equiparação salarial

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EQUIPARAÇÃO SALARIAL
1ª edição – 2002
2ª edição – 2015
FABÍOLA MARQUES
Advogada militante na área trabalhista, mestre e doutora em Direito do Trabalho
pela PUC-SP. Professora universitária nos cursos de graduação e pós-graduação da PUC-SP.
Ex-presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (AATSP).
Conselheira Seccional da OAB/SP. Ex-Presidente da Comissão da Mulher Advogada
(gestão 2008/2010). Presidente da Comissão de Relacionamento com
o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região
EQUIPARAÇÃO SALARIAL
2ª edição
EDITORA LTDA.
© Todos os direitos reservados
Rua Jaguaribe, 571
CEP 01224-001
São Paulo, SP – Brasil
Fone (11) 2167-1101
www.ltr.com.br
Agosto, 2015
Versão impressa:
LTr 5312.6 — ISBN: 978-85-361-8514-9
Versão digital:
LTr 8754.9 — ISBN: 978-85-361-8498-2
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Marques, Fabíola
Equiparação salarial / Fabíola Marques. - 2. ed. - São Paulo : LTr, 2015.
1. Direito do trabalho - Brasil 2. Equiparação salarial - Brasil I. Título.
15-05396CDU-34:331.215(81)
Índice para catálogo sistemático:
1. Brasil : Equiparação salarial por identidade : Direito do trabalho 34:331.215(81)
DEDICATÓRIA
A meus pais, com quem
sempre dividi todos
os momentos de minha vida,
e que me ensinaram serem nossos
objetivos sempre conquistados
com trabalho e dedicação.
Ao Martín, que deu um novo significado à minha vida.
AGRADECIMENTOS
Muitas são as pessoas a quem devo agradecimentos pela amizade, compreensão e auxílio na execução desta obra. Algumas delas, contudo, têm de
ser citadas, especialmente, pela contribuição direta na elaboração de nosso
trabalho.
Em primeiro lugar, agradeço ao meu orientador, Professor Doutor Pedro
Paulo Teixeira Manus, meu mestre de sempre, a quem não me canso de escutar
e com quem aprendo cada vez mais. A ele devo agradecer a paciência e a dedicação com que sempre me atendeu, auxiliando-me e indicando-me o caminho
para a concretização da obra.
À Professora Cláudia José Abud, minha sócia, que discutiu comigo diversas
ideias e as informações contidas neste estudo e, também, permitiu meu afastamento temporário de nosso escritório, para que eu pudesse dispensar maior
dedicação à pesquisa necessária.
Ao meu amigo e sempre professor, Doutor Celso Antonio Pacheco Fiorillo,
que algumas vezes evitei para que não fosse cobrada quanto à realização desta
obra, mas por quem muitas vezes procurei para pedir conselhos e, principalmente, para que se manifestasse sobre os assuntos que me intrigavam.
Ao professor Sólon de Almeida Cunha, amigo e incentivador, um dos grandes responsáveis pela publicação desta obra.
À minha estagiária Paola ItkisHummel, sempre atenta e disposta, que tanto
colaborou na pesquisa bibliográfica e jurisprudencial.
E, finalmente, às minhas amigas Fabiana Curi Uema e Marisol Gonçalves,
que sempre me escutaram e, com muito carinho, deram-me tranquilidade para
perseguir meu objetivo.
AGRADECIMENTOS
DA 2ª EDIÇÃO
Mais uma vez, muitas pessoas me ajudaram a concluir a revisão desta
obra.
Meus sempre professores, Dr. Pedro Paulo Teixeira Manus e Dr. Paulo Sergio João, com quem trabalho na PUC-SP e minha sócia e amiga, Dra. Cláudia
José Abud, merecem um agradecimento especial pelo aprendizado diário que
obtenho com nossa convivência.
Agradeço, de forma carinhosa, às advogadas Jeniffer Morbi Piga, Maria
Ivone Fortunato Laraia, Suely Ester Gitelman e Carla Teresa Martins Romar pela
amizade, paciência e companheirismo.
Devo um agradecimento particular a Wallace Antonio Dias Silva, meu ex-aluno e monitor na PUC-SP, que muito contribuiu com a revisão do texto,
inclusão de novas ideias e atuais decisões.
E por fim, agradeço a todos os meus alunos, que me incentivaram a pesquisar sempre mais.
SUMÁRIO
NOTA À 2ª EDIÇÃO.................................................................................13
APRESENTAÇÃO.......................................................................................15
INTRODUÇÃO.........................................................................................17
1. IGUALDADE SALARIAL.......................................................................19
1.1. Conceito de igualdade..................................................................19
1.2. Princípio constitucional da isonomia salarial – Evolução histórica.24
1.3. Proteção ao trabalho da mulher.....................................................33
1.4. A questão terminológica: equiparação x equivalência...................37
2. ESPÉCIES DE EQUIPARAÇÃO SALARIAL.............................................39
2.1. Equiparação salarial por analogia (entre trabalhadores brasileiros
e estrangeiros)...............................................................................41
3.EQUIPARAÇÃO SALARIAL POR EQUIVALÊNCIA OU EQUIVALÊNCIA SALARIAL......................................................................................53
4. EQUIPARAÇÃO SALARIAL POR IDENTIDADE....................................63
4.1. Conceito.......................................................................................63
4.2. Identidade funcional.....................................................................64
4.3. Trabalho de igual valor..................................................................77
4.3.1. Identidade quantitativa.......................................................78
4.3.2. Identidade qualitativa.........................................................82
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Fabíola Marques
4.4. Identidade de empregador.............................................................93
4.4.1. Grupo de empresas............................................................95
4.4.2. Fusão, incorporação e sucessão de empresas.....................103
4.4.3. Terceirização e a Lei n. 6.019/1974....................................107
4.5. Identidade de local de trabalho.....................................................113
4.6. Identidade de tempo de serviço.....................................................122
4.6.1. Tempo de serviço não superior a dois anos........................123
4.6.2. Simultaneidade na prestação dos serviços..........................131
4.7. Causas excludentes da equiparação salarial..................................136
4.7.1. Existência de quadro de carreira.........................................137
4.7.2. Paradigma readaptado........................................................143
CONCLUSÃO...........................................................................................147
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................151
NOTA À 2ª EDIÇÃO
A primeira edição da presente obra foi publicada em abril de 2002.
Mais de dez anos se passaram e, finalmente, tivemos “coragem” para rever
nosso trabalho.
O assunto continua atual e é um dos pedidos mais formulados na Justiça
do Trabalho. Apesar disso, muitas dúvidas ainda rondam o tema.
Poucas mudanças ocorreram na legislação e jurisprudência durante este
período. Por outro lado, diante dos inúmeros questionamentos existentes, foi
realizada uma nova pesquisa doutrinária e jurisprudencial, com especial atenção à jurisprudência recente do Tribunal Superior do Trabalho.
Assim, todos os capítulos foram revistos e atualizados para tornar a obra
mais prática e didática para os profissionais da área trabalhista, além de estudantes e interessados sobre o tema.
Também foram mencionados os principais posicionamentos doutrinários e
jurisprudenciais a respeito das controvérsias encontradas, sempre com menção
à nossa posição.
Esperamos que nossa obra seja útil e interessante para todos os leitores.
A autora.
[email protected]
APRESENTAÇÃO
Neste momento atravessa o Direito do Trabalho uma extraordinária pressão externa, sob a falsa ideia de que a garantia de direitos aos trabalhadores
seria entrave ao desenvolvimento social e econômico do país.
Esse discurso falso, que se reproduz em todos os países do terceiro mundo,
tem como origem os interesses multinacionais que buscam submeter a classe
trabalhadora a sacrifícios ainda maiores, em troca de mais lucro desse setor
empresarial.
É exatamente em oportunidades como esta que estudos de alto nível sobre
temas trabalhistas de relevância assumem importância ainda maior.
Este é o caso de “ Equiparação salarial por identidade no direito do trabalho brasileiro”, da Professora e Mestra em direito Fabíola Marques.
Trata o livro de tema sempre atual e que se ocupa inicialmente do conceito
constitucional de igualdade e do princípio da isonomia salarial, para a seguir
debater a questão terminológica da equiparação e da equivalência, delimitando, desse modo, seu objeto de estudo.
Após examinar as espécies de equiparação salarial, ingressa no tema específico da equiparação salarial por identidade, conceituando-a e estudando
a questão sob a ótica dos requisitos legais do artigo 461 da Consolidação das
Leis do Trabalho.
Dotando o livro de aspecto extremamente atual e útil ao profissional do
Direito do Trabalho, volta-se ao debate de temas como o grupo de empresas, a
fusão, a incorporação e a sucessão de empresas, além de ocupar-se da terceirização e do trabalho temporário, regulamentado pela Lei n. 6.019/1974.
Desse modo, debatendo a questão da equiparação salarial sob a ótica do
empregador, traz grande contribuição ao examinar as figuras jurídicas referidas
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Fabíola Marques
e que ocorrem com frequência entre nós, ensejando problemas no trato da
questão salarial em cada situação específica.
A seguir, ocupa-se do estudo da identidade de local de trabalho e de tempo
de serviço, além de examinar a questão da simultaneidade da prestação, como
requisito para a equiparação salarial.
Conclui o livro o exame das causas excludentes do direito à equiparação
salarial, como o quadro de carreira e a readaptação de paradigma.
Como se vê, é obra completa sobre o tema, trazendo inclusive rica bibliografia para orientar o leitor e a atualidade do tema, seu tratamento adequado
e excelente qualidade têm a chancela da advogada, pesquisadora e professora
do melhor gabarito.
Conheço a Professora Fabíola Marques há vários anos, pois trabalhamos
juntos na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, onde tive a oportunidade de orientá-la neste seu trabalho de mestrado
em Direito do Trabalho.
Nestes anos em que tenho me dedicado à carreira universitária, tenho tido
contato com inúmeros jovens entusiasmados com o magistério do terceiro grau,
tendo a oportunidade, na medida do possível, de contribuir para o ingresso
neste mister. A maioria, infelizmente, com o passar de alguns meses, por razões
diversas, desiste de seu intento, abandonando a ideia do magistério superior.
Lembro-me da Professora Fabíola, quando começou a auxiliar-me na Faculdade de Direito da PUC-SP. Mostrava-se desde o início uma promessa de
futura professora universitária, pois demonstrava enorme vontade e interesse
nesta sua nova atividade. Ademais, sobressaía como pessoa interessada, de iniciativa e talentosa para esta missão.
Alegre, entusiasmada, de trato fácil com alunos e professores e, acima de
tudo, extremamente preocupada em cumprir suas atribuições, desenvolveu-se
de forma admirável, ocupando-se hoje, além da advocacia intensa que exerce,
da regência de turmas de graduação e especialização em direito, da pesquisa
jurídica, sempre com merecidos elogios de seus alunos e de todos nós seus
colegas.
Este livro que a LTr Editora ora nos oferece é resultado da dissertação de
mestrado defendida com todo brilhantismo pela Autora, perante a banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que tive a honra de
presidir e que agora vem somar-se à bibliografia de qualidade em Direito do Trabalho, auxiliando a todos os profissionais preocupados em melhor equacionar
os variados temas que envolvem as relações entre empregados e empregadores.
Professor Doutor Pedro Paulo Teixeira Manus
Juiz do TRT da 2ª Região. Professor Livre docente da PUC-SP.
INTRODUÇÃO
O objeto de nosso estudo é a equiparação salarial por identidade, prevista
no art. 461 da CLT. Esse instituto é decorrente do princípio constitucional amplo
da isonomia e estrito da igualdade salarial.
O tema é de fundamental importância porque objetiva evitar situações de
injustiça e exploração do trabalho, em razão do sexo, idade, nacionalidade,
cor, estado civil, além de inúmeros outros motivos.
Nosso intuito é estudar os aspectos materiais da equiparação salarial por
identidade no Brasil, procurando resolver algumas questões duvidosas vividas
no dia a dia do Direito do Trabalho, que afligem empregados e empregadores,
quer por a legislação nacional permitir diversas interpretações, quer por a doutrina não ser unânime e, ainda, por a jurisprudência de nossos Tribunais não
ser pacífica.
Não temos a pretensão de sanar todas as dúvidas que envolvem o estudo
da equiparação salarial, mas, tão somente, oferecer ao leitor uma visão geral
sobre o tema, da forma mais didática e clara possível. Isso se justifica porque
esse é um assunto que, pela importância de que se reveste, deve ser acessível
não só aos profissionais do Direito, mas a todos os jurisdicionados eventualmente ameaçados pela inaplicabilidade prática do princípio da isonomia salarial. Afinal, entendemos ser o salário o tema de maior relevância do contrato
de trabalho.
Nosso estudo está organizado em quatro capítulos. No primeiro, abordamos o significado e a evolução dos princípios da igualdade e da isonomia
salarial, por serem os fundamentos básicos do direito à equiparação salarial, e
também tratamos da distinção terminológica entre as expressões equiparação
e equivalência.
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Fabíola Marques
O segundo capítulo tem por objeto um estudo prévio da equiparação salarial, ou seja, da equiparação salarial por analogia, prevista no art. 358 da CLT,
da equiparação por equivalência, regulada pelo art. 460 da CLT, e também, da
equiparação por identidade do art. 461 da CLT.
A equiparação salarial por equivalência é ainda estudada no terceiro capítulo, em razão da complexidade envolvida no problema da fixação do salário
de empregados que exercem atividades equivalentes, e, também, para permitirmos ao leitor a sua distinção da equiparação salarial por identidade.
Finalmente, no capítulo quarto passamos à analise da equiparação salarial por identidade. Pretendemos estudar todos os requisitos necessários para a
configuração desse instituto, bem como apresentar a opinião de diversos doutrinadores sobre as questões duvidosas que envolvem nosso tema que, se não
solucionadas, podem acarretar sérios danos à aplicação do princípio da isonomia salarial.
As discussões aqui apresentadas são consequência de um aprofundado
estudo sobre a equiparação salarial. Elas não têm o objetivo de criar soluções
novas ou pioneiras, mas de demonstrar o resultado de um trabalho amadurecido. Registramos que ao longo da realização do trabalho, deparamo-nos com
diversas dúvidas que só aos poucos, e depois de muita reflexão, foram esclarecidas, até que por fim pudemos chegar a um resultado válido que poderá contribuir para resolver as principais indagações dos profissionais do Direito, além de
empregados e empregadores, a respeito do tema tratado no âmbito desta obra.
1. IGUALDADE SALARIAL
1.1. CONCEITO DE IGUALDADE
O princípio da igualdade está positivado na maior parte das Constituições
dos diversos Estados modernos. No Brasil, foi previsto pela Constituição Federal
de 1988, no caput do art. 5º, segundo o qual “todos são iguais perante a lei”. É
um princípio peremptório e um direito fundamental porque assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País, a igualdade como a principal garantia
constitucional, antes mesmo e à frente da discriminação dos direitos e garantias
fundamentais que institui.
Como esclarece José Souto Maior Borges, a isonomia, em posição “topograficamente” de destaque na Constituição Nacional é superior aos demais
direitos e garantias, perpassando-lhes o conteúdo normativo, já que na lição de
Francisco Campos “rege todos os direitos em seguida a ele enunciados”(1), devendo ser realizada uma interpretação ampliativa e universalista do princípio.
Nessa linha de pensamento, é de fundamental importância determinar qual
o papel do princípio da legalidade e explicitar como situá-lo neste contexto. Segundo o mencionado mestre pernambucano, “a legalidade é apenas instrumento
da manifestação da isonomia”, uma vez que a legalidade e a isonomia não correspondem a instituições constitucionais diversas, sendo uma única criatura da
Constituição, “a isonomia deve manifestar-se no âmbito da legalidade. E a legalidade no âmbito da isonomia. Não é a isonomia algo que extrapasse a legalidade.
É apenas um dos seus conteúdos necessários.”(2)
(1) Princípio da Isonomia e sua Significação na Constituição de 1988. Revista de Direito Público,
v. 93, p. 34
(2) Ibid., p. 35.
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Fabíola Marques
A proclamação do princípio da igualdade entre todos os homens de qualquer condição, como princípio fundamental da existência humana, deve-se
aos estoicos e ao Cristianismo, como acentua o mestre português Guilherme
Machado Dray.(3) Antes disso, entretanto, os gregos já distinguiam três espécies
de igualdades: a isonomia, ou direitos iguais perante a lei; a isotimia, ou igual
direito dos cidadãos de ocupar cargos públicos; e a isegoria, ou igual direito de
exprimir com a palavra o próprio pensamento.
O princípio da igualdade sofreu grande desenvolvimento com Platão, e
seu discípulo Aristóteles, para quem a igualdade não é exigência política fundamental do homem, mas, sim, ideia eminentemente ligada à justiça e ao Direito.
Importante não esquecer que tanto Platão quanto Aristóteles escreviam
para os cidadãos livres, e a sociedade em que viviam aceitava e concebia o
regime da escravidão como algo natural.(4) De acordo com essa linha de pensamento, portanto, aceitava-se a ideia de uma desigualdade natural entre os
homens, posto que somente alguns eram capazes, naturalmente, de raciocinar.
A superação da escravidão como algo natural, como já ressaltamos, coube aos estoicos. Cícero proclama a igualdade natural entre todos os homens,
e Séneca afirma a natureza idêntica entre o escravo e seu amo. A igualdade é
elevada a princípio fundamental da existência humana, e a ideia de que todos
os homens são naturalmente iguais é afirmada.
Atualmente, a igualdade é um dos elementos integrantes da noção de Justiça, sendo norma basilar do Direito, universalmente aceita.
O princípio da igualdade é preocupação geral do Direito, seja em âmbito
internacional, seja em âmbito nacional, e é previsto em nível constitucional e
ordinário.
No Direito do Trabalho, o princípio da igualdade busca a isonomia substancial e verdadeira entre as partes, por meio do princípio de proteção ao empregado, o qual é considerado a parte mais fraca da relação trabalhista. Esse
(3) O princípio da igualdade no direito do trabalho, p. 23.
(4) Aliás, célebres as passagens de Aristóteles em Política (Livro I, Brasília, Ed. UNB, p. 18), sobre o
tema: “Alguns seres, com efeito, desde a hora de seu nascimento são marcados para ser mandados
ou para mandar, e há muitas espécies de mandantes e mandados (a autoridade é melhor quando é
exercida sobre súditos melhores; por exemplo, mandar num ser humano é melhor que mandar num
animal selvagem; a obra é melhor quando executada por auxiliares melhores, e onde um homem
manda e outro obedece pode-se dizer que houve uma obra). (...) Entre os sexos também, o macho
é por natureza superior e a fêmea inferior; aquele domina e esta é dominada; o mesmo princípio
se aplica necessariamente a todo o gênero humano; portanto, todos os homens que diferem entre
si para pior no mesmo grau em que a alma difere do corpo e o ser humano difere de um animal
inferior (e esta é a condição daqueles cuja função é usar o corpo e que nada melhor podem fazer),
são naturalmente escravos, e para eles é melhor ser sujeitos à autoridade de um senhor, tanto quanto
o é para os seres já mencionados.”
Equiparação Salarial
21
imperativo constitucional projeta corolários negativos e positivos, já que serve
de fundamento a comandos de índole proibitiva de um lado, e gera normas que
criam aos destinatários deveres de agir em certos moldes.(5) Assim, a ideia de
não discriminação, decorrente do princípio da igualdade, caracteriza-se como
um princípio proibitivo, por intermédio do qual se procura impedir o tratamento desigual e desvantajoso para grupos particulares de trabalhadores, como as
mulheres, por exemplo. Por outro lado, as regras relativas à igualdade material
das relações de trabalho, como o princípio pro operario (na interpretação das
normas) e o da “norma mais favorável” (quanto ao conflito positivo de normas
no espaço e no tempo), caracterizam-se como regras positivas, já que obrigam
o intérprete a uma certa atitude.
Nesse sentido, Américo Plá Rodriguez explica que o Direito do Trabalho
tem o propósito de nivelar desigualdades, citando Couture, para quem: “o
procedimento lógico de corrigir as desigualdades é o de criar outras desigualdades”, e Radbruch, segundo o qual, “a ideia central em que o direito social
se inspira não é a da igualdade entre as pessoas, mas a do nivelamento das
desigualdades que entre elas existem. A igualdade deixa assim de constituir
ponto de partida do Direito para converter-se em meta ou aspiração de ordem
jurídica”.(6)
Segundo os autores espanhóis Manuel Carlos Palomeque López e Manuel
Álvarez de La Rosa, no âmbito das relações de trabalho, o direito à igualdade
têm duas facetas: a primeira relativa ao direito dos sujeitos laborais (trabalhadores, empregadores, sindicatos, associações empresariais) de receber o mesmo
tratamento do poder público (direito público subjetivo de igualdade), que se
manifesta: a) na igualdade perante a lei (igualdade na lei ou perante a lei) que
limita em certo sentido a atuação normativa do Estado e também da autonomia
coletiva, e b) a igualdade na aplicação da lei, que limita a atuação jurisdicional
e a administrativa do próprio Estado; e a segunda relativa ao direito dos trabalhadores de não serem discriminados pelo empregador no seio da relação de
trabalho que os une contratualmente (direito privado subjetivo de igualdade).(7)
(5) FERNANDES, António Monteiro. Observações sobre o “Princípio da Igualdade de Tratamento”
no Direito do Trabalho. In: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer-Correia, p. 1.009.
(6) Princípios de direito do trabalho, p. 30.
(7) Derecho del Trabajo, p. 124.“El derecho de igualdad en el ámbito de las relaciones de trabajo
dispone, por lo pronto, de un doble juego institucional: 1) el derecho de los sujetos laborales (trabajadores, empresarios, sindicatos, asociaciones empresariales) a obtener separadamente un trato igual
de los poderes publicos (derecho publico subjetivo a la igualdad), que se concreta, a su vez, en o
ante la ley), que limita en dicho sentido la actuación normativa del Estado y también de la autonomia
colectiva, y b) la iguadad en la aplicación de la ley, que limita asi mismo la actuación jurisdicional
y administrativa del propio Estado; y 2) el derecho de los trabajadores a no ser discriminados por
su empresario en el seno de la relación de trabajo que les une contractualmente (derecho privado
subjetivo a la igualdad). Tradução livre da autora.
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Fabíola Marques
Parece claro que entre as pessoas há diferenças. A lei, no entanto, por ser
destinada a todos, não pode estabelecer distinções aos iguais. Como bem esclarece Celso Antonio Bandeira de Mello, recorrer à afirmação de Aristóteles,
como repetidamente se faz na doutrina, de que a igualdade consiste em tratar
igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, não resolve de todo o problema, já que resta uma zona cinzenta, acerca da definição sobre quem são
os iguais e quem são os desiguais. Portanto, cabe a questão: quais os critérios
legítimos que autorizam a distinguir pessoas e situações em grupos apartados
para fins de tratamentos jurídicos diversos?(8)
Ora, o objetivo da lei é, em verdade, discriminar as situações com a finalidade de submetê-las a determinadas regras. Assim, é preciso indagar quais as discriminações jurídicas intoleráveis, uma vez que a igualdade de fato, ampla e absoluta entre todos os membros de uma sociedade, é materialmente impossível.(9)
Neste exato sentido, na tentativa de reduzir a aparente desigualdade existente entre espécies de trabalhadores é que o legislador determinou a correção
da hibridez através de leis, as quais, por sua vez, retomando as lições de Aristóteles, possuem necessariamente caráter geral e, por isso,não raro sua aplicação
é imperfeita ou difícil(10), criando toda a problemática existente, tal qual exposto
nesta obra.
Condição esta ainda mais agravada pela constante modificação do conceito social sobre os fatos e valores a respeito do significado de igualdade e como
ela é atingida, possuindo reflexo direto na interpretação e aplicação das leis
sobre a matéria, a luz de como ensina Miguel Reale em seu conceito de “Culturalismo” e em sua Teoria Tridimensional do Direito. Como já foi ressaltado,
o princípio da igualdade não significa uma completa igualação no tratamento
das pessoas, mas tem por objetivo impedir a discriminação arbitrária que pode
ocorrer entre pessoas em situações semelhantes, por causas não objetivas.(11)
(8) O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, p. 15.
(9) Fábio Ulhoa Coelho sustenta que: “ (...) A riqueza da realidade humana reside, exatamente, na
infinita multiplicidade de marcas transportadas por cada um. Não é desse aspecto das diferenças
entre os homens que se cuida quando se cogita da igualdade material. (...) Inexiste uma justa proporção entre as pessoas que despendem suas energias na produção e as que podem consumir o
produzido. Trata-se de uma desigualdade de classes, que o socialismo entende ser possível, vantajoso
e desejável eliminar.” Direito e poder, p. 91-92.
(10) Et. nic, V, 14,1.137 b 26.
(11) Com efeito, Kelsen demonstra que o sentido relevante do princípio da igualdade está na obrigação de isonomia na própria lei: “A igualdade dos indivíduos sujeitos à ordem jurídica, garantida
pela Constituição, não significa que aqueles devam ser tratados por forma igual nas normas legisladas
com fundamento na Constituição, especialmente nas leis. Não pode ser uma tal igualdade aquela
que se tem em vista, pois seria absurdo impor os mesmo deveres e conferir os mesmos direitos a
todos os indivíduos sem fazer quaisquer distinções, por exemplo, entre crianças e adultos, sãos de
espírito e doentes mentais, homens e mulheres. Quando na lei se vise à igualdade, a sua garantia
apenas pode realizar-se estatuindo a Constituição, com referência a diferenças completamente
Equiparação Salarial
23
Destina-se, no Direito do Trabalho, à proteção do trabalhador como entidade
abstrata, sem prejuízo de características de ordem pessoal.
O princípio da não discriminação, deve, no entanto, ser entendido apenas
como uma das direções possíveis em que se pode manifestar o princípio da
igualdade. Esse é o entendimento de António Monteiro Fernandes, que assim
se expressa:
“O seu conteúdo, respeita, na verdade, especificamente, ao juízo de
adequação ético-social que pode – e deve – incidir sobre algumas motivações ‘categoriais’ de tratamento diferenciado. Não parece estar nele
essencialmente em causa o próprio fenômeno da diferenciação, mas sim o
fundamento dela; o princípio em referência pretende atingir frontalmente
como insusceptíveis de basear tratamento diferenciado certas características objectivamente distintivas de outros tantos conjuntos de indivíduos:
a raça ou o sexo não são, de harmonia com o princípio e com as suas conhecidas precipitações normativas, motivos lícitos de tratamento diverso
face ao padrão socialmente estabelecido, quer este derive da lei, quer se
localize na prática social.”(12)
A lei, ao determinar os fatores suscetíveis de discriminação indesejável,
como o sexo, a raça, a idade, o credo religioso ou político, a deficiência física
ou mental etc., nada mais fez do que indicar os elementos mais comuns, que,
em certa época ou meio, são considerados como razão de discrímen.
Nota-se, entretanto, que nem sempre a discriminação será considerada
odiosa. Vê-se, por exemplo, a exigência de candidatas mulheres para o preenchimento do cargo de polícia feminina, ou, então, a proibição de contrato de
menores para exercer atividades insalubres. Tais exigências e proibições não
ferem, nesses casos, o princípio da igualdade.
Assim é que o conceito de discriminação, na linha do desenvolvimento
axiológico do princípio da igualdade, deve ser construído depois de uma triagem, feita com base em valores constitucionalmente afirmados sobre os motivos possíveis de diferenciação de tratamento. Para citarmos um exemplo, que
permite o reconhecimento de motivos de diversificação social e econômica,
basta lembrar da proteção conferida aos trabalhadores menores ou, ainda, às
gestantes.
Vale a pena citar, ainda uma vez, Celso Antonio Bandeira de Mello, que
examina o assunto com admirável clareza:
determinadas, como porventura as diferenças de raça, religião, de classe ou de patrimônio, que as
leis não podem fazer acepção das mesmas, quer dizer: que as leis em que sejam feitas tais distinções
podem ser anuladas como inconstitucionais.” Teoria Pura do Direito, p. 203.
(12) Ibid., p. 1012.
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