O CONCEITO DE TERRITÓRIO: CONHECIMENTOS PRÉVIOS DE CRIANÇAS DA ESCOLA FUNDAENTAL Francisco Cláudio Soares Júnior Departamento de Educação – UFRN O presente trabalho tem como objeto de estudo a apreensão da elaboração conceptual de crianças acerca do conceito de Território. Neste procuramos desencadear uma ação pedagógica de forma a propiciar, no interior da instituição escolar, o processo de apropriação do saber sistematizado consubstanciado em conceitos científicos, no sentido de promover a viabilização do desenvolvimento psíquico-social do educando. O referido trabalho é definido como uma pesquisa qualitativa do tipo intervenção que integra alguns princípios da etnometodologia. Enquanto suporte metodológico diferente das orientações convencionais, a intervenção não insiste na aplicação de esquemas tradicionais de pesquisa, à medida que é uma das formas de orientação metodológica que permite ao pesquisador explorar as situações problemas onde é muito difícil estabelecer uma precisão na formulação de hipótese. O ponto de partida do processo de operacionalidade é a determinação das diretrizes relativas aos problemas identificados na situação e relativos aos modos de ação. Tais diretrizes possuem uma maior rigidez frente àquelas postas nas hipóteses mais formais podendo ser reforçadas ou substituídas por outras, no decorrer do estudo quando se têm alguns resultados da pesquisa. Nessa abordagem de pesquisa não há lugar para se desenvolver receitas prontas e acabadas. O desafio da intervenção consiste na produção de novas formas de conhecimento social e novas relações entre pesquisadores e pesquisados, e de ambos com o saber. Para realizar esse desejo, esta deve ser utilizada no contexto de orientações críticas que possibilitem aos seus integrantes interpretar e explicar cientificamente os fatos observados e dados coletados, evitando que o saber se restrinja as evidências do senso comum. Esse saber precisa ser socializado, possibilitando a prática de discussões e reflexões entre os seus participantes, sem haver a monopolização de saberes por parte de nenhum dos grupos integrantes da pesquisa. As ações investigadas implicam na produção e na circulação de informações, elucidações, tomadas de decisões, entre outros aspectos que enfocam o desenvolvimento e a aprendizagem dos participantes em sua totalidade. Nesse caso particular, a intervenção tem a natureza de um estudo longitudinal que nos possibilita fazer reflexões teórico-metodológicas de caráter transdisciplinar fundamentais à organização de uma proposta curricular de Geografia para a escola fundamental, estruturada à luz da abordagem Sócio-Histórica da Educação e da abordagem Empírico-Processual-Reflexiva da Geografia. Nossa intenção é estabelecer mudanças no ambiente escolar, para fazer com que as crianças evoluam no seu processo de elaboração conceitual, formação de atitudes, de habilidades (intelectuais, sociais e estudo) e no desenvolvimento de suas funções mentais. Desse modo, os fundamentos teóricos e as questões que orientam esse trabalho contribuíram para a viabilização de uma intervenção pedagógica onde o conceito de Espaço Geográfico se constitui o elemento nucleador do processo de elaboração conceptual de crianças no início da escolaridade obrigatória. Essa intervenção se insere num estudo mais amplo relativo a elaboração de um currículo escolar centrado na formação de conceitos como componentes básicos de sua organização. Segundo André (1995), esse tipo de pesquisa integra um plano de ação que se constitui do planejamento da ação, do processo de acompanhamento da ação planejada e do relato concomitante desse processo. A intervenção requer um ambiente natural, uma fonte direta de coleta de dados, ou seja, o contato com uma situação real onde se encontram os elementos que particularizam o processo de ensinoaprendizagem. Assim, constitui-se o universo empírico desse estudo a Escola estadual Berilo Wanderley. Nela funciona o ensino fundamental e médio e está situada no conjunto habitacional Pirangi, no Bairro de Neópolis – Natal/RN. Nesse trabalho específico, a análise e a sistematização dos dados coletados restringem-se ao processo de diagnóstico inicial dos conhecimentos prévios das crianças inscritas no segundo nível do segundo ciclo do ensino fundamental ( 2000/2001 ), relativos do conceito de território, com o propósito de evidenciar a produção dos significados que elas possuem acerca do referido conceito. O estudo sobre os conhecimentos prévios é alvo de preocupação e análise de vários pesquisadores – Coll (1983), Carretero (1992), Ausubel (1983), Novak (1983), Hanesian (1993), Vygotsky (1991), Miras (1997) entre outros. De acordo com o referencial epistemológico utilizado em seus trabalhos, esses pesquisadores apresentam um termo específico para nomear tais conhecimentos, como por exemplo: conceitos espontâneos, idéias prévias, mini-teorias, miniconcepções, idéias intuitivas, erros conceituais, concepções alternativas, entre outros. Nesta perspectiva, García Hourcade & Rodríguez de Ávila afrimam que (1988, p.161): Atualmente, na literatura sobre o tema, também se pode encontrar diversas formas de referir-se ao que o ‘o aluno já sabe’ (...), e assim, podemos ler: microconcepções, idéias prévias, idéias intuitivas, erros conceituais, idéias alternativas, ciência do aluno, ... Enfim, como se para não repetir títulos nos artigos, inventaram formas de referir-se ao que o aluno já sabe. ( Tradução do autor do trabalho). Optamos pelo termo conhecimentos prévios, por entendermos que esta seja a maneira mais adequada para expressar os significados e as representações que a criança possui sobre um dado conceito, independente do lócus onde teve acesso as informações sobre ele. Desse modo, é que procuramos diagnosticar os conhecimentos prévios das crianças, considerando, ao mesmo tempo, aqueles oriundos das orientações adquiridas no quadro familiar e aqueles que são adquiridos na escolaridade. Apreender essa modalidade de conhecimento é uma necessidade básica para desenvolver sistematicamente o processo de ensino-aprendizagem de conhecimentos, habilidades e atitudes fundamentais à formação e ao desenvolvimento de conceitos científicos. Segundo Vygotsky (1991, p.79): Os conceitos científicos, (...) parecem construir o meio no qual a consciência e o domínio se desenvolvem, sendo mais tarde transferidos a outros conceitos e outras áreas do pensamento. A consciência reflexiva chega à criança através dos portais dos conhecimentos científicos. Decorre dessa compreensão a importância que o autor atribui a elaboração conceptual que se efetiva via processo de aprendizagem escolar Para Vygotsky (1989), a internalização de formas culturais, implica numa reorganização das atividades psicológicas a partir das operações com signos e supõe a incorporação da cultura pelo sujeito.Isso ocorre através das atividades coletivas/sociais, entre as quais a aprendizagem tem papel fundamental. Como a aprendizagem efetiva-se pela inter-relação com os outros, poderá estimular e ativar processos internos que, no curso interior do desenvolvimento, convertem-se em aquisições externas do indivíduo. Apesar da aprendizagem e do desenvolvimento serem processos distintos, uma correta organização da aprendizagem poderá ativar todo um grupo de processos que conduzirá ao desenvolvimento integral do indivíduo. Desse modo, na organização da aprendizagem desencadeada, nessa intervenção pedagógica, os alunos são considerados sujeitos da atividade e o próprio processo de elaboração conceptual objeto dessa atividade. Compreendemos o conceito de atividade como o próprio ato de aprender. Este, encontra-se centralizado no aluno que ao defrontar-se com situações de aprendizagem desafiadoras (conflitos cognitivos) elabora ações psíquicas no seu meio sócio-cultural, no intuito de processar aprendizagens. Depreendemos da incursão na abordagem vygotskyana que o caráter da origem social se expressa, seja o conceito considerado como produto ou como processo. Como produto, constitui-se um sistema de significações socialmente construído. Co0mo processo, sua formação e desenvolvimento só se efetivam em situação de interação mediada. A mediação é entendida como processo que possibilita a transformação de um processo interpsicológico, interpessoal (entre pessoas) num processo intrapsicológico, intrapessoal (no interior da pessoa). Esse processo mediador permite, ao mesmo tempo, o controle dos processos de comportamento e as transformações dos processos mentais. Nesse sentido, o social, a atividade e a mediação são conceitos básicos para a apreensão da concepção de desenvolvimento que norteia o nosso trabalho e do papel da aprendizagem, via instituição escolar, nesse processo. Portanto, o ensino da Geografia centrado na elaboração conceptual, em particular no conceito de Território, possibilita as crianças a construção de uma consciência crítico-reflexiva dos fenômenos da realidade na qual encontram-se inseridos. DIAGNÓSTICO INICIAL DOS CONHECIMENTOS PRÉVIOS RELATIVOS AO CONCEITO DE TERRITÓRIO A situação de aprendizagem programada para o diagnóstico dos conhecimentos prévios das crianças inscritas, no ciclo anteriormente dito, constituiu-se de uma tarefa intitulada – BRINCADEIRA DE REPORTER. Nela foi solicitado às crianças: Para você, o que é Território ? ANR .: É quando dá um território e destrói as coisas. ANA .: Eu acho que é uma coisa mais ou menos, uma coisa que é da pessoa ( expressa gestos circulares com os dedos da mão direita na palma da mão esquerda, mostrando uma determinada área ). ITA .: É um lugar onde tem casas. Ë tipo uma cidade. Território é um lugar que tem muito espaço. PAU .: Ah! Não sei não. JOS .: É um espaço onde se faz reuniões e várias coisas. BRU .: É o lugar só nosso. ALC.: Eu acho que é o lugar onde a gente mora. HER .: É um lugar marcado pelas pessoas e eles constroem casas, qualquer coisa. DAY .: Onde as pessoas moram. FEL.: ;É um espaço cheio de coisas para se usar e lugar para morar. FRA .: É um espaço muito grande, e, a gente só vê de cima. RUA .: É um lugar onde os animais vivem. VIC .: Entendo que é um lugar que têm limites. ITA .: É o município, cidade. HUD.: É um lugar marcado. Essa situação de aprendizagem teve por meta nos possibilitar a apreensão dos significados do conceito de território atribuídos pelas crianças que se constituem sujeitos da nossa amostragem, antes de estudá-lo de forma sistematizada no espaço escolar. Para isso, passamos a analisar os resultados obtidos na sondagem inicial dos significados que as crianças atribuíram ao referido conceito, a fim de que pudéssemos adentrar nos conhecimentos prévios por elas já internalizados. As reflexões acerca dos conhecimentos prévios das crianças do ciclo de sistematização, nos permitem afirmar que 73,3% ( ANA, ITA, BRU, ALC, HER, DAY, FEL, RUA, VIC, ITA e HUD ) atribuíram significados ao conceito de território apontando indícios perceptíveis dos seus atributos essenciais numa perspectiva real-imediato, enquanto 26,7% ( AND, PAU, JOS e FRA ) delas, tiveram dificuldades para executar a tarefa. Isso evidencia que a maioria das crianças atribuiu significados ao conceito de território, associado ao lugar/morada demarcado cartograficamente, e, que pertence a um ser vivo. De modo geral, podemos dizer que os significados elaborados pelas crianças ao conceito de território, estão atrelados aos indícios preliminares das idéias de demarcação física (tamanho e limites cartográficos) de uma determinada espacialidade, na qual as pessoas e os animais exercem relações de poder ( domínio espacial associado ao domínio social ). Em síntese, a análise dos conhecimentos prévios relativos ao conceito de território, evidencia que as crianças encontram-se no estágio de elaboração conceptual em que os significados dos conceitos se situam na apreensão dos aspectos perceptíveis com base na semelhança concreta e visual. Portanto, constatamos que a maioria das crianças foi capaz de fazer generalizações presas ao real-imediato frente aos atributos constitutivos do conceito em estudo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRÉ, Marli E. D. de. Etnografia da prática escolar. São Paulo: Papirus, 1995. AUSUBEL, D. P. , NOVAK, J. D., HANESIAN, H. Psicología educativa: un punto de vista cognoscitivo. 2. ed. México: Editorial Trilhas, l983. CARRETERO, M. Et al. Psicología de la instrucción, razonamienti y conocimientos específicos. Ingancia y Apredndizaje, 1992. COLL, C. La construcción de esquemas de conocimiento en el processo de enseñanza.In: COLL, C. (Org.). Psicología genética y aprendizajes escolares. Madrid: Siglo XXI, 1983. GARCÍA HOURCADE, J. L. Y., RODRÍGUEZ DE AVILA, C. I. B. Ideas previas, esquemas alternativos, cambio conceptual y el trabajo em el aula. EN Señanza de las Ciencias. V. 6, n. 2, p. 161-166, 1988. MIRAS, M. Um ponto de partida para a aprendizagem de novos conteúdos: os conhecimentos prévios. In: COLL, C. O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997. SILVA, Lenyra Rique da. A natureza contraditória do espaço geográfico. São Paulo: Contexto,1991. SOARES JR, F. Cláudio. Ensino-aprendizagem do conceito de lugar geográfico na escola fundamental. Natal, [s.n.], 2000, 362 p. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal do Rio Grande do Norte. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 3 ed. São Paulo:Martins Fontes, 1989. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.