1 3 Cinemática dos Meios Contínuos 3.1 Conceito de velocidade de partícula de fluido, Derivadas Euleriana e Lagrangeana r v A velocidade de uma partícula de coordenadas Lagrangeanas R é dada por: t R ou seja pela derivada do vetor posição r em relação ao tempo para uma certa partícula fixa R . O campo vetorial da velocidade (escoamento) admite as descrições Euleriana e Lagrangeana confome as variáveis independentes em que se exprime o campo: Descrição Euleriana: v v t , r ; Descrição Lagrangeana: v v t , R 3.1 Na descrição Euleriana v v t, r é a velocidade da partícula de fluido que no instante t passa no ponto r do espaço. Por esse ponto passam diferentes partículas ao longo do tempo, exceto no caso do repouso. Na descrição Lagrangeana v v t , R é a velocidade no instante t da partícula de posição inicial R e corresponde à noção de velocidade de uma partícula material da mecânica. Por exemplo uma bóia derivante no oceano pode associar‐se a uma partícula à escala do movimento oceânico, isto é desloca‐se como uma partícula de fluido. A sua velocidade é a de uma partícula fixa e portanto é caracterizada por uma velocidade na descrição Lagrangeana. Já a velocidade fornecida por um anemómetro (medidor da velocidade do vento) e catavento (fornece a direção e sentido do vento) dá‐nos a velocidade na descrição Euleriana. Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 2 Derivada Euleriana, local ou espacial de uma grandeza tensorial A Certas propriedades A podem variar de ponto para ponto e de instante para instante num fluido em movimento (ex. pressão, temperatura, velocidade, densidade etc.). É portanto importante calcular as taxas de variação e gradientes dessas propriedades. Assim tem‐se: A t , r A : derivada Euleriana ou local ou tendência tr t 3.2 Esta derivada parcial representa a taxa de variação de A num ponto fixo do espaço ou seja a coordenadas Eulerianas fixas r . Derivada Lagrangeana, material ou substancial de uma grandeza tensorial A A t , R DA t R Dt : derivada Lagrangeana 3.3 Esta derivada representa a taxa de variação de A numa dada partícula fixa ou seja a coordenadas Lagrangeanas fixas R . Ex. Se A for a temperatura T e a partícula de fluido estiver a aquecer, então a derivada Lagrangena DT/dt é positiva. Usa‐se para tal o símbolo ‘D’ (D maiúsculo) que representa derivada material ou Lagrangeana. Teorema: Se R e r forem invertíveis e diferenciáveis tem‐se a seguinte relação que permite relacionar uma derivada Euleriana com a derivada Lagrangeana. A relação recorre à expressão da derivada com transformação de variáveis. DA A A r A A N xi A A xi A Dt t R tr t R rt tr i 1 t R xi tr t R xi vi A A A vi v A v A tr xi t t Operador advectivo Operador derivadalocal 3.4 Na expressão os operadores operam sobre a grandeza A. Um operador é uma operação que transforma uma função (ex. campo) noutra função (ex. operador derivada). Admite‐se a representação das variáveis espaciais na forma: x=x1, y=x2, z=x3 e idênticamente para as velocidades: vx=v1, vy=v2, vz=v3. O valor N da dimensão pode N=1,2 ou 3. Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 3 Usou‐se a convenção de Einstein: A expressão de um produto com dois índices iguais subentende‐se como N o somatório desse produto fazendo percorrer todos os valores desses índices, (ex: a b ai bi ai bi i 1 (produto interno dos vetores a e b iguala a soma dos produtos das componentes). Dois índices iguais, sobre o qual se executa o somatório são índices mudos e dizem‐se índices contraídos. Os índices não mudos de uma expressão indicial (com índices) dizem‐se índices fixos ex: N a Tˆ aiTij aiTij (Conv. de Einstein) j i 1 i é índice contraido, j índice fixo A decomposição anterior 3.4 permite exprimir a tendência local como: A DA Tendência local v A t Dt Taxa de variação na partícula + Advecção 3.5 Vários casos especiais são possíveis anulando um dos três termos: A 0 : A é estacionário t DA 0 : A é um invariante material ou Lagrangeano (conserva-se cte. na partícula) Dt v A 0 : Advecção nula de A pelo escoamento 3.6 O operador advetivo v que opera sobre o campo A é o produto interno entre o vetor velocidade e o operador gradiente, o qual se comporta, ou opera como um vetor. Em coordenadas cartesianas a velocidade e o operador gradiente ou nabla ( ) representam‐se respetivamente por: v vx ex v y e y vz ez v1e1 v2 e2 v3e3 vi ei ( pela convenção de Einstein ) ex ey ez e1 e2 e3 ei ( pela convenção de Einstein) x y z x1 x2 x3 xi 3.7 As componentes de são as operadores de derivadas parciais espaciais. O produto interno entre dois vetores é a soma dos produtos das componentes e portanto o operador advetivo é dado nas seguintes formas possíveis (a última com recurso à convenção de Einstein): Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 4 v v vx vy vz v1 v2 v3 vi x y z x1 x2 x3 xi 3.8 No caso de escoamento bidimensional, a velocidade tem apenas duas componentes sendo a terceira nula (por exemplo v3=vz=0). Nesse caso o termo advetivo reduz‐se à soma de duas parcelas ou seja: v v vx vy v1 v2 vi x y x1 x2 xi Propriedades da advecção v A de A pelo campo de velocidade v A advecção representa a contribuição para a taxa local A/t associada ao transporte da grandeza A pelo fluido em escoamento. A advecção é nula em três possíveis situações: 1) repouso v 0 2) A é um campo homogéneo ou uniforme ou seja o seu gradiente é nulo: 3) A velocidade v é ortogonal a isosuperfícies em 3D). A 0 A ou seja v é tangente aos iso‐domínios de A (isolinhas em 2D, A adveção é positiva se a velocidade maiores valores. A adveção é negativa se a velocidade v transportar (advetar) propriedade A de locais onde A toma v transportar (advetar) propriedade A de locais onde A toma menores valores. A figura mostra um caso de advecção positiva de A porque a velocidade cruza isolinhas decrescentes de A. O gradiente é por definição ortogonal às isolinhas. Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 5 A advecção é positiva se [0,/2[ , máxima positiva se =0, negativa se ]/2,], máxima negativa se P vdt =. A partícula desloca‐se de para P . A advecção tem N contribuições onde N=dimensão do espaço, podendo assim obter‐se a adveção horizontal e vertical (ou convecção): A A A A v A vx vy vz vH H A v z x y z z onde v vH vz ez vel. horizontal + vel. vertical 3.10 A quantidade A pode ser um campo vetorial (ex. velocidade do escoamento) ou tensorial em geral. O gradiente de um tensor de uma ordem p (p índices diferentes) é um tensor de ordem p+1 (p+1 índices diferentes). A advecção de um tensor é um tensor da mesma ordem. O produto interno é à esquerda: v A A v Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 6 Neste caso há compensação entre a adveção e a tendência local de forma de DA/Dt=0. Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 7 3.2 Deslocamentos finitos num meio contínuo Consideremos um meio contínuo. O deslocamento de uma partícula com posição inicial R desloca‐se para o vetor posição r R u onde u é o deslocamento. Tensor gradiente dos deslocamentos Os deslocamentos podem diferir entre partículas. Seja u u( R R) u( R) a diferença de deslocamentos entre duas partículas inicialmente vizinhas, nas posições R R e R . A análise de u permitirá saber se o meio sofreu translação ( u 0 ), rotação ou ainda deformação. Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 8 Se os pontos vizinhos distarem inicialmente de um pequeno vetor R , então a diferença de deslocamentos u é também pequena e portanto podemos encará‐la como uma diferencial e exprimi‐la recorrendo ao operador gradiente. O diferencial vetorial u escreve‐se na notação vetorial e em coordenadas respetivamente por: u R R u ui X k ; ui ( pela convenção deEinstein) X k 3.11 onde se executou o produto interior (soma dos produtos nos índices contíguos (lado a lado) ) entre o vetor R e o tensor R u de componentes ui R u i , k X k O tensor de 2ª ordem R u é o tensor gradiente dos deslocamentos em relação às coordenadas materiais ou Lagrangeanas. Num meio contínuo em movimento, o deslocamento u é variável no tempo e depende da posição inicial R . A velocidade v é dada pela derivada material do deslocamento ou do vetor posição: Dr Du r v Dt Dt t R 3.12 A diferença de velocidades entre partículas vizinhas distando inicialmente de R é: D Du v R R v R R R R u Dt Dt 3.13 A expressão anterior mostra que O tensor gradiente das velocidades R v nas variáveis Lagrangeanas é a taxa de variação na partícula (D/Dt) do tensor gradiente dos deslocamentos. Exemplos em movimentos 1D: 1‐ Translação pura à velocidade constante v0: x=X+v0t=X+u velocidade : v x u v v0 ; gradiente do deslocamento : 0 ; gradiente da velocidade : 0 t X X t X t 2 ‐ Movimento uniforme com taxa relativa de expansão linear k: x=X+kXt=X+u velocidade : v x u v kX ; gradiente do deslocamento : kt ; gradiente da velocidade : k t X X t X t Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 9 3.3 Deslocamentos infinitesimais num meio contínuo Consideremos pequenos deslocamentos u v t , executados durante o curto intervalo de tempo [0,t] . Nesse caso as coordenadas materiais e espaciais são praticamente idênticas diferindo de um valor desprezável. Nessas condições o tensor gradiente dos vetores posição vem: R r R ( R u ) R R R u ˆ t R v ˆ onde se usou R R ˆ 3.14 O termo proporcional a t é um infinitésimo em relação às componentes do tensor de Kronecker (ou tensor identidade), que são quantidades finitas (0 ou 1) (ij=1 se i=j , 0 se ij). Tensor gradiente das velocidades nas coordenadas físicas Eulerianas Usando a aproximação anterior tem‐se que o tensor gradiente das velocidades nas coordenadas físicas vem em termos de componentes: N N v j v j v j X k v j 1 u j v v i , j i , k X X R i , j t X xi k 1 xi X k k 1 k i i 3.15 Vamos interpretar a expressão. Numa rotação ou deformação uma separação inicial X i ao longo de uma coordenada i pode transformar‐se numa diferença de deslocamentos u j ao longo de uma coordenada diferente j. A razão entre essas duas quantidades dividida pelo intervalo de tempo fornece as componentes do tensor gradiente das velocidades. Esse gradiente pode variar de ponto para ponto num fluido o que significa que um fluido pode rodar e deformar‐se de forma diferente de ponto para ponto. Modos de deformação e rotação infinitesimais A diferença u de deslocamentos entre partículas vizinhas, executados no intervalo de tempo t vem dada pela soma de quatro parcelas distintas, associadas aos modos principais de deformação local e à rotação local. u t v t r v u u u u rot Tal obtem‐se a partir da decomposição do tensor de 2ª ordem 3.16 v em 4 componentes. Na prática a matriz que representa v é decomposta em 4 matrizes (tensores de 2ª ordem) de natureza distinta. Para tal começa‐se por decompô‐lo em componentes simétrica e anti‐simétrica: Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 10 v vs va Parte simétrica de v Parte anti simétrica de v 1 v j vi vs eˆ Tensor taxa de deformação ; ei , j 2 xi x j ˆ Tensor taxa de rotação ; 1 v j vi va i, j 2 xi x j ; ei , j e j ,i ; 1 ( vi , j v j ,i ) 2 i , j j ,i 1 ( vi , j v j ,i ) 2 3.17 O tensor taxa de deformação em 3D é representado por uma matriz simétrica: e1,1 e1,2 e1,3 e1,1 e2,1 e3,1 eˆ e2,1 e2,2 e2,3 e2,1 e2,2 e3,2 e e e e e e 3,1 3,2 3,3 3,1 3,2 3,3 ( apenas 6 das 9 componentes são independentes ) O tensor taxa de rotação em 3D é representado por uma matriz anti‐simétrica: 1,1 1,2 1,3 0 1,2 3,1 ˆ 2,3 0 2,1 2,2 2,3 1,2 0 3,1 3,2 3,3 3,1 2,3 0 3 2 3 0 1 ( apenas 3 das 9 componentes são independentes ) 2 1 0 ˆ ) e e e associado ao tensor anti‐simétrico taxa onde se introduziu o vetor axial ax( 1 1 2 2 3 3 de rotação=velocidade local de rotação do fluido. Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 11 As componentes de obedecem à regra: i , j k (i, j, k ) : permutação cíclica de (1, 2,3) ou ou sejam (1, 2,3), (2,3,1), (3,1, 2) . Na forma indicial essa expressão escreve‐se na forma: i , j i , j ,k k (contração ou somatório no índice k ) 1 k i , j ,k i , j (contração ou somatório nos índices i, j ) 2 onde se int roduziu o tensor alternante ou Levi Civita de 3ª ordem i , j ,k que vale : i , j ,k 0 se 2 ou 3 índices são iguais i , j ,k 1 se (i, j, k ) (1, 2,3), (2,3,1), (3,1, 2) : permutação cíclica de (1, 2,3) ou i , j ,k 1 se (i, j , k ) (1,3, 2), (2,1,3), (3, 2,1) : permutação anti cíclica de (1, 2,3) O tensor alternante é muito útil na expressão de produtos externos. Com efeito o produto externo de dois vetores a , b exprime‐se como: e1 e2 e3 a b a1 a2 a3 e1 a2b3 a3b2 e2 a3b1 a1b3 e3 a1b2 a2b1 ek i , j , k ai b j b1 b2 b3 A componente k é : ( a b ) k k ,i , j ai b j i , j ,k ai b j (Contração nos índices i, j ) O tensor alternante satisfaz às relações: i , j ,k j ,k ,i k ,i , j i ,k , j j ,i ,k k , j ,i , i, j , k Relação Epsilon Delta qrp stp pqr pst qpr spt qs rt qt rs , q, r , s, t (índice contraido p, índices fixos q, r , s, t ) Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 12 Voltemos à expressão do tensor taxa de deformação. A componente simétrica do gradiente das velocidades ou tensor taxa de deformação admite ainda a decomposição num tensor isotrópico (múltiplo do Delta de Kronecker ou identidade) e num tensor anisotrópico de traço nulo (para dimensão N): eˆ v 1 Tr eˆ ˆ eˆ0 onde Tr e i v div v N xi v v1 ... N ( divergência da velocidade ) x1 x N A componente anisotrópica ê0 pode ainda decompor‐se na forma: tensor eˆ0,diag 3.18 eˆ0 eˆ0, diag eˆ0, é apenas formado pelas componentes da diagonal (com zero nas restantes) e ê0, , onde é formado pelas componentes fora da diagonal. Vamos dar um exemplo numérico de decomposição do tensor gradiente das velocidades: 1 2 3 1 3 5 0 1 2 ˆ ˆ v 4 5 6 e 3 5 7 1 0 1 ; 1, 2, 1 7 8 9 5 7 9 2 1 0 5 0 0 4 0 0 0 3 5 1 eˆ Tr eˆ ˆ eˆ0, diag eˆ0, 0 5 0 0 0 0 3 0 7 N 0 0 5 0 0 4 5 7 0 v u tem‐se então as seguintes parcelas de : Usando a referida decomposição de u associado à parte isotrópica de e : Deformação volumétrica isotrópica u associado à parte eˆ0, diag : Deformação isovolúmica isogónica u associado à parte eˆ0, : Deformação isovolúmica angular ˆ : Rotação urot associado à parte Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 13 Deformação volumétrica isotrópica 1 1 u t div v ˆ r t div v r N N 3.19 O quadrado inicial transforma‐se num quadrado maior (ou menor) conforme div(v)>0 ou div(v)<0. Deformação iso‐volúmica isogónica (conservação dos ângulos) ou de distensão/contração u t r eˆ0,diag 3.20 Mantêm‐se o volume (ou área conforme a dimensão N) e os ângulos mas alteram‐se os tamanhos das arestas. O quadrado inicial transforma‐se num retângulo com a mesma área. Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 14 Deformação iso‐volúmica anisotrópica angular ou de corte u t r eˆ0, 3.21 O quadrado inicial transforma‐se num paralelogramo de área igual. As componentes de ê0, são (‐1/2) das taxas de variação dos ângulos internos do paralelogramo. Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 15 Rotação (transformação isométrica, isto é mantêm as distâncias, ângulos e forma) ˆ t r u rot t r ˆ velocidade angular de rotação local do fluido= onde ax = vetor axial associado ao tensor antisimétrico de rotação= = 1 1 1 rot ( v ) ( v ) * Vorticidade 2 2 2 3.22 rot (v ) ( v ) (letra grega lida 'csi' ) e1 e2 e3 A vorticidade é dada por: e1 x1 x2 x3 v1 v2 v3 v2 e2 x2 x3 v1 v3 v2 v1 3.23 e3 x1 x2 x3 x1 v3 (i,j,k=1,2,3 ou 2,3,1 ou 3,2,1) A vorticidade pode ser encarada como o dobro da velocidade angular local de um fluido devido à rotação dos redemoinhos (vórtices ou tubilhões). Pode no entanto haver vorticidade sem rotação. Pode produzir‐se um par visível de vórtices simétricos entre si numa caneca de leite com café (funcionando como traçador) por simples deslocamento horizontal de uma colher. Os vórtices observam‐se na esteira (retaguarda) da colher. Define‐se enstrofia como Z 1 2 Enstrofia 2 3.24 A enstrofia é um escalar que fornece uma ‘espécie’ de energia cinética de rotação local do fluido devido aos vórtices. Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 16 3.4 Caracterização do campo da velocidade A caracterização do campo vetorial v r , t da velocidade no formalismo Euleriano consiste na cinemática dos meios contínuos, com especial relevância nos fluidos devido à sua facilidade de escoamento. É comum nas aplicações representar as componentes x,y,z da velocidade, respectivamente por u,v,w . As formas usuais são: v r , t uex ve y wez vx ex v y ey vz ez v1e1 v2 e2 v3e3 3.25 (escoamento no interior de turbina a jacto com representação dos vetores velocidade, com módulo proporcional à intensidade da velocidade v celeridade . Existem 4 tipos especiais de linhas definidas a partir do campo da velocidade: linhas de corrente (streamlines), trajetórias (pathlines), linhas de rasto (streaklines), e linhas de tempo (timelines). (Ver http://en.wikipedia.org/wiki/Streamlines,_streaklines,_and_pathlines ) Linhas de corrente (streamline): Linha instantânea que é tangente ao vetor velocidade em cada ponto P da linha por onde ela passa. A linha é orientada tendo o sentido dado pelo vetor velocidade. Seja dr dx ex dy ey dz ez um elemento de arco tangente ou seja paralelo (//) à linha de corrente no ponto P ou seja tangente à velocidade no ponto P. Como tal o seguinte produto externo é nulo: ex e y ez dr v dx dy dz w dy v dz ex u dz w dx e y v dx u dy ez 0 u v w De facto o produto externo entre dois vetores colineares é o vetor nulo. A equação das linhas de corrente é equivalente a: dx dy dz u v w Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 3.26 17 Um tubo de corrente T consiste num tubo cujas paredes são formadas por linhas de corrente. Este tubo v pode curvar no espaço e deformar‐se ao longo do tempo. Em escoamento estacionário 0 , o conjunto t das linhas e tubos de corrente permanece fixo. Se o escoamento for transiente (não estacionário), as linhas e tubos de corrente movem‐se. Dado que o campo da velocidade se admite contínuo e diferenciável, as linhas de corrente só podem ser: a) fechadas (sem pontas) b) as pontas são pontos de estagnação v 0 no interior do escoamento c) começam ou acabam na fronteira do domínio do escoamento (fronteira aberta). Trajetória (Pathline) Lugar geométrico dos pontos por onde uma dada partícula de fluido passa no intervalo de tempo [t1, t2]. A trajetória é definida por: r t , R , t t1 , t2 para a partícula de coordenadas materiais R . Obtém‐se por integração temporal da velocidade no formalismo lagrangeano: t r t , R r t1 , R v t ', R dt ' t1 3.27 Linha de rasto ou emissão (streakline) Linha instantânea num certo instante t, dada pelo lugar geométrico de todas as partículas que passaram por um certo ponto P , nalgum instante passado t’<t. Por exemplo a linha de partículas, que saíram de uma chaminé num instante passado e que são transportadas pelo escoamento aéreo fora da chaminé (também chamada de pluma). Obtêm‐se a partir das trajetórias na forma: r t , R com R tal que r t ', R P t ' t 3.28 Teorema: Num escoamento estacionário ou seja em que v 0 , as trajetórias, linhas de corrente e as linhas de t rasto coincidem. Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 18 A marcação por um traçador (ex. corante) da trajetória de uma partícula num fluido pode ser registada por imagem estroboscópica (sequência de imagens instantâneas). Tal permite visualizar as linhas de corrente em escoamento estacionário. Linha de tempo (Timeline) ou Linha Material: Linha instantânea num certo instante t, dada por uma linha de partículas de fluido ou linha material. Por exemplo um objecto linear deslocado pelo escoamento fluido é uma linha de tempo. A linha de tempo desloca‐se com o escoamento. Obtêm‐se a partir das trajetórias na forma: r t , R com R R , : parâmetro unidimensionalque percorre a linha Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 3.29 19 Fluxo e integral de caminho da velocidade O escoamento de um fluido faz deslocar matéria que ocupa um certo espaço (volume em 3D, área em escoamento plano 2D). O espaço de fluido deslocado por unidade de tempo está diretamente relacionado com o campo da velocidade. Quanto maior a velocidade, maior a taxa de deslocamento do espaço de fluido. Para quantificar essa quantidade é necessária a introdução dos conceitos de fluxo e integral de caminho do campo da velocidade. Fluxo através de uma superfície Consideremos uma superfície orientada (2D), isto é uma superfície que tenha bem definido o lado de dentro e de fora (há superfícies que não satisfazem esse requisito, ex. fita de Möbius). Essa superfície está no interior do escoamento ou seja imersa. A superfície pode eventualmente ser fechada sobre si própria, isto é ser a fronteira de um volume. O volume de fluido (t) (m3) que atravessou essa superfície (no sentido convencionado positivo), desde o instante inicial t=0 até ao instante t pode crescer ou decrescer (caso o fluido passe a escoar em sentido contrário). O sentido convencionado positivo é o do versor normal n em cada ponto da superfície, coberta de elementos infinitesimais de área d. A taxa de variação temporal de V(t) chama‐se caudal volúmico ou débito volúmico (em m3/s) instantâneo. A sua expressão vem: d (t ) v n d v cos d em m3 / s ; (v , n ) dt A contribuição local para o caudal é positiva máxima se =0, nula se a velocidade for tangente à superfície (=/2 rad) e negativa máxima se a normal e a velocidade tiverem sentidos contrários (= rad). O caudal volúmico é o fluxo do campo da velocidade ao longo da superfície . Arrastamento ao longo de um fio capilar Consideremos um tubo capilar, permeável ao fluido, descrito por uma curva orientada C (eventualmente fechada). O versor tangente orientado da curva é t . O elemento infinitesimal de extensão da curva é dl. No interior do tubo o fluido arrasta partículas de traçador (bolinhas azuis no esquema). O arrastamento integrado ao longo de C, desde t=0 até t é S(t) (em m2). A taxa de variação de S(t) é o integral de caminho da velocidade ao longo de C. Se C for fechada, o integral de caminho diz‐se integral de circulação. dS (t ) S v t dl dt C Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires em m2 / s 20 Curvatura e torsão das linhas de corrente e trajetórias A velocidade v do escoamento é dada pelo produto da celeridade (módulo da velocidade) pelo versor da velocidade: v v t ; v v celeridade ; vers v t 3.30 onde t é o vetor unitário com direção e sentido das linhas de corrente, independentemente do valor da celeridade. A linha de corrente tem elemento de arco ds tomado positivo no sentido de t . Se a linha de corrente curvar tem‐se t / s 0 , se a linha de corrente for retilínea, então t / s 0 . As linhas de corrente e as trajetórias são linhas orientadas, isto é‐lhe atribuído um sentido bem definido, neste caso o sentido do vetor velocidade. As linhas de corrente e as trajetórias podem ser retilíneas ou curvas. Quanto mais curvas maior uma quantidade, característica da curva á qual se chama curvatura. As linhas orientadas podem ser planas, no caso de pertencerem a um plano (assentarem sobre um plano) ou torsas (não existir nenhum plano que as contenha), tal como a linha que percorre uma mola helicoidal (em forma de hélice ou bobine). Define‐se uma quantidade, chamada torsão, característica da curva, que é tanto maior quanto maior o afastamento da curva em relação a um plano. Para caracterizar a curvatura e torsão das linhas de corrente, ou em geral de uma linha orientada, consideram‐se as equações de Frenet‐Serret da geometria diferencial: t 1 n ; curvatura ; Rs raio de curvatura s Rs n 1 t b ; torsão ; Rt raio de torsão ; b t n s Rt b n s 3.31 O triedro ordenado de versores t , n , b t n (versor tangente, normal e bi‐normal) constituem o referencial local das linhas de corrente, isto é que fica bem definido em cada ponto (local) da curva. O versor normal aponta para o interior da curvatura. O plano definido por t , n é denominado plano da circunferência osculatriz à curva. Esta circunferência é tangente à curva, está centrada no centro de curvatura da curva (Rs n ) e tem raio Rs =1/ (raio de curvatura). O centro de curvatura fica no interior da curvatura sobre a recta definida por n . A curvatura de uma linha plana é nula (=0) ao contrário de uma linha torsa. Numa linha plana, a binormal b t n é constante ao longo da curva e variável no caso de uma linha torsa. Nesse caso o plano da circunferência osculatriz roda em torno de um ponto (centro de torção colocado em Rt b ) com raio igual a Rt (raio de torção). Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 21 Um exemplo de curva torsa é a hélice. Tomemos x(t), y(t) e z(t) as coordenadas ao longo da hélice e t a variável que varia ao longo da linha: x(t ) a cos(t ) ; y (t ) a sin(t ) ; z (t ) bt a b curvatura 2 2 ; torsão 2 2 a b a b Na figura mostra‐se uma hélice para a=b=1, t[0,2]. A distância entre pontos, da hélice obtidos ao fim de uma volta completa é denominada de passo da hélice. Neste caso o passo é 2b. Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 22 Aceleração A aceleração de uma partícula de fluido define‐se, à semelhança da cinemática do ponto material como a derivada da velocidade em relação ao tempo. Essa derivada é tomada sobre uma dada partícula e portanto corresponde à derivada Lagrangeana da velocidade. Dv v ( R, t ) a Dt t R 3.32 Tal como para a velocidade, a aceleração pode representar‐se no formalismo Euleriano ou no formalismo Lagrangeano conforme as variáveis independentes sejam as Eulerianas (coordenadas do espaço) ou as Lagrangeanas (posições iniciais das partículas). A aceleração do fluido é calculada por aplicação da 2ª lei de Newton a cada partícula de fluido ou seja: a f / m em que f é a resultante das forças aplicadas à partícula (pressão, gravidade, atrito, forças electromagnéticas no caso de um fluido ionizado, forças aparentes num referencial não inercial, forças aplicadas etc.) e m é a massa da partícula. A aceleração é dada na forma de uma derivada material ou Lagrangeana e portanto, tal como mostrado anteriormente, pode decompor‐se num termo de derivada local da velocidade e no termo advetivo da velocidade ou seja: Dv a v v Dt t v t Derivada local da velocidade v v Termo advectivo da aceleração v2 v3 v1 v vi v t x x x t x 1 2 3 i 3.33 em que no termo advetivo se aplicou a Convenção de Einstein. Em condições de escoamento estacionário 0 a aceleração reduz‐se ao termo advetivo. No caso de escoamento bidimensional, a velocidade tem t apenas duas componentes sendo a terceira nula (por exemplo v3=0). Nesse caso o termo advetivo reduz‐se à soma de duas parcelas. A aceleração em coordenadas cartesianas virá dada por: a ax ex a y ey az ez a1e1 a2e2 a3e3 ai ei 3.34 Em coordenadas cartesianas, cada componente ak (k=1,…N=3) da aceleração é dada por: vk v v v v v ai v1 v2 v3 v1 k v2 k v3 k k vi k vk x1 x2 x3 t x1 x2 x3 t xi t , através da aplicação do operador de derivada local e operador advectivo à componente vk da velocidade. Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 23 Aceleração Tangencial e Centrípeta ou normal Tal como na aceleração do ponto material, a aceleração de uma partícula de fluido pode decompor‐se em aceleração tangencial (tangente à velocidade) aceleração centrípeta ou normal (perpendicular à velocidade): Dv D Vt a Dt Dt DV t Dt Dt V Dt aceleração tangencial atangencial acentrípeta ; V v ; t vers v 3.35 aceleração centrípeta A aceleração centrípeta ou normal é dada por: 2 Dt Dt Ds V ntraj acentrípeta V V Dt Ds Dt Rtraj ntraj V Rtraj 3.36 onde Ds é o elemento de percurso efetuado, ntraj é o versor normal à trajetória, apontando para dentro da curvatura e Rtraj é o raio de curvatura da trajetória. A aceleração centrípeta é responsável para variação da direção da velocidade. Em condições de escoamento estacionário, o raio de curvatura das trajetórias e das linhas de corrente são iguais pelo que é possível inferir a aceleração centrípeta a partir destas, uma vez conhecendo a celeridade (módulo da velocidade). Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires 24 Decomposição de Weber da aceleração A aceleração é dada por: Dv v v v Dt t 3.37 O termo advetivo da aceleração pode ser expandido usando a decomposição de Weber aplicada ao campo vetorial da velocidade (ver notas sobre cálculo vetorial). Tem‐se assim: v 2 Dv v v 1 v v v v v v v grad v rot v 2 Dt t t 2 t 3.38 A interpretação deste resultado é o seguinte. A aplicação de forças aos fluidos e portanto a produção de aceleração pode provocar: v 0 t v 2 2) Variações espaciais do módulo da velocidade ou da energia cinética: grad 0 2 3) Criação de vórtices (redemoinhos) e de rotacional da velocidade: v rot v 0 1) Acelerações locais (variações temporais da velocidade num dado ponto) : Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires