de fraude no caso. Entendemos que o principal ponto para a determinação do controle, mais do que propriamente as três últimas assembleias, está na verificação do exercício do controle nas últimas assembleias (de modo geral) e, especialmente, na eleição da maioria dos membros da administração, pois é através de tal recurso que o acionista consegue, na prática, exercer controle sobre o dia-a-dia da companhia. O art. 116 admitiu implicitamente o controle minoritário, uma vez que não exige percentual mínimo de ações para definir o controle acionário. Embora a existência de controle minoritário no mercado brasileiro seja algo relativamente recente, essa posição parece já estar sedimentada na doutrina. Não obstante, não se pode deixar de mencionar a opinião de Modesto Carvalhosa sobre o assunto, que em recente artigo66 defendeu a inexistência do controle minoritário para os efeitos do art. 116. Segundo o autor, a expressão “de modo permanente” contida no dispositivo quer significar que existe um acionista ou grupo deles possuindo 50% mais uma 65 PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.138. 66 CARVALHOSA, Modesto. O desaparecimento do controlador nas companhias com ações dispersas. In: ADAMEK, Marcelo Vieira von (coord.). Temas de Direito Societário e Empresarial Contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2011. pp.516-521. 35 das ações votantes, não podem ser destituídos do seu direito de eleger a maioria dos administradores por parte de qualquer outro grupo de acionistas, o que reveste a administração do atributo da estabilidade. O suposto controle minoritário, na visão de Carvalhosa, carece de permanência e estabilidade, razão pela qual não haveria em nosso regime legal a figura do controle minoritário, “que vez por outra é referido nos ambientes leigos do mercado de capitais”. O autor cita, ainda, algumas decisões da CVM que, segundo ele, corroborariam tal entendimento67. A menção à figura do controle minoritário não se faz, como dito pelo autor, nos “ambientes leigos do mercado de capitais”; pelo contrário, é feita por diversos doutrinadores especializados na matéria, entre os quais destacamos Nelson Eizirik, que dispõe o seguinte sobre o controle minoritário: Já o controle minoritário caracteriza-se quando, dada a dispersão das ações da companhia no mercado, um acionista ou grupo de acionistas exerce o poder de controle com menos da metade do capital votante, uma vez que nenhum outro acionista ou grupo está organizado ou detém maior volume de ações com direito de voto. A Lei das S.A., ao não exigir, neste artigo [116], um percentual mínimo de ações para definir o controle acionário, admitiu implicitamente o controle minoritário (grifamos)68. Além disso, nenhuma das decisões citadas por Carvalhosa tratam especificamente da questão do controle minoritário. Somente reproduzem a ideia de que deve haver permanência, mas em momento algum dizem, assim como Carvalhosa, que tal permanência só pode ser alcançada com a titularidade de bloco majoritário de ações. O grau de estabilidade e permanência do poder de controle no caso do controle minoritário pode variar de companhia para companhia, a depender do número de assembleias 67 Processo Administrativo Sancionador CVM RJ/2001/9686 e Processos CVM RJ/2005/4069 e RJ/2009/0471. EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Vol. III. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 671. Para outros autores que consideram o controle minoritário vide, por exemplo, BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 12ª edição, revista e atualizada pela Lei nº 11.941 de 27 de maio de 2009, 2010. p. 348; e MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Vol. 2, tomo I. Rio de Janeiro: Forense, 1ª edição, 1978. p. 89. 68 36 nas quais prevalece a vontade dos acionistas integrantes do bloco controlador69, mas isso não significa que seja impossível o exercício de controle de forma com percentual inferior à metade do capital votante. Embora discordemos da interpretação de Carvalhosa, entendemos que a verificação de controle minoritário, na prática, segundo os critérios hoje presentes na lei, pode sim ensejar grandes dificuldades, pois em companhia com capital com grande dispersão pode ocorrer, com maior frequência, a “transferência” de controle entre acionistas diferentes. A última das modalidades de controle é o controle gerencial: aquele em que a dispersão acionária é tão grande que os próprios administradores devem ser considerados controladores, pois que acabam por se perpetuar na direção da companhia70. A existência de companhias sem controlador definido é uma realidade recente no mercado de valores mobiliários brasileiro. A verificação de companhias com tal tipo de distribuição acionária não decorre, no Brasil, de mero desenvolvimento e expansão do mercado71, mas antes pela adoção de regras de dispersão acionária (também denominadas poison pills72), especialmente em decorrência da listagem em segmentos diferenciados de governança corporativa da BM&FBovespa. Começando pelas Lojas Renner, em 2005, diversas outras companhias passaram a adotar normas desse tipo, tais como Eternit, Brasilagro, Perdigão, Gafisa etc. Exemplos de cláusulas dessa natureza são aquelas por meio das quais se restringe, estatutariamente, o número máximo de votos de cada acionista nas deliberações em assembleia geral, independentemente da participação acionária por ele detida; ou aquelas que 69 AZEVEDO, Luis André N. de Moura. Ativismo dos Investidores Institucionais e Poder de Controle nas Companhias Abertas de Capital Pulverizado Brasileiras. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de. (Coord.). Direito Societário: Desafios atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 232. 70 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 2. p. 278. 71 Assim como aconteceu, por exemplo, no Reino Unido ou nos Estados Unidos, onde ainda na década de 30 já havia uma série de companhias com capital pulverizado. Note-se: lá o “capital pulverizado” emergiu naturalmente da expansão do mercado e da atração de grande numero de investidores; no Brasil, decorreu da imposição de regras que têm como objetivo “promover” ou manter a dispersão acionária (vulgarmente denominadas poison pills). 72 O termo poison pills que vem sendo utilizado no mercado brasileiro é distinto do instituto das poison pills existente no direito norte-americano. A posion pill brasileira exige a realização de oferta pública aos demais acionistas sem que tenha necessariamente havido alienação de controle acionário, bastando que seja atingido um número percentual de ações definido no estatuto social, adquiridas em diversas operações de compra e venda, que não configuram alienação do poder de controle. 37 obrigam a realização de OPA pelo acionista que adquira percentual de ações determinado no estatuto social (e.g. 30% do capital). Trata-se de um fenômeno um tanto peculiar. Uma espécie de crença de que capital disperso representa uma boa prática de governança corporativa, ou seja, a partir de uma mera observação – a de que países com mercados mais desenvolvidos (capazes de atrair mais capital e maior número de investidores) – tenta-se estimular uma suposta “eficiência” no mercado, através da adoção de regras que imponham essa “dispersão”. Um contrassenso bem retratado por Eduardo Secchi Munhoz: O reconhecimento da predominância do controle concentrado impõe desde logo uma indagação: deve-se buscar a transformação da estrutura para a de controle diluído, sistema havido como superior por grande parte da literatura? A resposta, ainda que fosse positiva, levaria à adoção de posturas ingênuas e pouco efetivas. A transformação da estrutura de controle dominante em determinado país não se faz apenas por meio da modificação das regras societárias, ainda que fosse possível aprovar tais modificações. Há uma série de outros fatores, de ordem econômica, social e política, que tornam a estrutura de controle presente em dado momento histórico altamente resistente a mudanças. Prova disso é que o sistema de controle diluído, havido como mais eficiente, é dominante talvez apenas nos Estados Unidos e no Reino Unido. Diante desse quadro, a tarefa do estudioso do direito societário, antes de buscar a transformação do sistema, deve ser a de tornar a lei societária aplicável à estrutura atual o mais eficiente possível, no sentido de ser capaz de levar ao bem-estar geral73. Aparentemente a Lei das S.A., em seu art. 116, excluiu o controle gerencial adotando somente os três primeiros critérios de classificação: totalitário, majoritário e minoritário. O controle gerencial se enquadra no inciso ‘b’ do art. 116 da lei societária, pois há, por parte dos administradores, o exercício efetivo de poder de fazer valer sua vontade; entretanto, tendo em vista as expressas referências existentes no artigo a “direitos de sócios”, “votos nas deliberações assembleares” e “eleição” da maioria dos administradores, não fica claro se seria possível caracterizar como controladores os administradores de companhias abertas brasileiras em casos de “controle gerencial”74. 73 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Desafios do direito societário brasileiro na disciplina da companhia aberta: avaliação dos sistemas de controle diluído e concentrado. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de e ARAGÃO, Leandro Santos de. (Coord.). Direito Societário: desafios atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 153. 74 Corroborando nosso entendimento, conferir EIZIRIK, Nelson. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro, Renovar, 2005. p.235; e CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 4, tomo II. p 163. 38 3.3. Controle Unitário e Controle Compartilhado Dispõe o art. 116 da Lei das S.A. que é considerado controlador o “grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto”. Assim, com relação à titularidade do poder de controle, a Lei das S.A. reconhece como controladores: (i) um único acionista (pessoal natural ou jurídica); ou (ii) um grupo de sócios vinculados por acordo de voto. O controle compartilhado é exercido por mais de uma pessoa que, atuando em conjunto, formam um bloco de controle. Considera-se, para os fins do disposto no art. 116 como acordo de voto tanto o acordo tácito ou verbal, quanto o acordo celebrado por instrumento formal, escrito75. Haverá acordo de acionistas verbal ou tácito quando o grupo controlador votar em conjunto sistemática e reiteradamente nas assembleias gerais da companhia, mesmo sem se vincular por instrumento contratual arquivado nos termos do art. 118 da Lei das S.A. Embora não haja menção expressa no art. 116 a acordos tácitos, sua consideração como modo de exercício de controle decorre da própria lógica do conceito de controle, de que este consiste em um poder de fato, a ser verificado caso a caso. Se a inobservância dos ditames do art. 118 da Lei das S.A., por parte de acionistas que atuem em conjunto, tivesse por consequência a descaracterização destes como acionistas controladores, ter-se-ia a própria viabilização de um modo de evasão da obrigação legal, uma vez que bastaria às partes manter oculto o acordo para se eximir das obrigações de controlador76, já que o arquivamento do acordo é ônus do controlador77. Os acordos de acionistas são do tipo “acordo de voto” quando seus integrantes criam “órgão” deliberativo, conhecido como “reunião prévia”, na qual a deliberação será tomada previamente à assembleia geral, pela maioria absoluta dos signatários do acordo, vinculando a todos (art. 118, §§8º e 9º). Outras cláusulas constantes de acordo de acionistas podem caracterizar o controle conjunto, tais como: (i) direito de preferência para aquisição de ações do signatário que deseje se retirar da companhia; (ii) direito de eleger um número 75 O controle conjunto sem acordo de acionistas foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (REsp 784-RJ, 4ª Turma). 76 No mesmo sentido, vide Parecer da Superintendência Jurídica da CVM nº 79/83. 77 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. p.61. 39 determinado de membros da administração; e (iii) direito de veto sobre matérias relevantes para o desenvolvimento dos negócios da companhia.78. Tratando do controle conjunto, Nelson Cândido Motta ensina que: O grupo de controle constitui, assim, uma unidade orgânica que tem perfil legal perfeitamente delineado. Constitui uma entidade do direito societário, com estrutura, funções e especificidades próprias. (...) Cumpre reconhecer – por óbvio e evidente – que todos os acionistas que formam o grupo de controle, qualquer que seja a quantidade de ações de cada um, integram, todos eles, o bloco majoritário e ostentam, em conjunto, a condição de acionista controlador79. Entende-se que a titularidade do controle compartilhado de uma Companhia é atributo coletivo do grupo de controle, não podendo ser atribuído isoladamente a um ou outro integrante do bloco80. Não basta a mera existência de um acordo de voto para que se tenha um bloco de controle: acordos de voto podem ser celebrados por acionistas minoritários, sem que isso tenha como intuito ou consequência o controle da sociedade81. Põe-se então a questão: como verificar se o acordo de acionistas representa um acordo de voto para fins do art. 116? Em primeiro lugar, é preciso verificar se o bloco de ações vinculado por acordo exerce o controle, especialmente em caso de acordo de acionistas no qual o bloco de controle seja minoritário. 78 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Vol. I. São Paulo: Quartier Latin, 2011. São Paulo: Quartier Latin, 201, p. 670. 79 MOTTA, Nelson Cândido. Alienação e titularidade do poder de controle nas companhias abertas: notas sobre a transferência de ações entre participantes do grupo controlador e sobre a interpretação do art. 254 da Lei das S.A. Revista Forense. v. 324, 1993. p. 82. 80 “A circunstância de que qualquer um dos participantes seja eventualmente majoritário, dentro ou fora do grupo, não o converte, ipso facto, em um acionista controlador, senão quando visto como parte componente da coletividade. Até porque seria incompatível com a boa hermenêutica do dispositivo legal acima reproduzido admitir que uma sociedade possa, ao mesmo tempo, ser controlada por um grupo de acionistas e por um dos acionistas integrantes desse grupo. É impossível imaginar a existência concorrente, numa mesma companhia, de dois acionistas controladores, um sendo parte integrante do outro. Em todo grupo de controle, a lei pressupõe sempre o exercício de um poder coletivo, tanto que entende que essa coletividade deva ser encarada como um único sujeito de direito – o acionista controlador. O poder de controle é, destarte, atributo do grupo, considerado coletivamente, e não dos seus componentes isoladamente considerados”. (LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Acordo de Comando e Poder Compartilhado. Pareceres. Vol. I. São Paulo: Editora Singular, 2004. pp.1309-1310). 81 Cite-se, nesse sentido, o que restou conhecido na doutrina como acordos de defesa. Os acordos de defesa têm por objeto proteger a minoria. Nesse caso, os acionistas que não têm o controle da companhia organizam sua posição, seja para oposição aos controladores, seja apenas para fiscalizar eficazmente a legalidade e legitimidade dos atos por eles praticados ou para eleger seus representantes junto aos órgãos da administração. 40 Em segundo lugar, somos de posição de que é preciso verificar se os direitos conferidos pelo acordo asseguram o controle compartilhado, ponto relevante para casos em que um dos membros é detentor do controle, mesmo não sendo signatário do acordo de acionistas. Pense-se, por exemplo, em um acordo celebrado entre um acionista ou grupo majoritário e um acionista minoritário: para que configure controle compartilhado é imprescindível que, em função dos direitos atribuídos, fique demonstrado que o controlador abriu mão de seu poder de controlar isoladamente a companhia82. A necessidade de verificação desses fatores, sem dúvida, dificulta a caracterização de acionista controlador e tem, como se verá adiante, importante impacto na interpretação do art. 254-A da Lei das S.A. 82 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Vol. I. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 671. O autor cita decisão do Colegiado da CVM nesse mesmo sentido (Processo CVM RJ/2001/7547). 41 4 - HISTÓRICO DA ALIENAÇÃO DE CONTROLE NO DIREITO BRASILEIRO Ao fim da década de 60 o Decreto nº 2.627, que regulava as sociedades anônimas e havia sido promulgado em 1940, encontrava-se completamente defasado e desajustado com o contexto do mercado de capitais brasileiro. Tanto a Lei nº 4.728 (Lei do Mercado de Capitais), quanto a estratégia do governo federal de apelar para incentivos fiscais (que teve início em 1964 por meio de uma série de leis específicas que culminaram com a edição do Decreto-Lei 157) já não surtiam mais os efeitos esperados83. O Brasil começava a entrar em uma forte crise econômica que resultaria em fuga de investimentos para títulos de renda fixa e imóveis. Como relata Roberto Teixeira da Costa, o início daquela década foi marcado por um, convergência enorme “em que todos queriam entrar no mercado ao mesmo tempo, do mesmo jeito, com a mesma orientação, e sem a existência de um mecanismo neutralizador que viesse a coibir os excessos”. Houve, segundo o autor, “uma febre e todos queriam ficar milionários depois de investir no mercado de ações”, a qual evidenciava que os detentores de recursos não imaginavam os riscos que estavam assumindo, não dispunham de informações atualizadas sobre as companhias abertas84. Nesse contexto que nasceu a ideia de uma nova legislação para as sociedades anônimas, tarefa que coube aos juristas Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira e resultou na edição da Lei das S.A. de 1976. A tramitação do Projeto de Lei foi polêmica e cercada de discussões. Segundo Carlos Augusto Silveira Lobo, a vontade do corpo legislativo refletia a insatisfação com uma prática que vinha sendo mal vista pelo mercado desde a década de 50, quando o Governo Federal começou a adotar uma política de recusar novas licenças para a abertura de agências bancárias, mas de admitir a sucessão nas licenças existentes. 83 BARCELLOS, Marta (textos e reportagens); AZEVEDO, Simone (ed.), FURIATI, Bruno (org. da Lei). Lei das S.As Aplicada ao Mercado de Capitais. São Paulo, Saint Paul Editora, 2007. p. 18. 84 COSTA, Roberto Teixeira da. Mercado de Capitais: uma trajetória de 50 anos. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. pp. 51-52. 42 Esse processo teve como consequência o aumento do valor dos bancos comerciais que, impedidos de expandir suas redes de agências para obtenção de novas autorizações outorgadas pelo Banco Central, passaram a buscar seu crescimento através de operações de incorporação de outros bancos. A operação era um modo indireto de obter licenças para a abertura de novas agências bancárias85. Isso levou à difusão de operações de aquisição de controle de bancos comerciais seguidas de sua incorporação pelo banco controlador. Como a aquisição de controle era meio de adquirir, pela via da incorporação, as agências do banco a ser incorporado, comprador e vendedor incluíam no preço pelo controle o valor das cartas patentes das agências86. Possibilitava-se, desta forma, que o controlador do banco incorporado pudesse alienar suas ações ao banco incorporador por preço bem superior ao atribuído aos minoritários no procedimento de incorporação, razão pela qual teria surgido a ideia de que a legislação deveria criar meios de os minoritários receberem parte da diferença do preço pago por ação do bloco de controle. Paulo Cesar Aragão aponta que teria sido “a venda do controle do Banco da Bahia ao Bradesco, em 1973”, o estopim para a inclusão na legislação da obrigatoriedade de OPA em casos de alienação de controle87. Outros autores indicam que a crise se deu com o caso da Santa Casa de Misericórdia, que tinha ações do Comind (Banco do Commércio e Indústria de São Paulo S.A.). O grupo controlador do banco negociou diretamente, fora de pregão, junto à Santa Casa as ações detidas pela instituição por preço relativamente superior ao da cotação em bolsa. Na semana seguinte, alienou à instituição financeira incorporadora o bloco de controle juntamente às demais ações adquiridas, por preço 12 vezes superior ao pago, preço esse previamente contratado e não divulgado, nem ao mercado, nem à Santa Casa. 85 PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva. 1995. pp.156 - 157. 86 LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões (coord.). Direito das Companhias. Rio de Janeiro, Forense, 2009, v.2.p. 2009. 87 BARCELLOS, Marta (textos e reportagens); AZEVEDO, Simone (ed.), FURIATI, Bruno (org. da Lei). Lei das S.As Aplicada ao Mercado de Capitais. São Paulo, Saint Paul Editora, 2007. p. 48. 43 Vale notar que embora tenha tido como efeito causar perplexidade popular sobre o negócio jurídico da alienação de controle, esse caso envolvia, na verdade, insider trading. Mas, tendo em vista que a operação foi precedida por um prévio acordo de alienação de controle, a discussão acabou por girar em torno da regulação da alienação de controle de companhias abertas88. O cerne do problema estava, mais do que na confusão entre intangíveis e controle, na suposta “apropriação” dos intangíveis pelo controlador. No entanto, a nosso ver há um ponto que merece especial destaque na explicação das operações de incorporação que originaram o art. 254 – e que, à época, não despertava a mesma atenção (ou indignação) que a alienação do controle: o problema da incorporação. Confira-se a explicação de Guilherme Doring sobre o problema: Acresce que a operação não se esgotava na alienação do controle, mas sim na incorporação da sociedade cujo controle se havia cedido, o que arrematava o prejuízo dos acionistas minoritários da incorporadora. De que forma? A proteção essencial de todos os acionistas numa incorporação reside no estabelecimento de uma adequada relação de substituição de ações (...). Essa relação de troca, essencial para o equacionamento dos interesses dos vários grupos de pessoas envolvidos, depende fundamentalmente da avaliação que se faça do patrimônio das duas sociedades que participam da operação. Ora, no período anterior à Lei 6.404/76, estabelecera-se a prática de avaliar as instituições financeiras que participariam de uma incorporação com base no valor de patrimônio líquido contábil delas, o que implicava a nãoconsideração dos intangíveis (...)89. Havia à época um problema relativo aos métodos de avaliação das companhias que causava enormes distorções sobre a relação de troca em operações de incorporação, notadamente no que se referia aos intangíveis da companhia. A operação tinha ainda mais um aspecto peculiar: envolvia uma sociedade controlada. Isso significa que na avaliação do patrimônio líquido contábil da incorporadora considerava-se o valor da participação acionária recém-adquirida, incluindo, portanto, o próprio valor pago pelo controle90. 88 PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.87. 89 PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva. 1995. p.158. 90 O importante e difícil problema da relação de troca em operações de incorporação ganhou notoriedade mais recentemente, com a edição dos Pareceres de Orientação CVM n. 34 e 35, que tratam respectivamente, do “impedimento de voto em casos de benefício particular em operações de incorporação e incorporação de ações 44 A partir desses fatores, surgiu a necessidade de se encontrar meios para evitar que o valor dos intangíveis fosse “apropriado” pelos controladores e que a participação dos minoritários no capital da incorporadora não fosse diluída em razão do valor pago pelo controle. Era opinião geral, à época, que todo o problema residia no valor de controle, que passava de umas poucas mãos a outras91. O texto do Anteprojeto, revisto apresentado ao Ministro da Fazenda e por ele transmitido ao Presidente da República, se limitou a garantir tratamento igualitário aos acionistas minoritários nas transferências de controle de companhias abertas que dependessem de autorização do governo para funcionar. Em seguida, depois de revisto pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico, em 27 de junho de 1976, o Anteprojeto foi enviado ao Congresso Nacional acompanhado de exposição de motivos elaborada pelos seus autores. A exposição de motivos era clara no que se refere às preocupações da época: a transferência do controle, qualquer que seja o preço de negociação das ações, não acarreta, em princípio, agravo a direito de minoritário; mas se a compra efetivar-se por companhia que, a seguir, promova a incorporação da controlada, do fato pode resultar flagrante prejuízo para a minoria, tanto da incorporada quanto da incorporadora: com a extinção da companhia controlada, deixa de existir o controle adquirido, e os acionistas minoritários da controladora (dependendo das bases da incorporação) suportam parte do custo de aquisição do controle. Mais ainda: em regra, todo o valor do controle da companhia incorporada, ou ao menos parte dela, acresce ao valor do controle da incorporadora, isto é, resulta em benefício do seu acionista controlador (...) os exemplos das vendas de controle de instituições financeiras, que apresentam circunstâncias peculiares, não devem servir de justificativa para normas gerais que pretendam negar o valor de mercado do controle. A tentativa dos autores da Lei das S.A. de evitar possíveis abusos e prejuízos aos minoritários veio no art. 255 do Anteprojeto, o qual submetia a transferência de controle de em que sejam atribuídos diferentes valores para as ações de emissão de companhia envolvida na operação, conforme sua espécie, classe ou titularidade” e de “deveres fiduciários dos administradores nas operações de fusão, incorporação e incorporação de ações envolvendo a sociedade controladora e suas controladas ou sociedades sob controle comum”. 91 PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva. 1995. p.160. 45 instituições financeiras à aprovação do Banco Central e estipulava critérios de equitatividade a serem observados por esta autoridade. O relator da Comissão de Economia, Deputado Tancredo Neves, apresentou parecer opinando no sentido de rejeitar todas as propostas de emendas que visavam a garantir ao minoritário o direito de participar no preço da venda das ações de propriedade do acionista controlador, entendendo que qualquer restrição legal ao direito de propriedade conflitaria com a natureza e características da sociedade anônima que explicam seu sucesso e eficiência como modelo de organização92. O primeiro grande defensor da inserção do tag along na lei das sociedades anônimas foi o deputado Herbert Levy, mas a emenda proposta pelo deputado foi rejeitada no Senado. Perto da promulgação da lei foi proposta outra emenda, de conteúdo semelhante, de autoria do Senador Otto Cyrillo Lehmann. A proposta, conhecida como “Emenda Lehmann” veio a constituir o art. 254 da Lei das S.A., com o seguinte teor: Art. 254. A alienação do controle da companhia aberta dependerá de prévia autorização da Comissão de Valores Mobiliários. §1º A Comissão de Valores Mobiliários deve zelar para que seja assegurado tratamento igualitário aos acionistas minoritários, mediante simultânea oferta pública para aquisição de ações. § 2º Se o número de ações ofertadas, incluindo as dos controladores ou majoritários, ultrapassar o máximo previsto na oferta, será obrigatório o rateio, na forma prevista no instrumento da oferta pública. § 3º Compete ao Conselho Monetário Nacional estabelecer normas a serem observadas na oferta pública relativa à alienação do controle de companhia aberta. Os autores do Anteprojeto de Lei manifestaram-se contra a emenda, alegando que adotava a proposição insustentável de que a venda das ações do controle de uma sociedade anônima pode ser causa de “prejuízos” para os acionistas que não vendem suas ações93. 92 LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A lei das S.A.: pressupostos, elaboração, aplicação. 3ª Ed., Rio de Janeiro: Renovar, v. 1, 1997. pp. 268-269. 93 LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A lei das S.A.: pressupostos, elaboração, aplicação. 3ª Ed., Rio de Janeiro: Renovar, v. 1, 1997.p. 269. 46 Dúvidas não tardaram a surgiram da redação do art. 254. O artigo não deixava claro (i) os poderes que teria a CVM a partir do disposto no §1º; (ii) a quem seria dirigido o direito de participar da OPA a posteri, se todos os acionistas minoritários ou apenas aqueles com direito de voto; (iii) se seria exigível a oferta em caso de alienação de controle compartilhado etc. Em 15 de fevereiro de 1977, entrou em vigor a Resolução CMN nº 401, que passou a regular a matéria. O normativo tratava do procedimento de aprovação que deveria ser seguido pela Comissão de Valores Mobiliários, interpretava que os “acionistas minoritários” mencionados no texto do artigo seriam apenas os titulares de ações com direito de voto, e explicitava diversos conceitos da lei e tratava de hipóteses específicas de alienação de controle compartilhado. O efeito da explicação da lei foi fundamental para que não prevalecesse a tese de que a CVM poderia simplesmente desaprovar a alienação de controle, tal como dava a entender a redação do art. 25494. Mas a Resolução não ficou imune a críticas, pois continha disposições de clara incongruência. Em seu inciso II, definia a operação de alienação do controle como o negócio em que o acionista controlador transferia o conjunto das ações de sua propriedade, que lhe asseguravam o poder de comando na companhia. Isso significava dizer que, caso alguém detivesse 70% do capital votante da empresa, mediante a propriedade de 7 de ações ordinárias, caso alienasse apenas 6 dessas ações, não estaria transferindo o controle, pois o conjunto de suas ações não teria sido transacionado. Em seu inciso III, estabelecia que, caso o poder de comando fosse exercido por pessoas vinculadas em acordo ou sob controle comum, a transferência do controle somente estaria caracterizada se todas essas pessoas cedessem suas ações. Com isso, em uma sociedade onde 5 pessoas, cada uma delas detendo 15% do capital votante, se apenas 4 alienassem a terceiro suas participações, não ocorreria a alienação do controle. O resultado é que tais regras jamais foram aplicadas pelo órgão regulador, abatidas que foram pela interpretação extensiva da boa hermenêutica95. 94 A Resolução deixava claro que a competência da CVM se referia ao instrumento de oferta pública e não propriamente na aprovação ou não da operação de alienação de controle. 95 SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Regulamentação e Interpretação, disponível em http://www.acionista.com.br/mercado/artigos_mercado/170610_carlos_junqueira.htm. Acesso em setembro de 2011. 47 Com a edição da Medida Provisória nº 1.179, em 3 de novembro de 1995, destinada ao fortalecimento do sistema financeiro nacional, a obrigação de tratamento igualitário por ocasião de alienação de controle foi suprimida nas reorganizações societárias envolvendo instituições financeiras incluídas no PROER. Durante a implementação do programa de privatizações, foi editada a Lei nº 9.457/97, que revogou o art. 254 com o objetivo de facilitar as reestruturações societárias evitando que os antigos controladores (o Estado) dividissem o prêmio de controle com os demais acionistas, sob o argumento de que tal regra elevava os custos de aquisição de controle de modo ineficiente, desviando recursos que poderiam ser mais bem utilizados na capitalização da companhia96. A justificativa foi duramente criticada por diversos setores da sociedade, em especial pela doutrina jurídica97. Não obstante, os atores da Lei das S.A. assim se manifestaram sobre a revogação do art. 254: A medida é salutar e deverá concorrer para aumentar o número das companhias abertas, dado que o artigo 254 (que subordinava a alienação de controle a autorização da CVM para o fim de assegurar oferta pública aos minoritários) representou grave empecilho à abertura das companhias: é que os controladores das companhias fechadas hesitavam em recorrer ao mercado para o aumento de capital das suas empresas sabendo que, caso o fizessem, as ações que detinham passavam a ter ônus diferente das demais. Esses efeitos haviam sido agravados pela interpretação extensiva que a CVM deu ao dispositivo, não obstante à Resolução CMN n. 401/76 que regulamentou, ao aplicá-lo aos casos de alienação de controle de ‘holding’ de companhia aberta. Com o fim das privatizações, iniciou-se uma forte pressão por parte de setores da sociedade civil e de associações representativas de companhias abertas pelo retorno de uma legislação que protegesse os interesses dos minoritários. Eis, então, que o pleito foi atendido, 96 CANTIDIANO, Luiz Leonardo. O novo Regime das Ações Preferenciais. In: LOBO, Jorge (Coord.). A reforma da Lei das S.A, São Paulo: Atlas, 1998. p. 237. 97 “Vemos assim que, seque para sua revogação, melancolicamente, o antigo art. 254 mereceu uma justificativa jurídica ou econômica razoável. Jurídica, não houve. A econômica foi questionável e vaga. Não foram debatidos os argumentos que, em 1976, pelo menos quanto à situação de fato, embasaram a inclusão do dispositivo na lei. Não se repetiu o enfrentamento entre os defensores e os opositores do preceito legal. Igualmente, a grande polêmica que, naquela ocasião, foi travada no Congresso com ampla repercussão na mídia, não foi revivida quando da revogação do preceito legal. Passou-se ao largo, fez-se silêncio em 1997”. (SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário: Interpretação e Valor. Rio de Janeiro: FMF Editora, 2004. p. 50). 48 mediante a promulgação da Lei nº 10.303/01, que entre outras medidas, inseriu o art. 254-A na Lei, com a seguinte redação: Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle. § 1º Entende-se como alienação de controle a transferência, de forma direta ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade. § 2º A Comissão de Valores Mobiliários autorizará a alienação de controle de que trata o caput, desde que verificado que as condições da oferta pública atendem aos requisitos legais. § 3º Compete à Comissão de Valores Mobiliários estabelecer normas a serem observadas na oferta pública de que trata o caput. § 4º O adquirente do controle acionário de companhia aberta poderá oferecer aos acionistas minoritários a opção de permanecer na companhia, mediante o pagamento de um prêmio equivalente à diferença entre o valor de mercado das ações e o valor pago por ação integrante do bloco de controle. Finalmente, em 2002, a CVM editou a Instrução CVM nº 361, que ainda hoje regula as ofertas públicas de aquisição de ações de companhia aberta, entre elas, a oferta pública por alienação de controle. A OPA por alienação de controle, como se vê, é uma figura que já era objeto de polêmica antes mesmo de sua inserção na lei. O instituto permanece, ainda hoje, mais de trinta anos depois, sendo objeto de divergências doutrinárias no que tange às justificativas para a sua obrigatoriedade. 49 5 – JUSTIFICATIVAS PARA A OBRIGATORIEDADE DE REALIZAÇÃO DE OPA O estudo da OPA por alienação de controle ou a posteriori deve necessariamente ser precedido da análise do fundamento e das justificativas para sua existência. A adoção do instituto no Brasil, como já analisado, deu-se como resultado de uma crença de que os abusos decorrentes de operações de incorporação de instituições financeiras eram resultado exclusivo da prerrogativa dos controladores de se apropriarem dos intangíveis da companhia, em detrimento dos minoritários. Na época, outros aspectos conexos relevantes desse tipo de operação acabaram ganhando menor atenção, tais como, (i) o problema do intangível na avaliação de companhias pelo valor patrimonial contábil, (ii) a dificuldade na determinação da relação de troca em operação de incorporação envolvendo controlador e controlada; (iii) a necessidade de disclosure e de combate ao insider trading; e, especialmente, (iv) as consequências indesejáveis de uma política governamental de expansão de bancos comerciais. Esses fatores, os quais, cada um ao seu tempo e de sua forma, foram posteriormente sendo desenvolvidos pela doutrina, mas à época eram praticamente desconsiderados, recaindo toda a indignação do mercado sobre a alienação de controle – o que provocou a inserção do art. 254, mesmo contra a vontade dos autores do Anteprojeto. Prevaleceram os aspectos subjetivos. A inspiração do legislador para a criação do tag along, segundo noticia o próprio Otto Lehmann, foi “a preocupação com o aspecto social”. O autor da emenda que inseriu o art. 254 na Lei das S.A. relata que se preocupava, à época, “com as viúvas que tinham herdado ações de sues maridos, com aposentados, com pessoas que dependiam daquele rendimento para viver e ficavam sem quase nada”98. A justificativa não esclarece muito o propósito da regra. A preocupação com o rendimento de investimentos de pequenos investidores poderia ter resultado na criação de diversas outras normas, e tal explicação, por si só, não indica o porquê da decisão do 98 BARCELLOS, Marta (textos e reportagens); AZEVEDO, Simone (ed.), FURIATI, Bruno (org. da Lei). Lei das S.As Aplicada ao Mercado de Capitais. São Paulo, Saint Paul Editora, 2007. p.52. 50 Congresso Nacional em fazer a “compensação” à falta de rendimentos dos acionistas minoritários através da previsão da necessidade de realização de uma OPA. A análise do fundamento do instituto da OPA por alienação de controle e as justificativas para sua existência demandam, antes de tudo, compreender a razão pela qual se deva atribuir, quando da alienação de controle, o prêmio de controle a outras pessoas que não somente o controlador. Em outras palavras, se o prêmio é pago pelas ações que conferem o controle (e que são de titularidade do controlador), por que esse deve ser compartilhado com outros acionistas? Essa indagação, como já advertimos, não deve ser embaçada por respostas do tipo “isso é fundamental para a proteção do minoritário” ou “trata-se de boa prática de governança corporativa”99. Especialmente nos meios não especializados e na imprensa em geral é comum que esses argumentos venham acompanhados de justificativas tais como “a maior parte dos países adota essa fórmula” ou “a nossa legislação está em linha com a doutrina consagrada em países europeus”. No Brasil a regulação se deu por motivos bem específicos, de forma original, sem ter por inspiração doutrina ou legislação estrangeira e com objetivo diverso do da maior parte dos países estrangeiros. Aqui, como se verá adiante, o intuito jamais foi o manter dispersão acionária ou evitar aquisições hostis de controle. Espera-se que as considerações feitas na parte inicial deste trabalho sejam úteis, nesse ponto, para abrir caminho para uma discussão franca sobre os prós e contras do instituto da OPA a posteriori, a fim de que não se descarte, de antemão, argumentos válidos e úteis para a compreensão e desenvolvimento do instituto. A resposta à indagação sobre a repartição do benefício econômico advindo da alienação do controle, por sua vez, requer a análise do 99 Há uma sensação geral de que a OPA por alienação de controle é um instrumento de governança corporativa para proteção dos minoritários. Em dezembro de 2006, a APIMEC-SP publicou os resultados de uma pesquisa conduzida pela sua Comissão de Governança Corporativa, com 152 participantes do mercado, entre analistas e profissionais de investimento, cujo resultado foi o de que o tag along é o item mais importante na avaliação de investimento. A pesquisa foi noticiada e comentada pela APIMEC-MG no endereço eletrônico http://www.apimecmg.com.br/ApimecMG/Show.aspx?id_canal=1585&id_materia=14837. Acesso em setembro de 2011. 51 próprio conteúdo de tal plus econômico, ou seja, daquilo que se entende por prêmio de controle. 5.1. Conceituação do prêmio de controle A aquisição do controle de uma companhia costuma ser precedida de um contrato celebrado entre o controlador e o adquirente do controle, em que se estabelece um preço das ações. Conforme o disposto no art. 254-A da Lei das S.A., este contrato deve conter cláusula que condicione a transferência à apresentação de OPA por parte do adquirente do controle. A condição de fazer da oferta pública pode ser resolutiva ou suspensiva: no primeiro caso, o negócio jurídico produz seus efeitos, mas desconstitui-se caso o adquirente do controle não realize a OPA, enquanto no segundo a transferência não se efetiva até que o adquirente realize a OPA. O preço pago pelas ações do controlador geralmente é superior ao valor de mercado das ações que não compõem o bloco de controle. A explicação para tal fato é aparentemente simples: por garantir o direito ao exercício do poder de controle, àquele conjunto de ações é atribuído um sobrevalor, isto é, um valor adicional – comumente chamado pela doutrina como prêmio de controle100. É pacífico na doutrina que existe um plus de valor nas ações que compõem o bloco de controle (enquanto bloco). Esse plus é tratado por termos empregados com significados ambíguos ou diversos de suas definições técnicas, tais como, ágio, mais-valia, fundo de comércio, aviamento e goodwill. O uso dessas expressões não deve confundir o intérprete da lei. Não se deve confundir, por exemplo, o prêmio de controle com o ágio. Este representa a diferença a maior entre o 100 “Toda a economia de mercado atribui valor econômico ao controle da companhia, independentemente do valor das ações que o asseguram; o valor das ações resulta dos direitos, que conferem, de participação de poder determinar o destino da empresa, escolher seus administradores e definir suas políticas”. (Exposição de Motivos da nº 196, de 24 de junho de 1976, do Ministério da Fazenda, Seção VI). No mesmo sentido Mauro Rodrigues Penteado: “O poder de controle acionário, é escusado dizer, tem significativo valor econômico, que é melhormente verificado quando de sua alienação”. (PENTEADO, Mauro Rodrigues. Apontamentos sobre a alienação do controle de companhias abertas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, nº 76, 1989. p.170.) 52 preço pago por um título e seu valor nominal, que não necessariamente coincide com o prêmio de controle, tendo em vista que o prêmio é a diferença entre o preço pago pelas ações do controlador e o valor das ações que não compõem o bloco de controle. O conceito de prêmio está mais ligado ao valor de mercado do que ao valor nominal das ações, razão pela qual não é precisa sua denominação como ágio. Da mesma forma, não se deve denominar o prêmio de controle como mais-valia. A mais-valia é expressão decorrente da doutrina econômica de Karl Marx, que significa o valor do que o trabalhador produz menos o valor de seu próprio trabalho (dado pelo custo de seus meios de subsistência). O conceito não tem relação com o sobrevalor dado em troca do poder de controlar uma companhia. A analogia tem o inconveniente de comparar o trabalhador, que na visão de Marx era vítima de exploração pelo empregador, com a figura do acionista minoritário, que consiste em um investidor, sócio do acionista controlador. Entendemos que a utilização do termo mais-valia pode acabar por desvirtuar a busca pelo verdadeiro fundamento econômico da regra prevista no art. 254-A da Lei das S.A. Outra comum referência é ao fundo de comércio101. O fundo de comércio é o valor agregado a um conjunto de bens que formam o patrimônio social – que compreende bens de natureza variada – em razão de seu agrupamento sob uma organização racional. Para ilustrar, pense-se em uma biblioteca: os livros que a compõem ganham um sobrevalor ao serem organizados de maneira racional, sob uma ordem capaz de facilitar ao usuário o acesso ao conteúdo dos livros. A simples organização e união dos livros em um mesmo local agrega um valor adicional ao conjunto em relação ao simples valor individual de cada livro. Entretanto, isso não é equivalente ao prêmio de controle, pois o controlador não é proprietário, no sentido técnico da palavra, do fundo de comercio ou mesmo da empresa; o que ele aliena são simplesmente suas ações, só que estas, por conferirem o direito ao controle da sociedade – e de forma indireta de “controlar” os bens que compõem o fundo de comércio – possuem um sobrevalor. Essas considerações de natureza terminológica não pretendem indicar que a utilização desses termos é errada; ela é apenas inconveniente. Por outro lado, também não significa que a definição do prêmio de controle seja algo fácil. Na prática não há como se distinguir que 101 Tratado por alguns autores como aviamento (importação do termo utilizado pelos italianos avviamento ou azienda) ou goodwill (termo utilizado por ingleses e norte-americanos). 53 parte do preço representa o valor das ações e que parte representa o poder de controlar a companhia102. A figura do prêmio de controle serve apenas para indicar que há um sobrevalor e que este, quando da alienação de controle, é transferido para o alienante, sendo, por força de disposição legal, estendido a titulares de ações votantes, na proporção de 80% (art. 254-A da Lei das S.A.). 5.2. A doutrina brasileira Inicialmente, vale a ressalva de que a investigação, na doutrina brasileira, sobre a quem pertence o prêmio de controle é um exercício complexo, pois é comum que opiniões sobre o fundamento da OPA, e sobre como ela deveria ser, se misturem a opiniões relativas à interpretação literal do dispositivo legal pertinente. As diferenças de opinião podem ser identificadas em três correntes: uma sustenta que o prêmio deve ser estendido somente aos acionistas com direito de voto; outra, que o prêmio deve ser repartido entre todos os acionistas minoritários; e uma terceira, que o prêmio é exclusivamente do acionista controlador. A corrente que vem prevalecendo na redação da lei entende que o valor atribuído ao poder de controle deva ser repartido entre todos os titulares de ações da mesma espécie e classe103. Parte dos doutrinadores que pensam dessa forma o fazem em interpretação literal do art. 254-A da Lei das S.A., sem entrar no mérito da conveniência da regra. 102 Pode-se, apenas para critério de referência, comparar o preço pago pelas ações do controlador em relação à cotação de mercado. No entanto, não é raro que operações privadas, sejam as relativas a ações do controlador ou não, tenham preços diversos do de cotação em bolsa. Esse método comparativo estará, ainda, sujeito a distorções decorrentes, por exemplo, do nível de liquidez das ações ou de condições específicas das partes da operação. Basta imaginar, nesse último caso, o caso de um controlador que esteja em dificuldades financeiras e precise de recursos rapidamente: é possível que o preço da alienação seja inferior ao de mercado (o que não é de todo incoerente, tendo em vista que a venda em bolsa de quantidade expressiva de ações teria por efeito aumentar a oferta de ações e influenciando negativamente o preço). 103 A discussão sobre a extensão da OPA a posteriori a titulares de ações preferenciais perdeu sentido, na prática, com a edição do art. 254-A, que é claro no sentido de que somente ações preferenciais fazem jus a tal. 54 Entre os poucos autores que se aventuram na justificativa do art. 254-A estão Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro, para quem a motivação da norma tem razões históricas: (...) as transferências de controle, envolvendo vultosos ágios pagos apenas aos controladores, podem ainda mais desestimular o investimento acionário. Daí entendermos que a solução adotada na lei vale como medida pragmática, tendo em vista as condições do momento histórico e as características peculiares da conjuntura, justificando-se em face da experiência verificada em anos recentes em nosso país. Arnoldo Wald entende que o fundamento para a regra prevista no art. 254-A está no fato de que as noções de maioria e minoria só fazem sentido com relação a ações com direito a voto, porque somente estes possuem uma posição política na sociedade e guardam alguma relação com o controle da companhia104. Considera-se que a extensão ilimitada do prêmio de controle a todos os acionistas poderia engessar a companhia, limitando seus negócios, inclusive no sentido de inviabilizar a mudança do controle benéfica. Além disso, recursos a serem pagos pelo novo controlador poderiam ser utilizados na sociedade, o que demandaria a imposição da OPA de forma cautelosa e equilibrada105. Fabio Konder Comparato, embora filiado a essa corrente, questiona a razão de acionistas especuladores, que não tem nenhuma intenção de se ligar à empresa, serem protegidos nas cessões de controle. Para o autor, quando se fala em proteção do acionista nãocontrolador, “tem-se em mira, evidentemente, o acionista ligado à empresa, o verdadeiro investidor”106 e não qualquer tipo de acionista. 104 WALD, Arnoldo. Do descabimento da oferta pública de compra em relação às ações preferenciais. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo. n. 45, ano XXI, 1982. p.9. 105 SOUZA, Marcos Andrey de. O direito de saída conjunta (tag along) e os preferencialistas. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de (Org.). Sociedade Anônima. 1ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p.287. 106 Nesse sentido, COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. pp. 310-312. Adicionalmente, entendemos que a observação teria difícil aplicabilidade prática, tanto mais quanto a companhias que possuem negociações em bolsa de valores, pois seria necessária a criação de critérios para diferenciar especuladores de investidores de longo prazo. 55 Uma segunda corrente sustenta que o valor do poder de controle deve ser estendido a todos os acionistas que participam do capital social, sejam eles titulares de ações ordinárias ou preferências. Calixto Salomão Filho se manifesta da seguinte forma sobre a matéria: (...) em se tratando de companhia aberta ou fechada, se sobrevalor foi atribuído à companhia pelo novo controlador, isso significa que esse é o valor de mercado da companhia ou a sua perspectiva de rentabilidade. Ora, reconhecer esse fato nada mais é do que admitir que o valor de controle pertence à companhia. Se não deve ser pago a ela, como defendido no clássico ensaio de Berle e Means, ao menos deve ser repartido entre todos os acionistas107. A lógica desse entendimento é a de que o novo controlador paga o sobrevalor tomando por base a capacidade da companhia de produção de lucros futuros, capacidade essa, por sua vez, que pertence à companhia e é anterior às novas diretrizes que serão tomadas pelo novo controlador. Pertencendo à companhia, fazem jus ao seu aproveitamento titulares de ações ordinárias e preferenciais, até porque ambos contribuem para a formação do capital108. Esse é o entendimento também de Norma Parente, para quem a valorização das ações deve refletir a participação no patrimônio social e se, no momento da subscrição, tanto o controlador quanto os minoritários adquirem ações pelo mesmo valor, devem, igualmente fazer jus à sua valorização, sejam eles preferencialistas ou não109. Nelson Motta defendeu a tese sob o argumento de que admitir que as ações preferenciais, porque não votam, tenham menos direitos do que as ações ordinárias (exceto os direitos políticos) equivale a reconhecer que o direito de voto possa ser causa de desigualdade entre acionistas em relação ao patrimônio da sociedade110. Modesto Carvalhosa, seguindo essa mesma linha, afirma: 107 SALOMÃO FILHO, Calixto. Alienação de controle: o vaivém da disciplina e seus problemas. O novo Direito Societário, Malheiros Editores 2ª ed., 2002. p.124 108 AMENDOLARA, Leslie. Os Direitos dos acionistas minoritários: com as alterações da Lei 9.457/97. São Paulo: Editora STS, 1998, p.105. 109 PARENTE, Norma. Principais inovações introduzidas pela Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, à Lei das Sociedades por Ações. In: LOBO, Jorge (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. São Paulo: Forense, 2002. pp.39-40. 110 MOTTA, Nelson. Alienação de controle de instituições financeiras. Acionistas minoritários. Notas para uma interpretação sistemática da lei das S.A., Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro n. 46, ano XXI, 1982, p. 41. 56 O acionista minoritário, embora normalmente não tome a iniciativa de promover a capitalização da sociedade, empresta seu esforço para tal mister, comparecendo às chamadas de capital; ademais, esse tipo de acionista experimenta os efeitos da política de autocapitalização da companhia, usualmente realizada pelo controlador. É, portanto, co-participe da valorização patrimonial da empresa, merecendo portanto tratamento igualitário, quando da alienação de seu controle111. O sobrevalor, segundo Waldirio Bulgarelli, representa o pagamento dos intangíveis e, mais propriamente, o aviamento da empresa. A partir disso o autor opina no seguinte sentido: “(...) o não controlador, que não recebeu dividendos durante muito tempo, pela política imposta pelo controlador de fortalecer a empresa, tem direito a reclamar quando o controlador, aproveitando-se dos resultados dessa mesma política, vende com ágio astronômico as suas ações de controle [...] o certo será a distribuição, ao menos do ágio, entre todos que contribuíram para o fortalecimento da empresa” 112. (grifamos) A posição adotada pelos autores que entendem que na alienação de controle o adquirente se apropria do intangível da companhia é aprofundada por Andréa Andrezzo que, em detalhado estudo, expõe com minúcia os componentes do prêmio de controle: (i) prêmio de controle, entendido como o poder político de eleger a maioria dos administradores e orientar a condução dos negócios da companhia; (ii) expectativa de resultados a serem obtidos a partir da condução dos negócios pelo novo controlador; (iii) ativos não reconhecidos nas demonstrações contábeis, que pertencem à sociedade e não ao seu acionista controlador, tais como marcas, tecnologias, qualificação dos funcionários, dentre outros; e (iv) eventuais expropriações, ou seja, apropriações indevidas em benefício do controlador ou de terceiros e em detrimento dos acionistas nãocontroladores da companhia, tais como salários superiores aos de mercado, luso particular de bens da sociedade, empréstimos subsidiados, dentre outras113. Assim, a obrigatoriedade para o compartilhamento do prêmio de controle resulta (i) da valorização patrimonial da companhia, para a qual contribuíram todos os minoritários e (ii) do 111 Apud PENTEADO, Mauro Rodrigues. Apontamentos sobre a alienação do controle de companhias abertas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, nº 76, 1989. p. 19. 112 BULGARELLI, Waldirio. Regime jurídico da proteção às minorias nas S/A: De acordo com a reforma da Lei nº 6.404/76. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. pp. 158 - 160. No mesmo sentido, LOBO, Jorge. Interpretação Realista da Alienação de Controle de Companhia Aberta. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Malheiros, v. 130, abr-jun, 2003, p.160-179. 113 ANDREZZO, Andrea Fernandes. A Alienação de Controle de Companhia Aberta e a Recente Reforma da Legislação Societária – Efetivo Avanço?. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 130, Malheiros. Abr./Jun., 2003. pp. 160-179. 57 fato de o valor incluir não apenas o poder de dirigir a companhia, mas também os intangíveis e outros ativos que também pertencem aos minoritários. Favoravelmente a esse entendimento, é comum, ainda, que se argumente que a OPA por alienação de controle seria uma forma de desligamento do acionista minoritário – uma espécie de direito de saída, justificado pelo fato de minoritários levarem em consideração a pessoa do controlador, de com ele manter relação de confiança, intuito personae, razão pela qual seria razoável entender que, na mudança de controle, os minoritários não concordem em permanecer associados a um novo controlador114. Portanto, como consequência do princípio do tratamento igualitário sustenta-se, segundo essa lógica, que o prêmio deve ser repartido por todos os acionistas. Importante notar, que a redação do art. 254-A da Lei das S.A. reconheceu o valor econômico do bloco de controle, o que serve de justificativa para que as ações que o integram recebam um preço superior ao das ações dos minoritários por ocasião de sua alienação. O art. 254-A não restaurou o princípio do tratamento igualitário existente no art. 254; ao contrário, consagrou expressamente o princípio do valor diferenciado de ações da mesma espécie115. Uma terceira corrente sustenta que o valor atribuído ao poder de controle deve ser exclusivamente dos acionistas controladores, posição defendida pelos dos autores da Lei, para quem, ao invés de proteger os direitos dos acionistas minoritários contra as modalidades de abuso verificados no passado na incorporação de bancos, a exigibilidade de OPA a posteriori somente estabelece um novo direito de acionistas, incompatível com a natureza da sociedade 114 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Vol. III. São Paulo: Quartier Latin, 2011. pp. 416-417; e PRADO, Roberta Nioac. Da obrigatoriedade por parte do adquirente do controle de sociedade por ações de capital aberto de fazer, em iguais condições, aos acionistas minoritários – art. 254 da lei 6.404/76 e Resolução CMN 401/76 – É efetivo mecanismo de proteção dos minoritários?. Revista de Direito Mercantil, ano XXXVI, n. 106, abr.-jun. 1997. p.90. 115 Trata-se, na opinião de Penalva Santos, de medida de sensatez e equilíbrio, intermediária entre a concessão da oferta pública na base de 100% do valor das ações correspondente ao bloco de controle e a complexa exclusão de tais benefícios, como previu o projeto Kandir (PENALVA SANTOS, J.A. Direito dos minoritários – Alienação de Controle de Companhia Aberta e os Direitos dos Minoritários. Análise do art. 254 da Lei nº 6.404 de 1976. In: LOBO, Jorge (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas: Inovações e Questões Controvertidas da Lei nº 10.303, de 31.10.2001. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 502).Vide também EIZIRIK, Nelson. Oferta Pública de Aquisição. Interpretação do art. 254-A da Lei das S.A. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2004, v. 14. p. 73. 58 anônima, que não diz respeito à participação nos resultados ou no acervo da própria sociedade, mas ao preço pelo qual cada acionista vende ações de sua propriedade116. Sendo o controlador o titular do poder de controle, cabe a ele o benefício econômico dele decorrente. O poder de controle deve ser atribuído a quem tem deveres e responsabilidades em relação a ele, no caso o acionista controlador, pois se este gerir mal a companhia ou escolher mal quem irá geri-la poderá ser administrativa, civil e, até mesmo, penalmente responsabilizado por seus atos117. Seguindo esse entendimento, conclui Guilherme Doring: A atribuição de um valor patrimonial ou valor de mercado ao poder de controle não representa um distorção quer sob aspecto econômico, quer sob o jurídico ou mesmo ético-social. Por outro lado, tampouco representa uma prática iníqua que esse valor seja recebido com exclusividade por aquele que exerce as prerrogativas decorrentes desse poder. E a razão disso é que tal poder não pertence à totalidade dos acionistas, nem ao com junto de acionistas com direito a voto, mas àquele que detém os meios – a titularidade do número de ações – que lhe permitem fazer valer sua orientação na empresa118. Também partidário dessa corrente é Jorge Lobo, segundo o qual, o motivo que levou o país a criar a regra de compensação financeira via tag along foi o meio simples, fácil, objetivo e rápido imaginado pelos legisladores para coibir práticas ilícitas de caráter financeiro, por meio das quais controladores elevam o prêmio de controle a “inimagináveis três dígitos, quando na prática internacional, ele é, em média, de 20%”. O autor chega, entre outras, às seguintes conclusões: (1º) intervenção indevida do Estado no domínio econômico e nas relações privadas de companhias abertas e investidores que atuam no mercado de ações, numa atuação típica do ‘estado-babá’”(...) (2º) uma odiosa restrição ao livre-arbítrio e à capacidade de escolha e decisão de pessoas dispostas a correr riscos em busca de maiores ganhos em operações mercantis de alienação de controle de companhia aberta; 116 LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A.: pressupostos, elaboração, aplicação. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p.278. 117 Compartilha desse entendimento, sob “o ponto de vista exclusivamente jurídico”, Roberta Nioac Prado. A autora, por razões econômicas e relacionadas à governança corporativa, é favorável à repartição do prêmio com minoritários. (PRADO, Roberta Nioac. Fundamentos Jurídicos e Econômicos da OPA a posteriori (tag along) e a questão sob a ótica de empresas que praticam boas práticas de governança corporativa. Revista Direito GV., v. 3, 2006. p. 171). 118 PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva. 1995. p.287. 59 (3º) uma violação do princípio constitucional da liberdade individual e dos princípios da autonomia da vontade e do consensualismo, esteios do Direito da Obrigações; (4º) uma violação do direito de propriedade dos controladores de disporem de bens que possuem a seu livre alvedrio e do direto de contratar dos interessados na compra de controle de companhia aberta; (5º) espoliador em relação aos controladores, perversos com os adquirentes de controle acionário e iníquo com os preferencialistas; (6º) odioso privilegio para os minoritários, se o fundamento econômico do tag along for – como dizem ser – a contribuição dos acionistas para o desenvolvimento e enriquecimento das companhias; (...)119. 5.3. Considerações sobre as diferentes correntes doutrinárias no Brasil A redação do art. 254-A é clara e não deixa dúvidas de que somente os acionistas com direito de voto fazem jus ao compartilhamento do prêmio de controle. Analisando o problema sob a ótica de seu fundamento, a corrente que hoje prevalece no esteio da redação legal, a nosso ver, não faz qualquer sentido, já que distinguir preferencialistas sem direito de voto dos demais acionistas sob o argumento de que os primeiros não participam da vida política da companhia é argumento que não guarda qualquer relação com a questão da repartição ou não do premio de controle. Não convence o argumento de que a minoria a ser protegida, no caso, é a com direito de voto; tal interpretação só fazia algum sentido quando da vigência do art. 254 da Lei das S.A., que previa o tratamento igualitário aos “acionistas minoritários”120. A opção legislativa, a nosso ver, não possui fundamento lógico-sistemático121 e é arbitrária – o que não invalida o argumento de que a extensão da obrigação a todas as ações teria consequências econômicas perversas. Curiosamente, o argumento “econômico” poderia ser utilizado também para as ações preferenciais, de modo a garantir somente a essas o direito de participar da oferta, sob o fundamento, por exemplo, de que seus titulares possuem menos instrumentos de proteção que os titulares de ações ordinárias. Se a questão está na razoabilidade econômica, poder-se-ia diminuir o também arbitrário índice de 80% previsto no 119 LOBO, Jorge. Tag Along: Uma Análise à Luz da Escola do Realismo Científico. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v.14, n.55, jul./set. 2011. pp.240-260 120 Como dizia Comparato, quando a lei fala em majoritário não está se referindo a acionistas preferencialistas; da mesma forma, o conceito de acionista minoritário só faria sentido quando referido ao direito de voto. (COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005 p.310). 121 Essa é a opinião de Calixo Salomão Filho, em nota de n. 82 (COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. P.312). 60 art. 254-A, a fim de estender a OPA também aos preferencialistas, sem inviabilizar transferências de controle. Assim, admitindo que o prêmio de controle deva ser estendido a alguém mais do que simplesmente o controlador, não há qualquer critério razoável para discriminar os acionistas que possuem direito de voto dos que não possuem. Por que, então, compartilhar o prêmio de controle com os demais acionistas da companhia? Como visto, a doutrina apresenta diferentes fundamentos para uma a mesma conclusão: (i) a de que o prêmio de controle representa uma diferenciação para ações iguais; (ii) a de que a transferência de controle representa a “apropriação”, pelo controlador, do intangível e da valorização futura da companhia e a (iii) de que a OPA seria uma forma de viabilizar a retirada do acionista da companhia, como resposta à inexistência de affectio socitatis com o novo controlador. Vale fazer, quanto ao primeiro aspecto, uma importante diferenciação. Uma coisa é direito de fazer jus ao resultado da companhia, inerente a todos os acionistas, outro é o valor pago pelas ações na alienação, que leva em consideração aspectos subjetivos e peculiares de cada operação; e outro é o sobrevalor pago pelo poder de controlar a companhia. Uma ação é uma fração do patrimônio de uma companhia e, em princípio, todas as ações iguais de uma companhia têm o mesmo valor e os mesmos direitos. Isso de forma alguma significa que elas terão sempre o mesmo preço, pois este, assim como o preço de um bem qualquer, varia de acordo com uma série de fatores, tais como as necessidades específicas do comprador ou do vendedor, a falta ou o excesso de liquidez, de oferta e demanda, entre outros. Transações com ações, até mesmo as que ocorrem em bolsa de valores, têm valores diversos – vê-se isso da própria variação natural de sua cotação. Duas operações idênticas, envolvendo o mesmo tipo e quantidade de ações, podem ter preços diversos, não representando isso o descumprimento à igualdade de direitos entre ações de mesma espécie e classe. Logo, é inevitável concluir que o preço das ações não guarda 61 qualquer relação com os direitos do acionista garantidos pela Lei da S.A no que se refere ao patrimônio da sociedade. Passemos, então, à análise de se o prêmio de controle representa, de fato, uma diferenciação para ações iguais. Blocos de ações podem ter atributos que lhes confiram um valor superior ao de ações consideradas individualmente; um sobrevalor diferente do prêmio de controle. É o caso, por exemplo, de bloco de ações equivalente a 5% do capital social, capaz de conferir a seu titular a prerrogativa de requisição de exibição de livros (art. 105), de informações ao Conselho Fiscal (art. 163, §6º), bem como de propositura de ação de responsabilidade contra os administradores (art. 159, §4º). Tal “bloco” tende a valer mais do que uma ação individualmente – e isso é natural já que confere mais direitos do que uma ação isoladamente. Nada mais normal, então, que ao ser alienado seja atribuído a esse bloco um prêmio em relação ao valor de mercado de uma ação isolada. Há nesse exemplo igualmente um prêmio, mas que não é pelo controle, e sim por direitos que aquele bloco confere a seu titular. Esse prêmio tende a ser consideravelmente mais modesto do que o prêmio pago pelo controle, mas nem por isso deve ser desconsiderado. Note-se que o prêmio do exemplo – ou prêmio pelo conjunto de ações – é um componente do preço diverso da simples variação de preço a que nos referimos anteriormente, porque o primeiro somente existe na medida em que o conjunto de ações seja capaz de garantir algum plus em relação a uma ação. Pode esse prêmio pelo conjunto de ações ser considerado uma diferenciação entre ações de mesma natureza? A resposta é igualmente não. Esse prêmio integra o preço pago por qualquer conjunto de ações, sendo inerente a todas as transações de compra e venda de ações, na medida das vantagens que o respectivo bloco ofereça. Dessa forma, um acionista que aliene bloco de ações equivalente a 5% do capital social não estará, por essa razão, lesando a qum quer que seja. 62 Os direitos conferidos por ações idênticas são iguais apenas enquanto acionistas da companhia, em seus direitos de receber dividendos, participar no acervo social, entre outros, mas não no proveito econômico que dela pode advir em uma alienação. A mesma lógica é aplicável ao prêmio de controle, só que o bloco de ações que confere ao seu titular esse direito tende a ter valor bastante superior ao de que qualquer ação ou bloco de ações. Superada a falsa ideia de igualdade de direitos que justificaria a repartição do prêmio de controle, vale analisar o argumento de que o prêmio compreende o intangível e lucros futuros da sociedade. Em regra, quando da aquisição de ações, assim como a de qualquer outro bem, há a consideração, por parte de quem o está adquirindo, do benefício que ele poderá proporcionar. No caso de ações de companhias, um dos fatores considerados é a expectativa de lucros dessa companhia ou, mais propriamente, a perspectiva de rentabilidade de tais ações. Mas o que faz crer que essa expectativa de lucros ou mesmo os intangíveis só sejam “apropriados” na venda das ações do controlador? Uma venda de bloco minoritário não pode levar em conta as perspectivas de rentabilidade da companhia, e por isso, ser alienada com um “prêmio” em relação às demais ações? Imagine-se um investidor profissional, com alta capacitação para avaliação de participações acionárias e conhecimento de mercado, que seja capaz de verificar lucros futuros de uma companhia ou intangíveis não contabilizados – ativos não reconhecidos nas demonstrações contábeis que pertencem à sociedade e não aos seus acionistas. Daí esse investidor adquire bloco de ações minoritário levando em consideração os aspectos por ele verificados. Pois bem, de duas uma: ou ele pagou um “preço mais elevado” pelas ações, de modo que o alienante levou um prêmio por suas ações, com base no intangível e nos lucros futuros da companhia, ou não pagou e se “apropriou” ele mesmo do intangível e dos lucros futuros dos demais acionistas. Correto? Não. Entendemos que a discussão sobre intangível não contabilizado e sobre os lucros futuros em operações de compra e venda de ações é completamente irrelevante, pois confunde valor e preço das ações. Aquilo que não está contabilizado, assim como todos os intangíveis e 63 demais aspectos econômicos que envolvem os ativos de uma companhia podem – e comumente estão – refletidos no preço de mercado ações. Os ativos não reconhecidos nas demonstrações contábeis não são apropriados somente pelo controlador quando da alienação do bloco de controle. Quando alguém aliena a terceiro uma só ação, também há, em princípio, a “transferência” do valor do intangível correspondente àquela ação, se tal valor está refletido no preço de mercado da ação. Isso porque o intangível tende a ser apreçado pelo adquirente e é levado em consideração na formação do preço do negócio. A questão é que o intangível não é agregado ao bloco de controle; é agregado a todo patrimônio da companhia. Ocorre que, ao alienar sua participação, o acionista, seja o controlador ou não, está realizado o valor do intangível correspondente a sua fração de ação, pois em toda transação envolvendo ações, de um bloco ou de uma ação só, pode haver a apropriação de parte do valor “não contabilizado”, uma vez que esse valor é inerente ao preço pago por qualquer ação e não ao sobrevalor pelo controle. Uma companhia, ao ser dissolvida e liquidada, entrega aos seus sócios o valor de venda dos ativos, na proporção de sua participação, sem a distinção entre o controlador, o detentor de “bloco relevante” ou o acionista com somente uma ação; todos recebem na proporção de sua participação. Assim, para efeitos de distribuição dos bens na apuração de haveres, não faz qualquer diferença se as ações compõem ou não o bloco de controle. A discussão sobre intangível não contabilizado e sobre os lucros futuros só faz sentido em se tratando de avaliação de ações, como acontece, por exemplo, quando uma companhia realiza incorporação ou a incorporação de ações. Nesse caso, boa parte dos aspectos subjetivos existentes em uma compra e venda de ações que influenciam a formação do preço são desconsiderados, e aqui talvez resida o principal ponto de confusão sobre a matéria. Relembre-se que o art. 254 foi inserido na Lei das S.A. em decorrência das operações de transferência de controle de bancos comerciais seguidas de incorporação. Nessas operações os controladores dos bancos vendiam suas participações, levando consigo o valor dos intangíveis correspondentes às cartas patentes, enquanto os minoritários acabavam por ver suas participações diluídas nos grandes bancos incorporadores. 64 Perceba-se que o problema não está – e nem nunca esteve – na transferência do controle, já que, quando o controlador de um banco vendia sua participação para outro banco, somente os intangíveis correspondentes ao bloco de controle eram transferidos. Se após tal operação um acionista qualquer vendesse uma ação (uma fração do patrimônio), estaria vendendo também o correspondente ao intangível dessa ação, o qual compreenderia o valor não contabilizado da carta patente. Não é correto o argumento de que na alienação de controle há a transferência do intangível, pois há, no máximo, a sua realização por parte de quem alienando as ações (que, no caso, é o controlador). O intangível não foi “apropriado” pelo controlador; ao contrário, permanece integrando o patrimônio comum, do qual qualquer acionista tem sua respectiva fração. Prova disso é que se o banco alienasse a carta patente (caso o Governo da época permitisse), o valor correspondente a esse intangível seria atribuído a todo o patrimônio da companhia e não do controlador. O problema, segundo entendemos, não estava na alienação do controle, mas na incorporação, ou melhor, na avaliação do patrimônio da sociedade e, consequentemente, no cálculo da relação de troca122. À época não se dispunha de métodos de avaliação tão precisos quanto hoje e que era comum que se avaliassem as instituições financeiras por valor de patrimônio líquido contábil123. Passemos, por fim, ao argumento de que a OPA seria uma forma de viabilizar a retirada do acionista da companhia, em razão da inexistência de affectio socitatis com o controlador124. Esse argumento faz referência, claramente, aos tag along rights, direitos conferidos contratualmente, geralmente por via de acordo de acionistas, para que seus signatários tenham a prerrogativa de vender suas ações juntamente com o acionista alienante, assumindo esse a 122 Embora não se possa deixar de mencionar que, à época, não eram tão claros os conceitos e os mecanismos de controle sobre o insider trading e o abuso do poder de controle – presentes em algumas daquelas operações. 123 PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva. 1995. p.158. 124 O argumento vem sendo considerado como fundamento para o instituído no âmbito da CVM. Vide nesse sentido ver voto proferido pelos respectivos relatores nas decisões dos Processos Administrativos CVM RJ/2005/4069 e RJ/2007/7230. 65 obrigação de somente transferir suas ações se o adquirente comprar, concomitantemente, aquelas detidas pelos acionistas que exercerem o tag along. Os tag along rights não se confundem com o direito de saída conjunta outorgado pela Lei das S.A., pois nascem da autonomia privada vontade das partes, ao contrário da OPA, que constitui norma legal imperativa. Os tag along rights têm fundamento na affectio societatis, na confiança e expectativa típica daqueles que se aliam visando à composição de interesses individuais para o exercício conjunto do controle de uma companhia. A affectio existente consiste, na verdade, na vontade continuada de colaboração para a consecução dos objetivos previstos contratualmente. O exercício do controle conjunto demanda um alinhamento afinado entre os signatários do acordo, de modo a que a sua estabilidade não possa ser posta em perigo a toda vez que um acionista deseje vender suas ações a terceiro. É compreensível que seja interessante às partes terem a prerrogativa de querer sair conjuntamente em um acordo de acionistas, estabelecendo tal obrigação contratualmente, especialmente porque o exercício de controle conjunto é geralmente algo ligado à confiança que os acionistas detêm uns nos outros e aos atributos de cada um. Outra coisa é sustentar que há affectio societatis entre minoritários e controlador em uma sociedade anônima de capital aberto, onde o investimento é, por natureza, mais pulverizado e líquido, estando os investidores ligados entre si mais pela relação de capital do que por qualquer tipo de relação pessoal. A Lei das S.A. quando conferiu ao acionista direito de retirada o fez de forma específica, mediante reembolso do valor das ações (art. 45). Não há motivo, a princípio, para diferenciar as situações nela previstas da alienação de controle, ao menos não por esse motivo. Pense-se em uma incorporação de sociedades. Segundo o disposto no art. 136, IV, da Lei das S.A. o acionista dissidente da sociedade incorporada faz jus ao direito de se retirar da sociedade mediante reembolso do valor de suas ações. Indo além, imagine-se que dessa incorporação de sociedades resulte um novo controlador; que, por exemplo, o controlador da sociedade incorporadora, em razão da relação de troca ajustada, permaneça como controlador 66 após a incorporação, perdendo a condição de controlador o controlador da sociedade incorporada. Tal situação embora envolva a “troca de controlador” não confere ao acionista o direito de se retirar da sociedade, ainda mais segundo os critérios percentuais considerados no art. 254-A125. Para o propósito de resguardar o acionista minoritário quanto a um controlador indesejado a regra do art. 254-A seria incoerente, pois somente é aplicável a aquisições derivadas126. Como se verá quando tratarmos da aplicação prática do art. 254-A, um acionista que adquire progressivamente ações em bolsa de valores e vem a se tornar controlador de uma companhia aberta não está obrigado a realizar uma OPA aos demais acionistas. Seguindo a lógica da affectio societatis, não haveria como justificar, nesse caso, a desnecessidade de oferta ante a presença de um novo controlador. Parece-nos, portanto, problemática a justificativa para a OPA a posteriori com base na affectio societatis existente entre minoritários e acionista controlador de uma companhia aberta. Sem dúvida nossas considerações nos aproximam da terceira corrente, defendida pelos autores da Lei das S.A. de que o art. 254-A, que sustenta que a regra somente estabelece um direito arbitrário aos acionistas que não diz respeito à participação nos resultados ou no acervo da própria sociedade, mas ao preço pelo qual cada acionista vende ações de sua propriedade. Cabe então analisar, brevemente, as doutrinas estrangeiras sobre o tema que vêm sendo invocadas para fundamentar a obrigatoriedade de realização de OPA na alienação de controle de companhias abertas. 5.4. A OPA no direito comparado Até o final dos anos 60 não se tem notícia da existência de regras que limitassem ou proibissem a alienação de controle ou de bloco representativo de ações em companhias abertas brasileiras ou estrangeiras. As regulações que primeiro surgiram nesse sentido resultaram do aumento de ofertas para tomada hostil de controle de companhias abertas em 125 126 O direito de retirada se dá independentemente da troca ou não do controle. Os conceitos relativos a aquisições originárias e derivadas são tratados no Capítulo 6. 67 mercado – o que se tornou possível em razão da alta dispersão acionária alcançada por companhias em mercados mais desenvolvidos, notadamente nos Estados Unidos e no Reino Unido. Nos Estados Unidos, a lei federal Williams Act de 1968 incluiu dispositivos nos capítulos 13 e 14 do Securities and Exchange Act de 1934 tratando da obrigatoriedade de divulgação de informações em caso de oferta para aquisição de controle ou de participação relevante (tender offers127). O acionista controlador lá é livre para vender a posição de controle a qualquer preço sem estender esse direito a minoritários, desde que a operação se dê sem a ocorrência de fraude, insider trading, espoliação ou usurpação de oportunidades comerciais da companhia128. Não se prevê que o acionista minoritário terá o direito a vender suas ações por conta de negociações privadas de controle. A tutela governamental somente se faz presente quando a proposta de aquisição envolve investidores genericamente considerados; caso em que se justifica o esforço para que a operação seja aberta ao público em geral de forma igualitária e com a devida prestação de informações. O arcabouço legal é meramente procedimental e estabelece apenas as informações que devem ser apresentadas quando da realização de uma OPA a priori (para aquisição de controle ou de participações societárias significativas), sem qualquer limitação material a 127 O Williams Act não define o que é uma tender offer. Sua verificação se dá caso a caso, mediante aplicação de teste que a jurisprudência denominou como eight-factor test, por meio do qual a transação é analisada a fim de determinar: (1) se compreende uma oferta dirigida à generalidade dos detentores de valores mobiliários; (2) se envolve uma solicitação para uma percentagem substancial das ações da companhia emissora; (3) oferece um prêmio sobre o preço de mercado; (4) contém termos contratuais pré-determinados (inflexíveis); (5) está condicionada à aceitação de número fixo de ações; (6) possui período de limite pré-determinado; (7) se pressiona para que os acionistas respondam com brevidade; e (8) resultaria na aquisição de uma quantidade substancial de títulos. Vide precedentes SEC v. Carter Hawley Hale Stores, Inc., 760 F.2d 945 (9th Cir. 1985); Wellman v. Dickinson, 475 F.Supp. 783 (S.D.N.Y. 1979). (SEC Interpretation: Commission Guidance on Mini-Tender Offers and Limited Partnership Tender Offers, disponível em http://www.sec.gov/rules/interp/3443069.htm#P34_2354. Acesso em setembro de 2011. 128 Para decisões judiciais confirmando essa regra geral, conferir: Treadway Companies, Inc. v. Care Corp., 638 F.2d 357, 375 (2d Cir.1980); Clagett v. Hutchison, 583 F.2d 1259, 1262 (4th Cir.1978); Zetlin v. Hanson Holdings, Inc., 397 N.E.2d 387, 388 (N.Y.1979); Tryon v. Smith, 229 P.2d 251, 254 (Or.1951); Glass v. Glass, 321 S.E.2d 69, 74 (Va.1984). Apud BAINBRIDGE, Stephen M. There is no Affirmative Action for Minorities, Shareholder and Otherwise, in Corporate Law. Disponível em http://papers.ssrn.com/sol3/Delivery.cfm/SSRN_ID1279742_code109222.pdf?abstractid=1279742&mirid=1. Acesso em setembro de 2011. p.6. 68 cessões de controle. Para efeitos legais, toda e qualquer oferta publica para a aquisição de mais de 5% de ações de determinada classe de sociedade só pode ser efetuada mediante registro na Securities and Exchange Commission, órgão governamental encarregado de fiscalizar o mercado de capitais daquele país. A regra contida no art. 254-A contém maiores semelhanças com regras de países europeus. No Direito Inglês, por exemplo, as cessões de controle se encontram disciplinadas em dispositivos legais esparsos e no City Code on Takeovers and Mergers, editado em 1968 por representantes de grandes agentes do mercado mobiliário de Londres. A regra foi desenvolvida com o intuito de regular ofertas públicas de aquisição de controle, as chamadas takeover bids129, determinando padrões de conduta para as partes na transação, de modo a assegurar que todos os acionistas de uma mesma classe de companhia pudessem ser tratados de maneira igualitária pelo adquirente do controle130. O City Code contém uma série de regras que visam a garantir a adequada prestação de informações aos acionistas e desencorajar aquisições de controle em negócios privados, tal como a que obriga a realização de oferta pública quando uma pessoa, por uma, ou por várias transações, adquire 30% das ações de uma companhia. As operações por ele reguladas são objeto de supervisão e análise de órgão específico denominado Panel on Takeovers and Mergers que tem por objetivo garantir o tratamento equitativo entre os acionistas em aquisições de controle. Na França, a regulação da matéria teve origem em 1973, através de normas editadas pela Association Française des Banques – AFB, que determinavam a possibilidade de acionistas minoritários alienarem suas ações em conjunto com o controlador, quando 129 As takeover bids são ofertas para aquisição de controle, também conhecidas como tomadas hostis de controle. Na legislação brasileira, encontra-se regulada pelo art. 257 e seguintes da Lei das S.A. e, ao contrário da OPA regulada no art. 254-A disciplina OPA a priori, em vista de preceder a tomada de controle. Em mercados com grande dispersão acionária, onde a figura de um controlador majoritário não é tão presente quanto no Brasil, a tomada de controle via OPA a priori é uma das principais formas de aquisição de controle de companhias abertas. 130 “The Code is designed principally to ensure that shareholders in an offeree company are treated fairly and are not denied an opportunity to decide on the merits of a takeover and that shareholders in the offeree company of the same class are afforded equivalent treatment by an offeror. The Code also provides an orderly framework within which takeovers are conducted. In addition, it is designed to promote, in conjunction with other regulatory regimes, the integrity of the financial markets”. The Takeover Code. 10ª edição, de 19 de setembro de 2011, disponível em http://www.thetakeoverpanel.org.uk/wp-content/uploads/2008/11/code.pdf. 69 houvesse a transferência de controle de instituição financeira com alienante identificado. A Lei 89.531/89 introduziu na França a OPA a priori, obrigatória para a compra de mais de um terço das ações votantes de uma companhia. Com a criação do Conselho de Mercados Financeiros – CMF, em 1996, e a edição do Arrêté, em 1998, foram absorvidas as competências de regulação de oferta pública a priori e a posteriori131. Hoje prevalece o princípio da igualdade de oportunidade entre acionistas, do qual resulta a necessidade de formulação de oferta pública para a compra de ações detidas por acionistas minoritários pelo mesmo preço pelo qual a cessão de controle foi realizada132. Na Itália, a matéria é regulada pelo artigo 106 do Decreto Legislativo nº 58, de 24 de fevereiro de 1998 (Texto Único para Finanças – T.U.F.), com a redação que lhe deu o Decreto Legislativo de 9 de novembro de 2007, com vistas a adaptá-lo à Diretiva 2004/25/CE133. O artigo estipula a obrigação de promover a oferta pública para aquisição da totalidade das demais ações é exigível de qualquer pessoa que, por conta de uma aquisição, venha a deter “participação superior a 30%” (o mesmo percentual do texto original do artigo 106)134. No direito português, estabelece-se no artigo 187 do Código dos Valores Mobiliários que está obrigado à realização da oferta aquele cuja participação ultrapasse um terço ou metade das ações com direito a voto135. Com base nos princípios que inspiraram essas legislações, o Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia editou a Diretiva 2004/25/CE e estabeleceu, como regra geral, a realização da oferta obrigatória para casos de aquisição de participação acionária relevante. A Diretiva dispõe em seu art. 5º o seguinte: 131 PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier Latin, 2005. pp. 287 – 291. 132 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada.Vol. III. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 418. 133 CORAPI, Diego. Parecer não publicado apresentado nos autos do Processo CVM RJ/2009/1956, referente ao “Caso TIM”, analisado no Capítulo 6 deste trabalho. 134 Interessante notar que a obrigação independe da aquisição de controle acionário, tal como definido pelo art.2359 do Código Civil. 135 Dispõe o art. 187 do Código dos Valores Mobiliários: “- 1. Aquele cuja participação em sociedade aberta ultrapasse, directamente ou nos termos do n.º 1 do artigo 20.º, um terço ou metade dos direitos de voto correspondentes ao capital social tem o dever de lançar oferta pública de aquisição sobre a totalidade das acções e de outros valores mobiliários emitidos por essa sociedade que confiram direito à sua subscrição ou aquisição”. 70 Proteção dos acionistas minoritários, oferta pública obrigatória e preço justo. 2. Sempre que uma pessoa natural ou jurídica, como resultado de uma aquisição sua ou de terceiros atuando sob mesmo interesse, for titular de valores mobiliários de companhia referida no Artigo 1(1), que, adicionados a participações societárias detidas por ele ou por terceiros agindo sob mesmo interesse, garanta, direta ou indiretamente, percentual de ações votantes que confira o exercício do controle de tal companhia, os Estados Membros deverão assegurar que tal pessoa faça uma oferta pública de aquisição, como meio de proteção dos acionistas minoritários. A oferta pública de aquisição deve ser dirigida, na maior brevidade possível, a todos os detentores de valores mobiliários, para a aquisição da totalidade de seus títulos, por preço justo (…)136. Como se vê, a Diretiva não estabelece um percentual fixo para que haja a necessidade de realização de OPA, ao contrário deixa aos países a faculdade de livremente estabelecerem seus próprios percentuais. As orientações da diretiva foram adotadas por grande parte dos países europeus, mas com algumas diferenças de percentual e de aplicabilidade, como se vê a seguir: País Condições que acionam a obrigação de fazer uma oferta obrigatória Áustria Controle direto ou indireto através da aquisição de mais de 30% dos direitos de voto. Controle indireto através de outros diretos conferidos de influência significativa na empresa-alvo. Criação de participação no controle ao longo do tempo: aquisição de mais 2% dos direitos de voto para uma participação de controle em período de menos de 12 meses, se o ofertante não tiver maioria dos direitos de voto. Aquisição de 30% dos direitos de voto ou aquisição indireta do controle do alvo de acordo com determinadas circunstâncias. Aquisição de 40% dos direitos de voto. Bélgica República Tcheca Chipre Dinamarca Estônia Alemanha 136 Aquisição de 30% dos direitos de voto. Aquisição das ações se o adquirente: -detém a maioria dos direitos de voto na empresa; -passar a ter o direito de nomear ou destituir a maioria dos membros do conselho de administração; -obtém o direito de exercer influência determinante sob a empresa com base no contrato social ou qualquer acordo com a empresa em geral; -controlar a maioria dos direitos de voto devido a um acordo com outros acionistas; ou -é capaz de exercer a influência determinante sob a empresa e detém mais de um terço dos direitos de voto. A obrigação de oferta obrigatória é desencadeada quando a pessoa obteve influência dominante sob a empresa-alvo, e assim -detém a maioria de votos na empresa; ou -tem o direito de nomear ou destituir a maioria dos membros do conselho consultivo ou do conselho de administração; ou -controla, sozinho, a maioria dos votos em razão do acordo celebrado com os demais acionistas. Aquisição indireta ou direta do controle, equivalente à aquisição de 30% dos direitos de voto da empresa-alvo. Essa obrigação é desencadeada se o limite é ultrapassado pelos acionistas envolvidos em um acordo de “ação em conjunto” No original: “Protection of minority shareholders, the mandatory bid and the equitable price. 1.Where a natural or legal person, as a result of his/her own acquisition or the acquisition by persons acting in concert with him/her, holds securities of a company as referred to in Article 1(1) which, added to any existing holdings of those securities of his/hers and the holdings of those securities of persons acting in concert with him/her, directly or indirectly give him/her a specified percentage of voting rights in that company, giving him/her control of that company, Member States shall ensure that such a person is required to make a bid as a means of protecting the minority shareholders of that company. Such a bid shall be addressed at the earliest opportunity to all the holders of those securities for all their holdings at the equitable price (…)”. 71 mesmo que tal acordo não tenha relação com a aquisição de ações da empresa-alvo. Grécia Aquisição de mais de um terço dos direitos de voto; ou aquisição de ainda 3% ou mais dos direitos de voto em um ano além da obtenção entre um terço e 50% dos direitos de voto. Aquisição de 30% e 50% dos direitos de voto. Finlândia Hungria Irlanda Aquisição de mais de 25% dos direitos de voto, desde que nenhum outro acionista seja titular de mais de 10% dos direitos de voto da empresa ou aquisição de 33% dos direitos de voto. Aquisição de 30% dos direitos de voto. Látvia Aquisição de 50% dos direitos de voto. Lituânia Aquisição de 40% ou mais dos direitos de voto. Luxemburgo Aquisição direta ou indireta de 33,33% dos direitos de voto. Malta Aquisição direta ou indireta de 50% mais um dos direitos de voto. Holanda Aquisição de 30% dos direitos de voto. Polônia Aquisição de mais de 66% dos direitos de voto. Espanha Eslováquia O projeto de lei prevê um limite de 30% dos direitos de voto. Atualmente, esta obrigada a apresentar OPA qualquer pessoa que adquira valores mobiliários que confiram o controle. Aquisição de 33% dos direitos de voto. Eslovênia Aquisição de 25% dos direitos de voto. Suécia Aquisição de 30% dos direitos de voto; ou aumento de 30% de participação se o titular alcançou 30% de participação acionária decorrente de medidas tomadas pela empresa ou outro acionista. No resto do mundo é possível identificar, ainda, outros países que adotam regras que garantem, de uma forma ou de outra, alguma espécie de tag along ao acionista minoritário, tais como o México, China e Japão137. 5.5. O paralelo com doutrinas estrangeiras Dada a existência de regras dessa natureza em outros regimes legais, não é raro que doutrinadores brasileiros se utilizem de doutrinas estrangeiras a respeito do fundamento da obrigatoriedade de realização de OPA em operações de alienação de controle. Inclusive, é curioso que mesmo com características peculiares e tendo como origem conjuntura bastante particular, a obrigação prevista inicialmente no art. 254 da Lei das S.A., venha a ter encontrado fundamentos idênticos aos desenvolvidos no exterior para a exigibilidade de OPA. Como informa Rolf Skog, a regra geral contida na Diretiva Europeia é apoiada em três justificativas, que já foram objeto de menção neste trabalho, quais sejam: direito ao tratamento igualitário; direito à divisão do prêmio de controle e direito dos demais 137 No México a garantia está prevista no art. 98 da de Mercado de Valores, de 2005; na China, a previsão está contida no artigo 85 da Lei de Valores Mobiliários (Securites Law of the People’s Republic of China); e no Japão a obrigação decorre do art. 27-13, §4º da Financial Instruments and Exchange Law. 72 acionistas da companhia de poderem, se desejarem, sair de uma companhia onde ocorra uma mudança de controle138. Entre nós, as doutrinas que mais colaboraram para a defesa da obrigatoriedade da OPA foram (i) a de que o controle pertence à companhia, (ii) a do tratamento igualitário; e (iii) a do private benefits of control. Começando pela primeira, deve-se fazer referência aos pioneiros na matéria Berle e Means. A eles é atribuída a tese de que o controle pertence à companhia e não a um ou alguns acionistas em particular139, sendo, portanto, um bem social (corporate asset). Essa ideia foi objeto de duras críticas. Observou-se que ela implicaria sempre o ajuizamento, pelos acionistas não controladores, de uma ação social uti singuli (derivative action), produzindo indiretamente um benefício para os novos controladores, sobretudo se acionistas majoritários, pois eles participam, em posição privilegiada dos lucros sociais140. Além disso, a parcela de valor que a ação representa do patrimônio social é propriedade de seu acionista titular e não da companhia. Ao admitir, como faziam Berle e Means, que a cada vez que o controle fosse alienado e o prêmio depositado em favor da companhia na forma de ativo social, esta teria um acréscimo injustificado no seu patrimônio, pois estaria recebendo por um controle que estava alienado, e que em última análise 138 SKOG, Rolf. Does Sweeden Need a Mandatory Bid Rule? http://www.suerf.org/download/studies/study2.pdf. Acesso em setembro de 2011. 139 Amsterdam, 1997, disponível em A síntese das ideias de Berle e Means dessa forma, feita entre nós pela primeira vez por Comparato (COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. p. 300) e reproduzida pela maior parte da doutrina nacional, nos parece fugir da tese central dos autores. A tese central dos autores não é a de que “o poder de controle seria um ativo da sociedade”. Há apenas uma menção a isso (p.216-217) em um trecho da obra que passa quase como um “desabafo”, uma espécie de solução sugerida para um caso concreto discutido pelos autores (Stanton v. Schenck, 252 N. Y. Supp. 172). A tese é focada antes em demonstrar as características do novo modo de organização de propriedade, realizado através das companhias, ressaltando como essa estrutura tende a separar a propriedade do controle, em razão de aspectos como a dispersão acionária, a existência de ações sem direito de voto, a possibilidade de modificação de direitos dos acionistas etc. Trata-se de um trabalho altamente descritivo, cuja parte crítica está na elaboração de analogia entre a companhia e a sociedade democrática. No mais, o trabalho possui tom crítico com relação à concentração de poder nas companhias e indica a necessidade de regulação estatal desse novo tipo de organização da propriedade. 140 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. p. 300. 73 permanecia seu, na medida em que nova mudança de controle resultaria novamente no recebimento do prêmio141. As ideias de Berle e Means inspiraram William D. Andrews que publicou, em 1965, artigo142 sustentando que sempre que um acionista controlador vende suas ações, todos os outros acionistas detentores de ações de mesma classe têm o direito de ter igual oportunidade de vender suas ações, ou parte delas, nas mesmas e condições que o controlador. O controle, segundo o autor, seria uma espécie de acréscimo patrimonial que surge a partir da formação do patrimônio inicial da companhia, representando, nesse sentido, uma espécie de lucro, do qual todos os acionistas teriam direito a sua parte. O prêmio de controle seria do controlador, mas deveria ser compartilhado com os demais acionistas por uma questão de equidade e tratamento igualitário. É a partir dessa tese que surge o embrião de uma oferta pública obrigatória a posteriori, com a divisão do prêmio de controle entre todos os acionistas, embora esta jamais tenha sido adotada nos Estados Unidos143. A tese possui ainda mais um aspecto relevante: a venda deve ser sempre pro rata entre todos os acionistas, proporcionalmente à percentagem de ações do antigo controlador a serem adquiridas pelo adquirente do controle144. A regra de igualdade de oportunidade de Andrews serviu de base para o desenvolvimento da doutrina do “equal opportunity rule”145 141 146 e para a aplicação de regras PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 57. 142 ANDREWS. William D. The stockholder’s right to equal opportunity in the sale of shares. Harvard Law Review. V.78, Jan., 1965, p. 515. 143 PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier Latin, 2005. pp. 60-61. 144 Sustentava o autor que “toda vez que o titular do controle vende suas ações, todos os outros acionistas (da mesma classe) têm o direito de ver-se assegurada a mesma oportunidade de vender suas ações, ou uma parcela pro rata delas, em idênticas condições”. (ANDREWS. William D. The stockholder’s right to equal opportunity in the sale of shares. Harvard Law Review. V.78, Jan.,1965. p. 515). 145 TESTA, Pedro. The Mandatory Bid Rule in the European Community and in Brazil: A Critical View. 2006. Disponível em SSRN: http://ssrn.com/abstract=943089 ou http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.943089. Acesso em setembro de 2011. p.20 146 Outro autor comumente apontado como tendo contribuído para o desenvolvimento do “equal opportunity rule” é JENNINGS, Richard W. Trading in Corporate Control. California Law Review, Vol. 44, 1956. 74 que obrigam a realização de OPA em casos de aquisição de participação relevante, também conhecidas como mandatory bid rules (MBR)147. O tratamento igualitário foi criticado pela doutrina, sob o argumento de que a regra de divisão do prêmio de controle tem como efeito reprimir transferências de controle ao invés de beneficiar minoritários. Dar aos minoritários a chance de alienar suas ações nas mesmas condições que o controlador tem como consequência fazer com que o comprador tenha que adquirir mais ações do que seria necessário para o exercício do controle, o que inviabiliza economicamente cessões de controle. Isso ganha ainda maior relevância em companhias de capital disperso e controle gerencial, onde limitações a transferências de controle tendem a dar excessiva estabilidade à administração, com reflexos negativos sobre a condução dos negócios, dada a falta de instrumentos reais de controle e “pressão” por parte dos acionistas148. A tese da venda pro rata de Andrews foi igualmente objeto de críticas, especialmente pelo fato de que a ofertante que objetivasse a aquisição de parte das ações de emissão da companhia – e não a totalidade – ver-se-ia na incômoda situação de ter como sócio o antigo controlador, com ações suficientes para dificultar o pleno exercício do controle. Veja-se o exemplo de um de seus críticos: Tomando um caso hipotético: 10% de uma emissão com um valor agregado de mercado de U$ 500 milhões poderia normalmente implicar no controle de uma empresa (isso levando-se em consideração as particularidades do mercado americano) e constituiria um investimento de U$ 50 milhões. A regra de igualdade de oportunidades, se aplicada de maneira a garantir que uma oferta pelos 10% do capital dessa companhia seja estendida a todos os acionistas, resultaria na situação de o vendedor ter de deixar U$45 milhões sob o risco e administração do adquirente obtendo apenas U$ 5 milhões. É pouco provável que muitos controladores aceitassem esses termos. Assumindo, por hipótese, que isso fosse satisfatório para o acionista que aliena o controle, provavelmente não seria para o adquirente. Ainda que este 147 A doutrina de Andrews é expressamente mencionada no Relatório sobre Partial Takeover Bids, de 1985, elaborado pelo Companies and Securities Law Review Committee, órgão que compõe o Takeovers Panel Inglês. Dispõe o relatório: “This paper favours recognition of control as a corporate asset. The case for any control premium to be vested proportionately in all shares is based on fundamental notions of fairness and equity: a share is a proportionate interest in the enterprise, and no aggregation of shares ought fairly claim entitlement to a value derived from the enterprise greater than the sum of the individual value of each share. The strongest support for this case comes in the writings of Professor David Bayne S.J. [2] - although he is primarily concerned with sale by a controller - and of Professor William Andrews [3]. The Andrews position was restated by A.B. Greenwood as an NCSC view in a paper to CEDA in March 1982” (grifamos). 148 EASTERBROOK, Frank H. FISCHEL, Daniel R. The economic structure of corporate law. Cambridge: Harvard University Press, 1991. p.127. 75 insistisse, como parte da transação, na renúncia dos membros do conselho de administração, não poderia estar seguro de que seu investimento de U$ 50 milhões, representando 10% do capital, significaria o controle se cotejado com os U$ 45 milhões representando 9% mantido pelo anterior controlador149. As críticas não impediram a aceitação parcial das ideias de Andrews em países europeus, mediante a positivação de regras de MBR, com fortes influências, posteriormente, para extensão de seus princípios a alienações de controle privada. Partindo da lógica razoavelmente aceita nesses países europeus de que operações de fusão, incorporação e takeover bids necessitam ser reguladas e ensejariam a aplicação de MBR, passou-se também a questionar se a proteção conferida aos minoritários em tais operações não deveria abranger igualmente casos de cessão privada de controle. Com efeito, nas operações que dão ensejo a MBR, tais como fusões, incorporações e takeover bids os minoritários tem direito a voto, podendo aceitá-las ou não; e, dada a dispersão acionária de muitas companhias estrangeiras, é comum que essas operações sejam bloqueadas por minoritários. Além disso, o procedimento de oferta demanda a divulgação de uma série de informações aos minoritários sobre o ofertante e sobre a oferta. Em razão da inexistência desse tipo de mecanismo em cessões privadas de controle, sobre as quais somente alienante e adquirente têm voz, haveria entre os diferentes tipos de concentração acionária uma importante diferença regulatória em termos de proteção aos minoritários150, pelo que se justificaria a regulação também das alienações privadas de controle. Porém, é importante notar que o negócio que configura a tomada hostil de controle é diferente do da alienação privada de controle. Na alienação privada de controle o alienante detém isoladamente o controle da companhia, ou seja, o controle é resultado da propriedade da titularidade de bens (ações) do controlador, que são por sua natureza alienáveis. Já as takeover bids pressupõem um perfil acionário diverso, referente à companhia com capital disperso, onde não há a detenção de controle por parte de um acionista ou, havendo, este é controle minoritário. O sucesso da operação depende da aceitação da oferta 149 LETTS, J. Spencer. Sales of Control stock and the rights of minority shareholders. The Business Lawyer, p.620 apud PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva. 1995. p.172. 150 Sobre o assunto vide PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva. 1995. p.168. 76 por parte de número suficiente de acionistas – que, isoladamente, não possuem controle – mas cujas ações, em conjunto, formam um bloco de controle. É indiscutível que, pela própria natureza da operação, existe uma paridade maior entre minoritários, visto que para a formação do bloco de controle a ser adquirido a quantidade de ações detidas por cada um dos alienantes é relevante, de modo que ex ante todos acionistas são, por assim dizer, “importantes” para o bom resultado da operação, enquanto na alienação privada de controle, as condições do negócio só podem ser determinadas por aquele que é titular do bloco de controle. O recurso a doutrinas estrangeiras referentes ao MBR para fundamentar a exigibilidade de OPA a posteriori prevista no art. 254-A da Lei das S.A. possui, pelos mesmo motivos, diferenças do ponto de vista normativo. Como regra geral, para a aplicação da MBR não importa se o adquirente do controle ou de bloco de ações o adquiriu de quem possuía o controle, ou seja, diferentemente da regra brasileira, não é necessário que a aquisição seja derivada do antigo controlador. A MBR busca estender aos demais acionistas o prêmio pago por bloco de ações negociado, ainda que não represente a alienação de controle151. Mesmo a aquisição de controle mediante a aquisição progressiva de ações em bolsa para a formação de um novo bloco de controle enseja a MBR, pois há, nesse caso, a aquisição do controle, sem que haja propriamente sua alienação. O outro fundamento para a exigibilidade de OPA em casos de aquisição de participação acionária relevante, também utilizado entre nós como fundamento em doutrinas estrangeiras é a doutrina do “private benefits of control” (PBC)152. Segundo esse entendimento, o prêmio de controle seria reflexo de uma insuficiente proteção aos minoritários, resultado da possibilidade de os acionistas controladores se apropriem dos chamados benefícios privados do controle (PBC), tais como empréstimos subsidiados e operações com partes relacionadas. O uso destes benefícios justificaria o sobrevalor pago pelo adquirente pela expectativa de recuperar seu investimento através de 151 Conforme dispõe o Report on the implementation of the Directive on Takeover Bids, p. 9. Fonte: Comissão Europeia. Disponível em http://ec.europa.eu/internal_market/company/docs/takeoverbids/2007-02-report_en.pdf. Acesso em setembro de 2011. 152 Vide DYCK, A. and ZINGALES, L. Private Benefits of Control: An International Comparison. Journal of Finance. 2004. Disponível em http://www.nber.org/papers/w8711.pdf e HOFSTETTER, Karl. One size does not fit all: Corporate Governance for Controlled Companies. 2005. Disponível em www.hertig.ethz.ch/LE_200506_files/Papers/Hofstetter_Corporate_Governance_2005.pdf. Acesso em setembro de 2011. 77 expropriações indevidas de recursos da companhia. Por essas razões, este sobrepreço deveria ser compartilhado com os minoritários no momento da alienação de controle153. A doutrina costuma identificar dois tipos de PBCs, os benefícios externos e os benefícios internos154. Os benefícios externos são aqueles que o controlador possui na qualidade de acionista, tais como poder eleger os membros da administração, alterar o estatuto social e a estrutura de capital da companhia, tomando decisões que não necessariamente são consideradas boas pelos minoritários. Incluem-se nesse tipo de “benefícios” as decisões de aumentar sua participação na companhia e de alienar todas as ações em bloco. Os benefícios internos, por sua vez, são os que decorrem da possibilidade de o controlador, na qualidade de membro da administração da companhia, notadamente de sua diretoria, apropriar-se de ativos, informações e oportunidades da companhia. São exemplos de benefícios internos: (i) desvio de recursos através da movimentação de contas bancárias; (ii) realização de operações com partes relacionadas fora das condições de mercado (e.g. empréstimos a juros baixos, venda de bens por preço inferior ao de mercado etc.); (iii) utilização de bens sociais para interesses privados (e.g. uso particular de automóveis, compartilhamento de equipamentos e instalações com sociedades sob controle comum sem o devido rateio das despesas etc.); (iv) aproveitamento exclusivo de oportunidades comerciais surgidas no âmbito da companhia, relacionadas às suas atividades (e.g. celebração de contrato por intermédio de outras sociedades do controlador sem o devido compartilhamento dos ganhos decorrentes com os minoritários); e (v) uso de informações confidenciais da companhia para interesses próprios. A alienação do controle de companhia seria um tipo de benefício privado externo, que, nessa qualidade, estaria sujeita às regras de mercado, e resultado do próprio direito que tem o controlador de dispor livremente de sua propriedade, assim como qualquer acionista em relação às suas respectivas ações. 153 EIZIRIK, Nelson; et. al. Mercado de Capitais regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 587. HOFSTETTER, Karl. One size does not fit all: Corporate Governance for Controlled Companies. 2005. Disponível em www.hertig.ethz.ch/LE_2005-06_files/Papers/Hofstetter_Corporate_Governance_2005.pdf. Acesso em setembro de 2011. 154 78 Trata-se de algo lícito e legítimo. O problema é que, segundo os partidários da doutrina dos PBCs, no valor do prêmio estariam incluídos os benefícios internos (tipicamente ilícitos), que resultam da quebra dos deveres fiduciários dos administradores em relação aos acionistas (arts. 154 a 157 da Lei das S.A.). Seguindo essa lógica, maiores seriam os prêmios de controle quanto maiores fossem as possibilidades de extração de PBC, o que, por sua vez, tenderia a ocorrer em companhias com menor nível de controle e fiscalização sobre os atos dos administradores e controladores (com baixos padrões de governança corporativa). Esse entendimento pode ser corroborado pela análise empírica dos prêmios de controle pagos em mercados onde a governança corporativa é considerada menor155. A extensão do prêmio de controle aos minoritários seria, assim, uma forma de socializar os benefícios privados do controle. Esse entendimento merece algumas considerações. Entendemos que os benefícios privados externos sequer podem ser chamados de “benefícios”. O controle não é um poder de direito, mas de fato; que emerge a partir da titularidade de bloco de ações suficientes para determinar os negócios da sociedade. O poder de decidir, ainda que contra a vontade dos minoritários, decorre do exercício do direito de propriedade do titular da maioria das ações com direito de voto. O mesmo se pode dizer quanto à possibilidade de alienar tais ações, já que a livre disposição do bem também integra o direito de propriedade. A esses atributos da propriedade sobre o bloco de controle é conferido um valor adicional, um prêmio. Mas isso não representa de forma alguma um “benefício”; assim como não é “benefício”, por exemplo, o direito de eleger um membro do Conselho de Administração por parte do titular de 10% de ações preferenciais sem direito de voto de emissão de companhia aberta (art. 141, §4º, II da Lei das S.A.). Essas são prerrogativas decorrentes da propriedade de um bloco determinado de ações capaz de conferir tais direitos. 155 Vide estudo de ANDREZZO, Andrea Fernandes. A Alienação de Controle de Companhia Aberta e a Recente Reforma da Legislação Societária – Efetivo Avanço?. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 130, Malheiros. Abr-Jun. 2003. pp. 160-179. 79 Assim, entendemos que no prêmio de controle estão incluídos não só os eventuais benefícios privados ilícitos, que representam lesão aos acionistas minoritários, como também os lícitos, que sequer são “benefícios”. Visto que os atributos decorrentes da propriedade das ações que conferem o controle são lícitos e legítimos, a alegação de que o prêmio de controle deve ser dividido com minoritários passa a fundamentar-se, basicamente, na premissa de abuso, ou melhor, de cometimento de ilegalidades por parte do controlador. Tal entendimento parte de premissa de má-fé por parte do adquirente do controle para justificar uma divisão, com os minoritários, do eventual produto do ilícito. Fosse esse o fundamento da OPA, a premissa de má-fé estaria presente em absolutamente todas as operações de alienação de controle156, tendo em vista que o dispositivo do art. 254-A não tem qualquer mecanismo para distinguir controladores que extraem maior ou menor benefício privado. Da mesma forma, representaria um estanho incentivo ao cometimento de ilícitos, já que a premissa seria a de que ele os estaria de qualquer forma cometendo. A relação de altos prêmios de controle com maior possibilidade de extração de benefícios privados é parcialmente verdadeira, pois diversos outros aspectos que constituem o prêmio de controle nada têm em comum com a possibilidade de extração de benefícios por parte do controlador. O pagamento de um prêmio pelas ações do bloco de controle pode ter como explicação a expectativa do adquirente em melhor administrar a companhia, mediante a aplicação de tecnologia ainda não utilizada, pela adoção de planejamento fiscal mais eficiente, ou em decorrência de sinergia específica que garanta ao adquirente do controle uma vantagem comercial em relação ao antigo controlador. Esses fatores, e muitos outros, influenciarão o valor do prêmio de controle, ainda que a possibilidade de extração de benefícios privados do controle seja nenhuma. 156 Em abandono ao brocardo Bona fides semper praesumi nisi mala - Sempre se presume a boa-fé, se não provar-se existir a má. 80 Há de se levar em consideração, ainda, que assim como há benefícios privados do controle, há “custos privados do controle”157, que não são incorridos pelos acionistas minoritários. As ações do bloco de controle, consideradas em conjunto, geralmente possuem menor liquidez do que pequenas quantidades de ações – o que é natural, visto que há menor quantidade de investidores capazes de, a qualquer momento, desembolsar valor correspondente a grandes quantidades de ações. Igualmente, os custos incorridos pelo controlador para a fiscalização da administração da companhia geralmente são superiores aos suportados pelos demais acionistas, uma vez que é ele quem, na maior parte das vezes, possui mais capital investido e, portanto, está sujeito a maior risco pela má administração da companhia. A existência de custos privados do controle não justifica qualquer medida compensatória, pois é um ônus decorrente da propriedade das ações. Ante a isso, questionase: seria justo socializar o benefício privado do controle sem considerar os custos privados do controle? Entendemos que o estudo para a compreensão dos private benefits of control é importante mais para o desenvolvimento de mecanismos de governança corporativa que auxiliem o controle e fiscalização da administração e dos controladores, do que para justificar a obrigação de realização de OPA para a divisão do prêmio de controle, sendo inaplicável tal doutrina para os fins de justificação da regra contida no art. 254-A da Lei das S.A., assim como a tese do tratamento igualitário e a do corporate asset de Berle e Means. 157 HOFSTETTER, Karl. One size does not fit all: Corporate Governance for Controlled Companies. 2005. Disponível em www.hertig.ethz.ch/LE_2005-06_files/Papers/Hofstetter_Corporate_Governance_2005.pdf.; e KANG, Jangkoo e KIM, Joon-Seok. Private benefits of control and firm leverage: An analysis of Korean firms. 2006. Disponível em http://business.kaist.ac.kr/re_center/fulltext/2006/2006-053.pdf. Acesso em setembro de 2011. 81 6 – CARACTERÍSTICAS DA ALIENAÇÃO DE CONTROLE Como visto nos capítulos anteriores, está longe de haver unanimidade entre os doutrinadores brasileiros quanto aos fundamentos e justificativas para a aplicabilidade da OPA a posteriori prevista no art. 254-A. A inserção do instituto da OPA a priori no direito brasileiro, em 1976, teve por explicação fatores históricos peculiares que não mantinham relação alguma com a ocorrência de takeover bids, ofertas características de mercados mais desenvolvidos, nos quais as companhias possuem capital disperso; razão pela qual o paralelo com doutrinas e legislações estrangeiras encontra, como visto, sérias limitações. As semelhanças entre a OPA “à brasileira” e as regras de Mandatory Bid Rules só se justificam no plano subjetivo, quando tratadas como “medidas protetivas” a fim de garantir o tratamento “igualitário entre os acionistas”. Objetivamente, pode-se dizer que divergem: (i) quanto à origem, já que no Brasil surgiram a partir de operações de incorporações de bancos comercias, na década de 70, em função de política do Banco Central da época (de não conceder novas licenças, conforme mencionado no Capítulo 4 acima), enquanto no exterior originaram-se em decorrência do aumento de tomadas hostis de controle; (ii) quanto aos fundamentos – estando a atenção, no Brasil, sempre voltada para a extensão do prêmio de controle aos minoritários quando da alienação do controle; e em países estrangeiros sobre a necessidade de ampla divulgação de informações para a tomada de decisão informada pelos acionistas e à oportunidade de alienar suas ações quando da aquisição de bloco considerável de ações, independentemente de tal bloco conferir ou não o controle da companhia; e 82 (iii) sua aplicabilidade prática é distinta – primeiro, porque no Brasil a OPA é a posteriori e no exterior a priori; segundo, porque no exterior a OPA só é exigível em casos de aquisição originária de controle decorrente de takeover bids, enquanto no Brasil dá-se exclusivamente em aquisições de controle derivadas. Não obstante as diferenças e semelhanças que possam ser aventadas na doutrina estrangeira, relativa aos aspectos teóricos sobre o tema, o fato é que, do ponto de vista prático, encontra-se em vigor o art. 254-A, o qual, independentemente das razões o fundamentam, exige a realização de OPA a posteriori nos casos de alienação de controle de companhias abertas brasileiras. Vejamos, então, sob o aspecto prático, como se caracteriza a alienação de controle para fins do art. 254-A da Lei das S.A. Dispõe o art. 254-A que a alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia. Nesta oferta, o adquirente deve assegurar que o preço pago pelas demais ações seja de, no mínimo, igual a 80% do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle. A alienação de controle foi definida pelo §1º do mesmo artigo como a transferência, de forma direta ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade. Para fins de análise do dispositivo legal, o presente capítulo será estruturado da seguinte forma: (i) trataremos dos elementos gerais que caracterizam a alienação de controle segundo a doutrina; (ii) em seguida, trataremos de identificar os destinatários da oferta, bem como os valores mobiliários cuja transferência caracteriza a alienação de controle; (ii) analisaremos as modalidades específicas de alienação de controle e suas particularidades; (iii) abordaremos o problema da alienação de controle minoritário; para, enfim, analisarmos o 83 procedimento da OPA e as regras de autorregulação sobre a matéria. Os tópicos serão abordados juntamente com casos concretos, presentes na jurisprudência da CVM, ou com casos exemplificativos. 6.1. Elementos gerais para a caracterização de alienação de controle A doutrina ressalta três elementos fundamentais para que se caracterize a alienação do controle acionário, a saber: (i) que da operação, em seu conjunto, resulte a presença de um novo acionista controlador ou grupo de controle; (ii) que a transferência do controle, qualquer que seja a sua modalidade, apresente um caráter oneroso; e (iii) que tenha ocorrido a transferência da totalidade ou de parte de ações ou de direitos sobre tais ações pertencentes ao antigo controlador158. O primeiro elemento significa que da operação de transferência deverá resultar a transferência de todas ou de parte das ações integrantes do bloco do controle para um terceiro, o qual assumirá a posição de novo acionista controlador da companhia. Se da operação não resultar um novo controlador, direto ou indireto, não há alienação de controle, mas mera reestruturação societária. Exemplo disso é operação que envolve a constituição de sociedade com o fim de consolidar e estabilizar o controle de companhia aberta. Em operações do tipo, acionistas pessoas físicas aportam as ações que detém de companhia aberta em sociedade nova, que passa a ser controladora direta da companhia aberta. Neste caso, a alteração de controle direto não configura alienação de controle, pois indiretamente os controladores permanecem sendo os mesmos. Esse aspecto é particularmente complexo quando se trata de alienação de ações que compõem bloco de controle compartilhado. Como se verá adiante, o terceiro adquirente deve 158 EIZIRIK, Nelson. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 239. 84 ser um novo integrante do bloco de controle, de forma que, como regra geral, a troca de posições acionárias ocorridas dentro de blocos de controle compartilhado (operação denominada intra bloco) não caracteriza, para fins do art. 254-A, a alienação de controle, a menos que dela resulte a alteração na formação da vontade social, com a efetiva troca de controle. O segundo elemento destacado pela doutrina é o da onerosidade, que significa que deve haver pagamento em dinheiro ou em bens pelas ações, valores mobiliários ou direitos de subscrição que ensejam a transferência do controle. Operações de cessão gratuita de ações, portanto, não representam alienação de controle acionário. Hipóteses de cessão gratuita de ações, valores mobiliários ou direitos de subscrição, por parte do acionista controlador, não são comuns e podem gerar desconfiança relacionada à possibilidade de ter havido compensação oculta para o alienante, ou seja, alguma espécie de fraude à lei. Por outro lado, é comum a cessão gratuita em casos de companhias em difícil situação econômico-financeira, nas quais o novo acionista majoritário ingressa na companhia para aportar recursos, possibilitando, assim, que a companhia continue exercendo suas atividades. Nesse caso, justifica-se economicamente a operação, pois que, para os antigos controladores, é melhor ceder o comando da sociedade para ter uma parcela menor de ações de uma companhia saudável, do que possuir o controle de uma companhia falida. É necessário verificar-se constantemente se, esse ex-controlador, atual minoritário da companhia, irá ou não alienar o restante de suas ações ao beneficiário da cessão gratuita. Caso isso ocorra, ter-se-á situação interessante: embora o ex-controlador, em um segundo momento, não esteja transferindo propriamente o bloco de controle, a operação, considerada em conjunto com a cessão gratuita, poderá ser entendida como uma alienação de controle. No momento da alienação de ações do ex-controlador para o atual (que isoladamente não configura alienação de controle), será conferido o caráter oneroso à operação. O fundamento de tal critério de determinação de alienação de controle é o de que se não há qualquer preço a ser pago ao controlador pelas ações, não há preço a ser estendido 85 aos minoritários, sendo descabido se falar em OPA a posteriori159. Nesse ponto, toda a discussão prática na determinação de uma alienação de controle gira sobre o prêmio de controle a ser estendido – tema que, como veremos, é objeto de controvérsias, especialmente em alienações de controle indireto160. O terceiro critério estabelecido pela doutrina para que se caracterize a alienação do controle acionário é o de que tenha ocorrido a transferência de ações ou de direitos sobre tais ações pertencentes ao antigo controlador. O art. 254-A da Lei das S.A. é expresso no que tange à transferência, pois se o controle é adquirido sem que o novo controlador adquira ações ou títulos conversíveis em ações do antigo controlador, ou de direitos sobre tais ações, não será obrigatória a realização de uma OPA. A compreensão desse aspecto demandará nossa análise sobre os conceitos doutrinários de aquisição originária, derivada e semiderivada, bem como de alienação de controle por etapas. Os três critérios apontados pela doutrina buscam criar regras gerais que possibilitem a identificação da ocorrência de uma alienação de controle acionário. Esses critérios, diga-se, não são fixos nem absolutamente precisos, pois há casos em que alguns fatores dificultam sua determinação. 6.2. Destinatários da Oferta e Valores Mobiliários considerados para os fins do Art. 254A A redação do art. 254-A da Lei das S.A., incluído na Lei das S.A. pela Lei nº 10.303/2001, encerrou as dúvidas existentes quando da vigência do art. 254 quanto à 159 Seguindo essa lógica, Cantidiano vai além ao afirmar que apenas se justifica a apresentação de OPA pelo adquirente no caso de cessão onerosa em que há pagamento de prêmio de controle. (CANTIDIANO, Luiz Leonardo. Reforma da Lei das S.A. Comentada. Rio de Janeiro: Renovar. 2002. p.240.). Em sentido contrário, Modesto Carvalhosa entende que basta haver caráter oneroso, pois não se pode extrair da lei que o pagamento de prêmio é condição para obrigatoriedade de o adquirente formular OPA a posteriori (CARVAHOSA, Modesto; EIZIRIK, Nelson. A nova Lei das S.A., São Paulo: Saraiva, 2002. p.399). 160 Na alienação indireta de controle, na qual a companhia cujas ações adquiridas é proprietária de outros ativos que não somente as ações da companhia aberta, é comum a discussão para a determinação do valor a ser estendido aos minoritários na OPA. O assunto será abordado adiante e comentado com maior profundidade na análise do Caso Arcelor/Mittal. A discussão do valor da oferta na extensão do prêmio de controle é levantada também pelos defensores da aplicação do art. 254-A aos casos de incorporação, que será comentado na análise do Caso Suzano. 86 necessidade ou não de extensão da OPA aos acionistas detentores de ações preferenciais, pois determinou que os destinatários da oferta são os titulares de ações com direito de voto que não integrem o bloco de controle161. O extinto art. 254 da Lei das S.A. dispunha que deveria ser dado tratamento igualitário aos acionistas minoritários mediante oferta pública para aquisição de ações. No entanto, o dispositivo não deixava claro quem seriam os minoritários, o que dividia a opinião da doutrina no que diz respeito à sua abrangência162. A Resolução CMN nº 401, que regulamentou as alienações de controle, limitou a obrigação de ofertar apenas aos titulares de ações com direito a voto, entendimento esse que veio a ser consagrado pela redação do art. 254-A. A nova redação, entretanto, não dirime todas as dúvidas relativas à questão. Como é sabido, as ações ordinárias possuem, por sua própria natureza, o direito de voto, conforme preceitua o art. 110 da Lei das S.A. No entanto, é possível que as ações ordinárias tenham sua prerrogativa suprimida na forma do art. 120 da Lei, em decorrência da inadimplência do acionista em relação a suas obrigações estatutárias e/ou legais. Diante disso, pode-se questionar se as ações com direito de voto suspenso são objeto ou não de OPA por alienação de controle. O entendimento da doutrina é o de que há uma diferença entre o direito de usar o voto e o direito de gozar e dispor do direito de voto em si. A assembleia geral, embora tenha o poder de suspender temporariamente o exercício do direito de voto, não pode suspender o 161 Embora haja ainda críticas quanto à escolha legislativa. Vide PARENTE, Norma. Principais inovações introduzidas pela Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, à Lei das Sociedades por Ações. In: LOBO, Jorge (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. São Paulo: Forense, 2002.. pp. 39-40. 162 Para Luiz Leonardo Cantidiano, “a noção de acionista minoritário representa um atributo que é mais qualitativo do que quantitativo, um status, cujo referencial necessário é o poder de controle e não o direito de voto” (CANTIDIANO, Luiz Leonardo. Alienação e aquisição de controle. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, ano XXIV, n. 59, 1985. p. 64). Em sentido oposto, Alfredo Lamy Filho, em parecer de 1987, afirmou que “a dedução evidente da leitura do texto, é a de que se o controle está em função da maioria com direito a voto, obviamente a lei se referia à minoria de acionistas titulares de votos que, somados aos daquela maioria, são a totalidade dos que interferem na formação do controle” (LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A.: pressupostos, elaboração, aplicação. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 683). 87 direito de gozar dos benefícios do voto. Ou seja, mesmo com o direito de voto temporariamente suspenso, o acionista não perde o direito de gozo dos benefícios conferidos por tal direito, razão pela qual não devem tais acionistas ser excluídos da OPA163. Ao mencionar ações com direito de voto e não ações ordinárias, a lei societária faz surgir uma questão conexa com a tratada acima, a saber: acionistas preferencialistas com direito de voto podem vir a ser caracterizados como destinatários da oferta? Pela redação do artigo, depreende-se que ações preferenciais com direito de voto conferido pelo Estatuto terão o direito de vender suas ações em OPA em virtude de alienação de controle acionário. O problema está em saber se a Lei das S.A. incluiu no conceito de ações com direito de voto as ações preferenciais que tenham adquirido o direito em virtude do não pagamento de dividendos na forma do art. 111, §1º. Carlos Augusto Junqueira de Siqueira, tratando do problema, opina no seguinte sentido164: “São destinatários da oferta pública todas as ações com direito permanente de voto. Geralmente, as ordinárias. Quanto às preferenciais, terão direito a habilitar-se na oferta caso tenham estatutariamente assegurado o direito de voto ou, ainda que não possuam tal direito, o estatuto social estabeleça como uma de suas vantagens a participação na oferta decorrente da alienação de controle, em igualdade de condições com as ações votantes. As ações preferenciais que adquiram o direito transitório de voto em face do não pagamento de dividendos, não poderão participar na oferta pública. (...) A aquisição do direito de voto pelas ações preferenciais, em função do não pagamento de dividendos, não credencia essas ações como destinatárias da oferta. Nesta circunstância excepcional, o direito de voto é transitório e o poder de controle só é compartilhado entre as ações com direito permanente de voto. Apenas a elas serão estendidas as condições praticadas no negócio de transferência do controle. Se o valor praticado na transação for partilhado entre as ações não votantes, estas estariam apropriando-se de algo que não lhes pertence, pois as preferenciais não compõem o poder de controle”. 163 YAMASHITA, Douglas. Dos destinatários da Oferta Pública na Alienação de Controle de Companhia Aberta. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros Editores, nº 131, 2003. p. 210. 164 SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário: Interpretação e Valor. Rio de Janeiro: FMF Editora, 2004. pp. 361, 369 e 371. 88 A “benesse” dada ao preferencialista, assim, seria apenas uma providência contingente que a lei concede a fim de assegurar que estes possam adquirir um direito específico – o de votar. Isso não faria com que ações preferenciais pudessem ser consideradas como ações com direito de voto, pois tal direito seria transitório e instável. A Instrução CVM nº 361/02, que regula as ofertas públicas de aquisição de ações de companhias abertas165, dispõe em seu art. 29 que a OPA por alienação de controle terá por objeto todas as ações de emissão da companhia as quais seja atribuído o pleno e permanente direito de voto, por disposição legal ou estatutária. O dispositivo regulamentar é objeto de duras críticas pela doutrina. Entendem alguns que a orientação emanada da Instrução seria ilegal, uma vez que o art. 254-A da Lei das S.A. não faz qualquer menção à necessidade do controle ser exercido de modo permanente para a caracterização de alienação de controle acionário166. Nesse sentido manifesta-se Fábio Ulhoa Coelho: os destinatários da oferta pública são os acionistas titulares do direito de voto. Nessa condição, encontram-se (a) os ordinarialistas, sempre; (b) os preferecialistas da classe ou classes em relação às quais o estatuto não subtrai o direito de voto; (c) os preferencialistas com direito a dividendo fixo ou mínimo, se a alienação do controle ocorre quando esses dividendos não foram distribuídos pelo período fixado no estatuto não superior a três exercícios consecutivos (LSA, art. 111, §1º). Todos esses acionistas têm o direito de vender ao adquirente do controle suas ações, por preço correspondente a pelo menos 80% pago ao controlador167. Em sentido contrário, veja-se a lição de Alfredo Lamy Filho, ainda em referência ao revogado art. 254: 165 A Instrução dispõe sobre o procedimento aplicável às ofertas públicas de aquisição de ações de companhia aberta, bem como o registro das ofertas públicas de aquisição de ações (i) para cancelamento de registro de companhia aberta, (ii) por aumento de participação de acionista controlador, (iii) por alienação de controle de companhia aberta, (iv) para aquisição de controle de companhia aberta quando envolver permuta por valores mobiliários, e (v) de permuta por valores mobiliários. 166 Nesse sentido, EIZIRIK. Nelson; et. al. Mercado de Capitais: regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. P. 574; CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 4., tomo II. p. 151; e YAMASHITA, Douglas. Dos destinatários da Oferta Pública na Alienação de Controle de Companhia Aberta. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros Editores, nº 131, 2003. p 212. 167 COELHO, Fábio Ulhoa. O direito de Saída Conjunta (“Tag Along”). In: LOBO, Jorge (coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas: inovações e questões controvertidas da Lei 10.303 de 31.10.2001. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 480. 89 Não temos dúvida em afirmar que a oferta pública para aquisição de ações, por força da alienação de controle, não abrange os titulares de ações preferenciais, sem direito a voto, mesmo que tais ações estejam no exercício transitório desse direito por haver a companhia deixado de pagar dividendos".168 O assunto já foi objeto de apreciação pelo colegiado da CVM, quando da decisão do Processo CVM RJ/2004/6623. Na ocasião, o diretor relator Sérgio Weguelin manifestou o entendimento de que “o art.254-A não parece ter delimitado apenas às ações ordinárias a possibilidade de participação em OPAs da espécie, referindo-se a Lei unicamente ao ‘direito de voto’”, de que gozariam ações de qualquer espécie, pelo que “a melhor interpretação” do art. 254-A seria a de que as preferenciais com direito a voto, ainda que transitório, deveriam ser contempladas em OPA por alienação de controle. Em sentido contrário, o então presidente Marcelo Trindade consignou em seu voto que as ações ordinárias, por sua natureza, são ações que têm direito de voto permanente, enquanto às ações preferenciais sem direito a voto é atribuída tal vantagem política somente em certas hipóteses (§ 6º do art. 44, art. 18, parágrafo único, § 1º do art. 111, e § 1º do art. 136). Tal medida visaria apenas a assegurar a condição ou vantagem econômica a ela atribuída previamente pelo estatuto ou pela própria lei, corroborando tal entendimento o fato de o direito de voto se extinguir, no caso do § 1º do art. 111, quando recebidos os dividendos. Assim, as ações preferenciais com direito de voto temporário não fariam jus a participar da OPA por alienação de controle. Portanto, não obstante as críticas, o entendimento hoje aplicável à matéria é o de que detém o direito de participar da oferta o acionista titular de ações ordinárias (ainda que com o voto suspenso) e os acionistas titulares de ações preferenciais com direito de voto pleno, conferido pelo Estatuto. Com relação às ações preferenciais com direito de voto, deve-se analisar, ainda, a pertinência ou não aplicação do art.254-A a ações preferenciais que, embora tenham direito de voto, o têm de modo restrito, na forma do art. 17, §1º. Poderia esse acionista participar da 168 LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A lei das S.A.: pressupostos, elaboração, aplicação. 3ª Ed., Rio de Janeiro: Renovar, v. 2, 1997. pp. 636 e ss. 90 OPA por alienação de controle, vendendo suas ações, independentemente da limitação imposta às ações de sua titularidade? Parte da doutrina entende que o poder de influência na vida social, decorrente do direito de voto, é primordialmente aquele que deriva da possibilidade de fazer a escolha dos administradores da companhia, inclusive pelo fato de ter sido esse o critério explicitado pelo próprio art. 116 ao definir o acionista controlador169. Embora esse caso específico não apresente resposta clara na doutrina, parece-nos que o entendimento que se pode extrair do voto do então presidente Marcelo Trindade no precedente acima citado (Processo CVM RJ/2004/6623) – único que aparentemente tratou diretamente dessa questão – é o de que a OPA somente abrange ações com direito de voto permanente (e não condicional) e pleno (não restrito). Ainda com relação às ações objeto de OPA por alienação de controle, discute-se, na doutrina, se essa seria aplicável para o caso de ações ordinárias objeto de alienação fiduciária. A alienação fiduciária implica em desdobramento da posse e transferência de propriedade. A posse direta do bem é mantida pelo devedor e a posse indireta é transferida ao credor, junto com a propriedade do bem. No caso de alienação fiduciária de ações ocorre o seguinte: o acionista devedor transfere ao credor, em garantia da dívida, a posse indireta e a propriedade de suas ações, e permanece como possuidor indireto. O assunto praticamente não é tratado pela doutrina, embora haja entendimento nesse caso é o de que o acionista credor não poderá ser considerado destinatário da oferta 170. A lógica adotada é a de que, como o credor garantido por alienação fiduciária não pode exercer o direito de voto (na forma do art. 113, parágrafo único, da Lei das S.A.) e a oferta pública 169 CLEMENTE JR., José Alberto. Oferta pública de aquisição de ações na alienação de controle de companhias abertas: Apontamentos sobre o art. 254-A da Lei das Sociedades Anônimas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, nº 129, 2003. p. 91. Em sentido contrário, EIZIRIK, Nelson. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 244. Para este autor os titulares de ações com direito de voto, ainda que restrito, têm direito de participar da OPA. 170 YAMASHITA, Douglas. Dos destinatários da Oferta Pública na Alienação de Controle de Companhia Aberta. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros Editores nº 131, 2003. p. 210. 91 destina-se somente a estas ações, o credor fiduciário não poderá alienar suas ações. Seria ilógico que este participasse da oferta pública apresentada pelo adquirente do controle, alienando ações que posteriormente seria chamado a restituir. O devedor, segundo esse entendimento, somente poderá participar se recuperar a propriedade das ações mediante a substituição do bem dado em garantia ou pela quitação da dívida. Na prática, os ofertantes (adquirentes de controle), com fundamento no art. 29 da Instrução CVM 361/02, limitam suas ofertas somente às ações que possuam pleno e permanente direito de voto, por disposição legal ou estatutária, sendo comum também que limitem suas ofertas, no edital de OPA, somente para ações “livres e desembaraçadas de todos e quaisquer ônus, dívidas e outros gravames”171. Vale lembrar que, segundo o §1º do art. 254-A da Lei das S.A., entende-se como alienação de controle a transferência não só das ações que conferem o controle, como também de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, direitos de subscrição de ações e outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que possam resultar na alienação de controle acionário da sociedade. Por óbvio, estes valores mobiliários ou direitos de subscrição, embora ensejem a OPA a posteriori, não são dela objeto. A cessão de direitos de subscrição difere da subscrição de ações com direito de voto, pois nesta o exercício do poder conferido pelo voto pode ser exercido imediatamente quando da subscrição, enquanto naquela há apenas a faculdade ou opção de subscrição, que poderá ou não ocorrer em momento futuro. A questão, diante da distinção, está em se saber o momento em que deverá ser realizada a OPA, se quando da cessão dos direitos de subscrição ou quando da efetiva subscrição. A mesma questão surge quanto às debêntures conversíveis. Modesto Carvalhosa defende que, em se tratando de “valores mobiliários conversíveis em ações, não é a sua 171 Vide nesse sentido os seguintes editais, disponíveis no endereço eletrônico da CVM: Edital de OPA de ações ordinárias de emissão da Eleva Alimentos S.A. por ordem e conta de Perdigão S.A.; Edital de OPA de ações ordinárias de emissão da Redentor Energia S.A. por conta e ordem de Parati S.A. – Participações em Ativos de Energia Elétrica, Edital OPA para aquisição de ações ordinárias de emissão da Vivo Participações S.A. por conta e ordem de SP Telecomunicações Participações Ltda.; Edital de OPA de ações preferenciais de emissão de Tele Norte Celular Participações S.A. por conta e ordem de Telemar Norte Leste S.A. 92 aquisição que caracteriza a alienação do controle, mas a sua efetiva conversão em ações”, explicando que a lei societária não cogita de controle potencial, mas de controle efetivo, ou seja, de uma relação fática que se materializa mediante o poder de dirigir os negócios sociais e de eleger a maioria dos administradores. A lógica de tal raciocínio é a de que uma pessoa pode adquirir uma debênture conversível em ações ou direitos de subscrição em montante suficiente para o exercício de controle, mas pode vir a jamais exercê-lo. O adquirente pode, por exemplo, alienar novamente os títulos a um terceiro sem ter exercido qualquer influência da vida social da companhia. Outro aspecto a ser considerado sobre os valores objeto da OPA é o de que o §1º do art. 254-A, ao conceituar a transferência de controle, fixou-se apenas na transferência de valores mobiliários. Com isso, pode-se dizer que operações em que não ocorra transferência de valores mobiliários, mas apenas de direitos de voto, não haveria, em princípio, oferta pública, nos termos do art. 254-A. Vale lembrar, nesse sentido, que o controle externo não é considerado “controle” para fins do art. 116, sendo também desconsiderado, consequentemente, para os fins do art. 254-A. Não se deve confundir, portanto, a transferência de controle prevista no art. 254-A com outras modalidades de operações que resultam na mudança de controle de fato da sociedade, tampouco com a alienação de ativos da sociedade172. 6.3. Modalidades de Transferências de Controle 6.3.1. Transferência direta e indireta A transferência de controle é operação que resulta na efetiva mudança do poder decisório da sociedade, mediante a cessão onerosa de bloco de ações capaz de conferir o controle a um terceiro adquirente. 172 SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário: Interpretação e Valor. Rio de Janeiro: FMF Editora, 2004. pp. 279 e ss. 93 As formas sobre as quais se desenha a transferência de controle são muitas, algumas ensejando a OPA prevista no art. 254-A da Lei das S.A. e outras não. Para a determinação das hipóteses que ensejam a aplicação do dispositivo mencionado, é fundamental tentar caracterizar as modalidades mais usuais de transferência de controle e suas possíveis variações. Logo no início da redação do art. 254-A da Lei das S.A., tem-se a menção à “alienação, direta ou indireta, de controle de companhia aberta”. A alienação direta de controle ocorre quando da realização de negócio jurídico privado para a transferência do bloco de controle formado por ações de emissão da própria sociedade. Já o controle indireto173 não decorre da titularidade de bloco de ações da companhia. O controle é exercido indiretamente, por órgãos sociais de outra companhia. Assim, por exemplo, se A controla B e B controla a companhia C, caracteriza-se o controle indireto de A sobre C, exercido mediante os órgãos de administração de B. A Lei das S.A. reconhece a existência do controle indireto em seus arts. 243, §2 e 236 parágrafo único. Essa modalidade de alienação de controle, expressamente prevista no art. 254-A da Lei das S.A., já foi objeto de grandes discussões quando da vigência do art. 254, que não a previa expressamente. A modalidade acabou por ser considerada pela CVM como capaz de ensejar a OPA a posteriori174. A alienação indireta de controle se dá quando as ações da controladora final (e não da própria companhia controlada) são transferidas à terceiro. Observe-se que se da operação não resultar a perda de posição do controlador final, estaremos diante de uma reorganização societária, sem reflexo no comando da companhia, para efeitos de incidência do disposto no art. 254-A da Lei das S.A175. 173 A Lei das S.A. reconhece a existência do controle indireto em seus arts. 243, §2 e 236 parágrafo único. Para a discussão sobre o reconhecimento da aplicabilidade do art. 254 aos casos de transferência indireta de controle conferir Parecer/CVM/SJU/ n.86/82 e Parecer/CVM/SJU/ n.48/84. 175 SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário: Interpretação e Valor. Rio de Janeiro: FMF Editora, 2004. p. 150. 174 94 Importante notar que é o controlador final quem deve realizar a oferta pelas ações dos minoritários e não as adquirentes diretas do controle. Desse modo, em uma estrutura societária em que haja a superposição de mais de uma companhia aberta, por exemplo, será necessária a realização de uma OPA para cada companhia, sendo o ofertante o controlador final. Confira-se o seguinte exemplo: Companhia A Detém o controle Companhia Aberta B de Detém o controle Companhia Aberta C de Se a Companhia A alienar as ações de sua titularidade que conferem o controle direto da Companhia B para um terceiro, a operação ensejará duas ofertas públicas de aquisição, sendo uma dirigida aos minoritários da Companhia B e outra aos minoritários da Companhia C. Isso porque houve a alienação direta do controle da Companhia B e a alienação indireta do controle da Companhia C. A obrigação de realizar a oferta aos minoritários será do adquirente das ações da Companhia B. Disso decorre que, após a realização da OPA na Companhia C, o adquirente passará a ser não só seu controlador indireto (por ser controlador direto de B), como também titular de ações da Companhia C. Isso pode gerar situações interessantes. Como mencionado acima, antes da vigência do art. 254-A já havia o entendimento de que a alienação indireta de controle seria causa para exigibilidade de OPA por alienação de controle. Esse processo se deu, primordialmente, como forma de evitar situações de fraude, por meio das quais adquirentes de controle procurassem descaracterizar a alienação de controle mediante a interposição de sociedade ou através de “negócios indiretos”. Como destaca Roberta Nioac Prado, esse entendimento deu-se com base em três teses distintas da Superintendência Jurídica da CVM, a saber: a primeira de que o legislador contemplara a modalidade de alienação direta expressamente e a modalidade de alienação indireta tacitamente; a segunda, 95 de que os incisos II, III e IV da Resolução 401, que definiam o controle, eram meramente exemplificativos e não taxativos. E finalmente, a última, com base na teoria da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade holding para demonstrar que o controle da companhia aberta controlada estava efetivamente sendo transferido176. A nova redação do art. 254-A da Lei das S.A resultou justamente na consolidação a esse entendimento. Entretanto, considerada a alta complexidade das estruturas empresariais – que hoje podem compreender, em um mesmo conglomerado, uma quantidade enorme de sociedades sob controle indireto – o dispositivo legal acabou por abarcar não só os chamados “negócios indiretos”, que visam à obtenção do controle da sociedade alvo, como também diversos outros negócios por meio dos quais o adquirente do controle não necessariamente tem interesse no exercício do controle indireto da companhia aberta. Isso ganha contornos ainda mais interessantes se considerarmos que a alienação indireta de controle ocorrida no exterior, ou seja, celebrada entre empresas estrangeiras, com foro no exterior, pode vir a ensejar, igualmente, OPA por alienação de controle de companhia aberta brasileira177. Imagine-se o caso, por exemplo, de uma companhia italiana que adquira o controle de uma companhia francesa, a qual, por sua vez, controle diversas outras sociedades (em outros países do mundo) e que tenha, ao fim da cadeia, o controle sobre uma companhia aberta brasileira. Como resultado da operação a companhia italiana vir a ser obrigada a desembolsar vultosas quantias por conta da necessidade de apresentação de uma OPA para acionistas 176 PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier Latin, 2005. pp.149-150. 177 Trata-se de entendimento antigo da CVM, aplicado ainda quando da vigência do art. 254: “(...) os contratantes – quando um deles é estrangeiro – são livres para escolher a lei competente para reger as relações jurídicas decorrentes de contrato firmado no Brasil, A lei estrangeira, no entanto, não deverá ser aplicada quando importar em desrespeito a preceito brasileiro de ordem pública, bem como para qualificar as obrigações assumidas no contrato ou que aqui serão executadas. É competente a autoridade judiciária brasileira quando o réu tiver domicílio no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação. Nos termos do art. 254 da Lei nº 6.404 e da Resolução CMN nº 401, impõe-se a oferta pública aos minoritários, quando a alienação de controle de companhia for realizada indiretamente mediante venda de controle de sociedade holding” (Parecer/CVM/SJU/n.97/79). 96 minoritários da companhia aberta no Brasil, sobre a qual não necessariamente tinha interesse quando da realização do negócio original. Outro problema geralmente relacionado com transferências indiretas de controle está na determinação do preço a ser pago na OPA pelo adquirente. Com efeito, o artigo 254-A da Lei das S.A. determina que a oferta deva ser realizada por preço equivalente a 80% do preço pago ao controlador. Surge, então, a questão referente ao cálculo do preço da oferta, uma vez que o preço pago pode compreender não somente o bloco de controle da companhia aberta como também outros ativos detidos pela companhia controladora. O art. 29, §6º, da Instrução CVM n. 361/02 dispõe o seguinte sobre a matéria: No caso de alienação indireta do controle acionário, o ofertante deverá submeter à CVM, juntamente com o pedido de registro, a demonstração justificada da forma de cálculo do preço devido por força do art. 254-A da Lei n. 6.404/76, correspondente à alienação do controle da companhia objeto. O problema é que não há parâmetros para a justificação de quanto o investimento na companhia aberta representa sobre o preço total pago ao controlador indireto – o que, naturalmente, tende a ser ponto de conflito entre minoritários e adquirentes de controle. (i) Caso Arcelor/Mittal - Transferência indireta de controle no exterior Alguns dos principais problemas concernentes a transferências indiretas de controle podem ser verificados no âmbito da aquisição de controle da Arcelor Brasil S.A. (“Arcelor Brasil”). Em 27.01.06, a Mittal Steel Company N.V. (“Mittal”) divulgou ao mercado a intenção de realizar uma OPA hostil para aquisição de controle da Arcelor S.A. (“Arcelor Europa”), controladora indireta de Arcelor Brasil e Acesita S.A. (“Acesita”). Após duas ofertas mal sucedidas, a Mittal conseguiu adquirir o controle da Arcelor Europa, passando a ser titular de cerca de 90% das ações de sua emissão. De acordo com as informações divulgadas pela Mittal e pela Arcelor Europa, a operação societária compreenderia, ainda, a posterior “fusão entre iguais” das duas sociedades, com a incorporação da Mittal pela Arcelor Europa. Após a incorporação, nenhum 97 acionista deteria mais de 50% do capital social da sociedade Arcelor-Mittal. Segundo as companhias, a operação, tal como descrita, não geraria a necessidade de realização de OPA aos acionistas minoritários da Arcelor Brasil e da Acesita178. Em 06.07.2006, a CVM recebeu reclamação de representante de acionistas minoritários da Arcelor Brasil defendendo a necessidade de realização de OPA aos minoritários de Arcelor Brasil, com base no art. 10 do estatuto social179. Em respostas reiteradas a solicitações de esclarecimentos requeridas pela área técnica da CVM, Mittal e Arcelor Europa sustentaram que a OPA não mais se aplicaria uma vez que, depois de realizada a “fusão entre iguais”, nenhum acionista iria deter mais de 50% do capital votante da companhia. No caso em questão, não seria aplicável o art. 254-A da Lei das S.A., pois não teria havido “alienação do controle”, tendo em vista que a Arcelor Europa tinha o capital social extremamente diluído, sem controle definido, e seu controle foi adquirido pela Mittal mediante oferta pública. Além disso, a CVM não teria competência, de acordo com a lei brasileira, para impor obrigações que não estivessem relacionadas a comandos previstos em lei ou na regulamentação. A inobservância de cláusula contratual válida poderia ser, no máximo, objeto de ação judicial promovida por quem se entendesse prejudicado, mas a CVM não poderia “tomar uma decisão em tal sentido na qualidade de ente regulador, extrapolando sua competência, conforme definido pela legislação brasileira". No entendimento da área técnica da CVM, o disposto no art. 254-A, de fato, somente seria aplicável quando da realização de um negócio jurídico de alienação de controle prédefinido. Entretanto, embasada em parecer da procuradoria federal especializada, a área técnica entendeu que o estatuto da Arcelor Brasil foi além do que estabelece o art. 254-A, determinando que a “aquisição do controle” geraria a necessidade de OPA aos acionistas 178 Confira-se o seguinte trecho do fato relevante da adquirente, de 05.07.2006: “As Partes esperam que após o término da Oferta Revisada, a Arcelor continuará a não ter um acionista controlador final, uma vez que nem os atuais acionistas da Mittal Steel nem qualquer outro acionista passarão a deter 50% mais uma ação da Mittal Steel. Adicionalmente, de acordo com os termos do MOU, nem o Sr. Lakshmi Mittal e sua família nem qualquer outro acionista será capaz de indicar a maioria dos membros dos respectivos conselhos de administração da Arcelor ou da Mittal Steel”. 179 Art. 10. A oferta pública de aquisição de ações a que se refere o Artigo 8º será também exigida caso uma pessoa, que não uma Pessoa Relacionada, adquira o poder de controle da Companhia por meio de aquisição de ações de emissão do acionista controlador final da Companhia. Neste caso, a sociedade objeto da aquisição do poder de controle ficará obrigada a declarar à Bolsa de Valores de São Paulo ("Bovespa") a mudança em seu controle acionário e a sociedade adquirente deste ficará obrigada a declarar à Bovespa o valor atribuído à Companhia nessa alienação. 98 minoritários, estendendo este direito mesmo no caso de a companhia não ter um controle prédefinido que possa ser alienado. Para a área técnica restou incontroverso que, antes oferta, a Arcelor não possuía controlador, mas que, após esse evento, a Mittal Steel tornou-se titular direta de cerca de 90% de seu capital social, suficiente para garantir o controle no Brasil e fora. Ademais, ainda que houvesse intenção de realização de futura “fusão” entre as companhias, o fato é que, na prática, antes da “fusão” o controle indireto da Arcelor Brasil passou a ser exercido efetivamente pela Mittal Steel. O Diretor Relator, Wladimir Castelo Branco, votou pela necessidade de apresentação de OPA por parte da Mittal, considerando, para tal, que o art. 10 do estatuto social da Arcelor Brasil disciplina uma nova hipótese de oferta pública de aquisição obrigatória, diversa das previstas na legislação brasileira, não se aplicando os arts. 116 e 254-A da Lei das S.A. O Diretor sustentou que a CVM é competente para exigir a OPA, uma vez que na Lei das S.A. as imputações de responsabilidade mencionam, sempre de forma equiparada, a inobservância da lei e do estatuto180, o que significa que, em nosso sistema, o descumprimento do estatuto social é equiparado à infração à lei. Segundo o Diretor, a operação representou a aquisição do poder de controle da Arcelor Brasil, não podendo considerar-se contratada e vinculante, para efeitos jurídicos, o compromisso de “fusão” assumido sob o regime de melhores esforços. O Colegiado, tendo em vista os fundamentos expostos no voto do Relator, deliberou negar provimento ao recurso, mantendo, dessa forma, o entendimento da área técnica. A decisão, embora tenha desconsiderado a aplicação do art. 254-A para a operação entre Arcelor Europa e Mittal – já que no caso ocorreu uma aquisição de controle e não propriamente uma alienação – assentou o entendimento de que a OPA por alienação de controle (ou, tal como nesse caso, de aquisição de controle) pode ser determinada pela via estatutária, tendo a CVM competência para exigi-la. Outro aspecto interessante discutido no referido processo é o da lei aplicável para fins de definição das regras aplicáveis à OPA e para a definição de controle, tendo em vista o fato 180 O Diretor Relator cita os arts. 116, 117, 120 e 163 da Lei das S.A. 99 de Mittal e a Arcelor Europa serem sociedades estrangeiras e de a operação ter se dado fora do Brasil. Para os fins das regras aplicáveis à OPA, o Colegiado, sem maiores dificuldades, entendeu que esta, na qualidade de obrigação, deveria ser cumprida e regulada pela lei brasileira, na forma do art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil (“LICC”)181. Mas para se saber se a OPA seria exigível segundo sob o aspecto da “aquisição do controle”, tal como prevista no Estatuto Social, o Colegiado teve se valer da lei estrangeira. Com efeito, a previsão estatutária da Arcelor Brasil determinava que a OPA seria devida caso um terceiro adquirisse “o poder de controle da Companhia por meio de aquisição de ações de emissão do acionista controlador final da Companhia" (grifamos). Como ressaltado no voto do Presidente Marcelo Trindade, o Estatuto explicitou uma hipótese de aquisição indireta do controle da Arcelor Brasil, companhia constituída no Brasil e, portanto, regida pela lei brasileira, por força do art. 11 da LICC182. Tal hipótese estatutária, contudo, se refere â aquisição de controle mediante a aquisição de ações de emissão da Arcelor Europa, companhia governada pela lei de Luxemburgo, onde está constituída, segundo o mesmo princípio universal de Direito Internacional Privado consagrado no art. 11 da LICC. Assim, entendeu o Colegiado que a definição de poder de controle da Arcelor Brasil caberia à lei brasileira; mas a definição de aquisição de poder de controle da Arcelor Europa, deveria ser a da Lei de Luxemburgo183. Por fim, deve-se mencionar, ainda, que a partir dessa decisão travou-se outra intensa batalha na CVM entre Mittal e acionistas minoritários da Arcelor Brasil (discutida no âmbito do Processo Administrativo CVM RJ 2007/1996), a respeito do cálculo do preço da OPA, o 181 Nas palavras do Diretor Relator: “Cabe esclarecer que o art. 11 não se confunde com o art. 9º da LICC ("para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem"). Este último elege o elemento de qualificação em matéria de obrigações e contratos, revelando a opção do legislador brasileiro pela lei do lugar em que a obrigação se constituiu (lex causae). A questão é irrelevante, porém, para o caso dos autos, seja porque a obrigação de realizar a OPA foi constituída no Brasil (já que está assumida no estatuto social de companhia brasileira), seja porque o §2º do art. 8º do estatuto da Arcelor Brasil remete à regulamentação da CVM aplicável a ofertas públicas por alienação de controle no tocante ao prazo, documentação e procedimento”. 182 Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem. 183 O problema da lei aplicável foi retomado no Caso TIM, comentado adiante, oportunidade em que a CVM alterou esse entendimento. 100 qual deveria equivaler à parcela do preço pago pelas ações de Arcelor que correspondesse à aquisição indireta das ações de controle de Arcelor Brasil, que pertenciam à Arcelor Europa. Na discussão, surgiram questões preliminares quanto à competência da CVM para examinar o acerto da utilização de um ou outro critério. Adicionalmente, foi requerida à CVM a dispensa de apresentação de laudo de avaliação da Mittal-Arcelor, cujas ações compunham, em parte, o preço da OPA, já que esta se daria através da permuta de ações da Arcelor Brasil por ações da Mittal-Arcelor. O Colegiado decidiu que a CVM tem competência para (e dever de) analisar se a demonstração justificada da forma de cálculo do preço correspondente ou não à alienação do controle da companhia objeto, isto é, se há elementos que comprovem que a parcela do preço relativa ao controle indiretamente alienado é aquela descrita no edital. Com relação ao mérito da justificativa apresentada, não obstante a área técnica ter sustentado que o melhor critério seria o de comparação de valor de mercado das companhias controlada e controladora, o Colegiado entendeu que é admissível a forma de cálculo apresentada pela ofertante, baseada em múltiplos de EBITDA das companhias controladora e controlada, pois se trata de critério de notória utilização para operações de fusões e aquisições. Ademais, foi deferido o pedido de dispensa de apresentação de laudo de avaliação, pois embora se tratasse de oferta de permuta, as ações da Mittal-Arcelor possuiam extrema liquidez, sendo ampla a disponibilidade de informações sobre a companhia. Na referida decisão o Presidente Marcelo Trindade apresentou voto, por meio do qual esclareceu algumas diretrizes que devem nortear os agentes de mercado e a CVM em operações de alienação indireta de controle, a saber: (i) também em casos em que exista obrigação de realizar oferta por aquisição indireta de controle, e não por alienação, aplica-se o dever de demonstração justificada do preço de que trata o § 6º do art. 29 da Instrução 361/02, cabendo à CVM verificar se a demonstração foi feita de maneira adequada; (ii) a justificação do preço pode ser feita, em quaisquer casos, por instrumentos contratuais, se houver, ou outros documentos que comprovem com razoabilidade a parcela do preço correspondente à companhia controlada, como o prospecto ou o edital da oferta, devendo o preço resultante de tais documentos ser aceito pela CVM, salvo prova definitiva da existência de uma parcela adicional de preço não indicada, caso em que a 101 oferta somente será registrada se tal parcela for desde logo acrescida ao preço; (iii) se a CVM entender que existem indícios de que o preço informado nos documentos não é o verdadeiro, não poderá negar registro à oferta, devendo iniciar investigação em paralelo e, ficando comprovada a fraude, formular acusação, inclusive frente ao intermediário, sem prejuízo da indenização a ser postulada pelos destinatários da oferta; (iv) na ausência de instrumentos contratuais ou outros documentos que comprovem a parcela do preço correspondente à companhia controlada, o ofertante poderá justificar o preço por ele indicado por outros meios, cabendo à CVM examinar tais justificativas, e obter outros elementos que lhe permitam chegar a uma conclusão quanto a ter sido feita a adequada demonstração do preço; e (v) se os elementos apresentados pelo ofertante e colhidos pela CVM forem insuficientes, e as ações da companhia controlada e da companhia controladora tiverem liquidez em mercados regulados, o critério de comparação dos preços de mercado das ações de ambas as companhias antes do lançamento da oferta, ou do anúncio negócio de aquisição, deve ser considerado um critério justificado para a demonstração do preço, e pode ser adotado pela CVM. 6.3.2. Aquisição Originária, Derivada e Semiderivada Transferências de controle pressupõem a presença de um novo controlador, sendo esse um dos fatores determinantes para sua caracterização, conforme será demonstrado mais adiante. Sob o ponto de vista do adquirente do controle, as aquisições podem ser classificadas em originárias ou derivadas. Na aquisição derivada, a propriedade das ações que conferem o controle é adquirida da pessoa ou grupo de pessoas que o detinha o controle. A aquisição será originária quando resultar da transferência do poder originariamente detido por outrem, sendo pressupostos para essa modalidade de aquisição a preexistência de um controlador (ou grupo) definido e a participação de seu titular na transferência. O titular do controle, nesse caso, deve de alguma forma participar da operação, transferindo o poder de controle para um terceiro, mediante a alienação de bloco de ações ou títulos e direitos que confiram ao adquirente o controle da sociedade. 102 Se o antigo controlador perdeu o controle da sociedade sem ter alienado as ações de sua titularidade, não há a aquisição derivada de controle, pois sequer há “alienação de controle”. O caso mais comum de aquisição derivada de controle é o da celebração de contratos particulares de compra e venda de controle, onde as ações do controlador são diretamente transferidas ao adquirente. A aquisição derivada de controle pode ocorrer também da cessão onerosa de direito de preferência na subscrição de aumento de capital, caso em que o adquirente do controle subscreve desproporcionalmente o aumento de capital da companhia, passando a deter, após a operação, o maior número de ações na sociedade184. Embora a aquisição de ações, nesse caso, não diga respeito a ações de titularidade do antigo controlador (já que as ações subscritas são “novas”), a aquisição do controle só se mostra possível em razão da cessão do direito de preferência por parte do antigo controlador. Pressupõe-se, assim, a cessão onerosa de um direito de subscrição, já que referente a ações que conferem o controle. Outra forma de aquisição derivada de controle é a privatização, ou seja, a alienação de participações acionárias detidas pelo Estado em leilão público. Vale lembrar que no Brasil esse foi o motivo para a revogação do art. 254 da Lei das S.A., sob a justificativa de que oneraria demais o adquirente do controle – e consequentemente representaria menor arrecadação do Estado. Do exposto acima, vê-se que na aquisição derivada “quem vai perder o poder deve ter algum papel na transferência, ainda que seja assentido a ela, pois do contrário, a hipótese seria de apropriação antes que transferência”185. Do contrário, tem-se a aquisição originária, ou seja, a formação de um núcleo de controle por parte de um ou mais acionistas que não o 184 Para exemplo de cessão onerosa de exercício de direito de preferência na subscrição de aumento de capital, conferir PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier Latin, 2005. P .204. 185 PEREIRA, Guilherme Doring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva. 1995. p. 33. 103 possuíam, sem que tal formação se opere a partir da transferência de ações do antigo controlador. Exemplo de aquisição originária de controle é o previsto no art. 257 da Lei das S.A., mediante apresentação de OPA a priori, para aquisição voluntária de ações dos acionistas minoritários e formação de um novo bloco de controle; mecanismo comum de aquisição de controle em mercados nos quais o poder de controle se encontra diluído nas mãos de um grande número de acionistas. Outro exemplo é a aquisição progressiva de ações em Bolsa de Valores, a chamada “escalada em Bolsa”. Através dela, o adquirente consegue formar, aos poucos, um novo bloco de controle, mediante o pagamento de pequenas quantias e sem necessariamente ter que desembolsar o prêmio de controle. O risco da operação reside na falta de segurança na efetiva aquisição do controle societário, já que a compra reiterada de ações votantes tende a fazer com que a intenção de aquisição de controle seja identificada pelos acionistas minoritários e que, consequentemente, o preço das ações aumente. Esse tipo de operação tende a ocorrer com maior sucesso quando realizada em curto espaço de tempo e quando aliada à compra privada de lotes expressivos de blocos de ações de minoritários. Isso porque a compra de percentual significativo de ações de emissão de companhias abertas deve ser informada à CVM e à bolsa, segundo a Instrução CVM 358/02186. A aquisição originária pode ocorrer também quando da formação de um grupo de controle pela celebração de acordo de acionistas. Exemplo disso é o caso de uma companhia que possua um controlador titular de 40% das ações votantes, e cujos (dois) acionistas minoritários sejam titulares de 30% das ações votantes: a celebração de acordo entre os minoritários é capaz de formar um bloco novo de controle, caracterizando uma aquisição originária. 186 Art. 12 - Os acionistas controladores, diretos ou indiretos, e os acionistas que elegerem membros do Conselho de Administração ou do conselho fiscal, bem como qualquer pessoa natural ou jurídica, ou grupo de pessoas, agindo em conjunto ou representando um mesmo interesse, que atingir participação, direta ou indireta, que corresponda a 5% (cinco por cento) ou mais de espécie ou classe de ações representativas do capital de companhia aberta, deve enviar à CVM e, se for o caso, à bolsa de valores e entidade do mercado de balcão organizado em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação, (...). 104 Modesto Carvalhosa aponta, ainda, outra forma de aquisição de controle: a semiderivada – aquela em que um ou mais participantes do bloco de controle transferem individualmente todas ou parte de suas ações ou valores mobiliários conversíveis em ações. O autor apresenta o seguinte exemplo: a sociedade X, uma companhia aberta, é controlada por um grupo de acionistas, sem acordo entre eles: A, com 20% das ações votantes; B, com 15%; C, com 6% e D, com 5%; as demais ações com direito de voto estão pulverizadas no mercado, de sorte que o controle é exercido pelo grupo com 46% do capital votante. Fulano, interessado em adquirir o controle acionário dessa companhia X, passa a comprar, no mercado, em sucessivas etapas, ações ordinárias e direitos de subscrição, até atingir 42% das ações com direito de voto, momento em que adquire ações de C (6% do capital votante), passando, pois, a deter 48% do capital vontante e assumindo o poder de comando da companhia, pois nenhum outro acionista ou grupo detém percentual maior de ações. Na hipótese figurada, Fulano adquire o controle sem que o grupo de controle o tivesse alienado em bloco187. A distinção entre as hipóteses de aquisição de controle é importante na caracterização da alienação de controle, uma vez que, segundo o art. 254-A da Lei das S.A., a oferta aos minoritários deve assegurar o pagamento de 80% por ação com direito a voto integrante do bloco de controle. Como já visto no item 6.1, é necessário que para a caracterização da alienação de controle tenha havido a compra de ações do antigo controlador; disso decorre que somente as aquisições derivadas são capazes de configurar alienações de controle para os fins do referido artigo. Mas, como o artigo 254-A não exige que o controle tenha sido adquirido mediante alienação de todas as ações integrantes do bloco de controle, entende-se também exigível a OPA em casos de aquisição semiderivada. (i) Caso Royal Bank of Scotland – Aquisição originária de controle Caso prático envolvendo a distinção entre aquisição originária e derivada ocorreu no Processo Administrativo CVM nº RJ-2007-14099, que teve por objeto o pedido de não realização de OPA formulado por RFS Holding B.V. (“RFS”) no âmbito da aquisição do controle acionário do ABN Amro Holding N.C (“ABN”), companhia com sede na Holanda, detentora do controle indireto de duas companhias abertas brasileiras. 187 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 4., tomo II. p.174; 105 O RFS, sociedade privada de responsabilidade limitada, possuía quadro societário formado integralmente por The Royal Bank of Scotland (“RBS”), Fortis AS/NY, Fortis N.V., e Banco Santander (“Santander”). Em 17.10.11, o RFS adquiriu o controle do ABN por meio do lançamento de oferta pública de aquisição de ações ordinárias, preferenciais conversíveis em ordinárias e de ABN American Depositary Shares em circulação no mercado, condicionada à aceitação dos acionistas detentores de 50,01% das ações emitidas. Quando liquidada a oferta, o RFS havia adquirido ações no montante de 84,17% do capital social da ABN. Tal posição foi majorada com novo lançamento de oferta de compra de ações da ABN, resultando na aquisição total de 96,95% do capital social da sociedade. Segundo o RFS, o capital social do ABN era pulverizado, sem que existisse um acionista ou um grupo de acionistas que assumisse a posição de controlador, nos termos da lei brasileira. Como resultado de acordos de acionistas celebrados entre os bancos sócios do RFS para a divisão dos ativos do ABN, ficou estabelecido que o Santander restaria como adquirente final da totalidade dos ativos da ABM no Brasil, entre os quais constavam duas companhias abertas: ABN Amro Arrendamento Mercantil, cujas ações não circulam no mercado e Real Leasing S.A. Arrendamento Mercantil, com apenas 0,01% de ações de sua emissão em circulação. O RFS, entendendo que a operação não se enquadraria na hipótese prevista no art. 254-A da Lei das S.A. ou à Instrução CVM 361/02, uma vez que a aquisição de controle teria caráter originário, protocolou pedido à CVM, em 21.11.07, no sentido da não realização de OPA. Em resposta, a área técnica da CVM manifestou entendimento de que seria exigível a OPA. O fundamento da área técnica foi o de que a partir do momento em que o sucesso da oferta de aquisição de controle se condiciona à aceitação dos acionistas detentores de 50,01% das ações emitidas, com efetiva negociação de preço, “seria forçoso assumir a formação de um bloco de controle ou de um acordo de acionistas tácito, cujos acionistas negociam por meio dos administradores da companhia controladora”, ainda que não estivessem vinculados por acordo formal. Ademais, alertou a área técnica que se não fosse considerado incidente ao 106 caso o art. 254-A da LSA, privar-se-ia os acionistas minoritários do direito de alienarem suas ações face à mudança de controle ocorrida. O Diretor Durval Soledade, relator do caso, não compartilhou do entendimento da área técnica, defendendo que, à letra da lei, a obrigatoriedade de realização de OPA, conforme disposto no art. 254-A, refere-se tão somente às situações em que ocorre efetiva alienação de controle de uma companhia. O artigo seria aplicável somente quando acionista ou grupo de acionistas aliena a outro acionista ou a terceiro, bloco de ações com direito a voto (ou os direitos à titularidade dessas ações), possibilitando o exercício efetivo do poder de controle que até então detinha(m). No caso do ABN, dada a estrutura societária extremamente pulverizada e a inexistência de um acordo de acionistas, é possível considerar de plano que nenhum acionista ou grupo de acionistas da companhia exercia efetivamente o poder de controle. A operação de aquisição de ações atuou, segundo entendeu o relator, justamente no sentido da formação de um controle até então inexistente, caracterizando apenas uma aquisição originária. Para o relator, isso significa que a oferta hostil (takeover) realizada no exterior, que resulte na mudança de comando de companhia estrangeira controladora de sociedade brasileira, não obriga o atual acionista controlador indireto desta a realizar OPA, visto que o art. 254-A não incide sobre as operações de aquisição originária de controle. Concluiu o relator estar incorreta a posição da área técnica quando afirmou que o fato de que sucesso da oferta pública estaria condicionado à aceitação dos detentores de 50,01% das ações modificaria o caráter originário da aquisição do controle. Mesmo na hipótese de negociação entre a administração da companhia e o potencial controlador, é imperativo manter em mente que a “oferta permanece tendo como alvo os acionistas como um todo e não apenas os pertencentes a um suposto bloco tácito de controle”. Além disso, ressaltou que o sucesso de uma oferta de aquisição não necessariamente está condicionado à aceitação por 50,01% dos acionistas, uma vez que o percentual necessário para o efetivo exercício do controle pode variar de acordo com sua estrutura societária, de modo que não é possível quantificar, a priori, um determinado percentual para fins de caracterização do art. 254-A. 107 O relator decidiu pela não exigibilidade da realização de OPA no caso concreto, sendo acompanhado pelo restante do Colegiado. O caso ilustra bem como algumas confusões podem surgir quando da aplicação do art. 254-A. Fica clara a intenção da área técnica da CVM em tentar caracterizar a alienação de controle pelo fato de ter havido a sua alteração. A confusão deu-se sobre o fato de que a alteração do controle, por ser comum tanto na aquisição originária quanto na derivada, ter sido considerada como aspecto principal para a caracterização da alienação de controle. A reforma da decisão da área técnica pelo Colegiado está correta a nosso ver, pois, conforme visto (i) não há como se extrair da redação do art. 254-A ou da Instrução CVM 361/02 que a OPA por alienação de controle seja exigível daquele que adquire o controle de forma originária e (ii) a OPA por alienação de controle não representa um direito de saída por ocasião da alteração do controle, mas sim um instrumento para “socialização” do prêmio de controle – existente somente em aquisições derivadas. (ii) Caso Suzano – Aquisição originária de controle / incorporação Outro caso ilustrativo envolvendo a discussão sobre a aplicabilidade do art. 254-A em operações de aquisição originária de controle foi discutido no âmbito do Processo Administrativo CVM RJ/2008/4156, referente à aquisição do controle da Suzano Petroquímica S.A. (“Suzano”) pela Petróleo Brasileiro S.A. (“Petrobras”) e, em seguida, pela União de Indústrias Petroquímicas S.A. (“Unipar”). A aquisição do controle da Suzano pela Petrobrás se deu por meio da compra da participação que os antigos controladores da Suzano detinham na Pramoa Participações S.A. (“Pramoa”), que controlava a integralidade do capital da sociedade Dapean, a qual, por sua vez, controlava diretamente a Suzano. Em seguida, a Petrobras incorporou a Pramoa, tornando-se acionista controladora direta da Dapean. Por conta da aquisição do controle da Suzano, a Petrobras, através da Dapean, encaminhou à CVM um pedido de registro de oferta pública para aquisição das ações ordinárias e preferenciais de emissão da Suzano de propriedade de seus demais acionistas. 108 Posteriormente, Petrobras e Unipar firmaram compromisso para consolidar seus ativos petroquímicos, constituindo a sociedade petroquímica, a “CPS”. Para a constituição da CPS, Petrobras e Unipar ajustaram contribuir com ativos de suas titularidades. A Unipar deveria aportar ativos petroquímicos na Fasciatus Participações S.A. (“Fasciatus”), sociedade sob seu controle e a Petrobras deveria aportar na Dapean a participação acionária na Petroquímica União S.A. O passo seguinte seria a incorporação da Fasciatus pela Dapean, passando a Unipar e a Petrobras a deterem, respectivamente, participação de 60% e 40% do capital votante da Dapean. A área técnica da CVM deferiu o registro da OPA da Petrobrás, mas em decorrência dessa segunda operação entre Petrobrás e Unipar, determinou a inserção, em todo material publicitário referente à aquisição da Suzano, da informação de que a “operação em tela enseja nova OPA por alienação de controle que deverá ser formulada, oportunamente, pela Unipar”. Em recurso contra a decisão da área técnica, a Unipar alegou que a formação da CPS não constituiria fato gerador de OPA e uma segunda OPA não geraria qualquer benefício adicional aos minoritários. Segundo a Unipar não estariam presentes na operação dois elementos essenciais à incidência do art. 254-A, nomeadamente “a transferência de valores mobiliários ou direitos sobre o mesmo” e “a onerosidade”. O relator, Diretor Sergio Weguelin, entendeu que realmente não havia transferência direta de valores mobiliários entre Petrobras e Unipar, tendo em vista que, do ponto de vista estritamente formal, os valores mobiliários que assegurariam a esta última o controle da Dapean (e assim indiretamente da Suzano) seriam alcançados em razão da incorporação da Fasciatus pela Dapean, por mera consequência matemática (i) do valor dos ativos detidos por estas duas sociedades e (ii) do fato de a Unipar ser titular da totalidade do capital da Fasciatus. Entretanto, para o relator, o art. 254-A se aplica às hipóteses de transferência “indireta” de controle, assim considerada a transferência, por meio de acordo, dos direitos políticos e econômicos dos valores mobiliários que asseguram o poder de controle. O fato de a Petrobras iniciar a segunda parte da operação como controladora da Suzano e passar à condição de minoritária, resultando a Unipar detentora indireta da maioria do capital votante 109 (antes pertencente à Petrobras) significa que tal desfecho só poderia ocorrer com o “consentimento da Petrobras”. Desta forma, o consenso entre o acionista que deixou o controle e aquele que o assumiu, com a alternância do controle da companhia, configuraria esta hipótese como transferência “indireta”. Para ele, embora não haja transferência direta de valores mobiliários, há um efeito prático equivalente que justifica a realização da OPA, qual seja, a existência de uma compensação financeira recebida pela Petrobrás. Segundo o relator, a participação da Petrobrás, de 40%, seria certamente menor caso a Petrobras não tivesse aportado o controle da Suzano ou se, por exemplo, este controle tivesse sido adquirido pela Petrobras e pela Unipar conjuntamente e só então fosse aportado na Dapean. A compensação recebida pela Petrobras, portanto, seria uma parcela dos 40% de participação direta na CPS e, indiretamente, nos ativos nela aportados pela Unipar. Por essas razões, o diretor Sérgio Weguelin votou pelo não provimento do recurso da Unipar, mas não sem antes fazer interessante ressalva sobre o assunto: A caracterização da alienação de controle nesta hipótese, reconheça-se, não é trivial. Qualquer operação de incorporação, como se sabe, envolve um aumento de capital da incorporadora, subscrito e realizado pelo patrimônio líquido da incorporada. Os acionistas da incorporadora não possuem direito de preferência para subscrever ações no aumento de capital da incorporadora, e consequentemente suas participações relativas no capital total da sociedade ficam diminuídas. É teoricamente possível – e é o que ocorre no presente caso – que esta diluição dos acionistas da incorporadora leve o controlador a deixar de deter a maioria do capital social votante. É possível, ainda, que outro acionista, egresso da incorporada, passe a deter as ações que asseguram o controle da companhia resultante. Neste caso, uma operação com tais contornos só poderia ser conduzida com o consentimento do acionista a ser diluído. Do contrário a incorporação teria sido rejeitada em assembléia. Por isto, esta operação normalmente terá uma contrapartida para o acionista controlador, por exemplo, uma relação de troca mais favorecida que a dos demais acionistas, embutindo o ágio pelo controle até o limite permitido pelo art. 254-A. Em sentido contrário, o Diretor Marcos Pinto votou pela não aplicabilidade do art. 254-A ao caso, pois a existência de um novo acionista controlador não é suficiente para disparar a obrigação de oferta pública. Para o diretor, o conceito de transferência “indireta” não comporta uma interpretação tão ampla como essa. Para a caracterização da alienação de controle é preciso que haja a transferência de algo, direitos de voto ou o que seja, mas, no 110 caso concreto não haveria transferência de nada, pois a Petrobras manteria todas as suas ações, com todos os seus direitos – razão pela qual não seria exigível a OPA. Além disso, não seria necessária a OPA porque, na incorporação, todos os acionistas devem, via de regra, receber o mesmo tratamento (o mesmo valor pelas suas ações). O Diretor, que teve o voto acompanhado pelo restante do Colegiado, fez questão de ressaltar que essa decisão não é aplicável a qualquer caso dessa natureza e que, caso se venha ter incorporações de fachada, mediante a utilização de sociedades holding sem ativos operacionais e pagamentos em dinheiro disfarçados, a CVM deverá aplicar a disciplina da fraude à lei188, exigindo a realização da oferta pública. Com essa decisão a CVM pela primeira vez se manifestou sobre a exigibilidade de OPA para casos de incorporação, afastando a incidência do art. 254-A da Lei das S.A. para tais casos. Poucos meses depois, a área técnica emitiu o MEMO/SRE/GER-1/Nº 214/2008, a respeito das operações Datasul/Tovts, Tenda/Gafisa e Company/Brascan189, consolidando o entendimento de que a incorporação de companhia ou de ações, ainda que possa resultar na mudança de controle, não constitui uma alienação de controle para os fins do art. 254-A. Entendemos correta a interpretação que prevaleceu nos casos em questão. Em primeiro lugar porque, como visto ao longo deste trabalho, a alienação de controle demanda a transferência de valores mobiliários, o que não ocorre em casos de incorporação. E, em segundo, porque a incorporação e a incorporação de ações são negócios jurídicos típicos, com regulação própria nos arts. 227 e 252 da Lei das S.A., que em momento algum mencionam a obrigatoriedade de apresentação de OPA. 188 Henrique Beloch, comentando a decisão, questiona como o negócio fraudulento (operação teoricamente inválida e ineficaz) poderia acarretar a obrigação de realizar uma OPA. A resposta, segundo ele, talvez esteja no regime da simulação e no artigo 167 do Código Civil, que estabelece que “é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma” (BELOCH, Henrique Vargas Gama. CVM afasta Tag Along em Operações de Incorporação. Disponível em http://www.bmfbovespa.com.br/juridico/noticias-e-entrevistas/Noticias/081128NotA.asp. Acesso em setembro de 2011). 189 No primeiro caso a operação se deu pela incorporação de ações da Datasul pela Makira do Brasil S.A., companhia fechada controlada pela Totvs, e subsequentemente, pela incorporação da Makira pela Totvs, de modo que a base acionária da Datasul foi unificada à base acionária da Totvs. No segundo caso Tenda e Gafisa ajustaram a integração societária das atividades de Tenda e de Fit Residencial Empreendimentos Imobiliários Ltda., sociedade controlada por Gafisa, por meio de incorporação de Fit por Tenda, passando a Gafisa a ser titular de ações representativas de 60% do capital total e votante de Tenda. No último caso, houve a incorporação de ações da Company pela Brascan SPE SP-3 S.A., subsidiária da Brascan, e subsequentemente, a incorporação da subsidiária pela própria Brascan, sendo a base acionária da Company unificada à base acionária da Brascan, nos moldes do caso Datasul/Totvs. 111 Encerramos esse tópico reproduzindo interessante ponto levantado pela área técnica, que serve de crítica aos defensores da aplicação do art. 254-A aos casos de incorporação, assim como para reflexão sobre a conveniência da OPA por alienação de controle: É importante salientar que os casos apresentados envolviam, de ambos os lados, companhias abertas. Desse modo, como reagiria o mercado e os investidores da companhia que, tenho um caminho da incorporação previsto em lei e razoável estrategicamente, optasse pelo caminho mais oneroso de aquisição do controle de outra companhia aberta, com necessidade de formulação de oferta pública aos minoritários, a preços de 130% da cotação em mercado, por exemplo? 6.4. Alienação de bloco de ações Prevê o §1º do art. 254-A da Lei da S.A., como uma das formas de alienação de controle, a transferência de “ações vinculadas a acordos de acionistas”. A determinação da alienação de controle envolvendo grupos de ações pode apresentar algumas dificuldades, especialmente em casos nos quais não são alienadas todas as ações do bloco de controle ou em que não há acionista que, individualmente, detenha o poder de controle. Como regra geral, entende-se que mera mudança de posição dentro do bloco de controle, com a transferência de ações de um acionista para outro, sem que haja a mudança da vontade predominante do grupo, não configura alienação de controle, pois tal transferência de ações dá ensejo a uma mera consolidação de controle. Isso não significa que transferências intra bloco sempre descaracterizem a alienação de controle para fins do art. 254-A. Quando alguém que detinha participação minoritária (e com poucos poderes de mando) adquire ações que lhe conferem uma posição de predominância, passando a exercer a vontade dentro do bloco de controle, está caracterizada a alienação de controle. Esse é o entendimento que se extrai da redação do art. 254-A, que prevê sua incidência na transferência de ações integrantes de acordo de acionistas e não das ações integrantes de acordo de acionistas. 112 Não há a ocorrência de alienação de controle em casos de alienação parcial do controle, assim entendida a operação de ingresso de novo ou de novos acionistas no bloco de controle, desde que continue predominando no interior deste, a orientação do controlador anterior190. A dificuldade em transferências de controle dessa natureza está em se verificar como é formada a vontade do grupo, identificando, por exemplo, uma vontade que predomine nas decisões mais importantes. O acordo de acionistas comumente desvincula o número de ações em relação ao poder de mando dos acionistas, fazendo com que um acionista com pequeno percentual de ações votantes tenha amplos poderes decisórios e vice-versa. Dificuldades podem ser encontradas também em operações que mesclem características de aquisição originária com aquisição derivada, em casos que formalmente fujam das características mais comuns de alienação de controle. Pense-se, por exemplo, em uma companhia com a seguinte estrutura: Acionista A – 51% das ações votantes Acionista B – 25% Acionista C – 7% Capital nas mãos de acionistas diversos (free float) – 17% O acionista A, necessitando de recursos, decide alienar 10% de ações votantes de sua titularidade para o acionista B. Ato contínuo, o acionista B (com 35% do capital votante) celebra acordo de acionistas com o acionista C, formando um novo bloco de controle, com 42% das ações votantes. A rigor, houve a mudança de controle na companhia, do acionista A para os acionistas B e C, mas nem o acionista A vendeu ações que, isoladamente, lhe conferiam o controle, nem os acionistas B e C adquiriram o controle de forma derivada – já que o bloco de controle se formou a partir de um acordo de acionistas; o que descaracterizaria a alienação de controle propriamente dita. 190 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 2, p.289. 113 Por outro lado, imagine-se que o preço pago sobre o bloco de 10% de ações votantes alienado pelo acionista A ao acionista B tenha tido sobrepreço consideravelmente superior ao valor de mercado de ações. Provavelmente, acionistas minoritários argumentariam, nesse caso, ter havido uma aquisição semiderivada do controle quando da alienação das ações do acionista A, configurando a operação como uma atuação fraudulenta dos acionistas A, B e C a fim de burlar o art. 254-A. Vale notar que tal possibilidade desloca o problema para a análise da existência ou não de prêmio na alienação de ações pertencentes ao controlador, aspecto também de difícil determinação como já visto, pois nem sempre se pode distinguir em que medida foram ponderados os poderes do controlador e as perspectivas de rentabilidade da companhia191. Carlos Augusto Junqueira de Siqueira cria também outro exemplo que demonstra a dificuldade do tema192. Nele, o controle acionário da companhia “Omega” é compartilhado por seis acionistas, todos familiares, que o exercem conjuntamente, com as seguintes participações no capital votante: Acionistas A B C D E F Total Cap. Soc 16% 4% 3% 3% 3% 51% 22% Os dois maiores acionistas (“A” e “B”) alienam a um terceiro (“X”), parcelas de suas ações, respectivamente 10 % e 7%. O menor acionista (“F”) vende também a totalidade de sua posição, passando o adquirente desses lotes a deter 20% do capital votante e a composição acionária da companhia a ser assim distribuída: Acionistas X A B C D E Total Cap. Soc 12% 9% 4% 3% 3% 51% 191 22% Como ensina Fábio Ulhoa Coelho: “Desmembrar o preço da ação, de modo a identificar, de um lado, a contrapartida à transferência do poder de dirigir a companhia, e, de outro, o potencial econômico dela, nem sempre é factível. Em primeiro lugar, porque as informações com que operou cada negociador não são necessariamente públicas. Em segundo lugar, porque muitas vezes as negociações são feitas por valores globais (idiossincráticos ou resultantes das estratégias e sinergias específicas de cada negociador), sem que alienante e adquirente se preocupem com detalhamentos”. (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 2. P .286) 192 SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário: Interpretação e Valor. Rio de Janeiro: FMF Editora, 2004. pp. 168 -172. 114 Na oportunidade, é firmado um acordo de acionistas, entre o adquirente das ações e os demais integrantes do grupo controlador. Assim, embora o adquirente “X” tenha alcançado o status de maior acionista individual da sociedade, os remanescentes, somando suas posições, continuam detendo a maioria, não se podendo afirmar a ocorrência da transferência do controle acionário. Segue-se, porém, mais uma etapa da operação, quando o acionista A transfere mais 1% de sua participação e o acionista B, todas as ações que ainda restavam sob sua titularidade. O comprador é o mesmo adquirente anterior – o acionista “X” – que incrementa sua posição e passa a deter participação superior àquela que era detida, conjuntamente, pelos ex-controladores remanescentes. Ao atingir participação equivalente a 30% nas ações com direito a voto, a tese do Acionista “X” para a não realização de OPA poderia se fundar no fato de o mesmo não possuir o controle absoluto (50% +1) sobre as ações votantes. Conclui Carlos Augusto Junqueira, no entanto, que “nesse ponto a tese já não se apresenta pacífica, nem consistente”, porque já não existe na sociedade outro acionista em posição de frustrar ou impedir a preponderância da vontade de “X”, o que evidenciaria a transferência do controle pelo lado do adquirente, sendo irrelevante que ele tenha ou não adquirido todo o bloco de ações que assegurava o controle da companhia. O caso é complexo, mas a conclusão do autor nos parece precipitada. Poderia ser oposto a este argumento o fato de que, na existência de um acordo de acionistas, o aumento de participação não necessariamente significa o exercício de controle exclusivo. Entendemos que a verificação sobre a alienação de controle, no exemplo, deveria ser precedida da análise dos poderes conferidos pelo Acordo de Acionistas, pois somente a partir dessa análise seria possível determinar-se a pessoa ou grupo de pessoas que controlam a sociedade. (i) Caso Aracruz Celulose – Transferência intra bloco 115 Um dos primeiros e mais conhecidos precedentes sobre transferências de controle intra bloco é o Caso Aracruz Celulose, julgado quando a Lei 10.303/01, que introduziu o art. 254-A na Lei das S.A., ainda estava em período de vacatio193. O processo foi levado a julgamento no Colegiado da CVM em razão de recurso apresentado pela Votorantim Celulose e Papel S.A. (“Votorantim”) contra decisão da área técnica da CVM, que determinou a divulgação de informações, na forma da Instrução CVM 299/99, em decorrência do processo de aquisição de ações integrantes do bloco de controle da Aracruz Celulose S.A. (“Aracruz”), pela Votorantim, antes de titularidade do Grupo Mondi. Basicamente, a Votorantim sustentava não ter ocorrido alienação do controle, em razão de o poder de controle, quando exercido em bloco, ser atributo e prerrogativa do grupo e não de qualquer de seus integrantes individualmente. Assim sendo, o mero fato de haver adquirido ações pertencentes ao grupo de controle e aderido ao acordo de acionistas, por exigência nele contida, não caracterizaria alienação do controle. A área técnica da CVM, por sua vez, entendeu que em momento algum a Lei das S.A. caracteriza como controlador somente aquele que é titular, individualmente, do poder de controle. Não poderia a Votorantim invocar o acordo de acionistas para se eximir das responsabilidades derivadas do poder de controle. Para a área técnica, não é necessária a alienação da totalidade das ações pertencentes ao grupo de controle, bastando somente que as ações adquiridas o integrassem. O relator do caso, Diretor Marcelo Trindade, manifestou-se de maneira contrária à área técnica. Aduziu ter havido simples transferência de participação e não alienação do poder de controle. A alienação exigiria “a transferência, de forma direta ou indireta, de ações integrantes do poder de controle”, isto é, na transmissão do poder de exercer “a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia”, situação que não se concretizou no caso. Tendo o Colegiado acompanhado o voto do relator, foi dado provimento ao recurso interposto. 193 À época vigia a Instrução CVM 299/99, posteriormente revogada pela Instrução CVM 361/02, que dispunha, entre outros assuntos, sobre a obrigação de divulgação de informações quando da alienação de controle. 116 O caso sedimentou o entendimento que já se tinha na doutrina, mesmo ainda quando da vigência do art. 254, de que transferências intra bloco, como regra geral, não dão causa à OPA por alienação de controle. Mas o voto do então diretor Marcelo Trindade já alertava sobre as dificuldades que podem advir de transferências dessa natureza: Ocorre que este caso não desafia as complexas questões que podem surgir quanto ao conceito de alienação de controle detido por grupo de acionistas unidos por acordo. Aqui não houve alienação de uma participação majoritária dentro do bloco de controle, como se viu do quadro transcrito no relatório, nem se está diante da aquisição de uma participação que, somada àquela já detida pelo adquirente, o eleve à condição de controlador único. (grifamos) (ii) Caso Copesul – Transferência intra bloco Caso emblemático sobre a transferência intra bloco é o referente à alteração de controle da Companhia Petroquímica do Sul (“COPESUL”), decidido no Processo Administrativo CVM RJ/2007/7230. A COPESUL é uma companhia aberta cujo controle era compartilhado entre BRASKEM e Ipiranga Petroquímica S.A. ("IPQ"), cada uma com 29,5% das ações de sua emissão. Em 18/3/07 foi celebrado contrato de compra e venda de ações entre a Ultrapar Participações S.A. (“ULTRAPAR”) e acionistas controladores da Refinaria de Petróleo Ipiranga S.A. (“RPI”) e da Distribuidora de Produtos de Petróleo Ipiranga S.A. (“DPPI”) para a aquisição, pela ULTRAPAR, da totalidade das ações por eles detidas nestas companhias e na Companhia Brasileira de Petróleo Ipiranga (“CBPI”). Com a operação, a ULTRAPAR adquiriu, como comissária e por conta e ordem da BRASKEM e da PETROBRÁS, na proporção de 60% para a BRASKEM e 40% para a PETROBRÁS, a totalidade das ações da Ipiranga Química S.A., sua participação na IPQ e a participação acionária desta última na COPESUL, representativa de 29,46% do capital da COPESUL. Os acionistas minoritários da COPESUL alegaram que a operação em comento consistiria na alienação do controle da COPESUL para a BRASKEM, tendo em vista que, anteriormente, o poder de controle da companhia era exercido pela BRASKEM e pela IPQ de forma compartilhada, sendo as decisões do bloco de controle tomadas em conjunto, na forma 117 do acordo de voto; mas que, com a operação, a BRASKEM teria passado a deter um percentual de ações que, indiretamente, asseguraria a ela prevalência em qualquer deliberação societária da companhia. A operação consistiria, segundo os acionistas minoritários, na transferência de titularidade do poder de controle, que antes era atributo do grupo, para um acionista apenas. Para a área técnica da CVM prevaleceu a tese da consolidação de controle nas mãos de controlador que, de fato, já o exercia, ainda que em conjunto – não ensejando tal fato a realização de oferta pública de aquisição de ações de sua emissão, nos termos do art. 254-A da Lei das S.A. Para o relator, Diretor Eli Loria, as características da alienação do controle acionário que obrigam a realização de oferta pública são duas: (i) que a titularidade do poder de controle seja conferida a pessoa diversa do anterior detentor do controle e (ii) que a transferência de ações do bloco de controle seja realizada a título oneroso, com ônus e bônus tanto para o alienante quanto para o adquirente. O art. 254-A trata da alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta, e o faz segundo um objeto de análise bastante lato, porquanto indica as operações com valores mobiliários que importem na transferência do poder de controle da empresa, de um titular a outro. Disso decorre, no entender do diretor, que a venda de participação a uma pessoa já integrante do bloco de controle não implica, em princípio, na obrigatoriedade de realização de oferta pública. Para ele, o fato de a participação ser majoritária ou minoritária no bloco de controle original, por si só, não caracteriza, ou deixa de caracterizar, reforço de controle, motivo pelo qual devem ser analisados os termos do Acordo de Acionistas e o efetivo exercício do poder de controle. No caso, as signatárias de Acordo de Acionistas, BRASKEM e IPQ, detinham participações paritárias e o controle da COPESUL era exercido pela comunhão de vontades das duas sociedades. Como nenhuma das duas empresas exercia isoladamente o controle da COPESUL, o diretor relator entendeu que a IPQ alienou valores mobiliários para a BRASKEM, mas não o poder de controle, pois não detinha o mesmo, pelo menos não em sua plenitude. O Presidente Marcelo Trindade iniciou seu voto ressaltando que o art. 254-A estabelece a obrigação de realizar OPA quando houver alienação do controle. O argumento 118 da área técnica de que os integrantes do acordo de acionistas “já eram controladores” serve para provar que não houve aquisição, mas também para provar que houve alienação, e a lei fala de alienação como condição para a OPA. Esse impasse revela, segundo ele, a dificuldade de aplicação do art. 254-A da Lei das S.A. a situações de controle compartilhado, e poderia, ele mesmo, fazer com que se tendesse a uma solução conservadora, de não reconhecer a incidência da obrigação de realizar a OPA em casos de dúvida, evitando-se que o adquirente fosse apanhado pela surpresa dessa obrigação incerta. Entretanto, esse entendimento não deveria prosperar diante do intenso debate já existente sobre a possibilidade de aplicação do art. 254-A a alienações de controle envolvendo integrantes de acordo de acionista. Para esse caso, as razões para a não aplicação do art. 254A decorrem do fato de o controle só poder ser alienado pelo grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, e não por um membro desse grupo que detenha menos que a maioria das ações com voto (ressalvada a análise do acordo de acionistas). O Colegiado, acompanhando o voto do Diretor Relator, decidiu negar provimento ao recurso interposto pelos acionistas minoritários. Essa decisão é interessante e traz um aspecto novo sobre as dificuldades a serem enfrentadas em transações intra bloco. Nesse caso, mostra-se um tanto mais complexa a caracterização de “reforço de controle”, já que, sendo o controle originalmente compartilhado de maneira igual entre BRASKEM e IPQ, não havia propriamente “um acionista controlador” cujo controle pudesse ser reforçado. Por outro lado, a decisão é acertada porque considera que o controle não pode ser alienado por quem não o detém – e o fato é que IPQ não o detinha. 6.5. Alienação em etapas Outra mudança advinda com alteração da Lei das S.A., em 2001, de grande relevância para o tema, foi a tentativa de enumeração não exaustiva de várias modalidades de negócios jurídicos, com o fim de abranger não somente as alienações de controle realizadas por ato único, como também as alienações que ocorrem ao longo do tempo. Trata-se da alienação por 119 etapas, sequencia encadeada de negócios que resultam na alienação de controle, à semelhança da multistep acquisition da prática norte-americana, na qual o interessado em adquirir o controle, por exemplo, (i) compra privadamente um bloco significativo de ações; (ii) em seguida realiza uma OPA aos minoritários e (iii) na etapa final, procede a uma fusão ou incorporação194. É nesse sentido que, consolidando a jurisprudência da CVM, o artigo define de forma ampla a alienação de controle, nela incluindo negócios envolvendo ações votantes ou títulos nelas conversíveis, se a operação resultar na alienação de controle acionário da sociedade. A amplitude do §1º do artigo 254-A é tal que chama a atenção o fato de sua redação, de modo circular, definir a alienação de controle como a operação que possa resultar em alienação de controle. Para superar essa circularidade conceitual, a Instrução CVM 361/02 estabeleceu, no §4º do art. 29, que se entende por alienação de controle: a operação, ou o conjunto de operações, de alienação de valores mobiliários com direito a voto, ou neles conversíveis, ou de cessão onerosa de direitos de subscrição desses valores mobiliários, realizada pelo acionista controlador ou por pessoas integrantes do grupo de controle, pelas quais um terceiro, ou um conjunto de terceiros representando o mesmo interesse, adquira o poder de controle da companhia, como definido no art. 116 da Lei 6.404/76. A Instrução é mais clara ao determinar que alienação pode ocorrer por operação isolada ou por um conjunto de operações, dificultando a fraude à lei pelo fracionamento do negócio de aquisição. Negócios dessa natureza podem dificultar a determinação da ocorrência de alienação de controle, tanto por conterem elementos que, isoladamente, não a configuram, como, por exemplo, a aquisição de ações que não constituíam bloco de controle, quanto por ser difícil a verificação do momento em que a OPA passa a ser exigível. Vejamos, como exemplo, o caso tratado no Parecer CVM SJU/n.13/81, em que um terceiro adquiriu participação minoritária em sociedade controladora de companhia aberta, 194 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 4., tomo II. p.172. 120 celebrando, ato contínuo, acordo de acionistas. Tempos depois, já fazendo parte do grupo de controle, esse terceiro começou a adquirir, paulatinamente, parcelas de capital dos demais signatários do acordo de acionistas, até atingir a maioria do capital social da holding – momento em que alega não ter havido alienação de controle, pois já seria controlador da sociedade, consistindo a operação em mero “reforço de controle”. Na ocasião, a Superintendência Jurídica da CVM não acatou a tese, pois entendeu que a alienação de controle teria havido já quando da celebração do acordo de acionistas, por meio do qual o terceiro passou a ser controlador da sociedade holding, mesmo tendo a aquisição de ações sido feita posteriormente. Parece-nos que o entendimento da superintendência foi precipitado, ante a possibilidade de mera aquisição originária por parte do terceiro. Somente houve a transferência de direito do controle quando da aquisição das ações, momento em que foi pago o prêmio de controle195. É esse o entendimento que se extrai, inclusive, da redação do §5º do art. 29 da Instrução CVM 361/02, que assim dispõe: Sem prejuízo da definição constante do parágrafo anterior, a CVM poderá impor a realização de OPA por alienação de controle sempre que verificar ter ocorrido a alienação onerosa do controle de companhia aberta. (grifamos) Essa conclusão nos conduz novamente à dificuldade na determinação do preço aplicável à OPA por alienação de controle, mas agora sob outro aspecto. Embora o grande elemento caracterizador da alienação de controle seja, em nossa opinião, o pagamento de prêmio de controle, nem sempre este é de fácil identificação. Utilizando o exemplo acima analisado, suponhamos que cada uma das operações de aquisição de ações dos demais controladores tenha sido objeto de quantidade diferente de ações, com preços diversos e ao longo de meses. Como calcular, na forma do art. 254-A da Lei das S.A., os “80% do preço pago pelas ações do bloco de controle”? Seria incluído no cálculo, por exemplo, o valor referente à primeira aquisição, quando o terceiro ainda sequer era controlador? 195 Nossa conclusão segue, sobre esse mesmo caso, a opinião de PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier Latin, 2005. pp. 208-209. 121 Fabio Ulhoa Coelho, tratando do problema do momento da exigibilidade da OPA, bem como do preço base para a oferta, assim se manifesta: Quando a alienação do controle resulta de uma sucessão de atos, deve-se assegurar, no último deles, o direito à saída conjunta. (...) O preço a se tomar de base para aplicação do deságio legal não poderá ser, contudo, simplesmente o da última venda. Caberá nesse caso fixar-se o preço da oferta por médias ponderadas, de forma a assegurar ao minoritário o mesmo ganho que lhe caberia, se todos os atos de que resultou a alienação do poder de controle tivessem se concentrado numa única operação196. Entendemos, nesse mesmo sentido, que ao considerar a operação como um só negócio, caracterizando-a como aquisição por etapas, todas as aquisições devem ser levadas em consideração na determinação do preço, estabelecendo-se uma média de valor por ação em cada aquisição, e aplicando-se a correção monetária dos valores, na forma do §7º do art. 29 da Instrução CVM 361/02197. (i) Caso CBD/Pão de Açúcar – alienação de controle de fato A discussão sobre a exigibilidade de OPA em casos de alienação de controle por etapas foi o ponto central do recurso interposto pela Companhia Brasileira de Distribuição (CBD), julgado em 11.04.06. A Companhia questionava a decisão da área técnica da CVM que determinou a realização de OPA decorrente de alienação de controle indireta, em virtude da implementação de Joint Venture Agreement entre Abílio Diniz e família, de um lado, e Casino Guidchard Perrachon S.A. (Casino) do outro. A CBD era controlada pela holding Vieri Participações S.A., de propriedade de Abílio Diniz, que detinha 61,19% das ações com direito a voto. O Casino, acionista da CBD desde 1999, e co-controlador em virtude de acordo de acionistas, detinha 30,53% das ações com direito a voto. 196 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 2,2007. pp.- 289-290 197 O referido dispositivo determina que “Nas alienações com pagamento em dinheiro, o preço da OPA deve ser, ao menos, igual a 80% do preço pago ao controlador, acrescido de juros à taxa Selic ou, caso essa taxa deixe de ser calculada, outra taxa que venha a substituí-la, desde a data do pagamento ao controlador até a data da liquidação financeira da OPA”. 122 O Joint Venture Agreement, em uma primeira etapa, a aquisição, pelo Cassino, de 50% das ações ordinárias da Vieri Participações S.A., detidas por Abílio Diniz. Após a operação, Abílio e o Casino ficariam, cada um, com 50% das ações com direito a voto da Vieri. Em pagamento pela participação, o Casino entregaria um bilhão de reais, duzentos milhões de dólares americanos e quantidade significativa de ações preferenciais da CBD que detinha. O acordo previa, ainda, a opção de compra, pelo adquirente, de uma ação ordinária ao preço de um real. A operação foi entendida pela área técnica da CVM como uma transferência de controle, já que o preço pelo controle estava sendo pago desde o momento de celebração do acordo. Em resposta, a companhia argumentou que o adquirente não possuía poderes de comando para, isoladamente, exercer o controle; logo, não era acionista controlador para os fins do art. 116. O deslinde do caso veio com a decisão do Diretor Pedro Marcílio. Nela, o diretor argumentou que o conceito do art. 116 não é perfeitamente aplicável para casos de alienação de controle, pois não é preciso o requisito “exercício do poder”. Confira-se o entendimento do diretor: 31. Isso nos leva a perguntar se faria sentido excluir o exercício de controle como requisito para a necessidade de oferta pública. Parece-me que sim, por um argumento simples: se, na alienação de controle, alienante deve entregar algo e adquirente deve receber esse mesmo algo, e, dado que não há obrigação de o titular de mais de 50% das ações com direito a voto exercer controle, a verificação da aquisição de controle – que obrigaria o adquirente a realizar oferta pública – só poderia ser verificada posteriormente à transferência dos valores mobiliários, se e quando o adquirente passasse a exercer o controle (grifamos). O caso é ilustrativo para demonstrar que a definição de controlador prevista no art. 116 não é a mesma que a do art. 254-A da Lei das S.A. Para fins do art. 254-A bastaria a verificação de que o adquirente é titular de direitos de sócio que possam lhe assegurar, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia. Infere-se, a partir da decisão, que o requisito exercício de fato não se aplica ao art. 254-A da Lei das S.A.. Pretendia-se, com a opção para compra de uma ação, caracterizar a operação como uma espécie de alienação por etapas, cuja efetiva transferência só ocorreria com o exercício da opção. O que fez a CVM foi antecipar os efeitos do exercício da opção, reconhecendo que 123 a medida era apenas um mecanismo para burlar a alienação de controle, já que o prêmio estava sendo pago ainda quando da primeira operação. 6.6. Análise do contrato de compra e venda de ações Merece menção o fato de que embora a OPA seja a posteriori a verificação da CVM da ocorrência de uma alienação de controle prescinde de seu exercício efetivo por parte do adquirente – sendo esse talvez o principal critério que diferencie o conceito de controle do art. 254-A em relação ao art. 116 da Lei das S.A. Tendo em vista que não se pode esperar para ver se o controle será ou não exercido, outros métodos se fazem necessários para a comprovação da alienação de controle. Um deles é a análise do contrato de compra e venda de ações198. Nele, as partes compradora e vendedora devem ser identificadas com o alienante e adquirente de controle, segundo os critérios aqui estudados. É preciso também que se trate de cessão de controle e não somente de contrato de cessão de ações. A distinção entre os dois tipos de contrato, por óbvio, não está na denominação utilizada pelas partes, mas sim em suas características principais. Algumas cláusulas constantes do contrato de compra e venda geralmente demonstram que a cessão de ações, no caso, representa a cessão de controle. A doutrina diferencia os dois tipos de negócios da seguinte forma: Na operação do primeiro tipo [cessão de controle], de finalidade muito mais ampla que a visada na segunda modalidade [mera cessão de ações], conjugam-se elementos típicos inexistentes nesta última, tais como: o objeto da operação é o domínio da atividade empresarial; o preço abrange o valor econômico do poder de dispor dos bens sociais e de dirigir os negócios da empresa; a responsabilidade assumida pelos cedentes, geralmente abarca garantias quanto à integridade do ativo e a veracidade do passivo; a estipulação, na hipótese do preço da cessão a ser pago a prazo, de que o cessionário pode compensar o montante efetivamente apurado, da responsabilidade do cedente com o valor das prestações do preço ainda não pagas199. 198 O contrato deve seguir os requisitos gerais essenciais previstos no art. 104 do Código Civil para que seja considerado válido como ato jurídico: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. 199 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. pp. 210, 218-219. 124 Um elemento marcante da alienação de controle é a renúncia dos administradores logo após cessão das ações. Trata-se do aspecto mais evidente de que o controle foi efetivamente alienado, pois é justamente através da nomeação de novos administradores que o adquirente (novo controlador) passa a exercer seus poderes200. Outro aspecto que necessariamente deve ser analisado de modo a caracterizar a onerosidade do contrato e o valor da OPA aos minoritários é o do preço pago pelas ações de controle. É entendimento já antigo da CVM que a inexistência do pagamento de ágio na alienação de controle não afasta a obrigatoriedade do igual tratamento aos minoritários 201. Isso significa que a OPA é exigível mesmo em operações em que o valor proposto por açãoobjeto é significativamente inferior à cotação de mercado das ações da companhia cujo controle foi alienado202. Ou seja, mesmo sabendo-se de antemão que a OPA dificilmente terá alguma aceitação por parte dos minoritários - já que eles podem vender suas ações no mercado por preço superior ao ofertado pelo adquirente do controle na OPA – não deixa a mesma de ser exigível, segundo a autarquia203. Vale lembrar que a justificativa do preço na alienação indireta de controle é ônus do adquirente de controle, que deve ser feita quando do pedido de registro da oferta na CVM. Na ausência de instrumentos contratuais ou outros documentos que comprovem a parcela do preço correspondente, o ofertante justificar o preço por outros meios, cabendo à CVM examinar tais justificativas, e obter outros elementos que lhe permitam chegar a uma conclusão quanto ao preço proposto para a OPA. 200 Vide Parecer/CVM/SJU/ n. 79/83 e Parecer/CVM/SJUn.28/87 para casos nos quais a Superintendência Jurídica da CVM entendeu que a renúncia de cargos diretivos reforçava a efetiva alienação de controle. 201 No parecer CVM/SJU/Nº 79/83 a procuradora Luíza Monteiro afirma que a inexistência do pagamento de ágio na alienação de controle não afasta a obrigatoriedade do igual tratamento aos minoritários previsto no antigo art. 254 da Lei, bem como ressalta a importância da tutela legal nesses casos, “em face da dificuldade de desinvestimento, freqüentemente ocasionada pela perda de liquidez dos títulos no mercado”. 202 Vide decisões dos Processos CVM nº RJ/2006/6802 e RJ/2006/7658, em que a CVM reitera tal entendimento. 203 O argumento contrário ao da autarquia é o de que a OPA nessas condições impõe gastos desnecessários ao adquirente de controle, tais como a contratação de instituição intermediária, a realização de leilão público, publicação de edital, entre outros. 125 6.7. Aplicabilidade do art. 254-A aos casos de alienação de controle minoritário Hipótese para a qual a doutrina não tem dado muita atenção e que passará a ser cada vez mais comum daqui em diante é o da aplicabilidade do art. 254-A da Lei das S.A. a casos de alienação de controle minoritário. O aparente desinteresse da doutrina sobre a matéria se justifica pelo fato de ainda ser muito incomum operações desse tipo, ante o fato de a grande maioria das companhias brasileiras ainda possuir controle majoritário. A questão é difícil e foi encarada pela primeira vez no julgamento do Caso Tim, comentado mais adiante, a partir do qual começaram a surgir posições doutrinárias favoráveis ou contrárias à aplicação do art. 254-A a casos de alienação de controle minoritário. O pioneiro sobre a matéria foi Nelson Eizirik, em artigo204 desenvolvido com base em parecer a ele solicitado pelos supostos adquirentes do controle no Caso Tim. A tese central do autor é a de que o art. 254-A da lei societária não se aplica a casos de alienação de controle minoritário. Para ele, a regra do art. 116 da lei societária não pode ser utilizada para se analisar todos os casos de alienação de controle. O autor utiliza o exemplo da alienação de ações por parte de um acionista que, embora detendo a maioria do capital votante da companhia aberta, não comparece às assembleias gerais. Embora nesse caso o alienante não exerça efetivamente o poder (requisito da alínea b do art. 116 da Lei das S.A.), ele é titular de bloco de ações cuja alienação permite ao adquirente o exercício do controle, bem como o recebimento de prêmio – o que tornaria exigível a OPA. Eizirik verifica que a alienação de controle depende da transferência do bloco de controle ou, ao menos, de parte das ações que o compõe. Segundo o autor, somente existe um “bloco de controle” se ele for composto por ações representativas de mais da metade do capital votante da companhia, de forma a assegurar ao seu titular, em qualquer circunstância, o exercício do poder de controle. 204 EIZIRIK, Nelson. Aquisição de Controle Minoritário. Inexigibilidade de Oferta Pública. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; MOURA AZEVEDO; Luis André N. (coord.) Poder de Controle e Outros Temas de Direito Societário e Mercado de Capitais – São Paulo: Quartier Latin, 2010. pp.178 – 191. 126 Haveria, assim, uma distinção entre o mero exercício do controle (existente no caso de um controlador minoritário) e a titularidade do bloco controle, sendo o primeiro suficiente para permitir a aplicação do art. 116, mas somente o segundo capaz de ensejar a aplicação do art. 254-A da Lei das S.A. Adicionalmente, deve-se levar em consideração, segundo Eizirik, que o ônus imposto pela realização de oferta para aquisição de ações dos acionistas minoritários é maior caso se trate de aquisição de controle minoritário, pelo que não seria razoável exigir uma OPA por parte de seu adquirente, que poderia, inclusive, vir a perder a condição de controlador a qualquer momento. Eizirik faz questão de ressaltar que suas conclusões não significam que a oferta pública por alienação de controle somente seja obrigatória em operações que envolvam a transferência de ações representativas de mais de 50% do capital votante. Se o acionista titular de 30% do capital social votante aliena suas ações a um acionista detentor de mais de 20% do capital social, estará caracterizada a alienação de controle para os fins do art. 254-A da lei societária205. Modesto Carvalhosa chega a esta conclusão, pelo fato de entender que o controle minoritário sequer está compreendido no art. 116206. Eduardo Secchi Munhoz entende igualmente que o art. 254-A seria inapropriado para tratar de alienações de controle minoritário, mas por razões diversas. A conclusão deriva de uma critica mais abrangente ao modelo regulatório brasileiro que, segundo o autor, utiliza critérios inadequados para regular movimentos de realocação de controle em companhias sem controle majoritário, especialmente por não considerar os casos de aquisição originária207. 205 A mesma posição é defendida por Calixto Salomão Filho, para quem seria impossível aplicar o art. 254-A às situações de controle minoritário, porque o referido dispositivo exigiria o requisito da estabilidade da posição; por outro lado, para efeito de aplicação da disciplina da responsabilidade (art. 116 da Lei das S.A.) a hipótese de incidência abrangeria o controle minoritário (COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005. p.71.) 206 CARVALHOSA, Modesto. O desaparecimento do controlador nas companhias com ações dispersas. In: ADAMEK, Marcelo Vieira von (coord.). Temas de Direito Societário e Empresarial Contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 520. 207 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Desafios do direito societário brasileiro na disciplina da companhia aberta: avaliação dos sistemas de controle diluído e concentrado. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de. (Coord.). Direito Societário: Desafios atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2009. pp. 321232. 127 Em sentido contrário, Erik Frederico Oioli entende ser aplicável o art. 254-A a operações de alienação de controle “diluído”208. Para ele não parece razoável a ideia de a lei admitir dois conceitos de acionista controlador, um para fins de responsabilização e outro para aplicação da OPA a posteriori. Ainda que o art. 254-A não faça referência a acionista controlador ou ao poder de controle, é irrefutável que o “controle” citado expressamente no dispositivo é manifestação do poder de controle do acionista controlador, tal como definido no art. 116 da Lei das S.A. Além disso, as dificuldades de aplicação do dispositivo e da caracterização do controle minoritário não são motivos para a não aplicação do dispositivo. Entendemos que uma posição conservadora, que leve em consideração o ônus que uma OPA por alienação representa ao adquirente do controle deveria conduzir à conclusão de que a obrigação não é exigível para casos de alienação de controle minoritário. Reforça essa posição o fato de nesses casos o controle ser mais instável e o ônus ser maior do que no da transferência de controle majoritário. A aplicação do art. 254-A a casos de controle minoritário sem dúvida é complexa, mas essas considerações de caráter prático não bastam para uma resposta à questão. O ponto central do problema nos parece estar no prêmio de controle. Salvo melhor juízo, é presumível que aquele que aliena um bloco que lhe confere o controle de uma determinada sociedade (ainda que minoritário) não o faça sem cobrar um prêmio de controle. Por sua vez, aquele que o adquire, pode até não vir a deter efetivamente o controle – imaginando, por exemplo, que os minoritários se juntem e formem um novo bloco de controle – mas é, no mínimo, provável que ele esteja interessado em seu exercício (e disposto a pagar por isso). Em outras palavras, dificilmente alguém aliena o controle acionário para quem não o está adquirindo (e pagando o preço correspondente) ou para quem não está disposto a exercê-lo. Bem, se o propósito principal do art. 254-A é, como parece ser, a extensão do prêmio de controle aos acionistas minoritários titulares de ações votantes, não há porque deixar de aplicá-lo a casos de alienação de controle minoritário. 208 OIOLI, Erik Frederico. Obrigatoriedade do Tag Along na Aquisição de Controle Diluído. In: ADAMEK, Marcelo Vieira von (coord.). Temas de Direito Societário e Empresarial Contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2011. pp. 316-326. 128 A estabilidade do poder de controle não é inerente apenas aos blocos majoritários. Em companhias com grande dispersão acionária é possível que o potencial adquirente tenha razoável segurança de que conseguirá exercer o controle societário ao adquirir bloco minoritário de alguém que, atualmente, consegue com aquele mesmo bloco exercer o controle. E mais: ao comprar número reduzido de ações, o adquirente consegue contrabalancear o risco da possível perda de controle com o fato de estar adquirindo o controle com pequeno número de ações e, consequentemente, despendendo menos recursos para a aquisição efetiva de controle de uma companhia aberta. Veja-se que é justamente nesses casos que o prêmio de controle pode vir a ser mais relevante, uma vez que invariavelmente acabará por incorporar parte dos “ganhos” do adquirente decorrentes da aquisição de número reduzido de ações. Exemplificando: imaginese que um indivíduo adquira um bloco de controle correspondente a 10% das ações votantes; é presumível que o prêmio de controle pago em relação ao número de ações adquiridas seja maior do que ele pagaria se tivesse que adquirir 51% de ações votantes. Entendemos que do ponto de vista do direito positivo, não parece que seja possível descartar a norma para casos de alienação de controle minoritário, pois considerada a redação vigente dos artigos 116 e 254-A da Lei das S.A., qualquer interpretação diversa não passará de um malabarismo hermenêutico. Não se quer, com isso, defender que os efeitos da regra sejam benéficos ou mesmo convenientes; muito pelo contrário: são muito ruins, assim como o são também os efeitos do artigo mesmo para casos de alienação de controle majoritário. A defesa de não aplicação do art. 254-A a casos de alienação de controle minoritário é, nesse sentido, um ato de mais completo bom senso. Do ponto de vista normativo, entendemos que as indesejadas consequências que advém da aplicação do art. 254-A a transferências de controle minoritário são somente mais um indício de que um artigo tão polêmico e complexo deve ser repensado, embora isso, de forma alguma, nos autorize a descartá-lo na prática. 129 (i) Caso TIM – alienação indireta de controle minoritário no exterior Um dos precedentes que melhor mostra a riqueza e a dificuldade da aplicação do art. 254-A da Lei das S.A. é, sem dúvida, o Caso TIM, referente ao Processo CVM RJ/2007/14344. A diferença desse caso em relação aos anteriormente apreciados pela CVM é a de que, além de consistir em alienação de controle no exterior, se cuidou, pela primeira vez, da possibilidade de aplicação do art. 254-A em uma alienação de controle minoritário. A discussão teve origem a partir de reclamação de acionistas minoritários da Tim Participações S.A. (Tim), em virtude de uma série de operações ocorridas ao longo de 2007, que resultaram na aquisição, pela sociedade estrangeira Telco S.p.A. (Telco), de 100% do capital da Olimpia (controladora direta da Telecom Itália Internationl NV e indireta da Tim). A cadeia de controle da Tim, companhia aberta brasileira, era a seguinte à época: OLIMPIA 17,99% TELECOM ITÁLIA S.p.A. 100% Exterior TELECOM ITÁLIA INTERNATIONAL NV Exterior 100% Brasil Brasil TIM BRASIL S.A. 81,19% ON TIM PARTICIPAÇÕES S.A. Por meio de contrato de compra e venda de ações, os acionistas controladores da Telco obrigaram-se a adquirir 100% do capital de Olimpia. Além disso, os ajustes estipulados pelas sócias de Telco para realizar a aquisição previam, entre outras, a obrigação de que Assicurazioni Generali S.p.a. e Mediobanca S.p.a. conferissem as participações por elas 130 detidas, direta ou indiretamente, no capital social de Telecom Italia S.p.a. (respectivamente, 4,06% e 1,54%) ao capital da Telco S.p.a. (em aumento de capital). Como resultado de tais operações, Telco tornou-se titular de 100% do capital de Olimpia S.p.a., titular por sua vez de 17,99% do capital de Telecom Itália S.p.a. e diretamente titular de 5,60% do capital de Telecom Itália S.p.a. Os acionistas minoritários alegavam que, antes da operação, a Olimpia, apesar de ter 17,99% do capital ordinário, exercia o controle de fato da Telecom Itália e que, na alienação de ações da Olimpia para a Telco, teria havido o pagamento de prêmio equivalente a 41% do valor de mercado. O Diretor relator, Eliseu Martins, esclareceu que a análise do processo envolvia, primeiramente, definir qual seria a lei aplicável para extrair o conceito de controle, se a lei italiana ou a brasileira, para somente em seguida avaliar se, com base nessa lei, teria havido transferência de controle209. Para ele, se a legislação do país da sede da sociedade onde ocorreu a operação de alienação tivesse que ser analisada, forçoso seria reconhecer soluções distintas para casos semelhantes, dependendo do conceito de controle adotado pelo respectivo país, o que representaria ônus injustificável à companhia brasileira e aos minoritários para o acompanhamento de transferências controle indireto. O Diretor apresentou voto no sentido de que se deveria ser aplicado o conceito de controle da lei brasileira, pois é no Brasil que a Tim tem sede, tendo sido acompanhado pelo Diretor Marcos Pinto e pelo Diretor Otavio Yazbek. O Diretor Eli Loria entendeu, igualmente, pela aplicação da lei brasileira, mas por fundamento diverso (art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil210). Sustentou que a satisfação da condição, suspensiva ou resolutiva, colocada no art. 254-A, assume a natureza jurídica de obrigação, porquanto estabelece um vínculo jurídico pelo qual o pretenso adquirente do controle se obriga a realizar a OPA. Assim, não obstante a realização de OPA 209 O relator considerou incabível a adoção da operação envolvendo a Arcelor-Mittal como paradigma para este processo, já que naquele caso a decisão se deu pela existência, no estatuto da Arcelor Brasil, da obrigação da OPA por aquisição originária de controle, e não por força do comando previsto no art. 254-A. 210 Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem. § 1º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. § 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituida no lugar em que residir o proponente. 131 seja uma condição para eficácia do negócio jurídico de alienação do controle acionário, tendo em vista que ela abarca uma determinada prestação para um terceiro, alheio ao negócio anterior, surge uma obrigação que tem como parte ativa os detentores de ações com direito a voto, e como parte passiva, o adquirente do controle. A Presidente Maria Helena Santana manifestou-se no sentido de ser aplicável a lei italiana, por envolver análise do controle de sociedade com sede naquele país, nos termos do art. 11 da LICC211. No mérito, sustentou o relator que na época da realização da operação a Olimpia controlava a Telecom Itália diretamente e a Tim indiretamente, de acordo com o disposto na legislação brasileira, pois consistentemente obtinha a maioria dos votos presentes nas assembleias gerais da Telecom Itália e elegia a maioria de seus administradores. Além disso, entendeu que o pagamento de prêmio por participação minoritária, embora não seja determinante, indicava a existência controle e de sua alienação, ajudando a reforçar a conclusão de que teria havido a alienação de controle no caso. O Diretor Relator concluiu pela exigibilidade da OPA, entendendo ter restado configurada alienação de controle minoritário exercido de modo indireto. O voto foi acompanhado pelo Diretor Marcos Pinto. A Presidente Maria Helena Santana, o Diretor Eli Loria e Diretor Otavio Yazbek manifestaram-se pela inexigibilidade de realização de OPA, mas cada um por um fundamento diferente. A Presidente concluiu, com base na lei italiana, que não haveria obrigatoriedade de realização de OPA. Isso porque a Diretiva Europeia não trouxe definição de controle societário e, segundo lei italiana a OPA, somente seria obrigatória quando da aquisição de mais de 30% do capital votante. 211 Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem. § 1o Não poderão, entretanto. ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira. § 2o Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituído, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou susceptíveis de desapropriação. § 3o Os Governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares. 132 O Diretor Eli Loria sustentou que o preenchimento do requisito do art. 116 da Lei das S.A. é necessário e suficiente para que se exija a realização de oferta pública nos termos do art. 254-A, não sendo necessário que o alienante exerça o poder “de fato” nos termos do art. 116, b; a contrário senso, se o alienante não possui o poder de controle de forma permanente, ainda que seja o controlador de fato, não pode alienar o que não tem. O Diretor Otávio Yazbek entendeu que não havia como reconhecer, de forma inequívoca, que a alienação da totalidade das ações da Olimpia para a Telco asseguraria a esta a detenção direitos hábeis a lhe garantir, de modo permanente a posição de controladora indireta da Telecom Itália e, consequentemente, da Tim. Nas palavras do diretor: Com a participação detida exclusivamente pela Olimpia, ainda em 16/04/2007, esta obteve 49,94% dos votos válidos em assembléia da Telecom Italia. Observe-se que, ainda que se tratasse de participação significativa no quadro de acionistas presentes, ela não correspondia a 50% do todo. Entendo que, mesmo levando em conta o resultado das deliberações assembleares da Telecom Italia e a sua consistência temporal (ou seja, mesmo levando em conta as deliberações pregressas), não é de todo evidente a situação de controle, desde o início, pela Olimpia. Por maioria, vencidos o Diretor Relator e o Diretor Marcos Pinto, o Colegiado decidiu dar provimento ao recurso interposto por Telco contra a decisão da área técnica, não exigindo, portanto, a realização de OPA. O resultado do julgamento deste caso, se não nos serve como parâmetro a ser seguido no futuro – já que cada diretor votou com um fundamento diferente – é útil para demonstrar que o art. 254-A, antes do que uma medida em prol da governança corporativa, é uma porta de entrada para a insegurança jurídica no que se refere ao mercado de controle de companhias aberta brasileiras. Discordamos do entendimento que nele prevaleceu. No que se refere ao voto da Presidente Maria Helena Santana, consideramos ter havido um grave equivoco jurídico. A Presidente não poderia ter votado no mérito com base na lei italiana, tendo em vista que todos os demais membros do colegiado votaram que aplicável ao caso era a brasileira. A escolha da lei, como bem destacado no voto do relator, é uma questão prévia: primeiro se decide qual será a lei aplicável, para somente depois julgar 133 no mérito. Assim, tendo a Presidente sido vencida no quesito lei aplicável, não lhe restava alternativa que não votar com base na lei brasileira. De todo modo, mesmo a interpretação dada à lei italiana foi equivocada, a nosso ver, pois o que se buscava, no caso, era o conceito de controle no direito italiano e não saber-se quando seria ou não obrigatória a OPA segundo o direito italiano. O voto do Diretor Eli Loria tem a qualidade ser o único a fugir da análise casuística, cristalizando a orientação de que a alienação de controle, para os fins do art. 254-A da Lei das S.A, somente se aplica para controle majoritário. O fundamento do diretor parte de uma análise a contrário senso do entendimento estabelecido no julgamento do Caso CBD, de que a alínea b do art. 116 não é aplicável ao conceito de controle previsto no art. 254-A, de modo que a alienação de controle minoritário (ou de fato) não seria capaz de caracterizar a alienação de controle. O que se disse no caso CBD foi que (i) para a caracterização da alienação de controle não é preciso esperar para saber se o adquirente exercerá ou não o controle de fato; e que (ii) o titular de ações que lhe assegurem o controle, mas que não o exerça na prática, faz incidir o art.254-A ao alienar suas ações. Disso se extraiu a “regra” que o requisito controle de fato não é necessário para a caracterização da alienação de controle do art. 254-A; logo, se controle minoritário é sempre controle de fato, sua alienação não exigiria OPA. Pensamos que o termo controle de fato possa ter causado uma má interpretação. O controle de fato, é verdade, compreende tanto o controle minoritário quanto o controle majoritário; a contrario senso, a ausência de controle de fato dá-se para todos os acionistas que não possam ou, por qualquer motivo, não exerçam o controle na prática, inclusive o titular de mais da metade do capital social votante. Que a alienação de controle independe da verificação do exercício do controle de fato por parte do adquirente não há dúvidas, até mesmo pela redação do art. 254-A. Mas a inferência de que o requisito de controle de fato também é desnecessário para o alienante somente é verdadeira para esse exemplo (bastante incomum) em que o titular de participação majoritária não exerce o controle de fato. 134 Veja-se: o alienante de participação majoritária (mesmo que não exerça o controle de fato) receberá prêmio de controle pela participação alienada, já que do ponto de vista do adquirente estará havendo a aquisição do controle. O prêmio não deixa de existir pelo simples fato de a participação acionária não ser considerada controle para os fins do art. 116 da Lei das S.A. Da mesma forma, um acionista com participação minoritária que exerça o controle de fato, regra geral, alienará sua participação a quem esteja interessado no exercício do controle, recebendo, consequentemente, um prêmio. Neste caso, o requisito do controle de fato aplicase ao art. 254-A. Em outras palavras, não é porque o controle minoritário é de fato que sua alienação será desconsiderada para fins do art. 254-A; do mesmo modo que também não é verdadeira a “regra” (equivocadamente extraída do Caso CBD) de que o requisito de fato não se aplica ao art. 254-A. Quanto ao voto do Diretor Otávio Yazbek, cremos que foi adotado o procedimento mais correto para a verificação da alienação de controle, qual seja, a análise do resultado do exercício do direito de voto da Olimpia nas assembleias gerais da Telecom Itália. Entretanto, discordamos da conclusão do Diretor de que não seria possível atestar o exercício do controle, nesse caso, em razão de a Olimpia não ter obtido a maioria absoluta dos votos em uma assembleia (de 16/04/2007). Na referida assembleia a Olimpia obteve 49,94% dos votos válidos e o fato é que, assim como veio fazendo ao longo dos últimos anos, elegeu a maioria dos administradores e fez valer sua vontade. Pelo exposto, entendemos que a decisão do Colegiado além de não ser a mais correta, não foi capaz de passar uma orientação clara para o mercado sobre a interpretação da autarquia quanto ao art. 254-A da Lei das S.A., favorecendo, ao fim das contas, a insegurança jurídica. 6.8. Consequências da não-realização da OPA 135 A alienação de controle, segundo o art. 254-A, somente poderá ser contratada sob a condição suspensiva ou resolutiva de que o adquirente se obrigue a fazer uma OPA aos minoritários titulares de ações com direito de voto. De rara ocorrência, a condição suspensiva, como o próprio nome diz, suspende os efeitos do contrato de alienação de controle até a realização da OPA; enquanto na condição resolutiva o contrato produz efeito desde sua celebração, tornando-se nulo o negócio jurídico caso o adquirente não venha a apresentar a OPA. Como determina o §2º do art. 29 da Instrução CVM 361/02 o requerimento de registro da OPA por alienação de controle deverá ser apresentado à CVM no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a contar da celebração do instrumento definitivo de alienação das ações representativas do controle, quer a realização da OPA se constitua em condição suspensiva, quer em condição resolutiva da alienação. O registro da OPA, pela CVM, implica na autorização da alienação do controle, sob a condição de que a oferta pública venha a ser efetivada nos termos aprovados e prazos regulamentares. Vale lembrar que o registro da OPA pode ser recusado pela CVM. Como destacado no voto da Presidente Maria Helena Santana no Processo CVM RJ/2008/0252: (...) cabe aclarar que a CVM possui plenos poderes para indeferir o registro da OPA, na forma como procedeu neste processo. Admitir o contrário equivaleria a dizer que a CVM tem obrigação de registrar qualquer OPA, mesmo que não atendidos os requisitos legais para a concessão de registro. Como tive oportunidade de me manifestar no Caso Arcelor, já citado neste processo, a Instrução CVM nº 361/02 estabelece, em seu art. 29, § 6º, o dever do ofertante de apresentar à CVM a demonstração justificada da forma de cálculo do preço devido na oferta, nos casos de alienação indireta do controle. Isso confere à CVM, segundo entendo, não o direito, mas a obrigação de avaliar, como condição para a concessão do registro da OPA, primeiramente, se foi efetivamente apresentada uma demonstração e, em seguida, se essa demonstração pode ser considerada justificada. Mas o qual é a consequência prática da não-apresentação da OPA ou da não obtenção do registro perante a CVM? 136 A primeira e mais evidente consequência é a possibilidade de abertura de inquérito administrativo por parte da CVM, com base no art. 11 da Lei 6.385/76, que confere à autarquia poder de impor multas aos infratores da Lei das S.A. ou de qualquer outra norma legal ou regulamentar que lhe incumba fiscalizar. Outra consequência é a nulidade da operação (em caso de condição resolutiva). Mas como se opera essa nulidade na prática? Tendo o alienante recebido o preço e o adquirente transferido as ações para o seu nome e alterado inclusive a administração da companhia, como se restabelece o status quo? Seria necessária uma ação judicial para declaração de nulidade do negócio jurídico ou poderia, por exemplo, a CVM declarar, a qualquer tempo, essa ineficácia? Não há resposta para tais questões na doutrina. Marcelo Trindade, a quem foi solicitado um parecer no Caso TIM, sustentou que poderia a CVM declarar, a qualquer tempo, a ineficácia de um negócio jurídico de alienação de controle quando o adquirente não apresentasse a OPA, devendo ainda comunicar aos demais órgãos reguladores das atividades da companhia aberta a não autorização para alienação de controle. A declaração de ineficácia do negócio jurídico, entretanto, pode não ser solução suficiente para o caso. Em casos como o da TIM, de alienação de controle indireto, no qual a compra e venda de ações se dá no exterior, não há transferência de titularidade de ações no Brasil, de modo que nenhum efeito teria a declaração de ineficácia da CVM sobre o negócio ocorrido fora do Brasil e entre estrangeiros. Marcelo Trindade indica, então, a possibilidade de a assembleia geral suspender o direito de voto do acionista controlador, com base no art. 120 da Lei das S.A: Art. 120. A assembléia-geral poderá suspender o exercício dos direitos do acionista que deixar de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto, cessando a suspensão logo que cumprida a obrigação. Trata-se de sugestão interessante, mas de difícil aplicação prática, uma vez que para que o acionista tenha os direitos suspensos pela assembleia, necessário seria que se provasse que deixou de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto. Se o suposto adquirente do controle discordar que a operação caracteriza alienação de controle para fins do art. 254-A, dificilmente se conseguirá, em assembleia geral, suspender o direito de voto de tal acionista, 137 pois será ele próprio, na qualidade de controlador, que comandará a referida assembleia – o que nos leva a concluir que tal efeito teria, de qualquer forma, que ser obtido em juízo. Vale mencionar, ainda, que em casos de alienação indireta de controle isso poderia representar a punição a acionistas que não propriamente o adquirente do controle. A suspensão dos direitos de voto na companhia aberta afetaria indiretamente o adquirente do controle, mas diretamente outros acionistas, sem qualquer relação com a operação de alienação de controle212. 212 Vide, nesse sentido, o argumento utilizado pela adquirente do controle da Telecom Itália no caso Tim segundo o qual, se fosse reconhecida a necessidade de realização de OPA e o inadimplemento dessa obrigação, apenas a Telco (e não a TIM Brasil) poderia ser punida. A punição da TIM Brasil causaria sérios danos aos demais acionistas de outras companhias da cadeia societária, além de instabilidade à Companhia. 138 7 – PROCEDIMENTO DA OPA 7.1. Registro na CVM Caracterizada a alienação de controle acionário, deverá ser realizada OPA aos acionistas minoritários titulares de ações votantes, obedecendo-se os procedimentos estipulados pela Instrução CVM nº 361/02. O art. 4º, II, da referida Instrução, estipula que a oferta deverá ser realizada de modo a garantir tratamento equitativo aos destinatários, permitir-lhes a adequada informação quanto à companhia objeto e ao ofertante, e dotá-los dos elementos necessários à tomada de uma decisão refletida e independente quanto à aceitação da OPA. A divulgação de informações deve ser feita de forma clara e precisa, sendo necessária, quando configurada a alienação de controle, a divulgação e publicação de Fato Relevante na forma da Instrução CVM 358/02. Para que se realize uma OPA, deverá haver registro na CVM da oferta, com a contratação de instituição financeira para atuar como intermediária da OPA e cuidar da liquidação financeira do leilão. A OPA se materializa em instrumento de edital de oferta pública, documento que deve seguir os ditames do art. 10 da Instrução 361/02213 e os demais 213 Art. 10 O instrumento da OPA será firmado conjuntamente pelo ofertante e pela instituição intermediária e conterá, além dos requisitos descritos no Anexo II a esta Instrução, o seguinte: I – declaração do ofertante, quando este for acionista controlador ou pessoa a ele vinculada ou a própria companhia, de que se obriga a pagar aos titulares de ações em circulação, que aceitarem a OPA, a diferença a maior, se houver, entre o preço que estes receberem pela venda de suas ações, atualizado nos termos do instrumento de OPA e da legislação em vigor, e ajustado pelas alterações no número de ações decorrentes de bonificações, desdobramentos, grupamentos e conversões eventualmente ocorridos, e: a) o preço por ação que seria devido, ou venha a ser devido, caso venha a se verificar, no prazo de 1 (um) ano contado da data de realização do leilão de OPA, fato que impusesse, ou venha a impor, a realização de OPA obrigatória, dentre aquelas referidas nos incisos I a III do art. 2 o; e b) o valor a que teriam direito, caso ainda fossem acionistas e dissentissem de deliberação da companhia objeto que venha a aprovar a realização de qualquer evento societário que permita o exercício do direito de recesso, quando este evento se verificar dentro do prazo de 1 (um) ano, contado da data da realização do leilão de OPA. II – declarações do ofertante e da instituição intermediária de que desconhecem a existência de quaisquer fatos ou circunstâncias, não revelados ao público, que possam influenciar de modo relevante os resultados da companhia objeto ou as cotações das ações objeto da OPA; 139 princípios gerais aplicáveis às demais OPA previstas na referida Instrução 214. O requerimento de registro da OPA deve ser feito à CVM no prazo máximo de 30 dias contados da celebração do instrumento definitivo de alienação de controle (Art. 29, §2º). O edital deve ser publicado “nos jornais de grande circulação habitualmente utilizados pela companhia objeto”. A competência da CVM restringe-se à verificação do instrumento de oferta pública a fim de garantir os direitos dos acionistas minoritários nos termos da legislação, não cabendo qualquer juízo de conveniência sobre os aspectos subjetivos da alienação de controle em si215. Do ponto de vista da responsabilidade, a autarquia exige, com base no art. 11, §1º da Instrução CVM 361/02, que conste cláusula no instrumento de OPA com a informação de que o deferimento do pedido de registro da OPA não implica, por parte da CVM, garantia de veracidade das informações prestadas, julgamento sobre a qualidade da companhia objeto ou o preço ofertado pelas ações objeto da OPA. Até a edição da Instrução CVM 487/10, que alterou a Instrução CVM 361/02, exigiase laudo de avaliação para a concessão do registro da OPA. A exigência foi retirada, embora a Instrução ressalve a faculdade da CVM de pedi-lo, nos casos de alienação indireta de controle (§6º, do art. 29)216. III – declaração do ofertante de que cumpriu com as obrigações previstas no § 1º do art. 7º; IV – declaração, pelo ofertante, acerca do preço por ação da companhia objeto em negociações privadas relevantes, entre partes independentes, envolvendo o ofertante, o acionista controlador ou pessoas a eles vinculadas, realizadas nos últimos 12 (doze) meses; e V – declaração da instituição intermediária de que cumpriu com as obrigações previstas no § 2º do art. 7º. VI – outras informações consideradas necessárias pela CVM para garantir o perfeito esclarecimento do mercado. (...). 214 O art. 4 da Instrução estabelece uma série de princípios aplicáveis às diferentes formas de OPA, tais como, o de que a OPA será sempre dirigida indistintamente aos titulares de ações da mesma espécie e classe daquelas que sejam objeto da OPA, assegurado o rateio entre os aceitantes de OPA parcial; e de que a OPA será realizada de maneira a assegurar tratamento eqüitativo aos destinatários, permitir-lhes a adequada informação quanto à companhia objeto e ao ofertante, e dotá-los dos elementos necessários à tomada de uma decisão refletida e independente quanto à aceitação da OPA. (incisos I e II). 215 PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.251. 216 A justificativa da CVM para a referida alteração, apresentada no Relatório de Audiência Pública que resultou na edição da Instrução CVM 487/10 foi a seguinte: “A CVM optou por manter a dispensa do laudo, dado que a OPA por alienação de controle não precisa ser realizada por preço justo, mas sim por um percentual do preço pago ao controlador, que pode ser verificado no contrato de compra e venda de ações. Nesses casos, naturalmente, o benefício trazido pelo laudo é menor, a ponto de não justificar o custo de sua elaboração. Além disso, essa dispensa pode resultar em redução do prazo de análise para concessão do registro dessas OPA pela CVM”. 140 A OPA se dá via leilão em bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado, mediante a abertura de prazo para habilitação dos acionistas interessados em alienar suas ações. O preço a ser pago pelas ações dos minoritários com direito de voto deve ser equivalente a 80% do valor pago pelas ações do bloco de controle. Na vigência da Resolução CMN nº 401 os adquirentes de controle poderiam pagar à vista aos minoritários217, mas com a edição da Instrução CVM 361/02 o preço passou a ter que ser oferecido nas mesmas condições que o pagamento realizado ao controlador, seja no parcelamento do pagamento, seja na extensão das garantias dadas ao controlador ou no pagamento suplementar ao preço proposto218. Hoje, a OPA poderá ter preços à vista e a prazo distintos, desde que haja razão justificada para tal e que a faculdade de escolha caiba aos minoritários. Quando da realização do leilão de OPA, tal preço deverá expressar o mesmo valor monetário, ou seja, deverá ser corrigido desde a data do pagamento feito pelo adquirente até a data da OPA. O procedimento estabelecido pela Instrução CVM 361/02 é bastante burocrático, no entanto, a Instrução, buscando atenuar os ônus impostos ao adquirente do controle prevê, em seu art. 34219, algumas hipóteses excepcionais nas quais a CVM poderá dispensar a oferta ou estabelecer um procedimento diferenciado. 217 O inciso XIV da Resolução CMN nº 401 determinava que se a venda das ações do acionista controlador for contratada com pagamento a prazo, o adquirente do controle poderá optar pela oferta aos acionistas minoritários de pagamento à vista, em valor correspondente ao preço unitário contratado com o controlador, descontada a taxa de juros em vigor no mercado financeiro considerada adequada pela CVM. 218 Vide Parecer/CVM/SJU/31/79 acerca do pedido de aprovação de minuta de pagamento suplementar ao proposto no instrumento de oferta pública condicionado à performance da companhia. Nele a Superintendência Jurídica da CVM recomenda a inclusão da informação sobre o quanto montam os referidos saldos devedores, a fim de que os acionistas tenham noção da quantia que podem vir a receber. 219 Art. 34. Situações excepcionais que justifiquem a aquisição de ações sem oferta pública ou com procedimento diferenciado, serão apreciadas pelo Colegiado da CVM, para efeito de dispensa ou aprovação de procedimento e formalidades próprios a serem seguidos, inclusive no que se refere à divulgação de informações ao público, quando for o caso. §1o São exemplos das situações excepcionais referidas no caput aquelas decorrentes: I - de a companhia possuir concentração extraordinária de suas ações, ou da dificuldade de identificação ou localização de um número significativo de acionistas; II - da pequena quantidade de ações a ser adquirida frente ao número de ações em circulação, ou do valor total, do objetivo ou do impacto da oferta para o mercado; III - da modalidade de registro de companhia aberta, conforme definido em regulamentação própria; IV - de tratar-se de operações envolvendo companhia com patrimônio líquido negativo, ou com atividades paralisadas ou interrompidas; e V - de tratar-se de operação envolvendo oferta simultânea em mercados não fiscalizados pela CVM. 141 Conforme exposto pelo Diretor Luiz Antônio de Sampaio Campos, em voto proferido no Processo CVM nº 2003/11238: Em certos casos a instrução pode ser excessivamente ‘pesada’ e acabar por representar um ônus desproporcional (...). Daí porque o art. 34 prevê a possibilidade de tratamento excepcional para determinadas ofertas públicas de aquisição e pode ser aplicado sempre que a CVM entender que a proteção que se imaginou em tese no caso específico não se justifique ou que, dentro da realidade e especificidade da oferta, representa um ônus desproporcional, de forma que aquele equilíbrio que se procurou obter com a intervenção reguladora pode não fazer sentido. Quanto aos destinatários da oferta, como já comentado, a Instrução CVM 361/02 dispõe em seu art. 29, que a OPA terá por objeto todas as ações de emissão da companhia as quais seja atribuído o pleno e permanente direito de voto, por disposição legal ou estatutária. 7.2. Prêmio de Permanência A edição da Lei 10.303/01 trouxe nova possibilidade para a disciplina da alienação do controle acionário: a possibilidade de apresentação de prêmio aos acionistas minoritários para permanência na companhia. Confira-se a redação do §4 do art. 254-A da Lei das S.A.: O adquirente do controle acionário de companhia aberta poderá oferecer aos acionistas minoritários a opção de permanecer na companhia, mediante o pagamento de um prêmio equivalente à diferença entre o valor de mercado das ações e o valor pago por ação integrante do bloco de controle. O pagamento de prêmio pode vir a ser vantajoso tanto para o adquirente do controle, que desembolsará menos recursos para a aquisição do controle da companhia, como para os destinatários da oferta, que receberão mais do que receberiam caso aderissem à OPA (já que além dos 20% de prêmio, permanecerão titulares de suas ações). Questão interessante acerca da aplicabilidade do artigo é a de que pode ocorrer em caso de baixa liquidez da ação ordinária de determinada companhia, em que não exista um §2o A CVM poderá autorizar a formulação de uma única OPA, visando a mais de uma das finalidades previstas nesta instrução, desde que seja possível compatibilizar os procedimentos de ambas as modalidade de OPA, e não haja prejuízo para os destinatários da oferta. 142 parâmetro para determinar o valor de mercado das ações, impedindo o adquirente de fazer a opção que a lei lhe confere220. Parte da doutrina não vê na questão um real problema, pois, sendo o prêmio facultativo, o valor oferecido pode ser menor que o determinado na lei, e seria dever do adquirente apresentar prêmio atrativo o suficiente para garantir a adesão dos minoritários221. O entendimento de que o prêmio a ser oferecido pode ser menor do que o determinado em lei nos parece sem qualquer fundamento, pois não há como se extrair isso da redação do artigo. Tal interpretação tornaria sem qualquer sentido a previsão de que o prêmio é “equivalente à diferença entre o valor de mercado das ações e o valor pago por ação integrante do bloco de controle”, pelo que entendemos que o prêmio não poderá ser inferior a tal valor. Outra questão que surge da redação da lei é a de se saber se o prêmio é uma faculdade complementar à OPA ou alternativa a ela. Cantidiano sustenta que o prêmio seria uma alternativa à realização da OPA: Permite a lei que o adquirente do controle, por decisão unilateral sua, ao invés de apresentar oferta pública de compra das ações ordinárias que são detidas pelos acionistas minoritários, para estender aos referidos acionista aos referidos acionistas, 80% do preço que tiver sido [pago] pelas ações integrantes do bloco de controle, possa se limitar a estender aos minoritários o pagamento do prêmio de controle222. A interpretação nos parece também fugir da literalidade do art. 254-A e seus parágrafos, embora apresente certa coerência lógica. Foge da literalidade porque não há qualquer menção no parágrafo quarto do referido artigo de que a adoção do mecanismo eximiria a obrigação descrita no caput, o que nos leva a crer que a opção conferida no parágrafo quarto seria complementar e não alternativa à OPA, até porque não há impedimento para que os dois processos coexistam. Ou seja, dá-se ao acionista a opção de sair, recebendo 220 A questão é levantada por CANTIDIANO, Luiz Leonardo. A Reforma da Lei das S.A. Comentada. Rio de Janeiro: Renovar. 2002.p.98. 221 PARENTE, Norma. Principais inovações introduzidas pela Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, à Lei das Sociedades por Ações. In: LOBO, Jorge (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. São Paulo: Forense, 2002.p. 42; e PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.103. 222 CANTIDIANO, Luiz Leonardo. A Reforma da Lei das S.A. Comentada. Rio de Janeiro: Renovar. 2002. p. 248. 143 80% do valor pago ao controlador ou, a critério do acionista, a de ficar, recebendo a diferença entre o valor de mercado e o valor pago ao controlador. O problema é que do ponto de vista lógico, tem-se normalmente em uma OPA acionistas que aceitam a oferta e acionistas que não a aceitam. Se a faculdade de oferecer um prêmio ao acionista é cumulada com a OPA, a figura do acionista que simplesmente não aceita a OPA desaparece, de modo que o adquirente ou terá que adquirir as ações ou que pagar o prêmio. Tal entendimento é corroborado pela própria determinação contida na Instrução CVM 361/02 que, ao regular a oferta de prêmio para permanência do acionista, determinou, no §1º do art. 30, que oferecida tal faculdade, os acionistas poderão manifestar, no leilão da OPA, “sua opção por receber o prêmio, ao invés de aceitar a OPA, entendendose que todos os acionistas que não se manifestarem aceitam e fazem jus ao prêmio”. Isso reduz de tal forma o âmbito de aplicação do prêmio de permanência previsto no §4º do art. 254-A da Lei das S.A. que não nos resta alternativa que não a de reconhecer no mínimo certa coerência lógica na interpretação de que a faculdade conferida ao adquirente supriria a necessidade de OPA223. 7.3. O Novo Mercado Embora não seja objeto principal deste trabalho, não poderíamos deixar de analisar, ainda que brevemente, as disposições da autorregulação sobre a OPA por alienação de controle, já que é nesse ambiente que emerge, com maior força, a justificativa de ser a OPA um instrumento de proteção dos minoritários. No Brasil, as normas de autorregulação sobre o tema se desenvolveram no âmbito dos segmentos especiais de listagem do mercado de ações da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBOVESPA), notadamente nos segmentos denominados Novo Mercado e Nível 2. 223 Roberta Nioac Prado, embora não tenha essa interpretação, propõe solução com a qual concordamos: “Uma possibilidade que não foi pensada pelo legislador, e que nos parece interessante de ser estudada em trabalho específico, é que seja obrigatório o pagamento do prêmio para o acionista na companhia, tal qual prevê o §4º do art. 254-A da LSA de 1976, consubstanciado na diferença entre o preço de mercado das ações (quando estas são cotadas e negociadas em Bolsa) e o prêmio pago pelo controle, mas a OPA propriamente dita não”. (PRADO, Roberta Nioac. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A.: Tag Along. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.104). 144 Para fins de exposição, mencionaremos aqui somente das disposições do Novo Mercado – o primeiro a estabelecer a obrigatoriedade de realização de OPA pelo preço pago pelas ações do controlador (100% tag along) – cujas regras sobre a matéria foram replicadas para o Nível 2 por ocasião da reforma dos segmentos operada em 2011. A obrigação de realização de oferta este prevista no item 8.1 do Regulamento do Novo Mercado, que tem a seguinte redação: 8.1 Contratação da Alienação de Controle da Companhia. A Alienação de Controle da Companhia, tanto por meio de uma única operação, como por meio de operações sucessivas, deverá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o Adquirente se obrigue a efetivar oferta pública de aquisição das ações dos demais acionistas da Companhia, observando as condições e os prazos previstos na legislação vigente e neste Regulamento, de forma a lhes assegurar tratamento igualitário àquele dado ao Acionista Controlador Alienante. A regra se aplica tanto a acionistas titulares de ações ordinárias como de ações preferenciais e prevê o tratamento igualitário, à semelhança do art. 254 da Lei das S.A. Além disso, incorpora o conceito da alienação por etapas, ao prever que a alienação se dá tanto “por meio de uma única operação, como por meio de operações sucessivas”. Para aquisições por operações diversas determina o Regulamento que: 8.2 Aquisição de Controle por meio de Diversas Operações. Aquele que adquirir o Poder de Controle da Companhia, em razão de contrato particular de compra de ações celebrado com o Acionista Controlador, envolvendo qualquer quantidade de ações, estará obrigado a: (i) efetivar a oferta pública referida no item 8.1; e (ii) pagar, nos termos a seguir indicados, quantia equivalente à diferença entre o preço da oferta pública e o valor pago por ação eventualmente adquirida em bolsa nos 6 (seis) meses anteriores à data da aquisição do Poder de Controle, devidamente atualizado. Referida quantia deverá ser distribuída entre todas as pessoas que venderam ações da Companhia nos pregões em que o Adquirente realizou as aquisições, proporcionalmente ao saldo líquido vendedor diário de cada uma, cabendo à BM&FBOVESPA operacionalizar a distribuição, nos termos de seus regulamentos. 145 A regra apresenta uma solução para operações por etapas, ao prever a compensação de pessoas que eventualmente tenham alienado suas ações nos seis meses anteriores ao da alienação de controle, mediante o pagamento diferença de preço da OPA e o preço pago quando da alienação. Outro aspecto que merece nota é o de que a OPA prevista no Regulamento do Novo Mercado guarda maior relação com a ideia de controle de fato do que a OPA prevista no art. 254-A. Veja-se, nesse sentido, que o item 8.2 estabelece a obrigatoriedade de apresentação de OPA independentemente da quantidade de ações transferidas – o que acaba por encerrar, no âmbito das empresas listadas naquele segmento, a polêmica a respeito da alienação de controle minoritário. No Novo Mercado o que importa é a efetiva transferência de controle e não necessariamente das ações que compõem o bloco de controle. Poder de controle, para fins de seu Regulamento, significa o poder efetivamente utilizado de dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da Companhia, de forma direta ou indireta, “de fato ou de direito, independentemente da participação acionária detida”. Adota-se o conceito originalmente existente na Resolução CMN nº 401, segundo o qual há presunção relativa de titularidade do controle em relação à pessoa ou ao grupo de acionistas que seja titular de ações que lhe tenham assegurado a maioria absoluta dos votos dos acionistas presentes nas três últimas assembleias gerais da Companhia, ainda que não seja titular das ações que lhe assegurem a maioria absoluta do capital votante. As regras do Novo Mercado, pelo fato de serem mais claras e apresentarem menor grau insegurança em sua aplicação, representam um avanço em relação à regra do 254-A da Lei das S.A. São, ainda, eficientes para aquilo que se propõem, a saber, o estabelecimento de regras mais rígidas de governança corporativa para as companhias nele listadas. Isso não significa, contudo, que delas se possa tirar alguma conclusão em termos de conveniência ou de eficiência. É difícil saber se a maior rigidez, por si só, representa um ganho aos acionistas ou se, ao contrário, é um entrave a transferências de controle eficientes. Tal como estabelecidas, as regras parecem ser mais convenientes do que a da lei somente pela maior precisão, mas não nos parece que sua amplitude seja necessariamente boa. 146 Por exemplo: entendemos que a regra prevista no item 8.2 (ii), que prevê a compensação dos acionistas que tiverem alienado suas ações nos seis meses anteriores, é completamente arbitrária e representa um ônus quase aleatório ao adquirente de controle. Como se sabe, o preço da ação em uma compra e venda é composto por diversos aspectos, objetivos e subjetivos, do comprador e do vendedor, que variam de negócio para negócio; e as condições de mercado ao longo de seis meses podem mudar muito, sendo possível que ações de mesma natureza sejam negociadas a preços completamente diferentes. A suposta “compensação” dos acionistas não tem fundamento quando levadas em consideração essas variáveis; basta pensar-se no caso em que o preço das ações de uma determinada companhia tenha se depreciado ao longo dos seis meses anteriores ao da alienação de controle – em que não haverá qualquer tipo de compensação, ainda que esta tenha se dado com alto prêmio de controle; ou o caso em que o preço tenha aumentado consideravelmente ao longo do período – ocasião em que a compensação representará um verdadeiro enriquecimento injustificado. Enfim, independentemente da aparente conveniência ou não das regras do Novo Mercado acerca da alienação de controle, o fato é que não se tem instrumento claro de aferição da eficiência de suas regras. A única coisa que se pode dela extrair, com segurança, para os fins deste trabalho, é um critério mais claro de aplicabilidade; só isso. 147 8 - CONCLUSÃO O tag along visa à proteção aos minoritários na alienação de controle de companhia aberta1. Este é o mito; a realidade, todavia, é outra (...) Jorge Lobo224 A percepção dos participantes do mercado é a de que o instituto previsto no art. 254-A da Lei da S.A. é um instrumento eficiente para a proteção das minorias 225, sendo esse um dos preceitos mais difundidos e aceitos entre especialistas em governança corporativa. Na doutrina jurídica, a maior parte dos defensores do instituto segue, sem grandes resistências ou reflexões, o sentimento de que o tag along é uma conquista do direito societário brasileiro que, em linha com legislações estrangeiras, vem promovendo o compartilhamento do prêmio de controle com os acionistas minoritários, evitando, assim, a sua espoliação e abuso por parte do controlador. O sentimento é favorecido por uma difundida concepção, inundada de subjetividades, a respeito das estruturas de poder no mercado, as quais, teriam supostamente um potencial de exclusão e criação de desigualdades, pelo que justificariam um combate proativo, mediante a implementação de “agenda reformista”226. O poder de controle, por essa razão, é alvo dos mesmos ataques que são dirigidos ao mercado, sendo comum, como visto no Capítulo 2 deste trabalho, que a noção de exercício de poder econômico seja confundida com o abuso do poder econômico. Nesse contexto de grotesca estigmatização da figura do controlador, não é difícil que julgamentos efêmeros, baseados em juízos de “equidade” ou “razoabilidade”, nos conduzam rapidamente à conclusão de que os acionistas minoritários são, de fato, merecedores dos benefícios econômicos advindos da alienação de controle. 224 LOBO, Jorge. Interpretação Realista da Alienação de Controle de Companhia Aberta. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Malheiros, v. 130, abr-jun, 2003. p. 240. 225 Vide nota 99, em que mencionamos pesquisa da APIMEC nesse sentido. 226 Faz-se referência às palavras de Calixto Salomão Filho (nota 18) e às ideias comentadas no Capítulo 2 deste trabalho. 148 A análise das razões para a origem do instituto da OPA por alienação de controle no Brasil torna patente a influência que o sentimento ora descrito teve sobre os legisladores. Não é demais relembrar que, nas palavras do próprio autor da emenda que veio a inserir o art. 254 ma Lei das S.A., a preocupação da época era com o “aspecto social”, mais propriamente “com as viúvas que tinham herdado ações de sues maridos, com aposentados, com pessoas que dependiam daquele rendimento para viver e ficavam sem quase nada”227. Embora seja tarefa difícil, acreditamos que a separação dos preconceitos relativos ao poder econômico e, conseguintemente, ao poder de controle seja um passo inicial indispensável para uma análise objetiva e racional dos propósitos e efeitos do instituto do tag along. Reitere-se: se o fundamento do instituto sob análise está realmente na proteção do investidor, essa tem que ser uma conclusão a que se chega a partir da análise dos prós e contras de sua aplicação prática e não uma premissa que sirva de molde ao raciocínio jurídico. O primeiro passo para tal é compreender o controle como um instrumento natural à estrutura empresarial da sociedade anônima, necessário na medida em que se verifica que seu funcionamento depende da tomada de uma série de decisões ao longo da existência da sociedade, sobre assuntos que não poderiam ser jamais previstos ex ante; decorrendo, nesse sentido, da própria noção do princípio majoritário, segundo o qual as decisões devem ser tomadas pela maioria do capital votante. A partir disso compreende-se que o controle não é um poder de direito do controlador, mas um poder de fato, que será exercido por todo aquele que, detendo bloco de ações votantes, faça a vontade da companhia. A investigação dos modos de manifestação de controle societário, sob o aspecto técnico, revela uma quantidade considerável de conceitos e classificações que enriquecem o tema. A aplicação do instituto do tag along não prescinde de conhecimentos que vão além da mera definição de controle prevista no art. 116 da Lei das S.A; demanda, ao contrário, a perfeita compreensão de conceitos tais como controle interno e externo, direto e indireto, unitário e compartilhado. 227 Vide Capítulo 5. 149 Mas mesmo o domínio sobre esses conceitos não é suficiente para resolver todos os problemas que envolvem a aplicação do instituto do tag along228. O recurso à história do instituto, mediante o estudo do contexto em que se deram os debates que originaram a regra do art. 254, como visto no Capítulo 4, não ajuda muito. Demonstra apenas que alguns dos aspectos que serviram como motivadores para a regra não são considerados nem mesmo pelos defensores do instituto, tais como: (i) o problema do intangível na avaliação de companhias pelo valor patrimonial contábil, (ii) a dificuldade na determinação da relação de troca em operação de incorporação envolvendo controlador e controlada; (iii) a necessidade de disclosure e de combate ao insider trading; e, especialmente, (iv) as consequências indesejáveis de uma política governamental de expansão de bancos comerciais, tal como a que existia à época. Tendo boa parte desses aspectos sido superados ou aperfeiçoados ao longo da história, a força para a defesa da necessidade de exigibilidade de OPA em casos de alienação de controle teve que se apegar em outras justificativas, assemelhando-se, nesse sentido, a doutrinas estrangeiras, como visto no Capítulo 5. Mas a verdade é que a regra brasileira pouco tem de comum com as legislações estrangeiras que obrigam adquirentes de controle a realizar OPA aos minoritários. A Diretiva Europeia que serve de norte para a adoção da OPA na maior parte dos países estrangeiros tem em mira a aquisição do controle, inclusive a originária, notadamente mediante a tomada hostil. Seja na Europa, seja nos Estados Unidos – onde não existe previsão ao tag along para negociações privadas de controle – a tutela se dá sobre as oferta públicas e não sobre negociações privadas de controle. Entendemos, na esteira da lição dos autores da lei, que a exigibilidade de OPA por alienação de controle somente estabelece um novo direito de acionistas, incompatível com a natureza da sociedade anônima, que não diz respeito à participação nos resultados ou no 228 Como ocorreu, por exemplo, no Caso CBD, comentado no Capítulo 6, em que a noção de controle do art. 116 foi considerada, na prática, insuficiente para os fins do art. 254-A da Lei das S.A. 150 acervo da própria sociedade, mas ao preço pelo qual cada acionista vende ações de sua propriedade. As superficiais justificativas para a OPA em razão da suposta “apropriação do intangível” ou da quebra de “affectio societatis” entre minoritários e controlador, analisadas no capítulo 5, não convencem. A difícil defesa de tais teses em bases lógicas, nos remete, novamente, à bom e velho mito de que essa é uma boa regra de governança corporativa, eficiente e importante para a confiabilidade do mercado. Ora, como bem examina Fábio Ulhoa Coelho, “há quem só invista se lhe for assegurado o tag along e há quem invista sem atribuir ao tag along nenhuma importância; é raro, porém, encontrar-se alguém disposto a investir mais em razão do tag along”229. Se é bem verdade que essa é uma medida de governança corporativa, nada mais comum, então, que seja resolvida entre os acionistas, contratualmente, assim como o são os tag along rights, a que fizemos menção no item 5.3 deste trabalho. Entendemos que as companhias deveriam ser livres para estabelecer em seus respectivos estatutos sociais a obrigatoriedade ou não de OPA. Se é verdade que esse é um instrumento tão importante como propagam os seus defensores, não haveria qualquer problema em deixá-lo aberto para que companhias, ao seu critério, escolhessem adotá-lo ou não. Afinal, será que alguma companhia ousaria retirar tão importante instrumento de governança corporativa de seu estatuto, correndo o risco de perder recursos de investidores mais bem informados com as mais modernas práticas de governança corporativa? Talvez sim. Talvez perdessem espaço para aqueles mesmos investidores que, incompreensivelmente, insistem, por exemplo, em investir ações preferenciais de companhias abertas, contrariando as melhores práticas de governança corporativa. Melhor então não dar 229 COELHO, Fábio Ulhoa. O direito de Saída Conjunta (“Tag Along”). In: LOBO, Jorge (coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas: inovações e questões controvertidas da Lei 10.303 de 31.10.2001. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.484. 151 abertura para essa resposta do mercado, impondo-lhe aquilo que parece ser, segundo o sentimento geral, o mais razoável. Entendemos que não há melhor mecanismo para a verificação da eficiência de um instrumento do que o teste prático, do que a tentativa e erro – e esse seria um teste um tanto interessante com um instituto que, como demonstramos no Capítulo 2, foi “criado” pelo legislador, e não resultante da prática comercial. Talvez esse seja o motivo pelo qual tanto há de polêmico no que se refere ao instituto do tag along. Como foi visto, mesmo com a assimilação de toda a experiência prática resultante da aplicação do antigo art. 254, não se conseguiu, com a introdução do art. 254-A, eliminar a polêmica que cerca o tema. Mesmo adotando-se os fundamentos destacados pelos defensores do instituto e considerando-os como verdadeiros, vê-se que a regra não atende satisfatoriamente os propósitos para os quais foi criada. Os inúmeros casos práticos que surgiram da aplicação dos arts. 254 e 254-A da Lei das S.A. se, por um lado, serviram para aperfeiçoar o entendimento sobre a matéria; por outro, demonstram que ainda há muito a se evoluir. Corrobora tal entendimento, o fato de os casos mais recentes sobre a matéria, tais como o Caso Tim e Arcelor, analisados no Capítulo 6, terem apresentado problemas novos, para os quais não haviam respostas, e que literalmente desconcertaram aqueles que se viram na difícil missão de resolvê-los. A OPA para alienação de controle parece ter sido incluída na Lei das S.A. para solucionar um problema que não está relacionado com a alienação de controle, mas sim com a incorporação e com a incorporação de ações, notadamente relacionado à consideração dos intangíveis quando do estabelecimento da relação de troca. É preciso uma investigação mais profunda nos fundamentos e nos efeitos da previsão legal por parte da doutrina. Até lá deverá ser respeitada a escolha do legislador brasileiro, através da adaptação do instituto em sua aplicação aos casos para os quais a regra não oferece respostas claras. 152 Seria interessante que trabalhos futuros, talvez não na área do direito, procurassem mecanismos de quantificação da suposta eficiência da norma em termos de atratividade de capital. A comparação poderia ser feita em relação a companhia fechadas ou a sociedades limitadas de grande porte, de forma a tentar compreender o porquê de ser tão incomum que, em tais sociedades, os acionistas ou cotistas instituam a obrigatoriedade de OPA para casos de alienação de controle. 153 Bibliografia AMENDOLARA, Leslie. Os Direitos dos acionistas minoritários: com as alterações da Lei 9.457/97. São Paulo: Editora STS, 1998. ANDREWS. William D. The stockholder’s right to equal opportunity in the sale of shares. Harvard Law Review. V.78, Jan.,1965. pp. 505-563. ANDREZZO, Andrea Fernandes. 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