Decisão da taxa de juros em cenário político de incertezas Página 1 de 2 Imprimir () Decisão da taxa de juros em cenário político de incertezas 26/04/2016 - 05:00 Por Eduardo Velho Desde o segundo semestre do ano passado uma parcela da diretoria do Banco Central defende a elevação da taxa básica de juros, portanto, divergindo da decisão da maioria dos votos pela manutenção da Selic em 14,25%. Essa divergência estaria associada ao desconforto com a continuidade do aumento do diferencial das expectativas de inflação em relação à meta central. A percepção é que existem preocupações para iniciar o processo de flexibilização da taxa de juros na medida em que o movimento de recuo da inflação não fosse plenamente seguro, ou seja, há necessidade da ancoragem das expectativas. No regime de metas de inflação, o argumento de não elevar a taxa de juros e/ou manter a taxa real de juros ainda elevada no contexto da recessão do Brasil - o Produto Interno Bruto deverá acumular uma queda real próxima de -10% no biênio 2015-2016 e a taxa de desemprego superará 12% - não parece ter consistência, pois a autoridade monetária estaria priorizando a atividade econômica e não o combate inflacionário. O que temos que fazer é estimar a contribuição deflacionária da atividade econômica e identificar a elevação desse impacto na inflação futura, o que abriria espaço para uma flexibilização monetária. Sem perspectiva de fim das incertezas fiscais, o ajuste dos preços tem que ser realizado pela política monetária Existe um conflito entre inflação e taxa de desemprego. A relação inversa entre inflação e taxa de desemprego é retratada pela curva de Phillips, onde a inflação depende das expectativas da inflação medida para o IPCA, do diferencial entre o crescimento econômico efetivo e potencial, ou seja, do hiato do produto, de um componente de inflação inercial e finalmente, da influência de choques. Além da Curva de Phillips, a Lei de Okun (a relação inversa entre a taxa de crescimento do produto e a do desemprego) e a versão dinâmica da Demanda Agregada (onde a taxa de crescimento do produto é dada pelo excesso da taxa nominal de expansão monetária sobre a inflação) são outras relações estilizadas que fazem parte do arcabouço lógico da análise econômica O fato é que essas três relações envolvendo inflação, desemprego e produto formam um sistema que permite uma análise de curto prazo. Por exemplo, no curto prazo, uma redução da oferta monetária da economia, deslocará a curva do mercado monetário para esquerda, elevando a taxa de juros e reduzindo o nível do produto. A curva de demanda agregada será deslocada para a esquerda e para baixo, reduzindo o nível geral de preços e o produto. Pela Lei de Okun a redução do produto aumentará o desemprego e finalmente, pela Curva de Phillips, um maior desemprego resultará em menor inflação. http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso/4538271 26/04/2016 Decisão da taxa de juros em cenário político de incertezas Página 2 de 2 Portanto esse sistema formado pelas três relações descritas contribui para descrever a dinâmica do crescimento monetário, da inflação e do crescimento do produto. Entretanto, deve-se ressaltar que esse arcabouço lógico, na prática, pode ser mais complexo. Na última ata de política monetária, de março, o Copom excluiu as citações consideradas restritivas na ótica monetária como "determinação e perseverança" e "o balanço de riscos ainda é desfavorável", o que reforça não somente a probabilidade de recuo da taxa básica de juros até o final deste ano já precificada no mercado futuro de juros, mas uma intensidade que pode surpreender. De fato, alguns itens do IPCA estão recuando na margem abaixo da média, sinalizando maior contribuição do hiato deflacionário comparativamente às expectativas. Outro ponto relevante nas últimas semanas tem sido a trajetória da taxa de câmbio dos últimos dois meses vinculada ao processo de impeachment, o que também reduziu a expectativa de desvalorização futura do real e com maior potencial - mesmo que reduzido - de impacto deflacionário. Pela inércia, as estimativas econométricas apontam que ajustes da taxa nominal de juros teriam impacto significativamente reduzido para reverter os níveis da inflação, ou seja, nas condições atuais não teríamos pressão inflacionária relevante com o recuo da taxa Selic. Devemos lembrar também que a transmissão da política monetária sobre os preços é limitada pois uma parcela relevante do crédito doméstico não é afetada diretamente pela taxa de juros Selic. Há consenso de que a inflação de demanda tem recuado nos últimos trimestres pela transmissão da política monetária e creditícia mais apertada, mas o desafio é remover a inflação de oferta medida pela persistência. Quando as expectativas de inflação continuam aumentando, a segurança da flexibilização da taxa de juros fica prejudicada, da mesma forma que a demora de aumento dos juros no passado possa ter comprometido a credibilidade da política monetária com inflação elevada e superior à meta. Nesse sentido, o recuo da taxa de desemprego para 2017 seria beneficiado pela queda da inflação futura e aumento da credibilidade da política monetária no cenário pós-impeachment, ou seja, não teríamos a relação tradicional direta entre inflação e desemprego da Curva de Phillips. De fato, as evidências empíricas apontam que tanto nas economias mais desenvolvidas como emergentes a relação entre essas variáveis é diferenciada, sobretudo com inflação elevada. Entretanto, a percepção crescente de uma recessão mais ampla e um ajuste mais moderado dos preços administrados e da taxa de câmbio beneficiaram o recuo das expectativas de inflação nas últimas semanas, sobretudo para 2017, cuja mediana recuou abaixo de 6%, são fatores que reduzem de forma gradual as preocupações com a dinâmica futura da inflação. Não existe perspectiva de curtíssimo prazo de serem eliminadas as incertezas fiscais e por isso, o ajuste dos preços tem que ser realizado pela política monetária, com estimativas que sugerem maior impacto da Selic sobre a dinâmica futura em relação ao efeito do hiato do produto. De qualquer forma, avaliamos que há probabilidade mais elevada de um discurso um pouco mais "dovish" na decisão do Copom de abril, refletida na votação pelo colegiado. Eduardo Velho é sócio e economista-chefe da INVX Global Capital. http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso/4538271 26/04/2016