GÊNEROS DISCURSIVOS E SUA IMPORTÂNCIA NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Ricardo Santos David [1] RESUMO São notórias as dificuldades dos alunos, de diversos níveis de ensino, quando se trata da proficiência em leitura e produção textual, dentre outros que fazem parte do ensino de língua portuguesa. Os resultados são catastróficos e podem facilmente ser vistos através dos exames de vestibular ou ENEM. A escola, inúmeras vezes, não tem alcançado seu propósito, ensinar a ler e escrever (nos sentidos reais dos termos). Acredita-se então que uma solução para a problemática seria o ensino dos gêneros do discurso/textuais na sala de aula de língua materna. Este estudo objetiva entender o que são os gêneros e relacionar seu ensino e sua aprendizagem em sala de aula e até mesmo sua eficácia. O viés investigativo aqui utilizado foi naturalmente o comparativismo. Palavras-chave: gêneros; discurso; letramento; texto; escola. ABSTRACT Are notorious difficulties of students of different educational levels, when it comes to proficiency in reading and text production, among others that are part of the Portuguese language teaching. The results are catastrophic and can easily be seen on examination of labial or ENEM. The school, many times, has not achieved its purpose, teach to read and write (in the real sense of the terms). It is believed then that a solution to the problem would be the teaching of speech / textual genres in the classroom language. This study aims to understand what are the genres and relate its teaching and learning in the classroom and even their effectiveness. The investigative bias used here was of course the comparativism. Keywords: genres; speech; literacy; text; school. RESUMEN Son notorias dificultades de los estudiantes de diferentes niveles educativos, cuando se trata de la competencia en la producción de la lectura y de texto, entre otros que forman parte de la enseñanza del idioma portugués. Los resultados son catastróficos y pueden ser fácilmente vistos en el examen de labial o ENEM. La escuela, muchas veces, no ha conseguido su objetivo, enseñar a leer y escribir (en el verdadero sentido de los términos). Se cree que a continuación, una solución al problema sería la enseñanza de los géneros del habla / de texto en el idioma en el aula. Este estudio tiene como objetivo comprender cuáles son los géneros y relacionar su enseñanza y aprendizaje en el aula e incluso su eficacia. El sesgo de investigación utilizado aquí fue por supuesto el comparativismo. Palabras clave: género; el habla; alfabetización; texto; escuela. 1 Graduado em Letras – Português e literatura. 1. INRODUÇÃO No que diz respeito à ao ensino de Língua Portuguesa, nos diversos níveis, a discussão sobre a possibilidade ou não de ensinar ou utilizar métodos que trabalhem tendo como base os Gêneros do Discurso, tem causado incômodo entre acadêmicos, intelectuais e outros envolvidos no processo ensino/aprendizagem. A reflexão sobre o tema tem sido constante, como podemos ver se nos dispusermos a analisar os anais de um dos congressos mais importantes do Brasil, realizado pela Associação Brasileira de Linguística (os anais podem ser acessados através da página da entidade). A preocupação não é desnecessária, vez que após a publicação do Parâmetro Curricular Nacional de Língua Portuguesa – PCN tem dado deixa para o ensino dos gêneros discursivos. Não se pode negar o avanço que o PCN trouxe ao propor o ensino de Língua Materna através do viés enunciativo-discursivo, mas de fato há certa característica de didatização ou escolarização dos gêneros do discurso, entretanto tal fato não se coaduna com a teoria e os ideais bakhtinianos, que são sua base teórica. A disparidade acontece por que Bakhtin adota, para os gêneros do discurso, a maleabilidade, flexibilidade e até mesmo uma instabilidade equivalente àquela prevista em documentos oficiais anteriores para o próprio funcionamento da linguagem. Assim, segundo a professora Maria Sílvia Cintra Martins, professora do departamento de Letras da UFSCar, em seu artigo Os Gêneros do Discurso e o Ensino da Língua Portuguesa, os documentos oficiais antes do surgimento do PCN tinham uma tendência “à re-estabilização do fato linguístico e, consequentemente, a sua idealização, o PCN de Língua Portuguesa comportou um retrocesso (2007:01)”. Compreendemos então que o novo documento é posto às escolas como um regimento a ser seguido, pois é advindo de uma administração que exige tal fato. Não houve uma discussão anterior entre professores, que seria um dos grupos mais importantes (ou o mais) a serem ouvidos neste caso. O novo material, claro, possuía como um de seus intuitos o auxílio ao professor, assim em diversos estados do Brasil, os professores receberam um exemplar intitulado “Caderno do professor”, certamente nem todos receberam, porém a grande maioria das escolas recebeu ao menos um exemplar de cada caderno. O caderno do professor deve ser seguido pelos educadores em seu trabalho em realizado em sala de aula, ora se considerarmos a afirmação de Vygotsky, “Por isso, o professor desempenha um papel ativo no processo de educação: modelar, cortar, dividir e entalhar os elementos do meio para que estes realizem o objetivo buscado (2003, p.79)”, logo o material a ser seguido pelo professor estaria o limitando e engessando suas atividades enquanto educador. Ou seja, podemos compreender o caderno do professor como um retrocesso histórico, pois se trata de uma imposição de normas e regras, sem que haja participação ou a mínima opinião do educador. 2. Os Cadernos do Professor O material é destinado a uso exclusivo do professor é separado de acordo com cada disciplina, trataremos aqui do caderno de ensino de Língua Materna. No mesmo são apresentadas sequências didáticas, onde, pressupõe-se que alguns gêneros do discurso, apontados pelo próprio caderno do professor, devam ser trabalhados de acordo com cada nível discente. O material enfoca alguns textos que são considerados como predominantes de certos tipos de gênero ou tipologia textual. Logo podemos compreender que o conteúdo é trabalhado através de, “padronizações, com idealizações e, em decorrência disso, com a tendência à estereotipia. Há pouca ou nenhuma sugestão que aponte para o que se tem defendido, no mínimo já há vinte e cinco anos, no que diz respeito à aprendizagem significativa, inserida em situações reais de uso da linguagem (MARTINS, 2007: 02)”. Não estamos taxando aqui o conteúdo do material como totalmente inadequado ou até mesmo inválido, pois fica claro que á a necessidade de que se trabalhem os gêneros no ensino de Língua Portuguesa, porém o que salientamos aqui é a restrição do material, uma vez que o mesmo não dá liberdade ao educador em moldá-lo de acordo com as necessidades de cada turma e até mesmo de cada aluno. Logo, os “Cadernos do Professor” de Língua Portuguesa, não se adequa e muito menos condiz com o contexto sócio histórico dos Estudos do Letramento, muito menos com a teoria de Bakhtin sobre os gêneros do discurso, portanto, “referir-se, por exemplo, ao letramento do ponto de vista da “variedade de gêneros textuais que a criança ou adulto reconhece” denuncia enorme reducionismo teórico que certamente comporta consequências didáticas consideráveis (MARTINS, 2007:02)”. Vale salientar que mesmo que haja uma proposta, onde se aponte um ensino que vai além dos muros escolares, o Caderno do Professor não traz muitas novidades se o compararmos com as atividades do passado, vez que essa novidade está ligada a diversos fatores, dentre eles a formação e o comprometimento do educador. 3. Bakhtin e os Gêneros do Discurso Considerado um dos maiores intelectuais, no que se refere a gêneros, Bakhtin defende que os gêneros discursivos resultam em formas-padrão “relativamente estáveis” de um determinado enunciado, estas formas seriam determinadas sócio- historicamente. Assim, nossa comunicação, seja ela escrita ou falada, é feita através de gêneros do discurso, os quais cada sujeito teria infindáveis repertórios de gêneros, não sendo, na maioria dos casos, nem mesmo percebidos por seus “usuários”. Vale ressaltar, que os gêneros estão presentes tanto nas conversas formais, quanto nas informais, de acordo com Bakhtin, “quase da mesma forma que nos e nós é dada a língua materna, a qual dominamos livremente até começarmos o estudo da gramática (200:282)”. Os gêneros sofrem modificações de acordo e em consequência do momento histórico no qual estão inseridos, assim podemos compreender que cada situação social dá origem a um gênero com suas próprias peculiaridades. Se compreendermos que existem infinidades possibilidades de situações comunicativas, entenderemos que existem também inúmeras possibilidades de gêneros, logo seu número será ilimitado, como afirma Bakhtin, “a riqueza e a diversidade dos gêneros discursivos são ilimitadas, porque as possibilidades de atividade humana são também inesgotáveis e porque cada esfera de atividade contém um repertório inteiro de gêneros discursivos que se diferenciam e se ampliam na mesma proporção que cada esfera particular se desenvolve e se torna cada vez mais complexa (Bakhtin, 1986:60)”. Conforme o surgimento e transformação das mais diversas esferas sociais, diversos novos gêneros surgem e até mesmo se modificam em prol e em consequência das mesmas. O autor afirma, “Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que a assimilamos, reelaboramos, e reacentuamos (2003:295)”. Todorov também já afirmava algo parecido, antes de Bakhtin, como podemos ver na afirmação, “um novo gênero é sempre a transformação de um ou de vários gêneros antigos: por inversão, por deslocamento, por combinação. Um “texto” de hoje (também isso é um gênero num de seus sentidos) deve tanto à “poesia” quanto ao “romance” do século XIX, do mesmo modo que a “comédia lacrimejante” combinava elementos da comédia e da tragédia do século precedente. Nunca houve literatura sem gêneros, é um sistema em contínua transformação e a questão das origens não pode abandonar, historicamente, o terreno dos próprios gêneros: no tempo, nada há de “anterior” aos gêneros (1980: 46 – grifo nosso)”. Aqui vale lembrar, que a habilidade linguística de uso dos diversos gêneros está ligada ao domínio da língua. Portanto, quanto maior for o conhecimento e domínio linguístico do sujeito, maior será a facilidade de reconhecer e empregar os gêneros. Bakhtin (2003), afirma que é a vivência das mais diversas situações comunicativas que possibilita o contato com uma maior diversidade de gêneros, tal fato é um exercício para a competência linguística do sujeito produtor de enunciados. Kress (1985), também já afirmava algo parecido, quando dizia que, o discurso é constituído através de, “(...) jogos sistematicamente organizados de declarações que dão expressão aos significados e valores de uma instituição. Um discurso provê um jogo de possíveis declarações sobre uma determinada área... Nisso provê descrições, regras, permissões e proibições sociais e ações individuais”. Assim, é esta competência de cada interlocutor que determina o que ou não aceitável dentro de cada prática e esfera social, logo quanto mais experiência comunicativa o sujeito tiver, mais habilidade o mesmo irá possuir em reconhecer e diferenciar os gêneros discursivos, assim como o seu uso em de acordo com cada situação. 4. A “divisão” dos gêneros Compreendendo que a formação de novos gêneros está entrelaçada ao aparecimento de novas esferas de atividade humana e que estas possuem suas finalidades discursivas especificas a suas necessidades, Bakhtin realizou um estudo onde posteriormente realizou a “classificação” dos gêneros, dividindo os mesmos em primários e secundários. Os primários remetem-se a situações comunicativas cotidianas, espontâneas, não elaboradas, informais, que propiciam e sugerem uma comunicação imediata. Dentre os exemplos deste tipo de gênero temos uma carta, bilhetes e até mesmo um diálogo rotineiro. Já os gêneros secundários, geralmente mediados pelo sistema de escrita, são utilizados em situações comunicativas que exigem mais complexidade e elaboração, como por exemplo, o teatro, um romance, um artigo, dentre outros inúmeros tipos. Porém, vale salientar que a essência dos gêneros continua sendo a mesma, ou seja, ambos são compostos por fenômenos de mesma natureza, os enunciados verbais. O que os diferencia, entretanto, é o nível de complexidade exigido pelo meio em que se apresentam. Bakhtin (2003) afirma, que a diferença entre os dois tipos de gênero – primários e secundários- é extrema e notoriamente grande. Ainda segundo o mesmo, é necessário que se faça uma análise do enunciado para que sua natureza possa ser definida. O estudo desta natureza e da diversidade dos gêneros é de suma importância para as pesquisas em linguagem, pois através desta análise os estudiosos poderão obter os dados de suas investigações levando em conta a historicidade da informação. Ao contrário, qualquer dado de pesquisa corre o risco de cair em um formalismo ou “abstração exagerada”. 5. Pode-se ensinar os gêneros na escola? De acordo com Meurer, Bonini e Motta-Roth, estudos e pesquisas que envolvem gêneros do discurso/textuais têm ganhado cada vez mais espaço e também credibilidade, tanto no Brasil quanto no exterior no campo da Linguística Aplicada (LA): “Tanto no Brasil, principalmente após a publicação dos PCN (BRASIL, 1998), quanto no estrangeiro (BHATIA, 1997, HYLAND, 2002), é notável o número de campos científicos e profissionais interessados nesse tema. Podese dizer hoje, que estão inclinados a discutir questões relacionadas aos gêneros, entre outros, críticos literários, retóricos, sociólogos, jornalistas, cientistas cognitivistas [...]. O gênero passou a ser uma noção central na definição da própria linguagem. É um fenômeno que se localiza entre a língua, o discurso e as estruturas sociais, possibilitando diálogos entre teóricos e pesquisadores de diferentes campos e, ao mesmo tempo, trazendo elementos conceituais viabilizadores de uma ampla revisão de todo o aparato teórico da Linguística. [...] Ao tomar o conceito de gênero como categoria do discurso, a LA amplia o horizonte de explicações para a linguagem” (2005: 8-9). Assim sendo, torna-se fundamental o reconhecimento e a compreensão da formação, utilização e funcionamento dos gêneros textuais/discursivos a partir das ações do professor frente ao novo objeto de ensino/aprendizagem, bem como das práticas de planejamento e elaboração didática dos mesmos na escola, ocorrendo, como já citado, um crescente avanço e aumento de pesquisas em LA sobre os gêneros do discurso/textuais. Como pudemos constatar, Bakhtin enfoca os gêneros do discurso/textuais de maneira estreitamente ligada e relacionada com as esferas da atividade humana e consequentemente dentro de um contexto social bastante amplo. Vale salientar, que não era escopo da reflexão do autor a ponderação a respeito do trabalho escolar muito embora o filósofo russo se refira tanto aos gêneros do discurso praticados de forma mais livre e espontânea (esfera da vida cotidiana), quanto aos gêneros do discurso institucional (esfera das superestruturas), nos quais se incluiriam, em princípio, os gêneros do discurso praticados na escola. Visto que o PCN baseia-se primariamente nos estudos de Bakhtin, nos perguntamos se é possível e até mesmo necessário ensinar os gêneros na escola e mais ainda, se é papel da mesma cumprir este “fardo”. Acreditamos que devemos considerar as palavras de Bakhtin, para respondermos a estes questionamentos: “Falamos apenas através de determinados gêneros do discurso, isto é, todos os nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo. (...) Em termos práticos, nós os empregamos de forma segura e habilidosa, mas em termos teóricos podemos desconhecer inteiramente a sua existência. (...) Até mesmo no bate-papo mais descontraído e livre nós moldamos o nosso discurso por determinadas formas de gênero, às vezes padronizadas e estereotipadas, às vezes mais flexíveis, plásticas e criativas (a comunicação cotidiana também dispõe de gêneros criativos)” (Bakhtin, 1997: 282). Analisando as palavras do pesquisador e transferindo-as ao meio e reflexão educacional, entenderemos que a escola é um ambiente onde os gêneros do discurso são necessariamente trabalhados, mesmo que tal fato não seja feito de forma explícita ou consciente e até mesmo que não tenha como objetivo a transmissão deste conhecimento. Acreditamos que a princípio o estudo de gêneros do discurso/textual devem ser praticados e elaborados com flexibilidade, porém com intensidade, possibilitando que a prática leve a reflexão espontânea, não se descartando, ainda, uma possível sistematização do trabalho escolar realizado, afinal, também é papel da escola trabalhar com sistematizações, mas isto não significa trabalhar com categorias fixas. Algumas considerações são, no entanto, necessárias para que possamos refletir melhor sobre o assunto. Primeiro, a postulação da atuação do professor que se faz de forma necessariamente política e não inocente, na medida em que implica opções e, no caso em pauta, a escolha entre o trabalho com categorias relativamente fechadas, estáveis, cristalizadas, que em certo sentido é típico dos gêneros institucionais, sendo de se esperar em função das restrições ideológicas e de poder que cerceiam o trabalho escolar; e um trabalho contra-hegemônico, que aponta para a busca de desestruturações, de desestabilizações, fato que podemos dizer está previsto na teorização bakhtiniana, na medida em que postula ações e reações, palavras e contra-palavras na arena densa de luta de poder em que se dá toda a linguagem (MARTINS, 2007). Sendo assim o ambiente escolar não é ambiente à parte, ou seja, livre dessas tensões que atravessam toda a sociedade, logo nem mesmo o professor pode se posicionar de maneira isenta, onde queira se eximir ou se colocar à margem dessas “lutas”. Outra questão diz respeito à tendência sempre presente nas escolas para os processos de recontextualização das teorias que aí chegam após sofrerem vários momentos de reinterpretação: como é o caso da maneira com que o PCN de Língua Portuguesa reinterpretou as conceituações presentes na obra de Mikhail Bakhtin e depois, ainda, o texto do documento oficial sofreu novos processos de reinterpretação na medida em que foi se traduzindo nas práticas escolares. Logo compreendemos que a concepção de gêneros do discurso atualmente praticada nas escolas é resultado de uma série de mudanças, incluindo-se nelas a estreita relação com práticas pedagógicas rigidamente tradicionais. Entretanto, devemos lembrar que os professores não são os únicos responsáveis por este trabalho, ele vem acontecendo com a interferência de encarecimento e medidas administrativas, como no caso da imposição dos “Cadernos do Professor” que, de certa forma, enfatizam as sequências didáticas e, com isso, trazem para o trabalho com gêneros uma compartimentação que não lhes pertenceria por princípio, mas também trazem à pauta questões de gramática normativa que emitem a manuais escolares de mais de trinta anos atrás. Acreditamos que podemos dizer que trazer os gêneros do discurso/textuais para o trabalho escolar voltado ao ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa significa um avanço considerável, desde que saibamos explorar todas as consequências dessa visada em termos políticos e sócio-históricos, no que estas expressões implicam questões de ideologia e de poder (KLEIMAN & MARTINS: 2007). A Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa, à qual vimos nos referindo, possuía caráter sequencial, na medida em que propunha que se trabalhassem primeiro e de maneira intensa, a leitura e produção de textos, bem como a reflexão mais espontânea sobre esses textos através de reescritas e reformulações. No que se trata de gêneros do discurso, certo ponto nos chama a atenção nos documentos oficiais que os têm incorporado é o fato de que a metalinguagem ainda continua envolvendo as mesmas classificações presentes na Gramática Normativas, com singelas alterações. Logo, quando é necessário trabalhar conceitos, ainda são utilizadas as velhas categorias: classes de palavras, funções sintáticas, sem falar das normatizações referentes aos paradigmas de conjugação verbal, ou às regras de concordância e regência. Tudo isso tem reaparecido nos “Cadernos do Professor”, em conjunto com a em conjunto com a proposta de trabalho com gêneros do discurso. Não vamos aqui nos deter na necessidade ou não de se trabalhar, ainda, com certos preceitos do ensino tradicional da Língua Portuguesa (KLEIMAN E MARTINS: 2007). Neste momento chegamos há um questionamento: quando se trata de gêneros do discurso, o que realmente significa com metalinguagem? Para chegarmos a uma resposta para tal questionamento em primeiro momento devemos lembrar que a própria proposta das sequências didáticas não se harmoniza com o trabalho genuíno com os gêneros do discurso, até mesmo por que quando buscamos de fato inserir esse trabalho na dimensão sócio histórica mais ampla que lhe diz respeito por natureza, é impossível escolher um único gênero, ou decidir que primeiro se deve operar com certa modalidade, e depois com outra. Ao contrário o que se faz necessário é a criação de situações onde haja interação rica, que ultrapasse as barreiras da sala de aula e mesmo o espaço escolar propriamente dito, de maneira que a linguagem possa ser praticada da forma mais próxima de sua dimensão real – evitando o reducionismo que tende a prevalecer quando se trata de labor escolar. Nesse sentido, o manuseio de textos pertencentes a diversos gêneros ocorre como consequência de necessidades reais de interlocução. Imaginemos, por exemplo, que o professor ou a escola organize um passeio ao Museu local, certamente tal ato faz parte de um projeto maior que o educador professor está desenvolvendo com seus alunos. “Vários gêneros do discurso serão reconhecíveis nas práticas de linguagem que se darão nesse momento, com o incentivo e a supervisão do professor: as conversas mais formais, o bate-papo, a entrevista com guardas, as anotações em prancheta, o debate acalorado em torno de uma questão polêmica (a questão da preservação histórica, por exemplo)”, (MARTINS, 2007: 08). De volta à escola o professor poderá proporcionar diversas outras práticas letradas, como: escrever um relato reflexivo, um conto, uma crônica, dentre outras inúmeras possibilidades. “Vale notar que as atividades epilinguísticas também passam a ser uma consequência das atividades discursivas propriamente ditas, ou seja, é à medida que os estudantes vão se conscientizando das características típicas ou mais típicas de cada gênero, que eles aprendem a desenvolver esse jogo sutil com a linguagem, a qual permite a comunicação inter-genérica e as retextualizações que vão fazendo com que determinado texto, pertencente de início a certo gênero, possa, ao ser trabalhado, passar a ser reconhecido dentro de outra tipologia” (MARTINS, 2007:09). Neste momento acreditamos ter alcançado a resposta para nossa indagação: a atividade educacional, onde é utilizada a metalinguagem, nesse caso, não é um trabalho com classificações tradicionais, mas está estreitamente relacionada ao trabalho epilinguístico do manuseio com a linguagem e com o recurso a diferentes estratégias discursivas e a determinadas marcas textuais. É nessa medida que o passeio ao Museu, ou qualquer outro local, ao proporcionar a possibilidade da escrita de um relatório com suas marcações típicas, como o uso da terceira pessoa do modo indicativo, sem abuso nem de adjetivações nem de modalizações, pode levar, depois, ao trabalho com a crônica em que o aluno note que não precisa se tratar, propriamente, da escrita de um texto totalmente e unicamente novo: “Ele entenderá que é possível a reescrita, a retextualização, com a transformação do efeito de sentido anterior próprio da objetividade científica, e a inserção de marcas de subjetividade e de um eventual lirismo ou mesmo de um efeito humorístico ao se transformar o que era, antes, o relatório em texto que passa a ser reconhecido dentro da tipologia da crônica” (MARTINS, 2007: 09). CONSIDERAÇÕES FINAIS Finalizando nossos questionamentos e levantamentos, chamamos a atenção ao trabalho realizado em sala de aula, utilizaremos a indagação de Street: “por que em meio a tantos gêneros e a tantas práticas de letramento apenas um deles - o gênero do discurso argumentativo de viés científico - veio a adquirir o estatuto de prestígio de que desfruta em nossa sociedade?”, (Apud MARTINS, 2007: 09). Quando se trata de utilizar e trabalhar gêneros do discurso em ambiente escola, a metalinguagem é, inicialmente, relacionada às tipologias discursivas, ou seja, reconhecer as características mais recorrentes ou típicas de cada tipo de gênero, considerando as marcas presentes em cada estilo. Salientamos que essas classificações são muito difíceis de reconhecer e categorizar, conduzindo a idealizações, principalmente no momento atual, em que vão se tornando cada vez mais correntes as diferentes hibridizações e transposições de características de dada modalidade textual para outro tipo de texto, assim como as diferentes assimilações de um gênero dentro de outro, como pode ser o caso do texto de propaganda que incorpora em seu interior uma cartinha pessoal ou um bilhete, sem que, nesse movimento, deixe de pertencer ao gênero propagandístico (MARTINS, 2007). Todavia, além de simples categorizações, é necessário refletir em conjunto com os alunos sobre as questões ideológicas e até mesmo de poder, que podem ser notoriamente percebidas (após análise, claro) nos diferentes tipos de gêneros, sendo esses fenômenos mais visíveis em certos textos – como propaganda, denúncia– porém não se resumindo a eles. Desta maneira o processo de ensino/aprendizagem passa a ser dinâmico e processual. Neste estudo elencamos diversos questionamentos e para compreendermos e de certa forma responde-los recorremos à teoria de Bakhtin, do que se trata sobre os gêneros do discurso e acreditamos que o trabalho com gêneros do discurso será possível sempre que se amplie o contexto do trabalho escolar, que para dar conta desse desafio necessita, no mínimo, não se resumir apenas à sala de aula, buscando outras motivações para uma prática de linguagem e de letramento mais efetiva e sujeita a flexibilizações. Considerando que os Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados com o objetivo de, "criar condições, nas escolas, que permitam aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania" (PCN, 1998: 5). Resta-nos saber se tal documento que “alega” ser resultado de um projeto moldado sob o viés teórico de Bakhtin considera o dialogismo da linguagem, o caráter social que tais atividades adquirem ao se considerar cada situação de aprendizagem como um enunciado, em uma cadeia enunciativa, onde o receptor não é um ser passivo, “[...] um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados, onde "a língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos, (que a realizam); é igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na língua" (BAKHTIN, 2003: 264). Logo, o presente estudo não apenas colabora para a consolidação de pesquisas que enfatizem os gêneros como objeto de investigação, mas também contribui para se repensar certas teorias e práticas relacionadas ao estudo da linguagem em suas diferentes manifestações. REFERÊNCIAS Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa – 3º e 4ºciclos. Brasília: MEC, 1998. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.261-306. BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (orgs.). Gêneros: teorias, métodos e debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. p. 81-107. DOLZ e SCHENEUWLY, B. Genres et progressio em expression orale et écrite : elements de réflexion à pros d’une experince romande. Enjeux . Tradução de Roxane Rojo, (1996) ____________. Os Gêneros escolares- das práticas de linguagem aos objetos de ensino. Tradução de G.S. Cordeiro. Revista Brasileira de Educação, 11 maio/agosto. 1997. KRESS, Gunther; VAN LEEUWEN, Teo. Reading Images: The Grammar of Visual Design. London: Routledge. 1996 MARTINS, Maria Sílvia Cintra. Portuguesa <Disponível Os Gêneros do Discurso e o Ensino da Língua em: http://www.letramento.iel.unicamp.br/publicacoes/ artigos/Generos_do_discurso_ensino.pdf <Acesso em: 20 de jan. 2012. MEURER, J. L. Gêneros Textuais na Análise Crítica de Fairclough. In: MEURER, J.L.; STREET, Brian. Perspectivas interculturais sobre o letramento. Filologia e Linguística Portuguesa. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1997. TODOROV, T. Os gêneros do discurso. São Paulo, Martins Fontes, 1980.