Clique Aqui Para Baixar o Arquivo

Propaganda
GÊNEROS DISCURSIVOS E SUA IMPORTÂNCIA NO ENSINO DA LÍNGUA
PORTUGUESA.
Ricardo Santos David [1]
RESUMO
São notórias as dificuldades dos alunos, de diversos níveis de ensino, quando se trata da proficiência em leitura e
produção textual, dentre outros que fazem parte do ensino de língua portuguesa. Os resultados são catastróficos e
podem facilmente ser vistos através dos exames de vestibular ou ENEM. A escola, inúmeras vezes, não tem
alcançado seu propósito, ensinar a ler e escrever (nos sentidos reais dos termos). Acredita-se então que uma
solução para a problemática seria o ensino dos gêneros do discurso/textuais na sala de aula de língua materna.
Este estudo objetiva entender o que são os gêneros e relacionar seu ensino e sua aprendizagem em sala de aula e
até mesmo sua eficácia. O viés investigativo aqui utilizado foi naturalmente o comparativismo.
Palavras-chave: gêneros; discurso; letramento; texto; escola.
ABSTRACT
Are notorious difficulties of students of different educational levels, when it comes to proficiency in reading and
text production, among others that are part of the Portuguese language teaching. The results are catastrophic and
can easily be seen on examination of labial or ENEM. The school, many times, has not achieved its purpose,
teach to read and write (in the real sense of the terms). It is believed then that a solution to the problem would be
the teaching of speech / textual genres in the classroom language. This study aims to understand what are the
genres and relate its teaching and learning in the classroom and even their effectiveness. The investigative bias
used here was of course the comparativism.
Keywords: genres; speech; literacy; text; school.
RESUMEN
Son notorias dificultades de los estudiantes de diferentes niveles educativos, cuando se trata de la competencia
en la producción de la lectura y de texto, entre otros que forman parte de la enseñanza del idioma portugués. Los
resultados son catastróficos y pueden ser fácilmente vistos en el examen de labial o ENEM. La escuela, muchas
veces, no ha conseguido su objetivo, enseñar a leer y escribir (en el verdadero sentido de los términos). Se cree
que a continuación, una solución al problema sería la enseñanza de los géneros del habla / de texto en el idioma
en el aula. Este estudio tiene como objetivo comprender cuáles son los géneros y relacionar su enseñanza y
aprendizaje en el aula e incluso su eficacia. El sesgo de investigación utilizado aquí fue por supuesto el
comparativismo.
Palabras clave: género; el habla; alfabetización; texto; escuela.
1
Graduado em Letras – Português e literatura.
1. INRODUÇÃO
No que diz respeito à ao ensino de Língua Portuguesa, nos diversos níveis, a discussão
sobre a possibilidade ou não de ensinar ou utilizar métodos que trabalhem tendo como base os
Gêneros do Discurso, tem causado incômodo entre acadêmicos, intelectuais e outros
envolvidos no processo ensino/aprendizagem. A reflexão sobre o tema tem sido constante,
como podemos ver se nos dispusermos a analisar os anais de um dos congressos mais
importantes do Brasil, realizado pela Associação Brasileira de Linguística (os anais podem ser
acessados através da página da entidade). A preocupação não é desnecessária, vez que após a
publicação do Parâmetro Curricular Nacional de Língua Portuguesa – PCN tem dado deixa
para o ensino dos gêneros discursivos.
Não se pode negar o avanço que o PCN trouxe ao propor o ensino de Língua Materna
através do viés enunciativo-discursivo, mas de fato há certa característica de didatização ou
escolarização dos gêneros do discurso, entretanto tal fato não se coaduna com a teoria e os
ideais bakhtinianos, que são sua base teórica.
A disparidade acontece por que Bakhtin adota, para os gêneros do discurso, a
maleabilidade, flexibilidade e até mesmo uma instabilidade equivalente àquela prevista em
documentos oficiais anteriores para o próprio funcionamento da linguagem. Assim, segundo a
professora Maria Sílvia Cintra Martins, professora do departamento de Letras da UFSCar, em
seu artigo Os Gêneros do Discurso e o Ensino da Língua Portuguesa, os documentos oficiais
antes do surgimento do PCN tinham uma tendência “à re-estabilização do fato linguístico e,
consequentemente, a sua idealização, o PCN de Língua Portuguesa comportou um retrocesso
(2007:01)”. Compreendemos então que o novo documento é posto às escolas como um
regimento a ser seguido, pois é advindo de uma administração que exige tal fato. Não houve
uma discussão anterior entre professores, que seria um dos grupos mais importantes (ou o
mais) a serem ouvidos neste caso.
O novo material, claro, possuía como um de seus intuitos o auxílio ao
professor, assim em diversos estados do Brasil, os professores receberam um exemplar
intitulado “Caderno do professor”, certamente nem todos receberam, porém a grande maioria
das escolas recebeu ao menos um exemplar de cada caderno. O caderno do professor deve ser
seguido pelos educadores em seu trabalho em realizado em sala de aula, ora se considerarmos
a afirmação de Vygotsky, “Por isso, o professor desempenha um papel ativo no processo de
educação: modelar, cortar, dividir e entalhar os elementos do meio para que estes realizem o
objetivo buscado (2003, p.79)”, logo o material a ser seguido pelo professor estaria o
limitando e engessando suas atividades enquanto educador. Ou seja, podemos compreender o
caderno do professor como um retrocesso histórico, pois se trata de uma imposição de normas
e regras, sem que haja participação ou a mínima opinião do educador.
2. Os Cadernos do Professor
O material é destinado a uso exclusivo do professor é separado de acordo com cada
disciplina, trataremos aqui do caderno de ensino de Língua Materna. No mesmo são
apresentadas sequências didáticas, onde, pressupõe-se que alguns gêneros do discurso,
apontados pelo próprio caderno do professor, devam ser trabalhados de acordo com cada nível
discente. O material enfoca alguns textos que são considerados como predominantes de certos
tipos de gênero ou tipologia textual. Logo podemos compreender que o conteúdo é trabalhado
através de,
“padronizações, com idealizações e, em decorrência disso, com a tendência à
estereotipia. Há pouca ou nenhuma sugestão que aponte para o que se tem
defendido, no mínimo já há vinte e cinco anos, no que diz respeito à
aprendizagem significativa, inserida em situações reais de uso da linguagem
(MARTINS, 2007: 02)”.
Não estamos taxando aqui o conteúdo do material como totalmente inadequado ou até
mesmo inválido, pois fica claro que á a necessidade de que se trabalhem os gêneros no ensino
de Língua Portuguesa, porém o que salientamos aqui é a restrição do material, uma vez que o
mesmo não dá liberdade ao educador em moldá-lo de acordo com as necessidades de cada
turma e até mesmo de cada aluno. Logo, os “Cadernos do Professor” de Língua Portuguesa,
não se adequa e muito menos condiz com o contexto sócio histórico dos Estudos do
Letramento, muito menos com a teoria de Bakhtin sobre os gêneros do discurso, portanto,
“referir-se, por exemplo, ao letramento do ponto de vista da “variedade de
gêneros textuais que a criança ou adulto reconhece” denuncia enorme
reducionismo teórico que certamente comporta consequências didáticas
consideráveis (MARTINS, 2007:02)”.
Vale salientar que mesmo que haja uma proposta, onde se aponte um ensino que vai
além dos muros escolares, o Caderno do Professor não traz muitas novidades se o
compararmos com as atividades do passado, vez que essa novidade está ligada a diversos
fatores, dentre eles a formação e o comprometimento do educador.
3. Bakhtin e os Gêneros do Discurso
Considerado um dos maiores intelectuais, no que se refere a gêneros, Bakhtin defende
que os gêneros discursivos resultam em formas-padrão “relativamente estáveis” de um
determinado enunciado, estas formas seriam determinadas sócio- historicamente. Assim,
nossa comunicação, seja ela escrita ou falada, é feita através de gêneros do discurso, os quais
cada sujeito teria infindáveis repertórios de gêneros, não sendo, na maioria dos casos, nem
mesmo percebidos por seus “usuários”. Vale ressaltar, que os gêneros estão presentes tanto
nas conversas formais, quanto nas informais, de acordo com Bakhtin, “quase da mesma
forma que nos e nós é dada a língua materna, a qual dominamos livremente até começarmos
o estudo da gramática (200:282)”.
Os gêneros sofrem modificações de acordo e em consequência do momento histórico
no qual estão inseridos, assim podemos compreender que cada situação social dá origem a um
gênero com suas próprias peculiaridades. Se compreendermos que existem infinidades
possibilidades de situações comunicativas, entenderemos que existem também inúmeras
possibilidades de gêneros, logo seu número será ilimitado, como afirma Bakhtin,
“a riqueza e a diversidade dos gêneros discursivos são ilimitadas, porque as
possibilidades de atividade humana são também inesgotáveis e porque cada
esfera de atividade contém um repertório inteiro de gêneros discursivos que
se diferenciam e se ampliam na mesma proporção que cada esfera particular
se desenvolve e se torna cada vez mais complexa (Bakhtin, 1986:60)”.
Conforme o surgimento e transformação das mais diversas esferas sociais, diversos
novos gêneros surgem e até mesmo se modificam em prol e em consequência das mesmas. O
autor afirma, “Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom
valorativo que a assimilamos, reelaboramos, e reacentuamos (2003:295)”. Todorov também
já afirmava algo parecido, antes de Bakhtin, como podemos ver na afirmação,
“um novo gênero é sempre a transformação de um ou de vários gêneros
antigos: por inversão, por deslocamento, por combinação. Um “texto” de
hoje (também isso é um gênero num de seus sentidos) deve tanto à “poesia”
quanto ao “romance” do século XIX, do mesmo modo que a “comédia
lacrimejante” combinava elementos da comédia e da tragédia do século
precedente. Nunca houve literatura sem gêneros, é um sistema em contínua
transformação e a questão das origens não pode abandonar, historicamente, o
terreno dos próprios gêneros: no tempo, nada há de “anterior” aos gêneros
(1980: 46 – grifo nosso)”.
Aqui vale lembrar, que a habilidade linguística de uso dos diversos gêneros está ligada ao
domínio da língua. Portanto, quanto maior for o conhecimento e domínio linguístico do
sujeito, maior será a facilidade de reconhecer e empregar os gêneros.
Bakhtin (2003), afirma que é a vivência das mais diversas situações comunicativas que
possibilita o contato com uma maior diversidade de gêneros, tal fato é um exercício para a
competência linguística do sujeito produtor de enunciados. Kress (1985), também já afirmava
algo parecido, quando dizia que, o discurso é constituído através de,
“(...) jogos sistematicamente organizados de declarações que dão expressão
aos significados e valores de uma instituição. Um discurso provê um jogo de
possíveis declarações sobre uma determinada área... Nisso provê descrições,
regras, permissões e proibições sociais e ações individuais”.
Assim, é esta competência de cada interlocutor que determina o que ou não aceitável dentro
de cada prática e esfera social, logo quanto mais experiência comunicativa o sujeito tiver,
mais habilidade o mesmo irá possuir em reconhecer e diferenciar os gêneros discursivos,
assim como o seu uso em de acordo com cada situação.
4. A “divisão” dos gêneros
Compreendendo que a formação de novos gêneros está entrelaçada ao aparecimento de
novas esferas de atividade humana e que estas possuem suas finalidades discursivas
especificas a suas necessidades, Bakhtin realizou um estudo onde posteriormente realizou a
“classificação” dos gêneros, dividindo os mesmos em primários e secundários.
Os primários remetem-se a situações comunicativas cotidianas, espontâneas, não
elaboradas, informais, que propiciam e sugerem uma comunicação imediata. Dentre os
exemplos deste tipo de gênero temos uma carta, bilhetes e até mesmo um diálogo rotineiro.
Já os gêneros secundários, geralmente mediados pelo sistema de escrita, são utilizados em
situações comunicativas que exigem mais complexidade e elaboração, como por exemplo, o
teatro, um romance, um artigo, dentre outros inúmeros tipos. Porém, vale salientar que a
essência dos gêneros continua sendo a mesma, ou seja, ambos são compostos por fenômenos
de mesma natureza, os enunciados verbais. O que os diferencia, entretanto, é o nível de
complexidade exigido pelo meio em que se apresentam.
Bakhtin (2003) afirma, que a diferença entre os dois tipos de gênero – primários e
secundários- é extrema e notoriamente grande. Ainda segundo o mesmo, é necessário que se
faça uma análise do enunciado para que sua natureza possa ser definida. O estudo desta
natureza e da diversidade dos gêneros é de suma importância para as pesquisas em linguagem,
pois através desta análise os estudiosos poderão obter os dados de suas investigações levando
em conta a historicidade da informação. Ao contrário, qualquer dado de pesquisa corre o risco
de cair em um formalismo ou “abstração exagerada”.
5. Pode-se ensinar os gêneros na escola?
De acordo com Meurer, Bonini e Motta-Roth, estudos e pesquisas que envolvem gêneros
do discurso/textuais têm ganhado cada vez mais espaço e também credibilidade, tanto no Brasil
quanto no exterior no campo da Linguística Aplicada (LA):
“Tanto no Brasil, principalmente após a publicação dos PCN (BRASIL,
1998), quanto no estrangeiro (BHATIA, 1997, HYLAND, 2002), é notável o
número de campos científicos e profissionais interessados nesse tema. Podese dizer hoje, que estão inclinados a discutir questões relacionadas aos
gêneros, entre outros, críticos literários, retóricos, sociólogos, jornalistas,
cientistas cognitivistas [...]. O gênero passou a ser uma noção central na
definição da própria linguagem. É um fenômeno que se localiza entre a
língua, o discurso e as estruturas sociais, possibilitando diálogos entre
teóricos e pesquisadores de diferentes campos e, ao mesmo tempo, trazendo
elementos conceituais viabilizadores de uma ampla revisão de todo o aparato
teórico da Linguística. [...] Ao tomar o conceito de gênero como categoria do
discurso, a LA amplia o horizonte de explicações para a linguagem” (2005:
8-9).
Assim sendo, torna-se fundamental o reconhecimento e a compreensão da formação,
utilização e funcionamento dos gêneros textuais/discursivos a partir das ações do professor
frente ao novo objeto de ensino/aprendizagem, bem como das práticas de planejamento e
elaboração didática dos mesmos na escola, ocorrendo, como já citado, um crescente avanço e
aumento de pesquisas em LA sobre os gêneros do discurso/textuais.
Como pudemos constatar, Bakhtin enfoca os gêneros do discurso/textuais de maneira
estreitamente ligada e relacionada com as esferas da atividade humana e consequentemente
dentro de um contexto social bastante amplo. Vale salientar, que não era escopo da reflexão
do autor a ponderação a respeito do trabalho escolar muito embora o filósofo russo se refira
tanto aos gêneros do discurso praticados de forma mais livre e espontânea (esfera da vida
cotidiana), quanto aos gêneros do discurso institucional (esfera das superestruturas), nos quais
se incluiriam, em princípio, os gêneros do discurso praticados na escola.
Visto que o PCN baseia-se primariamente nos estudos de Bakhtin, nos perguntamos se
é possível e até mesmo necessário ensinar os gêneros na escola e mais ainda, se é papel da
mesma cumprir este “fardo”. Acreditamos que devemos considerar as palavras de Bakhtin,
para respondermos a estes questionamentos:
“Falamos apenas através de determinados gêneros do discurso, isto é, todos
os nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de
construção do todo. (...) Em termos práticos, nós os empregamos de forma
segura e habilidosa, mas em termos teóricos podemos desconhecer
inteiramente a sua existência. (...) Até mesmo no bate-papo mais
descontraído e livre nós moldamos o nosso discurso por determinadas formas
de gênero, às vezes padronizadas e estereotipadas, às vezes mais flexíveis,
plásticas e criativas (a comunicação cotidiana também dispõe de gêneros
criativos)” (Bakhtin, 1997: 282).
Analisando as palavras do pesquisador e transferindo-as ao meio e reflexão
educacional, entenderemos que a escola é um ambiente onde os gêneros do discurso são
necessariamente trabalhados, mesmo que tal fato não seja feito de forma explícita ou
consciente e até mesmo que não tenha como objetivo a transmissão deste conhecimento.
Acreditamos que a princípio o estudo de gêneros do discurso/textual devem ser
praticados e elaborados com flexibilidade, porém com intensidade, possibilitando que a
prática leve a reflexão espontânea, não se descartando, ainda, uma possível sistematização do
trabalho escolar realizado, afinal, também é papel da escola trabalhar com sistematizações,
mas isto não significa trabalhar com categorias fixas.
Algumas considerações são, no entanto, necessárias para que possamos refletir melhor
sobre o assunto. Primeiro, a postulação da atuação do professor que se faz de forma
necessariamente política e não inocente, na medida em que implica opções e, no caso em
pauta, a escolha entre o trabalho com categorias relativamente fechadas, estáveis,
cristalizadas, que em certo sentido é típico dos gêneros institucionais, sendo de se esperar em
função das restrições ideológicas e de poder que cerceiam o trabalho escolar; e um trabalho
contra-hegemônico, que aponta para a busca de desestruturações, de desestabilizações, fato
que podemos dizer está previsto na teorização bakhtiniana, na medida em que postula ações e
reações, palavras e contra-palavras na arena densa de luta de poder em que se dá toda a
linguagem (MARTINS, 2007).
Sendo assim o ambiente escolar não é ambiente à parte, ou seja, livre dessas tensões
que atravessam toda a sociedade, logo nem mesmo o professor pode se posicionar de maneira
isenta, onde queira se eximir ou se colocar à margem dessas “lutas”. Outra questão diz
respeito à tendência sempre presente nas escolas para os processos de recontextualização das
teorias que aí chegam após sofrerem vários momentos de reinterpretação: como é o caso da
maneira com que o PCN de Língua Portuguesa reinterpretou as conceituações presentes na
obra de Mikhail Bakhtin e depois, ainda, o texto do documento oficial sofreu novos processos
de reinterpretação na medida em que foi se traduzindo nas práticas escolares.
Logo compreendemos que a concepção de gêneros do discurso atualmente praticada
nas escolas é resultado de uma série de mudanças, incluindo-se nelas a estreita relação com
práticas pedagógicas rigidamente tradicionais. Entretanto, devemos lembrar que os
professores não são os únicos responsáveis por este trabalho, ele vem acontecendo com a
interferência de encarecimento e medidas administrativas, como no caso da imposição dos
“Cadernos do Professor” que, de certa forma, enfatizam as sequências didáticas e, com isso,
trazem para o trabalho com gêneros uma compartimentação que não lhes pertenceria por
princípio, mas também trazem à pauta questões de gramática normativa que emitem a
manuais escolares de mais de trinta anos atrás.
Acreditamos que podemos dizer que trazer os gêneros do discurso/textuais para o
trabalho escolar voltado ao ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa significa um avanço
considerável, desde que saibamos explorar todas as consequências dessa visada em termos
políticos e sócio-históricos, no que estas expressões implicam questões de ideologia e de
poder (KLEIMAN & MARTINS: 2007).
A Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa, à qual vimos nos
referindo, possuía caráter sequencial, na medida em que propunha que se trabalhassem
primeiro e de maneira intensa, a leitura e produção de textos, bem como a reflexão mais
espontânea sobre esses textos através de reescritas e reformulações.
No que se trata de gêneros do discurso, certo ponto nos chama a atenção nos
documentos oficiais que os têm incorporado é o fato de que a metalinguagem ainda continua
envolvendo as mesmas classificações presentes na Gramática Normativas, com singelas
alterações. Logo, quando é necessário trabalhar conceitos, ainda são utilizadas as velhas
categorias: classes de palavras, funções sintáticas, sem falar das normatizações referentes aos
paradigmas de conjugação verbal, ou às regras de concordância e regência.
Tudo isso tem reaparecido nos “Cadernos do Professor”, em conjunto com a em
conjunto com a proposta de trabalho com gêneros do discurso. Não vamos aqui nos deter na
necessidade ou não de se trabalhar, ainda, com certos preceitos do ensino tradicional da
Língua Portuguesa (KLEIMAN E MARTINS: 2007).
Neste momento chegamos há um questionamento: quando se trata de gêneros do
discurso, o que realmente significa com metalinguagem?
Para chegarmos a uma resposta para tal questionamento em primeiro momento
devemos lembrar que a própria proposta das sequências didáticas não se harmoniza com o
trabalho genuíno com os gêneros do discurso, até mesmo por que quando buscamos de fato
inserir esse trabalho na dimensão sócio histórica mais ampla que lhe diz respeito por natureza,
é impossível escolher um único gênero, ou decidir que primeiro se deve operar com certa
modalidade, e depois com outra. Ao contrário o que se faz necessário é a criação de situações
onde haja interação rica, que ultrapasse as barreiras da sala de aula e mesmo o espaço escolar
propriamente dito, de maneira que a linguagem possa ser praticada da forma mais próxima de
sua dimensão real – evitando o reducionismo que tende a prevalecer quando se trata de labor
escolar. Nesse sentido, o manuseio de textos pertencentes a diversos gêneros ocorre como
consequência de necessidades reais de interlocução.
Imaginemos, por exemplo, que o professor ou a escola organize um passeio ao Museu
local, certamente tal ato faz parte de um projeto maior que o educador professor está
desenvolvendo com seus alunos.
“Vários gêneros do discurso serão reconhecíveis nas práticas de linguagem
que se darão nesse momento, com o incentivo e a supervisão do professor: as
conversas mais formais, o bate-papo, a entrevista com guardas, as anotações
em prancheta, o debate acalorado em torno de uma questão polêmica (a
questão da preservação histórica, por exemplo)”, (MARTINS, 2007: 08).
De volta à escola o professor poderá proporcionar diversas outras práticas letradas, como:
escrever um relato reflexivo, um conto, uma crônica, dentre outras inúmeras possibilidades.
“Vale notar que as atividades epilinguísticas também passam a ser uma
consequência das atividades discursivas propriamente ditas, ou seja, é à
medida que os estudantes vão se conscientizando das características típicas
ou mais típicas de cada gênero, que eles aprendem a desenvolver esse jogo
sutil com a linguagem, a qual permite a comunicação inter-genérica e as
retextualizações que vão fazendo com que determinado texto, pertencente de
início a certo gênero, possa, ao ser trabalhado, passar a ser reconhecido
dentro de outra tipologia” (MARTINS, 2007:09).
Neste momento acreditamos ter alcançado a resposta para nossa indagação: a atividade
educacional, onde é utilizada a metalinguagem, nesse caso, não é um trabalho com
classificações tradicionais, mas está estreitamente relacionada ao trabalho epilinguístico do
manuseio com a linguagem e com o recurso a diferentes estratégias discursivas e a
determinadas marcas textuais.
É nessa medida que o passeio ao Museu, ou qualquer outro local, ao proporcionar a
possibilidade da escrita de um relatório com suas marcações típicas, como o uso da terceira
pessoa do modo indicativo, sem abuso nem de adjetivações nem de modalizações, pode levar,
depois, ao trabalho com a crônica em que o aluno note que não precisa se tratar, propriamente,
da escrita de um texto totalmente e unicamente novo:
“Ele entenderá que é possível a reescrita, a retextualização, com a transformação do
efeito de sentido anterior próprio da objetividade científica, e a inserção de marcas
de subjetividade e de um eventual lirismo ou mesmo de um efeito humorístico ao se
transformar o que era, antes, o relatório em texto que passa a ser reconhecido dentro
da tipologia da crônica” (MARTINS, 2007: 09).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Finalizando nossos questionamentos e levantamentos, chamamos a atenção ao trabalho
realizado em sala de aula, utilizaremos a indagação de Street:
“por que em meio a tantos gêneros e a tantas práticas de letramento apenas
um deles - o gênero do discurso argumentativo de viés científico - veio a
adquirir o estatuto de prestígio de que desfruta em nossa sociedade?”, (Apud
MARTINS, 2007: 09).
Quando se trata de utilizar e trabalhar gêneros do discurso em ambiente escola, a
metalinguagem é, inicialmente, relacionada às tipologias discursivas, ou seja, reconhecer as
características mais recorrentes ou típicas de cada tipo de gênero, considerando as marcas
presentes em cada estilo.
Salientamos que essas classificações são muito difíceis de reconhecer e categorizar,
conduzindo a idealizações, principalmente no momento atual, em que vão se tornando cada
vez mais correntes as diferentes hibridizações e transposições de características de dada
modalidade textual para outro tipo de texto, assim como as diferentes assimilações de um
gênero dentro de outro, como pode ser o caso do texto de propaganda que incorpora em seu
interior uma cartinha pessoal ou um bilhete, sem que, nesse movimento, deixe de pertencer ao
gênero propagandístico (MARTINS, 2007).
Todavia, além de simples categorizações, é necessário refletir em conjunto com os
alunos sobre as questões ideológicas e até mesmo de poder, que podem ser notoriamente
percebidas (após análise, claro) nos diferentes tipos de gêneros, sendo esses fenômenos mais
visíveis em certos textos – como propaganda, denúncia– porém não se resumindo a eles.
Desta maneira o processo de ensino/aprendizagem passa a ser dinâmico e processual.
Neste estudo elencamos diversos questionamentos e para compreendermos e de certa
forma responde-los recorremos à teoria de Bakhtin, do que se trata sobre os gêneros do
discurso e acreditamos que o trabalho com gêneros do discurso será possível sempre que se
amplie o contexto do trabalho escolar, que para dar conta desse desafio necessita, no mínimo,
não se resumir apenas à sala de aula, buscando outras motivações para uma prática de
linguagem e de letramento mais efetiva e sujeita a flexibilizações.
Considerando que os Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados com o
objetivo de,
"criar condições, nas escolas, que permitam aos nossos jovens ter acesso ao
conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como
necessários ao exercício da cidadania" (PCN, 1998: 5).
Resta-nos saber se tal documento que “alega” ser resultado de um projeto moldado sob
o viés teórico de Bakhtin considera o dialogismo da linguagem, o caráter social que tais
atividades adquirem ao se considerar cada situação de aprendizagem como um enunciado, em
uma cadeia enunciativa, onde o receptor não é um ser passivo,
“[...] um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados,
onde "a língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos, (que a
realizam); é igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na
língua" (BAKHTIN, 2003: 264).
Logo, o presente estudo não apenas colabora para a consolidação de pesquisas que
enfatizem os gêneros como objeto de investigação, mas também contribui para se repensar
certas teorias e práticas relacionadas ao estudo da linguagem em suas diferentes
manifestações.
REFERÊNCIAS
Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua
Portuguesa – 3º e 4ºciclos. Brasília: MEC, 1998.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São
Paulo: Martins Fontes, 2003. p.261-306.
BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (orgs.). Gêneros: teorias, métodos e debates. São Paulo:
Parábola Editorial, 2005. p. 81-107.
DOLZ e SCHENEUWLY, B. Genres et progressio em expression orale et écrite : elements
de réflexion à pros d’une experince romande. Enjeux . Tradução de Roxane Rojo, (1996)
____________. Os Gêneros escolares- das práticas de linguagem aos objetos de ensino.
Tradução de G.S. Cordeiro. Revista Brasileira de Educação, 11 maio/agosto. 1997.
KRESS, Gunther; VAN LEEUWEN, Teo. Reading Images: The Grammar of Visual Design.
London: Routledge. 1996
MARTINS, Maria Sílvia Cintra.
Portuguesa
<Disponível
Os Gêneros do Discurso e o Ensino da Língua
em: http://www.letramento.iel.unicamp.br/publicacoes/
artigos/Generos_do_discurso_ensino.pdf <Acesso em: 20 de jan. 2012.
MEURER, J. L. Gêneros Textuais na Análise Crítica de Fairclough. In: MEURER, J.L.;
STREET, Brian. Perspectivas interculturais sobre o letramento. Filologia e Linguística
Portuguesa. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1997.
TODOROV, T. Os gêneros do discurso. São Paulo, Martins Fontes, 1980.
Download