Texto coletivo mediacao do ensino

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O TEXTO COLETIVO COMO MEDIAÇÃO DO ENSINO ENQUANTO
PESQUISA
Elisângela André da Silva
Maria do Socorro Lucena Lima
Resumo
O presente texto parte de uma análise da sociedade contemporânea, situando a educação
como práticas social enxarcada por valores próprios deste mundo dito globalizado. As
políticas educacionais gestadas a partir de 1990 trazem fortes marcas do ideário
neoliberal e situam os professores como os agentes responsáveis pelo sucesso das
propostas educativas orquestradas pelos organismos internacionais. Compreendemos a
docência como práxis e defendemos a necessidade de que cada professor investigue as
determinantes que interferem no seu trabalho e possa, a partir dessa tomada de
consciência, posicionar-se criticamente diante do que a sociedade espera de sua
profissão. Assim, reconhecemos a relevância da articulação entre ensino e pesquisa nos
processos de formação e exercício da docência. Com o objetivo de refletir sobre os
limites e as possibilidades da formação do professor pesquisador, buscamos através de
uma abordagem qualitativa, articular referenciais teóricos de Charlot (2008), Contreras
(2002), Imbernón (2002), Libâneo (2006), Stenhouse (1975) a uma experiência
pedagógica desenvolvida na Universidade, identificando reais condições de
desenvolvimento dessa postura pedagógica.
Palavras-chave: Contemporaneidade. Políticas Educacionais. Formação. Professor
pesquisador.
Résumé
Le présent texte part d’une analyse de la société contemporaine, en situant l’éducation
comme pratique sociale replète pour valeurs propes de ce monde dit globalisé. Les
politiques éducationnelles gérées depuis 1990, apportent fortes marques du idéal
neolibéral et situent les professeurs comme les agents résponsables pour le succès de las
propostes éducatives orchestrées pour les organismes internationaux. Nous comprenons
l’enseignante comme praxie et défendons la necessité de que chaque professeur fasse
des investigations à propos des déterminants qui interfèrent dans son travail et puisse,
depuis cette prise de conscience, se positionner d’une forme critique devant du que la
société espère de sa profession. Aisin, nous reconnaissons l’importance d’articulation
entre l’enseignement et la recherche dans les procès de formation et exercice de
l’enseignante. Avec l’objectif de reflechir à propos des limites et des possibilités de la
formation du professeur rechercheur, nous recherchons à travers d’un abordage
qualitatif, articuler références théoriques de Charlot (2008), Contreras 92002), Imbernón
(2002), Libâneo (2006), Stenhouse (1975) à une expérience pédagogique developpée
dans l’Université, en identifiant reales conditions de developpement de cet attitude
pédagogique.
Mots-clé: Contemporain.
rechercheur
Politiques
Éducationnelles.
Formation.
Professeur
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O TEXTO COLETIVO COMO MEDIAÇÃO DO ENSINO ENQUANTO
PESQUISA
Introdução
A compreensão da docência no contexto da sociedade contemporânea tem
levado inúmeros pesquisadores a se debruçar sobre as políticas educacionais vigentes e
sobre o papel do professor como agente responsável pela consolidação, em última
instância, das propostas estruturadas para os diferentes níveis de ensino.
Pensar a profissão nos leva a pensar também na formação inicial que tivemos e
na formação que continuamente buscamos. Nos elementos que conferem a esse
processo o título de qualificação profissional, superando, evidentemente a compreensão
de qualificação como mera coletânea de títulos acumulados.
A articulação entre ensino e pesquisa tem sido apresentada como possibilidade
de construção significativa de conhecimentos necessários à docência, mas também
como elemento de promoção do desenvolvimento profissional docente. Com o objetivo
de refletir sobre os limites e as possibilidades da formação do professor pesquisador,
buscaremos considerar como norte para nossas reflexões as seguintes questões: é
possível articular ensino com pesquisa? Por que pensar no professor como pesquisador?
Que ganhos a formação e a profissão professor têm a partir desse referencial?
Para buscar respostas a estes questionamentos nos debruçamos sobre as
elaborações de Charlot (2008), Contreras (2002), Freire (2006), Imbernón(2002),
Libâneo (2006), Stenhouse (1975), entre outros .O estudo das idéias dos autores
apresentados é complementado pela análise de uma experiência pedagógica vivenciada
na Universidade Estadual do Ceará, que anuncia a relevância e a viabilidade do ensino
enquanto pesquisa na formação de professores.
A educação na contemporaneidade
A educação, compreendida como práxis, guarda relação indissociável com as
formas de organização da sociedade e com os valores políticos, econômicos, culturais e
sociais vigentes em um determinado contexto histórico. Nesse sentido, para pensarmos
a educação na sociedade contemporânea precisamos identificar algumas das principais
marcas que caracterizam o modo de pensar, de viver e de conviver do homem
contemporâneo.
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Entre os traços mais marcantes da contemporaneidade podemos citar a
globalização e a revolução científico-tecnológica, que imprimem à sociedade um novo
modo de instituir as relações com o tempo, com o espaço, com os valores e com as
dimensões da individualidade e da coletividade no contexto das relações sociais.
Concordamos, com D’ávila (2008, p.34) quando a mesma afirma que a aceleração na
velocidade das informações também modifica as relações humanas e passam a
constituir-se como égides da vida urbana: a pressa, a superficialidade das relações, os
conflitos morais, os conflitos paradigmáticos nas ciências, os valores sociais e
individuais.
A globalização, primeiro dos traços citados por nós, se constitui como uma das
estratégias de fortalecimento do sistema capitalista e tem como principal característica
diminuição de fronteiras econômicas entre os países que constituem redes de fluxo de
mercadorias e serviços, e configuram-se como blocos econômicos integrados
(GONÇALVES E MACÁRIO, 2009).
A perspectiva de desenvolvimento mútuo das nações que se interrelacionam neste mundo dito globalizado não consegue se expressar em países como o
Brasil, de forma mais abrangente. Os principais reflexos facilmente identificados no
contexto brasileiro, a partir da década de 19901 são: dependência e vulnerabilidade
externa, decorrente de acordos internacionais que demandam o estabelecimento de
agendas de compromissos envolvendo as políticas públicas; desnacionalização de ramos
fundamentais da economia doméstica, como telefonia, eletricidade e abastecimento de
água, entre outros; índices elevados de desemprego e agravamento de questões sociais
como a violência, a criminalidade e a desmoralização da política.
No que se refere às influências deste contexto na definição das políticas
educacionais, as principais mudanças decorrem das novas lógicas neoliberais, impondo
a sua versão da modernização econômica e social. A dinâmica estabelecida pelo
binômio globalização-neoliberalismo na sociedade é mais ampla que a compreensão
restrita desta forma de relacionamento entre os países, sob uma perspectiva
fundamentalmente econômica. Charlot (2008, p.20) resume este processo da seguinte
forma:
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Período considerado como marco histórico da reestruturação da economia e do estado
nacional pelas elites conservadoras brasileiras (Gonçalves e Macário, 2009).
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Primeiro, tornam-se predominantes as exigências de eficácia e qualidade da
ação e da produção social, inclusive quando se trata de educação.
Em segundo lugar, essas exigências levam a considerar o fim do ensino
médio como o nível desejável de formação da população em um país que
ambiciona enfrentar a concorrência internacional e a abrir as portas do ensino
superior a uma parte maior da juventude. Por um efeito de feedback, crescem
as exigências atinentes à qualidade do ensino fundamental.
Em terceiro lugar, a ideologia neoliberal impõe a idéia de que a “lei do
mercado” é o melhor meio, e até o único, para alcançar eficácia e qualidade.
Multiplicam-se as privatizações, inclusive, em alguns países, em especial no
Brasil, as do ensino, quer fundamental, quer médio, quer superior ainda mais.
De modo geral, a esfera na qual o Estado atua diretamente reduz-se. O Estado
recua, em proveito do “global” e, ainda, do “local”, beneficiado pelo recuo do
Estado.
A dinâmica acima descrita é referendada no Brasil através da adesão à agenda
estabelecida por ocasião da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada
em Jontiem (Tailândia), no ano de 1990, que tinha como foco a satisfação das
necessidades básicas de aprendizagem mediante o cumprimento de sete artigos
estabelecidos na declaração mundial assinada pelos países participantes, dentre os quais
destacamos: universalizar o acesso à educação e promover a eqüidade; concentrar a
atenção na aprendizagem; ampliar os meios e o raio de ação da educação básica e
propiciar um ambiente adequado às aprendizagens.
A educação, neste mesmo documento, é situada como elemento que pode
contribuir para conquistar um mundo mais seguro, mais sadio, mais próspero e
ambientalmente mais puro, que, ao mesmo tempo, favoreça o progresso social,
econômico e cultural, a tolerância e a cooperação internacional (UNESCO, 1990, p. 1).
Nesse sentido, podemos verificar que dentro das agendas internacionais a educação
passa a figurar como política prioritária e como indicativo de desenvolvimento das
nações. Assim, de acordo com a declaração mundial de educação para todos, a evolução
dos indicadores educacionais passa a ser elemento de controle externo das políticas
sociais nacionais e figurar como uma das preocupações centrais dos governos.
A política educacional brasileira, a partir dos anos 90, caracteriza-se por ser
induzida por este e outros acordos. A preocupação com a universalização da Educação
Básica (que incidiu inicialmente sobre o ensino fundamental e mais recentemente sobre
a educação infantil e o ensino médio) veio acompanhada de estratégias de busca pela
qualidade do ensino ofertado. Peroni (2007) situa entre as estratégias de controle do
governo federal sobre o trabalho pedagógico e seus resultados na escola brasileira, a
elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e o estabelecimento do
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Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Tais estratégias permitem a
centralização de decisões referentes aos conteúdos curriculares e a descentralização de
ações de promoção dos mesmos, que ficam a cargo da escola, sob o princípio da gestão
democrática da escola pública. (LDB 9394/96, Art. 3º, Inciso VIII).
O professor, nesse contexto, é conclamado a ser agente de mudanças e sujeito
responsável pelo desenvolvimento de uma proposta curricular alinhada às políticas
educacionais vigentes e, por conseqüência aos interesses da sociedade dita globalizada.
Tal estatuto conferido aos professores necessita ser analisado de forma crítica para que
não se compreenda este profissional como o grande responsável pelos sucessos e
fracassos da educação nacional. Faz-se necessária a apreensão do contexto mais
abrangente para que se possa identificar de forma mais clara o papel do professor, assim
como os limites e as possibilidades da docência na sociedade contemporânea.
A formação do professor pesquisador
Fala-se muito hoje em educação de qualidade. No entanto, o conceito de
ensino de qualidade envolve diferentes setores, com diferentes interesses, o que deixa
muitas vezes certa ambiguidade em relação aos critérios explícitos de caráter
pedagógico, ético, cultural e social. A educação busca preparar o cidadão, a formação
da consciência – um projeto bem diferente do que a racionalidade mercantilista apregoa.
Na racionalidade mercantilista, a cultura ou o conhecimento codificado não
são referências valiosas para dirigir a procura de algum tipo de racionalidade;
o conhecimento sobre o aluno, sobre suas formas de aprender, sobre as
consequências dos métodos pedagógicos, tampouco; a não ser que o modelo
do mercado considere que toda a população é exaustivamente ilustrada ou
possui um senso comum bem fundamentado, sendo capaz de apreciar
corretamente as virtudes do modelo de educação a ser escolhido.
(SACRISTAN, 1999, p.248)
Nesse contexto, marcado pelas grandes e rápidas mudanças sociais, Libâneo
(2006) explica que é solicitado aos professores o exercício do papel de agentes de
transformação e que as escolas incluam nas suas práticas o desafio de passar para o
aluno a cultura do mundo contemporâneo. Espera-se que estes profissionais, com os
seus saberes, valores e experiências, contribuam na tarefa de melhoria da qualidade do
trabalho escolar, da aprendizagem dos alunos. Aos professores tem sido cobrada, ainda,
a responsabilidade de ultrapassar suas atribuições no plano individual, no sentido de
agir coletivamente no nível institucional, enfrentando essas novas demandas requeridas
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pelas situações de ensino, onde se fazem necessárias a competência do conhecimento, a
sensibilidade ética e a consciência política.
Sobre a necessidade da preparação dos professores para a realização deste
trabalho de redefinição social junto aos alunos e das instituições Libâneo (2006, p.15)
nos diz que a transformação da prática docente decorre da ampliação da consciência
deste sobre essa mesma prática. E acrescenta:
A formação docente é um processo permanente e envolve a valorização
identitária e profissional dos professores. A identidade do professor é
simultaneamente epistemológica e profissional, realizando-se no campo
teórico do conhecimento e no âmbito da prática social.
O mundo passa por constantes evoluções nos setores científico, tecnológico e
econômico. Estas transformações, características do mundo globalizado, geram
inquietações nos profissionais do mundo inteiro, pois o mercado de trabalho passa a
exigir uma mão-de-obra qualificada, uma formação de boa qualidade e uma constante
capacitação dos trabalhadores. O profissional docente não se situa à parte desta
realidade política neoliberal, cabendo ao mesmo preocupar-se em uma constante
reflexão e qualificação do seu fazer pedagógico.
Diante das mudanças em âmbito mundial, o professor precisa refletir sobre a
concepção de seu ato pedagógico e questionar-se sobre a sua formação. O trabalho
docente não se caracteriza apenas pela transmissão de ideias e conhecimentos, mas, sim,
por um trabalho que proporciona uma educação transformadora, reflexiva e crítica.
Nesse sentido, Stenhouse (1975, p. 156) afirma que o professor deve apresentar uma
pré-disposição para examinar a própria prática de maneira crítica e sistemática, pois a
estes pertence a função de reflexão e de desenvolvimento curricular: (...) o
desenvolvimento curricular de alta qualidade, efetivo, depende da capacidade dos
professores adotarem uma atitude de investigação permanente do próprio ensino.
A posição do professor, em seu campo de atuação, é de construção do
conhecimento do
aluno, como um
agente transformador de
mudança do
desenvolvimento do processo educacional do discente. É ainda de agente dinâmico e
flexível, preocupado em adquirir conhecimentos e estratégias de ensino que possibilitem
ao aluno uma educação formadora crítica e reflexiva. Imbernón (2002, p. 39) explica
ainda que o processo de formação deve dotar os professores de conhecimentos,
habilidades e atitudes para desenvolver profissionais reflexivos ou investigadores.
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O professor deve formar-se com a capacidade de refletir sobre sua prática
educacional e sobre sua docência, com o propósito de construir da sua identidade
profissional docente. Assim, busca-se a formação de um professor que analisa seus
conceitos, sua prática, e pode intervir na sociedade. (IMBERNÓN, 2002).
Indagar sobre o sentido das reformas no campo da educação significa fazer as
mudanças de forma consciente e o fato de tornar-se um sujeito reflexivo e investigador,
um agente capaz de interpretar e resolver situações complexas no seu fazer docente
diário. Faz-se necessário que este profissional afaste de si o conceito de professor
tradicional, que tem como função principal apenas transmitir o conhecimento aos
alunos. Concordamos com Imbernón (2002, p. 41) quando afirma que um aspecto
relevante na capacitação profissional é a atitude do professor realizar as fases da
docência, ou seja, planejar sua tarefa pedagógica, não apenas como técnico, mas como
intelectual mediador de aprendizagem, prático reflexivo, que tem a possibilidade de
provocar a participação dos alunos, a cooperação da comunidade e a construção do
conhecimento.
O professor, que o contexto atual precisa, é aquele que ensina e aprende, que é
sujeito da sua atividade profissional e da sua formação. Assim, nos aproximamos das
idéias de Stenhouse (1975), por acreditarmos que a melhoria do ensino é processo de
desenvolvimento, pois não decorre do mero desejo e sim do aperfeiçoamento, refletido,
da competência de ensinar; e este se processa através da eliminação gradual de aspectos
negativos, identificados através do estudo sistemático sobre a atividade docente.
O olhar pensante e sensível do professor pesquisador
A apreensão da realidade que nos cerca se dá, inicialmente, por uma
inquietação proporcionada pelo olhar, no momento em que aquilo que julgamos
aparentemente normal passa a ser enxergado de forma diferente e curiosa. É neste
movimento que o mundo passa a ser constantemente explorado e desvelado, gerando
novas formas de compreensão e de intervenção por parte da humanidade.
O olhar, portanto, é ferramenta indispensável no processo de investigação e
pesquisa dos fenômenos naturais e sociais. É a partir dele que vêm historicamente
surgindo perguntas, inquietações e descobertas que proporcionam o desenvolvimento
das diferentes ciências. No entanto, é importante destacarmos que este olhar não se dá
de forma despretensiosa, reduzida a simples percepção dos fenômenos. É uma ação
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complexa, historicamente constituída e, portanto, resultado de um processo de
aprendizagem e de escolhas. É, em outras palavras, o olhar de pesquisador.
A constituição da identidade do professor como pesquisador passa pelo
reconhecimento de seu inacabamento enquanto pessoa, fato que nos conduz à
compreensão de que tal constituição é um processo de reformulação contínua e
consciente, que implica, inclusive, uma forma de intervenção no mundo, como afirma
Sales (2004, p. 91): Se nós somos aquilo que nos tornamos, significa que podemos nos
transformar em algo diferente do que fomos um dia e do que somos hoje.
Assim, na medida em que o professor se transforma gradativamente em um
profissional que pesquisa e compreende criticamente sua realidade, seu olhar passa por
um processo de transformação que lhe permite visualizar de forma mais ampla e
sistemática os fenômenos educativos, compreendendo-os à luz de diferentes
determinantes. Essa postura possibilita, de acordo com Contreras (2002, p. 185)
desentranhar a origem histórica e social do que se apresenta como “natural”.
A crítica, elemento essencial do olhar investigador, possibilita a dúvida e o
questionamento de conceitos, valores e hábitos presentes nas relações sociais das quais
a educação faz parte. Sem este elemento, o olhar se torna apático, frio e
descomprometido com as transformações. Dessa maneira, concordamos com Ghedin e
Franco (2008, p.80) ao compreendermos que para instaurar um processo de
transformação, convém educar o olhar noutras direções.
Nesse sentido, o olhar sobre o fenômeno educativo precisa considerar a
complexidade do mesmo e lançar luzes sobre aspectos que consideramos essenciais,
como a historicidade que situa a educação como prática social construída pela
humanidade, que ao mesmo tempo modifica os sujeitos e é por eles modificada; as
práticas escolares, que são compreendidas de forma distinta pelos sujeitos que delas
participam, a partir de representações sociais diversas, o que implica na busca constante
de sínteses entre fatores de caráter objetivo e subjetivo por parte dos pesquisadores; o
fenômeno educativo e sua dinamicidade, que demanda do olhar do pesquisador o
preparado para o imprevisto, para desordem aparente e a capacidade de elaboração de
categorias de análise a partir desse contexto.
Para lidar com esta complexidade, o professor pesquisador precisa desenvolver
não só aspectos referentes a técnicas e métodos investigativos, mas a sensibilidade para
captar mensagens presentes em diferentes sinais manifestos no chão da escola, como
olhares, silêncios, atritos, envolvimento, indiferença, entre outros tantos. Assim, a
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sensibilidade de quem investiga, apresenta-se como pergunta através dos órgãos dos
sentidos, como anuncia Cortella (2008, p. 07): quando estico o ouvido para perceber
um som, é a pergunta da audição (...) quando dirijo meus olhos para enxergar uma
cena, é a pergunta dos meus olhos, que querem ver uma diferente paisagem e a
procuram inquietos.
O olhar abre caminho para a percepção, para a interpretação e a compreensão
dos fatos e fenômenos, que analisados dialeticamente nos ajudam a compor uma
compreensão da realidade. Essa atividade está ligada a uma intencionalidade que, longe
de ser neutra, expressa ao mesmo tempo quem somos, de onde falamos, em que
acreditamos e por que pesquisamos. Assim, ratificamos a fala de Freire (2006, p. 32)
quando o mesmo afirma: Pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo
educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou
anunciar a novidade.
Ao lançarmos nosso olhar sobre o mundo, saímos de nós mesmos e nos
projetamos em um território desconhecido com o objetivo de desbravá-lo,
simultaneamente lançamos para dentro de nós esse mundo, agora com o objetivo de
desbravarmos a nós mesmos, nossas crenças, nossos valores e, sobretudo, nossa forma
de estar neste mesmo/diferente mundo.
A construção de textos coletivos como postura metodológica para a formação do
professor pesquisador
A docência no ensino superior e a investigação constante das idéias que
circulam em torno do professor pesquisador tem nos possibilitado a formulação de
vivências pedagógicas que evidenciem os ganhos obtidos pelos estudantes em formação
e pelos docentes através da articulação entre o ensino e a pesquisa. A construção de
textos coletivos é uma dessas vivências. A partir da análise dos passos que compuseram
essa experiência, buscaremos evidenciar os elementos que agregam significado às
aprendizagens constituídas nesse caminho.
A referida experiência se deu na disciplina Desenvolvimento Profissional
Docente, constituinte do currículo do Curso de Especialização em Formação de
Formadores, promovido pela Universidade Estadual do Ceará. O objetivo principal
desta disciplina é a reflexão sobre a formação contínua dos professores como elemento
de Desenvolvimento Profissional. Assim, a maioria dos profissionais que constituem a
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turma já acumula experiência como formador e busca neste espaço a ressignificação de
suas práticas.
A experiência de construção do texto coletivo se deu em 08 passos sobre os
quais nos debruçaremos a partir de agora.
1º Passo: Estudo de referenciais teóricos sobre profissionalização docente
e ensino como pesquisa2. A etapa inicial da disciplina promoveu ampla discussão da
docência como trabalho e da articulação indissociável do ensino e da pesquisa. Nesse
momento foi apresentada a sistemática de trabalho a ser desenvolvida para que todos
compreendessem a importância de seu envolvimento em todas as etapas do processo.
2º Passo: Produção individual do memorial de formação. Neste momento
os professores tiveram a oportunidade de revisitar suas experiências, destacando
vivências que contribuíram positiva ou negativamente em suas formações enquanto
pessoas e enquanto profissionais. A constituição da identidade do educador é elemento
central, tanto para a compreensão de seu modo de se posicionar frente às questões que
envolvem sua profissão, quanto para a identificação de possibilidades de mudanças.
3º Passo: Socialização dos memoriais e identificação de elementos
comuns nas histórias de vida e formação dos professores. Propusemos a formação de
trios para a socialização das histórias de vida e mapeamento dos pontos comuns.
Através dessa atividade, os professores puderam refletir melhor sobre a influência das
políticas educacionais no processo de formação de cada sujeito pertencente e a
percepção das dimensões individuais e coletivas da identidade.
4º Passo: Definição do tema de interesse. A definição e exploração do tema
escolhido por cada grupo promoveu o reconhecimento da necessidade de articulação
entre as elaborações mais específicas, situadas nas experiências cotidianas dos alunos, a
contextos mais abrangentes, a partir da contribuição de autores. A dimensão prática da
docência surge como importante elemento tanto para elaboração, como para o
enriquecimento de teorias educacionais. (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2008).
5º Passo: Produção de versões preliminares do texto. Na medida em que a
disciplina avançava e o estudo do referencial teórico proposto na ementa se
concretizava, os alunos iam produzindo versões preliminares dos textos, que
incorporavam tanto os conteúdos estudados em sala, quanto as contribuições trazidas
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O estudo desses referenciais teóricos ocorreu no desenvolvimento da disciplina e
gradativamente foram sendo incorporadas às elaborações dos grupos e às versões
preliminares de seus textos.
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por nós, na condição de docentes, e pelo próprio grupo, através dos levantamentos
bibliográficos realizados por cada aluno.
6º Passo: Apresentação da versão final do texto. No encerramento da
disciplina, os trios apresentaram suas produções em forma de comunicação oral. Assim,
a divulgação dos resultados completou o ciclo dessa experiência, promovendo o
exercício da pesquisa como uma possibilidade extremamente significativa de formação.
Ao final dessa experiência tivemos a satisfação de assistir trabalhos com
temáticas diversas, abordadas com todo rigor científico que caracteriza a pesquisa
acadêmica. Os depoimentos dos alunos deram destaque à construção processual das
elaborações acerca das temáticas estudadas, ao sentimento de recompensa por se
reconhecerem, a partir daquele momento como intelectuais capazes de produzir
conhecimentos científicos e de satisfação com o aproveitamento da disciplina, que
possibilitou tanto a melhor compreensão da docência, como de cada um na condição de
sujeito histórico em permanente processo de mudança.
Considerações
O desenvolvimento da política educacional brasileira, a partir do final do
Século passado teve como marca a interferência de organismos internacionais, que
induziram o país, por exemplo, a estabelecer a universalização da Educação Básica
como uma de suas metas prioritárias. A preocupação com a qualidade do ensino a ser
ofertado de forma massiva veio acompanhada de estratégias de controle do governo
federal sobre o trabalho pedagógico, concretizada na elaboração dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) e no estabelecimento do sistema oficial de avaliação da
Educação Básica (SAEB).
Tendo seu trabalho alienado pelas diferentes instâncias de gerenciamento da
Educação, o professor é desafiado constantemente a pensar sobre sua profissão e os
desafios postos cotidianamente à docência. Para compreender melhor seu papel na
sociedade o professor deve buscar estratégias que o possibilitem situar a sua ação
individual ao contexto mais amplo da educação nacional, percebendo a favor de quem
materializa seu trabalho.
A articulação entre ensino e pesquisa, nos espaços de formação inicial e
continuada de professores pode contribuir de maneira ímpar na constituição da
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profissionalização docente. Vários são os autores que discutem essa possibilidade, ora
posicionando-se contra, ora a favor, como é o caso de Charlot e Stenhouse.
A experiência vivenciada nos bancos da Universidade Estadual do Ceará, no
curso de especialização em Formação de Formadores, e mais especificamente na
disciplina Desenvolvimento Profissional Docente, demonstra, a partir dos resultados
obtidos que a perspectiva do professor pesquisador é extremamente válida, viável e
necessária ao fortalecimento da identidade profissional dos educadores.
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