Curso de Reciclagem Sedação em Terapia Intensiva Fascículo II – A importância da sedação em UTI A Importância da Sedação em Terapia Intensiva Este trabalho pôde ser desenvolvido devido à experiência dos autores em suas áreas de atuação, pesquisa e aplicação de conhecimento nas Unidades de Tratamento Intensivo Neurológicas (UTIN), no Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo. A Equipe responsável pelo gerenciamento das Unidades é composta pelos seguintes médicos: Dr. Cassio Morano Peluso, Dr. Israel Ferreira da Silva, Dr. Luís Vicente Forte e Dr. Salomon Ordinola Rojas. O presente trabalho foi elaborado pelos seguintes membros da Equipe: Autor: Dr. Israel Ferreira da Silva Diretor do Instituto de Tratamento Neurológico e Terapia Intensiva INETI. Diretor do Serviço de Anestesiologia do Hospital do Servidor Público Estadual do Estado de São Paulo (HSPE). Presidente da Comissão de Residência Médica e Graduação do HSPE. Anestesiologista da Equipe do Prof. Dr. Sergio Almeida de Oliveira no Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo e no Hospital Sírio-Libanês. Co-autor: Dr. Luís Vicente Forte Diretor do Instituto de Tratamento Neurológico e Terapia Intensiva INETI. Neurocirurgião da Equipe do Prof. Dr. Roberto Godoy no Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo. Produzido por: © 2001 AP Americana de Publicações Ltda. Av. Eng. Luís Carlos Berrini, 936, 11o andar, Brooklin Novo – CEP 04571-000 – São Paulo – SP – Brasil Tel./Fax: 5501-5999 e-mail: [email protected] Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização prévia por escrito dos editores. 3 Índice I - Introdução .......................................................................................................................................3 II - Farmacocinética ............................................................................................................................4 III - Farmacodinâmica ........................................................................................................................8 IV - Interações medicamentosas .......................................................................................................8 V - O agente ideal ............................................................................................................................. 12 VI - Farmacologia ............................................................................................................................ 12 I — Introdução O emprego dos agentes farmacológicos na prática clínica é precedido por uma seqüência de estudos voltados para a avaliação da segurança, ação e reais benefícios que estes devem promover aos pacientes. Claude Bernard, há mais de um século, foi o precursor dos critérios para reunir informações na medicina experimental. O crescente avanço da medicina levou a uma drástica mudança conceitual no desenvolvimento de novos fármacos, principalmente nas três últimas décadas. Smith (1978), Kaitlin et al. (1987) e Young et al. (1988) listaram as fases de propagação das drogas nos Estados Unidos que antecedem o emprego na prática clínica: 1. Avaliação pré-clínica – duração de um a cinco anos (estudos in vitro e testes em animais). Análise a curto e a longo prazo (toxicidade crônica, reprodução, teratogenicidade e carcinogenicidade). 2. Avaliação clínica – duração de dois a dez anos: • Fase 1 – Voluntários normais e populações especiais. Análise de segurança e efeitos biológicos, metabolismo, cinética e interações medicamentosas. Essa etapa é realizada por farmacologistas clínicos. • Fase 2 – Pacientes selecionados. Comprovação da eficácia terapêutica, variação da dosagem, cinética e metabolismo. Essa etapa é desenvolvida por farmacologistas e pesquisadores clínicos. • Fase 3 – Grande amostra de pacientes selecionados. Comprovação da eficácia e da segurança. Essa etapa é desenvolvida por pesquisadores clínicos. 3. Após a fase anterior é feita a apresentação da new drug aplication (NDA), seguida da revisão, que 4 dura de dois meses a sete anos. A aprovação da NDA precede o lançamento e a vigilância do produto, seguindo-se a última etapa, ou fase 4. 4. Fase 4 – Pacientes que recebem o fármaco para terapia. Vigilância das reações adversas, padrões de utilização farmacológica e indicações adicionais descobertas. Essa etapa é desenvolvida por todos os médicos. Em média, dez anos de estudos separam o início da pesquisa em laboratório do emprego clínico de cada agente. Neste período, serão determinadas as ações, indicações, contra-indicações, efeitos colaterais e possíveis interações medicamentosas. O conhecimento reunido durante as fases de estudos aumenta a segurança para o emprego do agente, embora novas informações possam ser verificadas posteriormente. A administração de um fármaco deve ser norteada pelo princípio básico da individualização da terapia medicamentosa, considerando-se que vários fatores podem interferir na ação, desde a prescrição até a obtenção do efeito desejado. Os fatores que determinam a relação entre a dose prescrita do fármaco e o seu efeito (Koch Weser, 1972) são: Dose prescrita: obediência do paciente e possíveis erros de medicação. Dose administrada: velocidade e grau de absorção, composição e tamanho corporal, distribuição nos líquidos corporais, ligação no plasma e nos tecidos e taxa de eliminação. Concentração no local de ação: variáveis fisiológicas, fatores patológicos, fatores genéticos, interação com outros fármacos e desenvolvimento de tolerância. Intensidade do efeito: interação fármaco-receptor, estado funcional e efeito placebo. II – FARMACOCINÉTICA Farmacocinética é o conjunto dos comemorativos que envolvem o processo de absorção, distribuição e eliminação dos fármacos. É necessário que o agente esteja presente nos sítios de ação, em concen- trações adequadas, para se obter o efeito desejado. O efeito final está estreitamente relacionado à massa do respectivo agente nos locais de ação, porém outras variáveis podem interferir, como grau e taxa de absorção, distribuição, ligação protéica ou localização dos tecidos, biotransformação e excreção. II.1 – Bioequivalência Tem-se discutido amplamente esse conceito, conhecendo-se a ampla campanha do Ministério da Saúde, em relação aos medicamentos genéricos. Do ponto de vista conceitual, são considerados medicamentos equivalentes aqueles que contêm os mesmos princípios ativos e são idênticos em concentração, potência, dose e via de administração. Dois agentes são considerados bioequivalentes quando os índices e as quantidades de biodisponibilidade da substância ativa são semelhantes em condições adequadas de teste. Atualmente, os testes de biodisponibilidade não são realizados rotineiramente, devido ao elevado custo e à dificuldade de realização. A simples análise físico-química dos agentes não é suficiente para garantir sua disponibilidade nos locais de ação. Tendo em vista essa realidade, deve-se levar em conta a escolha adequada dos agentes empregados em sedação e analgesia, no tocante aos reais benefícios que deverão propiciar aos pacientes. II.2 – Absorção As vias de administração constituem um importante fator para variações nos efeitos, devido às diferentes taxas de absorção. Algumas características merecem destaque: • Via intravenosa – evita a absorção, seus efeitos são imediatos, permite o ajuste da posologia e é adequada à administração de grandes volumes. Tem maior risco de efeitos adversos, sendo imprópria para soluções oleosas ou insolúveis. • Via subcutânea – a absorção pode ser imediata (preparados em solução aquosa) ou lenta e 5 Quadro 1. Principais grupos de agentes utilizados em sedação e analgesia 1. • • • Sedativos e hipnóticos Alquilfenol Propofol Barbitúricos Benzodiazepínicos 2. Analgésicos • Antiinflamatórios não-esteróides (AINES) • Opióides • • • 3. Antipsicóticos e neurolépticos 4. Relaxantes neuromusculares 5. • • • Anestésicos Locais Endovenosos Inalatórios • • • • mantida (preparados de depósito). Absorvem-se algumas suspensões insolúveis, mas a via é inadequada para grandes volumes e pode haver dor ou necrose local devido a substâncias irritativas. Via intramuscular – a absorção pode ser imediata (preparados em solução aquosa) ou lenta (preparados de depósito). É adequada para volumes moderados, veículos oleosos e algumas substâncias irritativas. Não deve ser utilizada durante a anticoagulação e pode alterar o resultado de alguns exames. Via oral – a absorção é bastante variável, oferece maior facilidade e segurança, mas requer a colaboração do paciente. Há menor absorção das drogas pouco solúveis (diazepam), instáveis ou metabolizadas rapidamente pelo fígado. Estão disponibilizadas várias preparações de liberação controlada que proporcionam menor irritação da mucosa gástrica, absorção mais lenta no sistema gastrointestinal, menor incidência de “picos” e maior intervalo entre as doses. Via sublingual – a absorção é rápida para algumas substâncias (nitroglicerina, midazolam) e • • evita o fenômeno de primeira passagem no fígado, que pode neutralizar até 100% de uma substância ingerida por via oral (ex. nitroglicerina). Via retal – a absorção é irregular, 50% é metabolizado no fígado e ocorre freqüente irritação do reto. Via transdérmica – a absorção é lenta e contínua, necessita de preparações específicas (fentanil transdérmico, EMLA, nitroglicerina). Via intra-arterial – geralmente é empregada quando não se deseja que o fármaco tenha a primeira passagem pelo pulmão (protamina), evitando-se reações alérgicas, ou quando existe falência circulatória franca (epinefrina na raiz da aorta). É sempre conveniente ressaltar que injeções acidentais podem ocorrer e que algumas talvez tenham conseqüências catastróficas (barbitúricos, levando à dor lancinante e à necrose do membro). Via intratecal – tem absorção variável, dependendo do agente e do seu perfil lipofílico ou hidrofílico. A descoberta de receptores opióides na medula espinhal permitiu o uso dessa via para o tratamento da dor aguda e crônica. Através de um cateter, preferencialmente epidural, é realizada a infusão contínua dos opióides. A difusão para os receptores no corno posterior da medula produz o efeito analgésico desejado. O emprego da via intratecal para a administração de outros agentes, como antibióticos e corticóides, é matéria controversa e ainda necessita de mais estudos. Via intraperitoneal – embora o peritônio apresente uma grande superfície de trocas, o fato de a absorção ser rápida e inicialmente ocorrer através da veia porta leva a uma perda substancial devido ao efeito de primeira passagem pelo fígado. Essa via é bastante empregada em laboratório, mas, devido aos riscos de infecção e aderências, tem pouca aplicação clínica em seres humanos. Deve-se ressaltar a importância dessa via em programas de diálise. Via pulmonar – os fármacos gasosos e voláteis 6 administrados por essa via são rapidamente absorvidos e disponíveis na circulação, devido à grande superfície de troca das mucosas do trato respiratório e do epitélio pulmonar. O emprego de aerossóis para tratamento de broncospasmo constitui o principal grupo de agentes utilizados por essa via, ressaltando-se a boa absorção que outras drogas encontram (p. ex., epinefrina, lidocaína, atropina e naloxona). Nos pacientes em pós-operatório que foram submetidos à anestesia geral com agentes halogenados, é importante o conhecimento do perfil do agente empregado, quanto a sua hepatotoxicidade, biotransformação e eliminação. A eliminação do agente por essa via é equivalente à dose administrada na cirurgia e ao biotipo do paciente (os halogenados são armazenados em tecidos ricos em gordura e depois liberados em ordem inversa). É bom lembrar que a equipe estará sujeita aos mesmos efeitos tóxicos e/ou teratogênicos dos halogenados no período de recuperação pós-anestésica. • Via tópica – as mucosas podem ser empregadas com objetivos terapêuticos devido à absorção rápida de soluções aquosas por via nasal (p. ex., DDAVP e midazolam). As principais vias de administração parenteral dos sedativos e analgésicos, em UTIs, são: intravenosa, intramuscular e subcutânea. Todos os fármacos administrados por via parenteral estão sujeitos à eliminação de primeira passagem nos pulmões. Os relaxantes neuromusculares são utilizados exclusivamente por via venosa. Ressaltamos a possibilidade do emprego da succinilcolina, por via muscular, para facilitar a intubação traqueal em situações de emergência, quando não se dispõe de um acesso venoso. II.3 – Dis tribuição Alguns compartimentos orgânicos podem servir como reservatórios de drogas. A quantidade armazenada em cada compartimento pode variar, e o tempo necessário para atingir o ponto de equilíbrio determinará a dose de ataque, de manutenção e a velocidade de infusão de um agente. Esses fatos determinam diferentes características quanto ao equilíbrio das concentrações das drogas. São conhecidos vários reservatórios de medicamentos no corpo humano, destacando-se: • Proteínas plasmáticas – a alta ligação protéica é uma característica de muitos agentes empregados em sedação e analgesia, destacando-se como exemplo os opióides. Os agentes ácidos se ligam, preferencialmente, à albumina, e os básicos às glicoproteínas ácidas alfa1. Essas ligações, entretanto, são reversíveis, e a ação do fármaco está na dependência da fração livre no plasma. Essas características nos obrigam a rever as dosagens de todos os agentes nos pacientes desnutridos e hipoalbuminêmicos. A albumina representa cerca de 0,4% do peso corporal. • Reservatórios celulares – alguns agentes acumulam-se nos músculos ou em outras células orgânicas. Por exemplo, no tratamento da malária, grandes quantidades de cloroquina podem se acumular no fígado (milhares de vezes da concentração plasmática). • Tecido adiposo – os agentes anestésicos halogenados e os barbitúricos, por serem lipossolúveis, acumulam-se nas gorduras. Podemos encontrar 70% do tiopental nos tecidos gordurosos algumas horas após uma única dose. Considerando-se que a gordura pode representar até 50% da massa corpórea no indivíduo obeso e 10% no indivíduo desnutrido, esse tecido pode se comportar como um importante depósito para as substâncias lipossolúveis. No entanto, a extração dos fármacos desse tecido é lenta devido ao baixo fluxo sanguíneo local. • Tecido ósseo – não é um reservatório importante, ressaltando-se o tropismo do antibiótico tetraciclina e outros agentes quelantes de íons metálicos divalentes, assim como o acúmulo de metais pesados como o chumbo e o rádio. • Reservatórios transcelulares – o principal sítio é o trato gastrointestinal. As bases fracas provenientes do sangue concentram-se no estôma- Extra-Renal (99) Hepática 0,9 (±0,2) Lanexat® (IV) 3-5 min 1 min Antagonista Flumazenil Variável 50 Renal Renal Renal (70) Renal Renal (70) Biliar (30) Hepática Hepática Hepática Hepática Hepática 12 7 - 13 30 - 56 10 - 20 1,3 - 2,5 1-4h 15 min 3 - 4 min 90 min 3 - 5 min 30 min 5 min 2 min 30 min 1 min 12 h 20 - 80 h 15 min 8h 15 - 80 min 70 95 - 98 98,5 - 99 78 93 - 97 Renal Hepática 7 - 12 1 min ½ min Barbitúricos Tiopental Tionembutal® Benzodiazepínicos Bromazepam Lexotan® (VO) Clordiazepóxido Psicosedin® (VO) Diazepam Dienpax® (IV) Flunitrazepam Rohypnol® (VO) Midazolam Dormonid® (IV) 5 - 15 min 80 - 89 Renal (98) Fecal (2) Hepática 1-3 1 min ½ min Diprivan® 3 - 8 min 97 Excreção (%) Metabolização Ligação protéica (%) Meia-vida (horas) Duração Pico Início Nome comercial Nome farmacológico Alquilfenol Propofol Quadro 2. Farmacocinética dos hipnóticos e sedativos mais utilizados em UTI 7 go. Devido à grande diferença do pH, essas drogas são absorvidas lentamente, conferindo intensa capacidade de depósito. Outros líquidos, como a linfa, o humor aquoso, o líquido cefalorraquidiano e líquidos articulares, não são importantes como reservatórios de drogas. II.4 – Transferência placentária O conhecimento dessa característica é de extrema relevância devido à possibilidade dos efeitos teratogênicos no primeiro trimestre de gravidez e às reações que certos agentes podem produzir no feto durante o trabalho de parto e os efeitos residuais após o nascimento. De maneira geral, as drogas atravessam a placenta por difusão simples. A lipossolubilidade e a não-ionização são fatores que predispõem a passagem dos agentes para a circulação fetal, a partir da circulação materna. II.5 – Biotransformação De modo geral, os fármacos com propriedades lipofílicas têm mais dificuldade de ser metabolizados e eliminados do que os hidrofílicos. A metabolização dos agentes, normalmente, produz compostos inativos. Existem exceções, como por exemplo a normeperidina, que é metabólito ativo da meperidina. O sistema microssomal hepático é o sítio mais importante de metabolização dos agentes. As principais reações de biotransformações dos agentes são a oxidação, a hidrólise e a conjugação. O principal catalisador das reações de biotransformação é o citocromo P450. Para a realização das reações oxidativas, o sistema necessita do citocromo P450, do NADPH citocromo, do P450 redutase, do NADPH e do oxigênio molecular. Existem outros órgãos que têm capacidade de biotransformação, porém em menor intensidade, tais como pulmões, rins, sistema gastrointestinal e pele. 8 II.6 – Excreção III – FARMACODINÂMICA O principal órgão de eliminação do corpo humano é o rim. Os agentes podem ser eliminados inalterados ou metabolizados. Os compostos polarizados são eliminados com maior eficiência quando em sua forma lipofílica. A excreção renal depende, fundamentalmente, de três etapas, que são filtração glomerular, secreção tubular ativa e reabsorção tubular passiva. Uma quantidade expressiva de metabólitos formados no fígado é excretada no trato gastrointestinal por meio da bile, mas a maioria é reabsorvida no sangue e posteriormente excretada pelos rins. A excreção através do suor, da saliva, das lágrimas, do cabelo e da pele não tem importância significativa. Pode-se destacar a aplicação forense na detecção de algumas substâncias, como por exemplo arsênico e mercúrio nos cabelos. Considerando-se as inúmeras variáveis fisiológicas que podem interferir na posologia dos agentes, os seguintes parâmetros merecem destaque: meia-vida plasmática (t1/2 α), depuração, volume de distribuição e biodisponibilidade. Esse conceito envolve a relação dos efeitos bioquímicos e fisiológicos dos agentes com seus mecanismos de ação. Os mecanismos de ação das drogas e a relação entre sua concentração e seu efeito dependem de um grande número de receptores, específicos ou não, de mensageiros biológicos e dos efeitos agonista e antagonista. O conhecimento do perfil de cada droga e de seus locais de ação é importante aliado para o bom resultado terapêutico. Dessa forma, o emprego de um agente agonista fraco, como por exemplo a nalbufina, pode antagonizar um efeito exacerbado de um opióide mais potente (depressão respiratória ou prurido) sem que haja a neutralização completa de seus efeitos desejáveis (analgesia). A ação seletiva dos benzodiazepínicos, em receptores gabaérgicos no sistema límbico, confere os efeitos específicos de ansiólise e amnésia desses agentes. II.7 – Meia-vida plasmática Outro tópico de importância no estudo da terapêutica é a ocorrência de possíveis interações medicamentosas entre dois ou mais agentes. O conhecimento da farmacocinética e da farmacodinâmica dos agentes empregados não é suficiente para evitar possíveis interações, mas pode prevenir reações catastróficas. Cientes dessa problemática, alguns centros já mantêm disponíveis arquivos acoplados aos programas de prescrição, onde estão listadas possíveis interações medicamentosas e opções terapêuticas para cada situação. A Divisão de Farmacologia Clínica da Universidade de Stanford utiliza um grande banco de dados (Drug Interaction Facts) que está disponível para hospitais. O sistema MEDIPHOR de Stanford passa por atualizações freqüentes e contém mais de 5 mil itens cadastrados. Sabemos que a maioria dos hospitais não dis- É o tempo necessário para que a concentração plasmática do agente diminua 50%. II.8 – Depuração É a medida da capacidade do organismo para eliminar o agente. II.9 – Volume de dis tribuição É a medida do espaço disponível no organismo para conter a droga. II.10 – Biodisponibilidade É o percentual do fármaco absorvido inalterado e disponibilizado para a circulação sistêmica. IV – INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Renal Hepática 20 - 25 2-3 2-4 ½-1h 10 - 15 Acetaminofeno (VO) Aminofenol Renal Hepática 99 2 1-2 1-2h Cetoprofeno (IV) Ácido propiônico 5 Renal/Biliar Hepática 99 1-2 1-3 20 min Diclofenaco (IM) Fenilacéticos 5 Renal Hepática 20 - 25 2-5 4-6 3-5 Dipirona (IV) Pirazolônicos Renal/Biliar Hepática 99 42 - 98 > 12 15 min 5 Tenoxicam (IV) Benzotiazínicos Intestinal Hepática/ 49 0,22 - 0,28 < 30 AAS (VO) Ácido acetilsalicílico farmacológico farmacológico (min) 2h 3-4 protéica (%) (horas) (horas) Ligação Meia-vida Duração Pico Início Nome Grupo Quadro 3. Farmacocinética dos AINE mais utilizados em UTI Metabolização Renal Excreção 9 põe de programas de ajuda tão elaborados, motivo pelo qual são necessários a observação cuidadosa e o seguimento criterioso quando as prescrições envolvem sedativos, analgésicos, relaxantes neuromusculares, antibióticos, betabloqueadores e outros agentes. Os princípios gerais devem estar norteados no conhecimento de farmacologia clínica, na história pregressa cuidadosa, na busca de possíveis reações adversas, valorizando todas as informações disponíveis e restringindo ao mínimo necessário o número de fármacos na prescrição. De acordo com De Smith, o índice de reações tem uma relação direta com o número de fármacos administrados. Esta ocorrência seria de 4,2% para até cinco drogas administradas, saltando para 45% quando o total de agentes administrados ultrapassa 21 itens. Devido ao crescente avanço tecnológico e à complexidade de patologias que são atendidas atualmente em UTIs, é previsível que existam muitas interações evitáveis e outras absolutamente imprevisíveis. Didaticamente, podemos dividir as interações medicamentosas dos sedativos, analgésicos e relaxantes neuromusculares em físico-químicas, farmacocinéticas e farmacodinâmicas. As interações físico-químicas são decorrentes de armazenamento ou preparo inadequado ou da associação com outros agentes quimicamente incompatíveis. Algumas dessas incompatibilidades são relacionadas a seguir: • Tiopental + cetamina = inativação do sal resultante. • Tiopental + succinilcolina = inativação por hidrólise. • Propofol + ringer lactato = quimicamente incompatíveis. • Diazepam + furosemida = quimicamente incompatíveis. As interações farmacocinéticas ocorrem desde a administração até a chegada ao local de ação. Durante esse trajeto, os agentes podem sofrer modifi- 10 cações que alterarão o efeito final pretendido. Essas modificações podem ocorrer na absorção, na distribuição e no metabolismo: • 1) Absorção Anestésico local + epinefrina = maior tempo de duração do efeito. Anestésico local + hialuronidase = menor tempo de latência, para instalação de bloqueios oftálmicos. Anestésico local + bicarbonato de sódio = menor tempo de latência, para início da analgesia. Lidocaína 5% + prilocaína (EMLA) = creme para anestesia transdérmica. • 2) Distribuição: as possíveis interações no plasma dependem da fração livre, que tem ação efetiva Diazepam + heparina = aumento da hipnose por aumento da fração livre. Diazepam + bupivacaína = toxicidade por aumento da fração livre de bupivacaína. • Meperidina + bupivacaína = toxicidade por aumento da fração livre da bupivacaína. • Tiopental + contraste iodado = efeito hipnótico exacerbado. • Propofol + etomidato + fentanil = maior efeito hipnótico. • Morfina + esmolol = aumento da fração livre do betabloqueador. 3) Metabolismo: alteração da taxa de biotransformação dos agentes em compostos hidrossolúveis ativos ou inativos, por indução e/ou inibição enzimática no fígado • Meperidina + IMAO = hiperpirexia, rigidez muscular, convulsão e coma por aumento dos níveis de normeperidina circulantes. • Midazolam + fluconazol = maior duração do benzodiazepínico. • Midazolam + eritromicina = aumento da hipnose. • Tiopental + opióide + ciclosporina = potencialização do efeito do barbitúrico por bloqueio enzimático. • • • • Meperidina + rifampicina = menor duração analgésica por indução enzimática. Diazepam + cigarro (benzopireno) = diminui a meia-vida do benzodiazepínico. Diazepam + opióide + cimetidina = potencialização da sedação e da analgesia. Anticolinesterásico + hidrocortisona = inibição da neostigmina. Anticolinesterásico (neostigmina) + atropina = descurarização. Succinilcolina + ciclofosfamida, ou ecotiofato, ou IMAO, ou trimetafan, ou pesticida organofosforado, ou procaína, ou azatioprina, ou propranolol, ou metoclopramida = prolongam o efeito do curare por inibição da colinesterase. 4) Eliminação: alteração na taxa de excreção nos pulmões e nos rins • Fenobarbital + bicarbonato = aumento da eliminação por alcalinização. • Lidocaína + vitamina C = aumento da eliminação por acidificação. • Galamina ou alcurônio + diurético = excreção in natura do curare. • Galamina ou alcurônio + ácido acetilsalicílico ou ciclosporina = diminuição da excreção por disfunção renal. Do ponto de vista farmacodinâmico, o efeito final pode estar modificado por interações de duas ou mais substâncias, devido a mecanismos que envolvem receptores da membrana celular. • • • • • 1) Gerais Oxigênio a 100% + bleomicina = pneumonite. Morfina + anestésico local (AL) = prurido, retenção urinária, vômitos e bradipnéia/apnéia tardia. Anestésico local + cloreto de cálcio = diminuição da cardiotoxicidade do AL. Bupivacaína + aminoglicosídeos ou insulina ou halotano ou amiodarona = aumento da cardiotoxicidade do AL. Flumazenil + meperidina = aumento da toxicidade no SNC. 11 Quadro 4. Tipos de receptores opióides e os efeitos relacionados com sua ativação EFEITO Analgesia • • • • • • • • • • • • RECEPTORES µ/δ κ σ supra-espinal e espinal espinal - Depressão respiratória ++ + - Pupilar constrição - dilatação Motilidade gastrointestinal diminuição - - Espasmos da musculatura lisa ++ - - Comportamental euforia ++ sedação ++ disforia + sedação + disforia ++ efeito psicomimético Dependência física ++ + - 2) Anestésicos venosos Cetamina + propranolol = crise hipertensiva em pacientes suscetíveis. Cetamina + bloqueador neuromuscular adespolarizante = efeito prolongado. Cetamina + diazepam, ou midazolam, ou tiopental, ou droperidol = induzem a apnéia. Cetamina + cocaína, ou halotano, ou aminofilina = predisposição à arritmia cardíaca. Cetamina + enflurano = diminuição do limiar convulsivo. • • • • • 3) Opióides Opióides + naloxona, ou nalorfina, ou naltrexona = antagonismo. Nalbufina + outros opióides = efeito agonista fraco (antagonismo parcial). Fentanil + cloroprocaína espinhal = antianalgesia. Opióides + etomidato, ou midazolam, ou propofol, ou tiopental = potencialização da depressão respiratória. Alfentanil, ou fentanil, ou remifentanil, ou sufentanil + vecurônio, ou propranolol, ou verapamil = bradicardia. Alfentanil, ou fentanil, ou remifentanil, ou sufentanil + midazolam = hipotensão arterial. • 4) Benzodiazepínicos Benzodiazepínicos + flumazenil = antagonismo • • • • • • por mecanismo competitivo. Benzodiazepínicos + aminofilina ou fisostigmina = antagonismo inespecífico. Benzodiazepínico + hipnótico = potencialização da depressão do SNC. Midazolam + opióides = hipotensão arterial. Midazolam + fluconazol = potencialização do efeito hipnótico. Diazepam + prometazina + atropina = síndrome anticolinérgica. 5) Propofol Propofol + alfentanil, ou fentanil, ou remifentanil, ou sufentanil = predisposição à apnéia. Propofol + bloqueadores neuromusculares adespolarizantes = sinergismo. Propofol + epinefrina = predisposição à arritmia cardíaca. Propofol + hipotensores = potencialização da hipotensão arterial. 6) Etomidato Etomidato + opióides = apnéia e rigidez torácica. 7) Barbitúricos Tiopental + IMAO = potencialização do efeito hipnótico (inibição microssomal hepática). Tiopental + carbonato de lítio = potencialização da hipnose. 12 • • Tiopental + opióides = predisposição à apnéia. Tiopental + doxapram = antagonismo/diminuição do limiar convulsivante. Tiopental + alcoolismo agudo = potencialização da depressão do SNC. Tiopental + alcoolismo crônico = diminuição da depressão do SNC (indução enzimática). Tiopental + EDTA = depressão do músculo cardíaco. Tiopental + nitroprussiato de sódio = potencialização da hipotensão arterial. • 8) Bloqueadores neuromusculares despolarizantes (succinilcolina) • Succinilcolina + digital ou diurético tiazídico ou beta2-agonista (hipocalemia) = disritmia cardíaca. • Succinilcolina + betabloqueador, ou triantereno, ou espironolactona (hipercalemia) = arritmia cardíaca. • Succinilcolina + amiodarona = arritmia cardíaca. • Succinilcolina + BNMA = antagonismo. • Succinilcolina + ocitocina = potencialização do relaxamento muscular. • Succinilcolina + IMAO = apnéia prolongada (diminuição da colinesterase plasmática). • • • • • 9) Bloqueadores neuromusculares adespolarizantes (BNMA) • Vecurônio + opióides = bradicardia. • BNMA + opióides = potencialização da apnéia. • Pancurônio + halotano = disritmia cardíaca. • Mivacúrio + prostigmina = aumento da duração do relaxamento muscular. • BNMA + aminoglicosídeos, ou colistina, ou polimixina = aumento do relaxamento. • BNMA + dantrolene (< Ca++) = aumento do relaxamento. • BNMA + furosemida (< volemia) = aumento do relaxamento. • BNMA + anticonvulsivante (hidantoína, crise aguda) = aumento do relaxamento. • BNMA + digital (hipocalemia) = aumento do relaxamento. • BNMA + sulfato de magnésio = aumento do relaxamento. • • • • • BNMA + benzodiazepínico, ou propofol, ou tiopental = potencialização do relaxamento muscular. BNMA + nitroprussiato = maior intensidade de bloqueio (maior disponibilidade). BNMA + prostigmina = descurarização. BNMA + anticonvulsivantes (crônico) = menor relaxamento. BNMA + corticóide crônico = menor relaxamento (modificação na placa motora). BNMA + organofosforado = menor relaxamento (inibição da colinesterase). BNMA + carbonato de lítio = aumento da duração do bloqueio muscular. V – O AGENTE IDEAL O agente ideal, do ponto de vista conceitual, deve possuir as seguintes características: 1. Rápido início de ação. 2. Sedação adequada. 3. Rápido despertar. 4. Fácil administração. 5. Falta de acúmulo 6. Pouco ou nenhum efeito adverso. 7. Pouca ou nenhuma interação com outras drogas. 8. Baixo custo. Os critérios para o emprego de agentes destinados a promover sedação e analgesia devem obedecer aos seguintes preceitos gerais: 1. Aliviar o medo e a ansiedade. 2. Controlar os estados confusionais agudos. 3. Facilitar a ventilação mecânica. 4. Facilitar a realização de procedimentos. 5. Minimizar a resposta fisiológica ao estresse. VI – FARMACOLOGIA Os principais grupos de agentes utilizados em sedação e analgesia estão relacionados no Quadro 1. A seguir, descreveremos as características farmacológicas dos agentes sedativos e analgésicos dentro de cada grupo. Renal Hepática ½ - 1½ h ½-1h 5 - 15 min (IV) Imediato Narcan® Antagonista µ+++ δ++ κ++ Naloxona Renal Hepática 2-3h 6-8h 5 - 15 min (IV) Imediato Nubain® Nalbufina Antagonista Agonista µ+ κ ++ Renal Hepática 92 glicoproteína ácida α1 1½ h 30 - 60 min (50 µg/kg) 1 - 2 min (IV) Imediato Rapifen® Agonista potente µ+++ δ+ κ+ Alfentanila Renal/Biliar Hepática 85 3-4h 5 - 20 min (IV) 30 - 60 min (100 µg) Imediato Fentanil® Agonista potente µ+++ δ+ Fentanila Renal Hepática 65 3-4h 3-5h 5 - 20 min (IV) Imediato Dolantina® Demerol® Agonista potente µ++ δ+ κ+ Meperidina Renal Hepática 35 2-3h 4-6h 5 - 20 min (IV) 1 - 4 h (VO) Imediato Dimorf® MS long® Agonista potente µ+++ δ+ κ++ Morfina Renal Hepática 7 2-4h 4-6h ½-1h 20 - 30 min Tylex® Belacodid® Agonista fraco (associação) µ+ δ+ κ+ Codeína (VO) Renal Hepática 2-4h 4-6h ½ - 1½ h 20 - 30 min Sylador® Tramal® Agonista fraco µ+ δ+ κ+ Tramadol (IM) Ligação Metabolização Excreção protéica (%) Meia-vida plasmática Duração Pico Início Nome comercial Mecanismo de ação Nome farmacológico VI.1 – Sedativos e hipnóticos Receptor Quadro 5. Farmacocinética dos opióides mais utilizados em UTI 13 O propofol, os barbitúricos e os benzodiazepínicos são os representantes deste grupo (Quadro 2). Alquilfenol – Propofol Quimicamente, este agente não tem nenhuma semelhança com os demais. É um derivado fenólico (2,6 diisopropilfenol), liberado para uso em anestesia em 1989 pelo FDA. Recentemente, passou a ser empregado com bastante entusiasmo em sedação em UTI. É apresentado como emulsão aquosa branca e isotônica para uso exclusivo intravenoso. Farmacodinâmica: é um agente de curta duração e de rápido início de ação. Sistema nervoso central: o propofol reduz o fluxo sanguíneo cerebral, a pressão intracraniana e o metabolismo cerebral. Não se observou o fenômeno de hiperalgesia, descrito para o tiopental. A recuperação é rápida, com uma clareza notável do nível de consciência e com baixa incidência de náuseas e vômitos. Sistema cardiovascular: a queda da pressão arterial deve-se à diminuição da resistência periférica, ocorrendo melhor estabilidade dos parâmetros hemodinâmicos, quando comparados com o tiopental. Verifica-se elevação do limiar para arritmias cardíacas, mesmo na presença de adrenalina ou de halogenados. Seu emprego em pacientes hipovolêmicos ou com instabilidade hemodinâmica deve ser precedido pelo ajuste da volemia (procedimento válido para todos os agentes sedativos). Sistema respiratório: pode ocorrer depressão respiratória, que é dose-dependente, havendo uma janela clínica para o emprego de sedação consciente sob ventilação espontânea. Sistema gastrointestinal: não foram observadas alterações da secreção gástrica ou da motilidade intestinal com o uso do propofol. A menor incidência de náuseas e vômitos parece estar relacionada com efeito antiemético, intrínseco desse agente. Farmacocinética: após dose de 2 mg/kg ocorre 14 uma queda rápida da concentração plasmática (meia-vida de 2 a 4 minutos), seguida de rápida eliminação (de 30 a 60 minutos). O propofol tem um elevado volume de distribuição e uma elevada depuração (1,5 a 2 litros/ minuto). Metabolização: ocorre no fígado, formando compostos inativos. Excreção: urinária. Cuidados especiais: pacientes debilitados, hipovolêmicos, com insuficiência cardíaca ou hepática devem ter as dosagens revisadas. Considerando-se que 1 ml de propofol contém 0,1 g de lipídios, devemos monitorizar os níveis séricos, principalmente em pacientes com disfunções do metabolismo das gorduras ou que recebem dieta com lipídios. Se a emulsão contiver EDTA como conservante, deve-se levar em conta a possibilidade de reposição de zinco, se houver emprego prolongado do agente, principalmente nos pacientes com predisposição à deficiência desse oligoelemento, tais como sépticos, diarréicos e queimados graves. Pacientes obstétricas: devido ao fato de o propofol atravessar a barreira placentária, não é recomendado seu emprego em técnicas de sedação que antecedam o parto. Reações adversas: reações leves como eritemas podem ocorrer, e os relatos de reações anafiláticas são extremamente raros. Para sedação em UTI, recomenda-se o uso em infusão contínua nas dosagens de 0,3 a 4 mg/kg/h, considerando-se o estado físico do paciente (classificação da ASA) e o nível desejado da sedação (escala de Ramsay e/ou BIS). Administrações em bolus podem ser empregadas para a realização de exames e/ou procedimentos, como por exemplo cardioversões elétricas, endoscopias, drenagens de tórax, de abscessos e outros. Nesses casos, doses de 1 a 2 mg/kg, observando-se a velocidade de infusão de 20 a 40 mg a cada 10 segundos, de acordo com o estado físico do paciente, geralmente são suficientes para a obtenção da sedação desejada. Doses adicionais podem ser necessárias a cada 5 minutos. Segundo os mesmos princípios dos outros agentes, o aumento da idade e da classificação da ASA é inversamente proporcional às dosagens administradas. Barbitúricos O tiopental foi introduzido na prática clínica por Lundy, em 1935. Outros barbitúricos de ação ultracurta foram adotados posteriormente e, dentre esses, incluem-se o meto-hexital sódico e o tiamilal sódico. Após a administração de uma dose de tiopental, observa-se a perda de consciência em 10 a 20 segundos (tempo de circulação braço-cérebro). O pico plasmático máximo é atingido em 40 segundos e a consciência restabelecida após 20 a 30 minutos. Ao despertar, a concentração plasmática é cerca de 10% do valor máximo. A meia-vida plasmática, no período de distribuição, é em torno de 3 minutos. Quando ocorre uma ampla redistribuição para todos os tecidos, principalmente gordura, a queda da concentração plasmática é mais lenta. Após a administração de doses adicionais ou a infusão contínua desse agente, a recuperação ocorre lentamente e pode demorar muitas horas. O tiopental é metabolizado devagar no fígado. No entanto, esse não é o único fator para a recuperação lenta, destacando-se a ligação protéica e as alterações da fração não-ionizada e do fluxo sanguíneo nos reservatórios gordurosos. A excreção é renal, após metabolização hepática. Cerca de 25% do fenobarbital pode ser excretado na urina de forma inalterada. Sistema nervoso: os barbitúricos deprimem de forma gradual e reversível todos os tecidos excitáveis. Possuem também efeitos euforizantes, e doses baixas podem induzir hiperalgesia. A ação anticonvulsivante, encontrada no fenobarbital, não é seletiva nos demais. Observa-se queda do fluxo sanguíneo cerebral, depressão do centro respiratório e depressão de forma seletiva dos gânglios autonômicos. É possível 15 Quadro 6. Equivalência das doses dos opióides em relação à morfina AGENTE VIA ORAL (mg) VIA INTRAMUSCULAR (mg) Morfina (sulfato) 60 10 Meperidina (HCI) 300 75 Codeína (fosfato) 200 130 Sufentanila (HCI) Tramadol Fentanila (citrato) 0,02 100 100 0,1 HCI = cloridrato ocorrer efeito paradoxal com excitação e delírio em alguns pacientes. Sistema cardiovascular: podem promover hipotensão arterial e/ou arritmias cardíacas na presença de adrenalina, halotano ou colapso cardiocirculatório nos pacientes com reserva cardíaca diminuída. Trato gastrointestinal: a diminuição da motilidade gástrica ocorre por ação central e é dose-dependente. Fígado: promovem indução enzimática, principalmente com o uso crônico. Rim: causam diminuição da filtração renal, observando-se oligúria grave nos casos de intoxicação. Reações alérgicas: pacientes com história de asma, urticária ou angioedema são mais suscetíveis. Outros efeitos: devido ao fato de os barbitúricos aumentarem a síntese de porfirina, estão formalmente contra-indicados aos pacientes portadores de porfiria aguda intermitente. Benzodiazepínicos O clordiazepóxido foi o primeiro agente deste grupo. Era utilizado para o tratamento da ansiedade no final da década de 50. Atualmente, a lista de benzodiazepínicos disponíveis para uso clínico é composta por dez derivados. Seguindo a ordem de introdução, temos: clordiazepóxido, diazepam, oxazepam, clorazepato, lorazepam, prazepam, alprazolam, halazepam, clonazepam e midazolam. Devemos destacar a maior eficácia anticonvulsivante do clonazepam, assim como sua aplicação para o tratamento da síndrome do pânico. Embora todos os derivados tenham como resultado um marcante efeito ansiolítico, esses agentes têm sido empregados em UTI, em larga escala, como sedativos, hipnóticos e anticonvulsivantes. Outros efeitos atribuídos aos BZD são o relaxamento muscular e a amnésia anterógrada. Dos BZD conhecidos, o diazepam e o midazolam são os mais utilizados. Farmacocinética: tanto o diazepam quanto o midazolam são bem absorvidos por via oral e atingem o pico plasmático em torno de 1 hora. Devido à sua maior hidrossolubilidade, o midazolam é mais bem absorvido por via intramuscular. A injeção intravenosa do diazepam causa algum desconforto devido à sua menor hidrossolubilidade. Após uma injeção de 0,5 mg/kg de diazepam, ocorre rápida distribuição para o cérebro, mas, devido ao seu elevado volume de distribuição, o efeito hipnótico não é imediato. A meia-vida de eliminação do diazepam é de 30 a 40 horas; e a do midazolam, de 1,5 a 2,5 horas. A alta ligação protéica (95%) pode ser um fator limitante ao emprego da diálise para o tratamento das intoxicações. A metabolização é preferencialmente hepática e os metabólitos ativos (nordazepam) às vezes prolongam os efeitos por muitas horas. Excreção: pode ser lenta, considerando-se o elevado volume de distribuição desses agentes. Sistema nervoso: os BZD exercem depressão central sobre os reflexos medulares, elevam o limiar convulsivo e são anticonvulsivantes. A descoberta de locais específicos no cérebro, notadamente no sistema límbico, no cerebelo e no córtex cerebral, tem como principal fator a interação com o ácido gama-aminobutírico (GABA), responsável pela neurotransmissão inibitória na região anterior do cérebro. Pesquisas eletrofisiológicas demonstraram que os BZD potencializam os efeitos inibitórios mediados pelo GABA. 16 Quadro 7. Efeitos colaterais dos agentes opióides Agentes Obstipação Náuseas Retenção urinária Dependência Outros Codeína +++ +++ ++ + - Tramadol + + - - - Meperidina ++ ++ ++ +++ Disforia / Convulsões Morfina ++ ++ +++ +++ Hipotensão Fentanila ++ + ++ - - Nalbufina - - - - Sedação Embora os BZD aumentem o tempo de duração do sono, ocorre a supressão da fase REM, o que pode ser útil para o tratamento de terrores noturnos. Sistema respiratório: doses hipnóticas exercem pouco efeito em indivíduos normais. Pacientes debilitados ou aqueles submetidos a dosagens elevadas podem necessitar de assistência ventilatória. Sistema cardiovascular: em pessoas com a função cardíaca comprometida, pode ocorrer redução de mais de 20% da pressão arterial, com aumento reflexo da freqüência cardíaca. Isso se deve principalmente ao efeito bloqueador alfadrenérgico do midazolam e à depressão miocárdica do diazepam, sendo este último efeito atribuído ao aumento de adenosina intersticial. Trato gastrointestinal: os BZD reduzem a secreção gástrica e melhoram os distúrbios gastrointestinais oriundos do estresse. Efeitos adversos: distúrbios cognitivos, descoordenação motora, turvação visual e amnésia anterógrada podem ser potencializados pelo etanol. Devido à possibilidade de efeitos paradoxais, tais como pesadelos, irritabilidade, euforia, sudorese, taquicardia e síndrome de abstinência, alguns autores sugerem a retirada gradual desses agentes, principalmente após tratamento prolongado. VI.2 – Analgésicos As enzimas ciclooxigenase 1 (cox-1) e ciclooxigenase 2 (cox-2) estão intimamente relacionadas com as sínteses de prostaglandinas e tromboxano. A inibição da cox-2 está relacionada às ações analgésica, antipirética e antiinflamatória. A inibição da cox-1 pode levar ao aparecimento de úlceras gástricas e outros efeitos colaterais indesejáveis. Analgésicos, antipiréticos e antiinflamatórios são um grupo heterogêneo de compostos que têm a Aspirina® como principal representante (Quadro 3). Salicilatos Os salicilatos foram empregados pela primeira vez em 1875, para o tratamento da febre reumática e como antipirético. Em sedação e analgesia, esse grupo tem sido usado para tratamento de cefaléia, artrite, mialgia e neuralgia e como coadjuvante no tratamento da dor, diminuindo os efeitos inflamatórios, do estresse endócrino-metabólico e aumentando a ação dos analgésicos mais potentes, principalmente os opióides. As dosagens adequadas do AAS, tanto para analgesia quanto para tratamento da febre, variam de 300 a 600 mg a cada 4 horas, por via oral, não ultrapassando 3,5 g por dia. Toxicidade dos salicilatos: doses agudas acima de 10 g de Aspirina® podem causar a morte em adultos. A intoxicação crônica geralmente vem acompanhada de tontura, cefaléia, dificuldade auditiva, redução da visão, confusão mental, sonolência, sudorese, sede, náusea, vômito e diarréia. Casos mais graves podem evoluir para convulsões e coma. 17 Quadro 8. Farmacocinética dos neurolépticos mais utilizados em UTI Grupo Nome farmacológico Nome comercial Início (min) Clorpromazina Amplictil® (IV) 30 Piperidinas Tioridazina Melleril® (VO) Butirofenonas Droperidol Droperidol® (IV) Haloperidol Haldol (IM) Pico Meia-vida Ligação Metabolização Excreção (%) (h) (horas) protéica (%) Fenotiazinas Alifáticos ® 2-4 20 - 40 95 - 98 Hepática Renal / Biliar 2-4 10 95 Hepática Fecal (60) Renal (40) 3-4 - 20 - 40 - Hepática Renal / Biliar 10 - 30 - 10 - 40 92 Hepática Fecal (60) Renal (40) Acetaminofeno É um analgésico derivado do alcatrão. Tem efeitos analgésicos e antipiréticos e ação antiinflamatória muito fraca. As dosagens de 300 a 1.000 mg em intervalos de 6 horas são recomendadas, não ultrapassando um total de 4.000 mg/ dia em adultos. Toxicidade: não são relatados casos de sensibilidade cruzada no uso com salicilatos. Embora bem tolerado, as reações tóxicas do acetaminofeno costumam ser graves, principalmente com necrose hepática e necrose tubular aguda, dose-dependente. Doses agudas acima de 20 g podem ser fatais. Os sintomas de intoxicação aguda, nas primeiras 24 horas, são náuseas, vômitos, anorexia e dor abdominal. Os sinais e sintomas de lesão hepática costumam aparecer após dois a quatro dias da ingestão do medicamento, com elevação das enzimas hepáticas, aumento das bilirrubinas e aumento do tempo de protrombina. Devido à importância dos efeitos analgésicos e antiinflamatórios intrínsecos, aliados à disponibilidade das apresentações parenterais, daremos destaque a três compostos mais empregados nos protocolos de sedação e analgesia: diclofenaco, cetoprofeno e tenoxicam. Diclofenaco Em comparação com os salicilatos, seus efeitos analgésicos e antitérmicos são mais proeminentes. A absorção é rápida, a meia-vida plasmática é de 1 a 2 horas, com elevada ligação protéica (99%). Metabolização: hepática, via sistema microssomal. Excreção: urinária (65%) e biliar (35%). Dosagens: estão disponíveis as apresentações orais, liberação enteral lenta e intramuscular. O uso de 50 a 75 mg por via muscular a cada 8 horas tem sido recomendado para o tratamento de mialgias, dores articulares, tendinites, bursites ou dor pósoperatória. A administração venosa é proscrita, e uma única dose de 50 a 75 mg pode levar a parada cardíaca. Efeitos colaterais: é bastante conhecida sua capacidade irritativa do trato gastrointestinal, assim como sua toxicidade hepática pode ocasionar o aparecimento de úlceras. Muitos pacientes têm o tratamento interrompido devido a reações colaterais. A injeção intramuscular pode ocasionar lesões neurológicas periféricas e necrose de pele no local da aplicação. Cetoprofeno É um inibidor da ciclooxigenase, derivado do ácido propiônico. Antagoniza as bradicininas e estabiliza as membranas lisossômicas. Farmacocinética e metabolismo: é rapidamente absorvido, atingindo concentrações plasmáticas máximas em 2 horas, com meia-vida de igual período e elevada ligação protéica (99%). Metabolização e eliminação: é conjugado ao ácido glicurônico no fígado e eliminado pelos rins. 18 Dosagens: estão disponíveis as apresentações oral, parenteral e retal. O emprego intravenoso tem sido útil no tratamento da dor pós-operatória, com dose inicial de 100 mg (infusão lenta = 15 a 30 minutos), seguida de 60 mg em intervalos de 8 horas. Pacientes com função renal comprometida, retenção hídrica ou acima de 60 anos deverão ter esses parâmetros monitorados, com ajuste da dosagem ou interrupção do tratamento. Tenoxicam Pertence ao grupo dos ácidos enólicos e é um dos derivados do oxicam. Apresenta notável ação analgésica, antiinflamatória e antitérmica. Mecanismo de ação: inibe a síntese de prostaglandinas e a ativação de neutrófilos na presença de subprodutos da ciclooxigenase. Farmacocinética e metabolismo: é totalmente absorvido por via oral, atingindo concentração plasmática máxima em 2 a 4 horas, com importante circulação enteroepática, alta ligação protéica (99%), meia-vida plasmática elevada e metabolização hepática. Excreção: principalmente na urina e nas fezes. Terapêutica: devido à elevada meia-vida plasmática, doses de 20 a 40 mg IV ou IM a cada 12 horas conferem concentrações plasmáticas adequadas. Opióides Estes são os principais compostos empregados no tratamento da dor. Desde a descoberta da papoula, por Theophrastus, no século III a.C., muitos agentes foram sintetizados e colocados em uso. Recentemente, o emprego de bombas de infusão contínua, possibilitando a liberação de dosagens adicionais acionadas pelo paciente (PCA), tem propiciado um controle bastante confortável e individualizado no tratamento da dor. Em 1806, a morfina foi a primeira substância pura a ser isolada, a partir de mais de vinte alcalóides do ópio, dando origem a outros compostos sintéticos, como a meperidina e a metadona, por ocasião da Segunda Guerra Mundial. O termo “narcótico”, derivado do grego, significa torpor e foi associado no passado a toda droga que induzia ao torpor ou ao sono e posteriormente aos opiáceos potentes. Atualmente, o termo tem sido empregado em um contexto mais amplo, no que concerne ao consumo abusivo de drogas. Considera-se inadequado o emprego do termo “narcose” para definir graus de sedação e analgesia. Com a descoberta dos receptores opióides µ (mu), κ (kappa), δ (delta) e σ (sigma) no SNC, foi possível entender melhor os fenômenos de especificidade e otimização dos compostos nas diferentes vias de administração (Quadro 4). Devido a essas descobertas, os opióides podem ser administrados por via epidural, subdural, venosa, muscular, transdérmica ou oral, de acordo com as necessidades (Quadro 5). Embora existam muitos derivados disponíveis, a morfina continua sendo o mais efetivo para o tratamento da dor, embora alguns efeitos colaterais justifiquem o emprego de outros opióides (Quadro 6). Propriedades farmacológicas: de maneira geral, os opióides produzem seus efeitos principais através dos receptores µ. Os efeitos gerais incluem analgesia, sonolência, alterações do humor, depressão respiratória, diminuição da peristalse gastrointestinal, náusea, vômito e alterações nos sistemas nervoso autônomo e endócrino. Mecanismos de ação: a analgesia deve-se a ações em vários locais do SNC, medulares e supramedulares. São descritos três mecanismos envolvidos: 1. A morfina e outros opióides agonistas µ inibem os reflexos nociceptivos no corno dorsal da medula. 2. Os receptores opióides das terminações de nervos aferentes primários inibem a liberação de neurotransmissores, incluindo a substância P. 3. A morfina antagoniza os efeitos da substância P exógena, por ações inibitórias pós-sinápticas dos neurônios que levam a informação nociceptiva aos centros superiores. 19 Quadro 9. Comparação dos efeitos entre os principais neurolépticos Grupo Alifáticos Piperidinas Butirofenonas Benzamidas modificadas Nome farmacológico Extrapiramidal Sedação Anticolinérgico Hipotensão Clorpromazina ++ +++ +++ +++ Tioridazina + +++ +++ ++ Droperidol +++ ++ ++ ++ Haloperidol +++ + + +++ Sulpirida + + + - Efeitos no SNC Rigidez muscular: ocorre com mais freqüência com altas dosagens ou injeção rápida, mas pode acontecer também com dosagens baixas. Uma forma útil de evitar esse efeito é a administração lenta do opióide, precedida de uma dose hipnótica ou subipnótica de midazolam ou propofol. • Hipotálamo: os opióides modificam o ponto de equilíbrio dos mecanismos termorreguladores do hipotálamo, levando à diminuição da temperatura inicialmente. No entanto, após exposição e dosagens elevadas, levam à hipertermia. • Neuroendócrinos: os opióides diminuem a liberação do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) e o fator liberador de corticotropina (CRF), diminuindo as concentrações de LH, FSH, ACTH e das betaendorfinas. • Miose: a contração da pupila é devida à ação excitatória parassimpática do respectivo nervo. Sistema respiratório: a depressão acontece por ação direta nos centros respiratórios do tronco cerebral e progride com o aumento da dosagem. Ocorre, de início, diminuição da freqüência e posteriormente do volume corrente. O reflexo da tosse também é diminuído ou abolido. Sistema cardiovascular: a morfina induz a liberação de histamina, levando a diminuição da resistência periférica e a taquicardia reflexa com pouco reflexo no desempenho cardíaco. Os opióides sintéticos, como alfentanil, fentanil, remifentanil e sufentanil, não promovem alterações cardio• circulatórias importantes, em doses clínicas, e por isso são mais indicados para pacientes cardiopatas. Trato gastrointestinal: a morfina diminui a secreção de ácido clorídrico e a motilidade gástrica e intestinal, promovendo aumento da tensão do esfíncter de Oddi. As náuseas e os vômitos são devidos à ação direta dos opióides em quimiorreceptores na “zona do gatilho”. Os efeitos colaterais dos agentes opióides estão demonstrados no Quadro 7. Tolerância e dependência física: todos os opióides levam a tolerância e dependência física; no entanto, esse fato geralmente está relacionado aos efeitos analgésicos benéficos desses agentes. A retirada dos opióides, com redução de 50% da dose em dias alternados, pode evitar a síndrome de abstinência, e, portanto, seu emprego para o alívio da dor aguda ou crônica deve sempre levar em conta os benefícios inerentes à terapêutica. Farmacocinética e farmacodinâmica: os opióides são rapidamente absorvidos, ressaltando-se as diferenças quanto à lipossolubilidade ou hidrossolubilidade conferidas aos agentes. A morfina é hidrossolúvel e os compostos sintetizados posteriormente são lipossolúveis. Essa propriedade confere diferenças na habilidade do opióide de atingir concentrações adequadas no SNC. Dessa forma, os agentes mais lipossolúveis (fentanil) têm início de ação mais rápido e tempo de duração mais curto; os agentes hidrossolúveis (morfina) têm início mais lento e duração mais longa. Renal (10-25) Hepática/Biliar (75-90) 0,8 - 2 Hepática/Plasmática - Renal (< 30) Hepática/Biliar (20-40) Hepática/Biliar (>70) Renal (60-80) Plasmática (70-90) 4 - 12 8 - 12 Renal (10-30) Hepática (10-40) 10 - 15 Renal (60-90) Via de Hofmann (97) 2-4 Renal (3) Via de Hofmann (97) 4 - 12 Renal (3) Hepática (10-40) - Renal (60-90) Metabolização (%) Infusão contínua (µg/kg/min) 20 - 40 0,1 - 0,15 Adespolarizante Vecurônio 2-3 3-5 1 Despolarizante Succinilcolina <1 45 - 75 0,6 - 1 Adespolarizante Rocurônio 1 - 1½ > 150 0,08 - 0,12 Adespolarizante Pancurônio 3-4 25 - 30 0,15 - 0,25 Adespolarizante Mivacúrio 1½ - 2½ > 130 4-6 Adespolarizante Galamina 2-3 20 - 30 0,06 - 0,15 Adespolarizante Cisatracúrio 2-3 20 - 30 0,40 - 0,60 Adespolarizante Atracúrio 2-3 > 150 0,20 - 0,30 Adespolarizante Alcurônio 2-3 Tempo de ação (minutos) Dose inicial (mg/kg) Início de ação (minutos) Metabolização e eliminação: o efeito de primeira passagem no fígado determina uma significativa diminuição (25%) da biodisponibilidade, a partir de uma dose oral. A morfina tem baixa ligação protéica (33%), mas os outros derivados apresentam ligação superior a 80%. Toxicidade: deve ser ressaltada a possibilidade de excitação do SNC pela normeperidina (metabólito da meperidina), ocasionando tremores, abalos musculares, crises convulsivas e outras reações citadas anteriormente no tópico “Interações medicamentosas”. Considerando-se a grande variação das dosagens dos opióides e a freqüente associação aos agentes hipnóticos e sedativos, estaremos fazendo a associação das dosagens no próximo fascículo, em “protocolos desenvolvidos pelo autor”. VI.3 – Antipsicóticos e neurolépticos Tipo de ação Agente Quadro 10. Farmacocinética dos principais relaxantes neuromusculares usados em UTI Excreção (%) 20 De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o CID-10 define como Transtorno Mental Orgânico (TMO) as doenças que atingem o cérebro. Esses transtornos orgânicos podem ser divididos em primário, quando acometem diretamente o cérebro, e secundário, quando o cérebro é um dos órgãos acometidos. Os princípios gerais de avaliação do nível e do conteúdo da consciência já foram discutidos no fascículo I. No Quadro 8, demonstramos a farmacocinética dos neurolépticos mais utilizados em UTI e no Quadro 9 comparamos os efeitos entre os principais representantes do grupo. VI.4 – Relaxantes neuromusculares No fascículo I, foram apresentadas as indicações e os mecanismos de ação dos relaxantes neuromusculares em seus sítios de ação. Devem-se considerar algumas propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas dos relaxantes neuromusculares, no tocante a distribuição, biodisponibilidade, metabolização e excreção. 21 Distribuição: ao contrário dos agentes hipnóticos e dos analgésicos, os relaxantes neuromusculares têm um baixo volume de distribuição, sendo o conteúdo intravascular do paciente o sítio predominante de sua permanência no organismo, até sua metabolização e excreção. Suas ações estão estritamente relacionadas à volemia do paciente. Biodisponibilidade: alterações metabólicas e da temperatura têm grande influência na biodisponibilidade dos relaxantes neuromusculares. Estados de acidemia e hipotermia diminuem o efeito desses agentes. Contudo, a hipotermia pode potencializar o efeito dos relaxantes neuromusculares nos pacientes que receberam o agente antes da instalação da hipotermia. Metabolização e excreção: com exceção da succinilcolina, do atracúrio, do cisatracúrio e do mivacúrio, os demais agentes desse grupo têm metabolização hepática e excreção renal. A succinilcolina e o mivacúrio são metabolizados pela colinesterase plasmática, e a eliminação de seus metabólitos inativos ocorre por via renal. Cerca de 97% do atracúrio e do cisatracúrio são metabolizados no plasma por um mecanismo conhecido como “eliminação de Hofmann”. Esse mecanismo ocorre exclusivamente no plasma em condições fisiológicas de pH e temperatura. Os restantes 3% são eliminados por via renal. Esse processo resulta em dois metabólitos, a laudanosina e o monoacrilato, que estão relacionados com a diminuição do limiar convulsivo. Monitorização do bloqueio neuromuscular: o emprego de métodos de monitorização pode evitar os possíveis bloqueios permanentes, devido ao uso prolongado desses agentes. Embora a capacidade do paciente em realizar tarefas como protruir a língua, elevar a cabeça e fletir o braço sobre a cabeça forneça informações úteis no tocante à reversão do bloqueio, a manutenção do relaxamento muscular, principalmente prolongado, necessita de monitorização específica, evitando-se altas dosagens e suas possíveis complicações. Dentre os métodos de monitorização disponí- veis, a estimulação de nervos periféricos tem sido empregada com freqüência em anestesias e sua aplicação é crescente em UTIs. Tecnicamente, qualquer nervo periférico pode ser estimulado com esse método. No entanto, devido à facilidade de manuseio, o estímulo do nervo ulnar é o recurso que vem sendo mais utilizado, tendo-se como controle a adução do polegar. São empregados vários padrões de estímulos elétricos, a saber: tetânico, seqüência de quatro estímulos (TOF) e double burst (DB). O estímulo tetânico é pouco tolerado pelos pacientes, estando o TOF e o DB mais indicados na monitorização e verificação de fadiga muscular. Embora o DB ofereça maior acuidade, o TOF tem sido o método mais aplicado na prática, devido à facilidade de leitura e à aceitação dos pacientes. No Quadro 10 estão relacionadas as principais características dos relaxantes neuromusculares atualmente empregados. No Fascículo III apresentaremos os protocolos desenvolvidos pelos autores, assim como alguns casos clínicos relacionados aos tópicos apresentados, os cuidados na utilização concomitante dos anestésicos locais e algumas particularidades referentes aos anestésicos gerais. Referências Bibliográficas 1. Knobel E. Condutas no Paciente Grave. 2º edição. São Paulo, Editora Atheneu, 1998. 2. Graeff F. G. e Brandão M. L. Neurobiologia das Doenças Mentais. 4º edição. São Paulo, Lemos Editorial, 1997. 3. Duus P. Diagnóstico Topográfico em Neurologia. 4º edição. 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