ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS: PROPOSITURA DE DESENVOLVIMENTO REDEFININDO RELAÇÕES SOCIAIS DE PRODUÇÃO E DE TRABALHO STATE AND PUBLIC POLICIES: PROPOSAL OF DEVELOPMENT REDEFINING WORKING AND PRODUCTION SOCIAL RELATIONS Ingrid Michelle Coelho Sampaio Félix [email protected] Universidade federal de sergipe/UFS Alexandrina Luz Conceição [email protected] RESUMO As políticas públicas provocam profundas mudanças, transformando o espaço, redefinindo novas relações sociais de produção e trabalho. Com o discurso de combate a pobreza, de desigualdade e de melhoria das carências sociais, o Estado cumpre o papel de apaziguamento dos conflitos sociais, aparecendo estrategicamente através de políticas públicas como mediador da reprodução do capital. Objetiva-se analisar a referente problemática a partir do entendimento do método do materialismo histórico dialético, tendo como fundamento epistemológico as leituras de Karl Marx, István Mészáros e David Harvey. Compreendemos que, no caso do Brasil essa articulação está diretamente ligada ao PAC que se beneficiou dos lucros provenientes da relação comercial estabelecida dentro dos BRIC e posteriormente BRICS- bloco econômico formado por Índia, China, Rússia, Brasil e África do Sul, enquanto política pública de desenvolvimento que promove e fortalece a produção de commodities. Palavras-Chave: Capital. Estado. Políticas Públicas. ABSTRACT Public policies have caused deep changes transforming space, redefining new working and production social relations. The discurse of fight against poverty, inequality and the improvement of the social needs, pushes the State into a role of suppressing social conflicts. Through public policies it turns out that the State is a strategic mediator of the reproduction of the capital. The aim of this work is to analise the related issue using the historical dialectical materialism, having the epistemological fundament in the works of Karl Marx, István Mészáros and David Harvey. We understand that in Brazil this articulation is directly related to PAC (Growth Support Program) which has been benefited from the profits resulting of the commercial relationships first established among the BRIC, which later became the BRICS - the economic block formed by India, China, Russia, Brazil and South Africa - as a public policy of development that promotes and strengthens commodity production. Key-Words: Capital. State. Public Policy Introdução As políticas públicas normalmente são direcionadas para a classe subordinada, com o discurso de combate a pobreza e de desigualdade, propondo melhoria das carências sociais, entretanto intensifica a extração de mais valor e ou da renda da terra na subordinação do trabalhado ao capital. As políticas públicas têm como função direcionar e estabelecer regras para a relação mediadora entre Estado e capital. São diretrizes e princípios norteadores de ação para a ampliação e reprodução do capital. Nesse sentido, o capital sob a personificação do Estado, viabilização que se produz à luz da lógica expansionista do capital via políticas públicas, por meio de concessão de privilégios e não de direitos concebidos à alguns e negado a muitos, apropria-se dos espaços de miséria, utilizando-se do discurso ideológico que promete combater a pobreza pela mesma economia iníqua, que fora patologicamente a causadora da miséria (RODRIGUES, 2015, p. 182). De diferentes formas o Estado sempre esteve presente nas relações de produção capitalistas, bem como em sua reprodução, possibilitando o andamento de todas as fases do ciclo do capital. O Estado moderno constitui a única estrutura corretiva compatível com os parâmetros estruturais do capital como modo de controle sociometabólico. Sua função é retificar – deve-se enfatizar mais uma vez: apenas até onde a necessária ação coercitiva puder se ajustar aos últimos limites sociometabólicos do capital [...] (MESZAROS, 2011, p. 107). Nessa perspectiva, o papel do Estado sofre modificações para atender as diversas formas de produção, para garantir os estágios e fases do capitalismo, permitindo que este se realize em plenitude, tornando-se a base de sustentação e instrumento do modelo de acumulação capitalista. Isso possibilita a consolidação de ampla expansão do capital, e novas formas de exploração. Na década de 1980, a desregulamentação da economia, na égide do neoliberalismo, anuncia medidas de minimização do Estado; todavia, o que se constata é a minimização das ações governamentais para o setor social e a maximização para o capital financeiro, favorecendo o pleno desenvolvimento da especulação financeira (CONCEIÇÃO, 2012, p.141142). Com o domínio do modelo neoliberal as políticas públicas sofrem modificações, mais direcionadas e buscam como resultante o livre funcionamento do mercado. O Estado, aparentemente apresentado como o Estado-mínimo cumpre a função de equilíbrio social e aplicação das medidas e recursos que irão favorecer a reprodução do capital. O livre mercado é apontado pelos neoliberais como o grande equalizador das relações entre os indivíduos e das oportunidades na estrutura social. Defendendo esses postulados, os neoliberais contraditoriamente “repudiam” a responsabilidade do Estado em direcionar verbas de investimentos para o atendimento de políticas sociais, mascarando seu real objetivo. Em um Estado de inspiração neoliberal as ações e estratégias sociais governamentais incidem essencialmente em políticas compensatórias, em programas focalizados, voltados àqueles que não estão inscritos em projetos de desenvolvimento econômico. Ações públicas e privadas que garantam a expansão do capitalismo na expropriação do trabalho para a a extração de mais valor, ao tempo que se inscreve na escala do capital financeiro mundial. Adequando-se aos princípios fundamentais do modelo neoliberal as políticas do Estado incorporam de forma estrutural às necessidades da expansão do capital no mercado mundial, ocupando lugar estratégico nas táticas via políticas de crédito e de desenvolvimento, vislumbrando uma nova proposta de desenvolvimento nacional com a utilização da política cambial, fiscal e creditícia, base necessária para a modernização da produção industrial e fortalecimentos das commodities. Nessa perspectiva é que o agronegócio apresenta-se como alternativa para o campo, representando a principal via para a agricultura sob o discurso hegemônico comandado pelo Banco Mundial. Nesses últimos anos o Estado tem garantido à infraestrutura necessária a expansão do capital por meio de uma série de políticas e projetos de integração nacional, com a proposta de difundir tecnologia e com o discurso de gerar desenvolvimento, voltadas para o crescimento agrícola com o objetivo da produção para exportação, a fim de equilibrar a balança comercial brasileira e paralelamente atender a dinâmica e as necessidades de mobilidade do capital nacional associado ao capital internacional. O objetivo é atrair mais investimentos e oferecer mercado e mercadorias para garantia do processo de acumulação flexível. Essa realidade pode ser evidenciada com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que trata de uma intervenção e projeto do Estado, mais direcionado para a economia (mesmo que em direção aos setores sociais), atendendo em maior parte as necessidades da produção de mercadoria e demandas do mercado de capital, seguindo o modelo neoliberal. Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e sua Propositura de Desenvolvimento e Estabilidade Econômica As argumentações que fundamentam o Programa de Aceleração do Crescimento estão relacionadas a uma política de desenvolvimento e crescimento econômico, de modo a integrar todo o país em um projeto de envergadura nacional com rebatimentos internacionais. O que buscamos refletir é a relação estabelecida do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com o Estado e sua funcionalidade no processo de acumulação do capital, enquanto política pública de desenvolvimento. Nesse interim emerge pontuar que o PAC foi criado em 20071, e teve como objetivo segundo suas diretrizes, retomar o planejamento, na execução de grandes obras de infraestrutura social, urbana, logística e energética do país, com uma carteira de mais de 40 mil empreendimentos e volume de investimentos expressivo (previsão inicial de R$ 503 bilhões), com o propósito de contribuir para a elevação das taxas de crescimento econômico no país. O PAC é um programa de desenvolvimento que defende e segundo sua proposta visa promover o crescimento econômico acelerado, o aumento do emprego e a melhoria das condições de vida da população brasileira. Para tal proposta ele define um conjunto de medidas destinadas a incentivar o investimento privado, aumentar o investimento público em infraestrutura e remover obstáculos (burocráticos, administrativos, normativos, jurídicos e legislativos) ao crescimento econômico. Defende a manutenção de determinados fundamentos econômicos, principalmente a estabilidade monetária, a responsabilidade fiscal e a baixa vulnerabilidade externa. O PAC busca desenhar um ambiente favorável aos investimentos e a aplicações de recursos, com medidas de curto, médio e longo prazo. Assim condiciona um clima de estabilidade e segurança para a realização de investimentos. Para alcançar o proposto, as medidas do PAC estão organizadas em cinco blocos: 1) Investimento em Infraestrutura; 2) Estímulo ao Crédito e ao Financiamento; 3) Melhora do Ambiente de Investimento; 4) Desoneração e Aperfeiçoamento do Sistema Tributário; 5) Medidas Fiscais de Longo Prazo. Assim, acreditou-se ter o governo desenhado políticas para orientar e criar as condições necessárias ao aumento do investimento privado. 1 O Programa de Aceleração do Crescimento teve sua 1ª edição entre os anos de 2007 a 2010, a sua segunda edição entre os anos de 2010 a 2014, estando na terceira edição de 2014 – 2018 todas estas dando sequência e ampliado o projeto inicial. O PAC se coloca numa conjuntura de possibilidades reais de crescimento econômico e de melhoria nos indicadores socioeconômicos do país (2003-2006), baseado em um modelo de desenvolvimento neoliberal, onde os indicadores apontavam para um maior consumo de bens e serviços. Momento em que o Brasil ocupava um lugar importante na venda de commodities e era um dos principais importadores do mundo. Trata-se de um conjunto articulado de medidas no setor econômico, pelas quais o governo estabeleceu metas para o crescimento (5% ao ano), mas para alcançar tais metas o próprio governo propôs a instalação de uma série de medidas que tem como propósito enfrentar os chamados pontos de estrangulamento do crescimento. Os pontos de estrangulamento se concentram na insuficiente infraestrutura, principalmente nos setores de transporte e energia, além do “baixo” nível de crédito e recursos para o financiamento nas áreas dos investimentos, dos aspectos regulatórios, ficais e tributários. Assim, cumpriria um caráter econômico que vise à estabilidade e o cumprimento dos acordos internacionais. Para Kupfer (2007), com o PAC o governo resolveu começar a governar, assim como para Sucsú (2007), que acredita que os montantes indicados no PAC para o investimento público não são absolutamente notáveis, mas são muito superiores àqueles realizados nos últimos anos. As criticas se voltam principalmente para a intervenção pontual na economia e pela não ruptura com os ideais neoliberais (SANTOS et al., 2010) (RODRIGUES, SALVADOR, p. 131, 2011). Nesse sentido, observa-se a retomada e importância do papel do Estado como indutor do crescimento econômico, fazendo movimentos estratégicos na infraestrutura econômica ao mesmo tempo que também se percebe o evidente limite desse papel frente à manutenção do modelo econômico neoliberal. As políticas públicas traduzem mediações entre os interesses, diretamente ligadas ao modelo econômico e a constituição de fundos públicos, que assumem aspectos estratégicos na reestruturação produtiva. Trata-se de processos dinâmicos que envolvem negociações, pressões e alianças (TEXEIRA, 2002). Nesse contexto é que o Banco Nacional e Internacional tornam-se verdadeira autoridade. Mészàros (2011) aponta o Estado como agente fundamental no processo de reprodução e ampliação do capital, fazendo-se presente e ativo na aplicação de novas metas e estratégias de mercado, assumindo ainda a garantia para que tais estratégias se realizem, e assim fortalecendo ainda mais o capital internacional. A tríade Política Pública – Capital – Trabalho, aparentemente perfeita e de caráter democrática, tem em sua ordem a expressão do domínio de uma classe. As condições de pobreza e exploração, em detrimento da elevação das taxas de crescimento econômico demonstram que as desigualdades são fundamentais para a reprodução ampliada do capital. Ao mesmo tempo em que o Estado é parte integrante e fundamental nas relações capitalistas de produção, ele também é o grande defensor da manutenção das mesmas, criando condições para minimizar o conflito entre classes. Ficando claramente evidenciado o Estado como forte pilar de sustentação do capitalismo, garantindo as condições de produção e reprodução do capital, assegurada pela sua legitimidade e controle social. A associação do grande capital agroindustrial com a grande propriedade fundiária realiza a estratégia econômica do capital financeiro com o objetivo acumulativo do lucro e da renda da terra, associação possibilitada pelo Estado ao assumir políticas estratégicas estruturadas em programas de investimentos em infraestrutura territorial (CONCEIÇÃO, 2013, p.07). Com o objetivo de expandir-se, o capital cria no seu sistema de exploração formas destrutivas na tentativa de superar todas as barreiras que dificultem a sua reprodução, o seu objetivo é a criação de mais valor absoluto e relativo. “No entanto, a criação de valor depende da capacidade de realiza-la através da circulação. O insucesso da realização de valor significa, simplesmente, a negação do valor criado potencialmente na produção” (HARVEY, 2005, p. 72/74). Em 2007 ao anunciar o Programa de Aceleração e Crescimento da Economia, o Governo Lula da Silva afirmou ser o PAC uma política em contraposição a política econômica neoliberal. Entretanto o que se tem constatado é que, os programas do PAC, antes de sinalizar desenvolvimento e melhoria da classe trabalhadora no padrão neokeynesiano, ele se enquadra nos velhos esquemas de beneficiamento do setor bancário, afinando-se com as antigas políticas neoliberais. O que se constata é um aumento exacerbado de lucros, com elevadas taxas de juros sob o controle e influência de uma “dívida pública” e as taxas de câmbio, controladas pelo capital comercial e financeiro. Os investimentos em infraestrutura aparecem como um dos pontos centrais do programa, do ponto de vista das prioridades direcionando os recursos para os gargalos, ou seja, para os impedimentos do aumento do nível das atividades econômicas centrais, estimulando o crescimento constante da economia brasileira e ampliando a capacidade produtiva. Os gargalos principais apontados são o precário fornecimento de energia e a infraestrutura e logística de transportes no geral. Mesmo sendo energia e transporte os pontos fortes no setor de infraestrutura, essa ainda conta com as necessidades de investimentos direcionados ao saneamento básico, habitação popular e infraestrutura urbana. Sendo o PAC considerado o maior programa de investimentos estratégicos do Brasil nas últimas quatro décadas2, a infraestrutura é apresentada com o objetivo de aumentar o investimento, eliminar os principais gargalos que podem restringir o crescimento da economia, reduzindo os custos e aumentando a produtividade das empresas, o que estimularia, consequentemente, o aumento do investimento privado e provocaria uma redução nas desigualdades regionais, ressalta-se que a maioria das obras é de caráter nacional. As condições fiscais permitiria o aumento do investimento do Governo Federal sem comprometer a estabilidade fiscal. Para atender tal questão foi criado um Comitê gestor para acompanhamento e avaliação dos projetos de investimento do PAC. Salienta-se que, dentro do bloco da infraestrutura se concentram a logística, energia e infraestrutura social. As ações e metas de implantação do Programa estão direcionadas as medidas que facilitam e incentivam o investimento privado, conjuntamente com um amplo investimento público em setores de infraestrutura e desenvolvimento econômico. Essas medidas estão unidas a redução da taxa de juros de longo prazo e a redução dos spreads dos bancos (BNDES, Caixa...) para infraestrutura3. Assim estimulando o crédito e o financiamento proposto pelo PAC. Além desses elementos, o Estado assume o papel de aperfeiçoar o marco regulatório e o sistema de defesa da concorrência. O desenvolvimento do mercado de crédito é parte essencial para esse tipo de desenvolvimento econômico e social, por isso faz parte do projeto o estímulo ao Crédito e ao Financiamento. Nos últimos anos o Governo Federal adotou uma série de medidas que resultaram na expansão do volume de crédito (bancário e mercantil) e do mercado de capitais. O objetivo desde o ano de 2008 e nos anos seguintes é dar continuidade ao aumento do volume de crédito, sobretudo o crédito habitacional. e do crédito de longo prazo para investimentos em infraestrutura, no entanto por conta da crise política e econômica esse cenário sofre algumas alterações. Para obter sucesso no projeto, novas medidas de estímulo ao crédito e ao financiamento foram tomadas, a exemplo e com destaque a concessão pela União de crédito à 2 Caderno de Apresentação do PAC à Imprensa, Secretaria de Imprensa e Porta-Voz da Presidência da República, Brasília-DF, Janeiro de 2007. 3 A redução de spreads do BNDES é uma medida que reduz o custo do financiamento em de projetos especialmente nos setores de energia, ferrovias, rodovias, aeroportos, portos, terminais, transporte urbano integrado e saneamento básico. Caixa Econômica Federal (CEF) para aplicação em saneamento e habitação (R$ 5,2 bi – MP). Além disso, ouve a ampliação do limite de crédito do setor público para investimentos em saneamento ambiental e habitação (R$ 7,0 bi – Resoluções CMN) e a criação do Fundo de Investimento em Infraestrutura com recursos do FGTS (R$ 5,0 bi – MP), destacando também a elevação da liquidez do Fundo de Arrendamento Residencial (MP), como aponta o Relatório de Medidas Institucionais do PAC (BRASIL, 2007). Segundo Rodrigues e Salvador (2011), o PAC se apropria de parcela dos recursos do Estado destinadas as politicas públicas sociais para direcioná-las a manutenção de uma política econômica que prioriza o pagamento dos serviços de uma dívida (juros e amortização), fragilizando os direitos sociais porque retiram recursos da Seguridade Social e da Educação. A pretensão do PAC foi de introduzir no país um novo conceito de investimentos em infraestrutura, fazendo dessas obras estruturadoras instrumentos para o neo- desenvolvimentismo. Sua meta é a de estimular a produção nos principais setores da economia, acelerando as áreas que já estão em expansão no país e começando obras que estão em estado de repouso, gerando segundo sua proposta, uma melhor integração dos diversos estados da federação e atração de outros países, através de parcerias entre os vários poderes executivos e os investimentos privados. As medidas tributárias do PAC limitam-se a pequenas isenções fiscais à determinados setores, muitos deles altamente oligopolizados (como por exemplo, os ligados ao aço), que irão aumentar suas margens de lucros com tais isenções, não repassando as desonerações para os preços de bens e serviços oferecidos ao consumidor final. A alta taxa de juros o maior obstáculo a ser enfrentado tanto na execução do PAC como para o próprio crescimento do país, pois eleva a dívida pública, atrapalha o crescimento e reduz a disponibilidade de recursos para investimento público. Mesmo que o PAC represente uma visão fiscal mais desenvolvimentista, o governo ainda mantém uma política de estagnação econômica com juros elevados, câmbio valorizado e gastos sociais limitados (SICSÚ, 2007). Em 2007, das 627 obras autorizadas, 348 (55%) tiveram entre 0,00% e 1% de execução. Já em 2010 das 670 obras, 266 (39%) ficaram nessa faixa de execução, sendo que muitos desses projetos se referem à área de saneamento e abastecimento de água. Segundo o 11º Balanço do PAC 1 (BRASIL, 2010) e o 10º Balanço do PAC 2 (2014), os investimentos no setor de energia foram os que mais se aproximaram das metas iniciais, chegando a 87% dos 12.386 MW de energia elétrica previstos, construídos 3.776 km dos 4.526 km de gasoduto e instaladas 87 das 123 usinas de combustíveis renováveis esperadas, entre outras ações. Dos 2.518 km de ferrovias prometidos, apenas 909 km foram entregues. Rodrigues e Salvador (2011), utilizando-se dos dados dos valores de investimentos dos setores, desde as entradas e a execução das obras, estes afirmam que existe um hiato entre a propaganda e a execução, pois o que se vê é um grande investimento na divulgação do PAC e a tentativa de supervalorização de suas ações, e uma baixa efetividade das propostas. Quando lançado em 2010, o PAC 2 tinha investimento previsto de R$1,59 trilhão, sendo R$ 955 bilhões para o período de 2011-2014 e R$ 631,4 bilhões para o período pós 2014, no entanto chega a sua segunda edição com a mesma meta de compromissos que o PAC 1 – realizar a infraestrutura que eleve a competitividade do país; gerar empregos; resgatar o papel do Estado como indutor do desenvolvimento; incentivar investimentos públicos e privados; reduzir as desigualdades regionais do Brasil –, porem numa condição de obras mais avançadas e numa mudança do quadro macroeconômico. Acenava-se para um cenário econômico de crescimento e aparente estabilidade, até então atrativo, com um poder de consumo crescente e robusto, mas com previsões de desaceleramento. Justificavam que mesmo que o PAC 2 iniciasse com um índice de exportação crescente e recuperação do comércio mundial com o aumento nas importações, a perspectiva, para os próximos anos era muito otimista, haveria um crescimento moderado. A economia mundial, nessa análise, representa o fator de moderação para o crescimento da economia brasileira. Sendo os fatores que mais influenciavam: a) forte concentração do PIB dos EUA, com o desequilíbrio financeiro; b) desacelerações na China; c) lenta recuperação na área do EURO, significando um baixo crescimento econômico. A China iniciou o ano de 2014 com uma desaceleração econômica, resultante dos problemas relativos ao sistema financeiro local, que se deteriorou após a crise de 2008. Mais recentemente vem apresentando problemas com calotes corporativos e com enfraquecimento do setor imobiliário. Essa desaceleração chinesa tem um significado de desaceleração para a economia de toda a América Latina, tendo em vista que isso favoreceu uma piora na balança comercial. Os países latinos são fortes dependentes das exportações de commodities para a China, somado aos gargalos econômicos relacionados à infraestrutura e ao mercado de trabalho bastante apertado. O primeiro trimestre do ano de 2014 ainda apontava que o comércio mundial ainda cresceria lentamente durante o ano, mas num contexto internacional de dificuldades. Há em curso um período de transição da economia mundial, com melhores perspectivas de crescimento nas principais economias desenvolvidas, conjugado a um processo de normalização das condições monetárias e financeiras, já iniciado nos Estados Unidos e prestes a começar no Reino Unido. Os principais riscos à consolidação deste cenário estão relacionados: (i) à normalização da política monetária norte-americana que, se não for bem conduzida, poderá prejudicar a recuperação; (ii) ao risco de deflação na Área do Euro; e (iii) ao risco de desaceleração mais forte da economia chinesa (BRASIL, 2014, p. 10). Onde se aponta para um crescimento favorável alerta-se também para os riscos de consolidação desse cenário. Riscos esses que se concretizam, e que coloca o Brasil, por exemplo, na mesma zona de risco, visto que não mais consegue manter os fundamentos macroeconômicos estabelecidos para enfrentar a crise mundial e seus desdobramentos – bases em metas para inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal. Ou seja, o tripé da política econômica que mantinha um quadro de solidez, pelo elevado nível de reservas internacionais, dívida pública líquida cadente, o sistema financeiro doméstico sólido e o mercado de trabalho robusto, é arriscado e desestabilizado. A crise mundial que promoveu a variação de custos que afetou não só o agronegócio e os produtos agropecuários em 2013/2014, mas também os custos de energia elétrica foi vinculada pelo Comitê de Gestor do PAC, como sendo efeitos climáticos, associados às pressões, nos primeiros meses de 2014, ao Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA). Os picos de choque de preços (março de 2014) provocaram variações mensais que estão em trajetórias de declínio, e provocaram pressões inflacionárias. O Governo Brasileiro afirmou, naquele momento, que a economia brasileira convivia com custos financeiros historicamente mais apropriados, que geram efeitos positivos para o desenvolvimento dos mercados de capitais de longo prazo, em especial os ativos ligados ao investimento produtivo. A emissão de debêntures4, consolidando uma maior participação da iniciativa privada como fonte complementar de funding (financiamento) aos projetos de investimento, em especial aos de infraestrutura. “Em junho de 2014, por exemplo, o Banco do Brasil e o Banco Votorantim lançaram um FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios) de debêntures de infraestrutura para financiar, em especial, projetos de concessões federais nas áreas de energia elétrica, rodovias e aeroportos” (BRASIL, 2014, p. 12). 4 Debênture é um título de crédito representativo de empréstimo que uma companhia faz junto a terceiros e que assegura a seus detentores direito contra a emissora, nas condições constantes da escritura de emissão. Ou seja, são certificados ou títulos de valores mobiliários emitidos pelas sociedades representativas de empréstimos contraídos pelas mesmas, cada título dando, ao debenturista, idênticos direitos de crédito contra as sociedades, estabelecidos na escritura de emissão. O governo atuou no campo com estratégias que priorizam o investimento, aplicando vários incentivos concedidos para a ampliação da capacidade produtiva na economia, a exemplo a facilidade das condições de financiamento do investimento privado por meio de vários programas do BNDES, oferecendo condições favoráveis de financiamento para aquisição de bens de capital. O PAC se apresenta e constitui-se ainda como um instrumento essencial para garantir o investimento e como força impulsionadora da política de desenvolvimento. O Programa de Investimentos em Logística (PIL) – concessões em aeroportos, rodovias, ferrovias, portos e energia – alinha-se à estratégia do PAC como peça fundamental para a superação dos gargalos, aumentando a produtividade e competitividade da economia. Os investimentos em infraestrutura acabam por promover, ainda mais, os investimentos privados em setores estratégicos e dinâmicos da produção e circulação de mercadorias. Considerações Finais O programa é a materialização de uma ação governamental planejada, trata-se da retomada do Estado como orientador de políticas públicas, para o crescimento econômico incrementando nas chamadas áreas estratégicas investimentos públicos e estimulando investimentos privados. O governo se colocou como “ator” no processo de crescimento do país, com o papel de induzir e direcionar os investimentos que estimulem o crescimento da economia, vislumbrando mudanças qualitativas no posicionamento e segurança no mercado internacional. Contraditoriamente, o que se observa é a manutenção de uma política de favorecimento ao monopólio na indústria, na agricultura, no comércio. O mercado instrumentaliza o Estado, e este o instrumentaliza para uma política perversa de favorecimento das transnacionais. Sustentadas na justificativa da necessidade da superação da crise as políticas agrícolas nacionais e locais fazem coro às políticas internacionais sob o comando das instituições financeiras internacionais que determinam a ampliação das monoculturas para a produção de agrocombustíveis (CONCEIÇÃO, 2013, p. 85). Dessa forma, o PAC, assim como outras políticas públicas, não se materializa em ações deslocadas, mas envolve diversos setores da sociedade. As consequências e impactos da sua execução não são pontuais, não se limitam apenas no aparente. A execução do programa ocorre em meio à disputa de recursos do fundo público, seja por meio de desonerações tributárias e/ou de priorização de ações orçamentárias em detrimento de outras, em um contexto de crise do capitalismo marcado por décadas de política neoliberal e de predomínio do capitalismo financeiro. Referências Blibiográficas BRASIL. Programa de Aceleração do Crescimento 2 - 10º Balanço março a junho de 2014. 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