Ministério da Educação Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro Campus Realengo – Curso de Bacharelado em Farmácia TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO BACHARELADO EM FARMÁCIA “Na+/ K+-ATPase: ASPECTOS GERAIS DA ENZIMA, FORMAS CLÁSSICAS DE MODULAÇÃO E NOVAS PERSPECTIVAS COMO ALVO FARMACOLÓGICO” Aluna: Renata da Silva Canário Orientadora: Profª Drª Elisa Suzana Carneiro Pôças Rio de Janeiro, 23 de março de 2013 Na+/ K+-ATPase: ASPECTOS GERAIS DA ENZIMA, FORMAS CLÁSSICAS DE MODULAÇÃO E NOVAS PERSPECTIVAS COMO ALVO FARMACOLÓGICO Na + / K +-ATPase: OVERVIEW OF THE ENZYME, CLASSIC FORMS OF MODULATION AND NEW PERSPECTIVES AS PHARMACOLOGICAL TARGET Renata da Silva Canário1, Elisa Suzana Carneiro Pôças2. 1. Bacharelado em Farmácia – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – IFRJ – Campus Realengo. [email protected] 2. Farmácia, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – IFRJ – Campus Realengo. [email protected] RESUMO A Na+/K+- ATPase é uma proteína transmembranar responsável por manter um gradiente eletroquímico fundamental para o funcionamento celular. A regulação por glicosídeos cardíacos inibe a enzima promovendo efeito inotrópico positivo e benefícios hemodinâmicos desejados no tratamento para insuficiência cardíaca. No entanto, o fato de esses fármacos apresentarem desvantagens no seu uso justifica a busca por novos inibidores, incluindo estruturas nãoesteroidais, como os já descritos cumestanos, antracenos e xantonas. Mais recentemente, demonstrou-se a relação da Na+/K+- ATPase na proliferação celular de células tumorais, além de estudos que descreveram que baixas doses de ouabaína, um glicosídeo cardíaco, podem aumentar a atividade da Na+/K+ATPase de forma a proteger culturas de hipocampo da isquemia experimental. Deste modo, a Na+/K+- ATPase tem sido apontada como alvo farmacológico para outras patologias além da insuficiência cardíaca, como, por exemplo, no tratamento antitumoral. PALAVRAS-CHAVE: Na+/K+-ATPase; glicosídeo cardíaco; novos inibidores, cumestanos. ABSTRACT The Na+/K+ - ATPase is a transmembrane protein responsible for maintaining an electrochemical gradient essential for cell function. The regulation by cardiac glycosides inhibits protein promoting positive inotropic effect and hemodynamic benefits desired in the treatment for heart failure. However, these medications present disadvantages in their use justifies the search for new inhibitors, including non-steroidal structures as the already described cumestans, antracens and xantones. More recently, It was described the relationship of Na+/K+ - ATPase in cell proliferation and studies have shown that low doses of [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] Página 1 ouabain, a cardiac glycoside, can increase the activity of Na +/K+- ATPase to protect hippocampal cultures of experimental ischemia.Nevertheless Na+/K+ ATPase has been pointed as pharmacological target for other pathologies besides heart failure, as in anti-tumoral therapy. KEYWORDS: Na+/K+-ATPase, cardiac glycosides, new inhibitors, cumestans. INTRODUÇÃO Embora a Na+/K+-ATPase seja uma enzima de estrutura elucidada há apenas algumas décadas, a mesma tem sido utilizada como alvo farmacológico de substâncias oriundas de plantas e animais, denominados esteróides cardiotônicos, em tratamento de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) bem antes disso. A primeira teorização a respeito da existência de uma bomba iônica responsável pelo influxo de K+ e extrusão de Na+ localizada na fibra muscular ocorreu no ano de 1941 com Robert Dean enquanto que sua identificação e caracterização foram esclarecidas por Jens Christian Skou em 1957 (BATISTA, 2007). Sendo um das ATPases mais extensivamente estudadas (AIRES et al, 2008), a Na+/K+-ATPase é uma isoenzima encontrada na membrana plasmática de todos os mamíferos, responsável pelo transporte ativo de íons por meio da hidrólise de uma molécula de ATP. Este transporte é fundamental para a sobrevivência da maioria das células eucarióticas por estar envolvido na manutenção de diversas funções celulares (BATISTA, 2007). Apesar de sua grande semelhança estrutural com outras enzimas presentes em abundância nas células eucarióticas como a H+/K+-ATPase e Ca2+/Mg2+-ATPase, apenas a Na+/K+-ATPase possui regulação específica por glicosídeos cardíacos (BATISTA, 2007). Os glicosídeos cardíacos são fármacos utilizados em protocolos para tratamento da ICC sintomática em pacientes de classe III (assintomáticos em repouso e sintomáticos em atividade menor que a habitual) e IV (sintomático apresentando dispinéia, fadiga em repouso e palpitação), em associação com outros fármacos de primeira linha para o tratamento. Os glicosídeos cardíacos não promoverem a regressão da doença, no entanto, atuam positivamente na melhora dos sintomas, estabilização do quadro e prevenção de piora (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA, 2002). A inibição da Na+/K+-ATPase por esses glicosídeos cardíacos proporciona o aumento dos níveis de Ca2+ intracelulares que interagem com as proteínas musculares proporcionando a contração do miocárdio e, consequentemente aumentando o bombeamento do sangue pelo coração (POÇAS, 2007). Os glicosídeos cardíacos de origem vegetal possuem distribuição restrita e esporádica em apenas algumas dezenas de espécies. Em tempos mais antigos, extratos de plantas contendo glicosídeos cardíacos já eram preparados por egípcios, romanos e gregos na medicina popular como diuréticos, tônicos cardíacos e eméticos. A primeira descrição feita do extrato de planta do gênero Digitalis popularmente conhecida como dedaleira, utilizado no tratamento ICC foi realizado no ano de 1775 pelo médico William Withering (POÇAS, 2007). [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] Página 2 Os fármacos digitálicos em circulação no mercado atual são a digoxina e digitoxina para uso clínico. Para uso experimental, principalmente in vitro, utiliza-se a ouabaína, também um glicosídeo cardíaco, porém não digitálico extraído das sementes do Strophantus gratus (NESHER, 2007 apud PÔÇAS, 2007, p.10). Além da utilização de glicosídeos cardíacos na ICC, novas aplicações para esses fármacos têm sido estudadas. O fato de haver o aumento de Na + e redução do K+ intracelular levantou à hipótese de que a homeostasia em células tumorais sofre modificação. Algumas linhas de estudo provaram que a regulação da Na+/K+-ATPase por glicosídeos cardíacos em dosagens de 10 nM a 500 µM podem reduzir tumores como os de mama e próstata já que a proliferação das células tumorais está em grande parte relacionada com o aumento da expressão da enzima (CHEN, 2005). Além disso, um interessante estudo realizado em 2009 por Oselkin mostrou que baixas doses de glicosídeos cardíacos (120nM) aumentam a atividade da Na+/K+-ATPase de forma a proteger culturas de hipocampo da isquemia experimental. Apesar de todos esses benefícios, novos fármacos inibidores da bomba de Na+ e K+ tem sido buscados como alternativa aos glicosídeos cardíacos que possuem desvantagens com o seu uso como o baixo índice terapêutico e efeitos adversos graves. EM 2001, então, foram testadas moléculas nãoesteroidais derivadas sinteticamente da wedelolactona, substância isolada da planta Eclipta prostrata L. (Asteraceae) (POÇAS, 2001). Uma dessas moléculas apresentou ação inibitória sobre a Na+/K+-ATPase sendo alvo de estudo alguns anos depois (POÇAS, 2003). Derivados de compostos tricíclicos como os antracenos, fluorenos (ZHANG, 2010) e xantonas também apresentaram ação inibitória (XIE et al, 2012). Sendo assim, por ser o alvo farmacológico de glicosídeos cardíacos para o tratamento de diversas patologias como a insuficiência cardíaca, o câncer e a isquemia, a Na+/K+-ATPase mostrou-se uma enzima de grande relevância como alvo farmacológico. Deste modo, este trabalho tem como objetivo realizar uma revisão bibliográfica a respeito de aspectos gerais da enzima Na +/K+-ATPase, bem como apresentar suas formas clássicas de regulação, evidenciando o crescente interesse nesta enzima como alvo molecular não apenas na insuficiência cardíaca, mas também para outras patologias. METODOLOGIA O levantamento bibliográfico foi realizado na base de dados PubMed e Scielo (Scientific Electronic Library Online) utilizando-se as palavras-chaves Na+/K+-ATPase, cumestanos como inibidores da Na+/K+-ATPase e glicosídeos cardíacos associados à palavra Na+/K+-ATPase. Dados também foram colhidos em teses de mestrado de 2007 e 2012 e tese de doutorado de 2007. As buscas pelas palavras-chave totalizaram em 27.867 artigos. Foram selecionados artigos que obedeceram a fatores de inclusão como: período de publicação entre o ano de 2002 a 2012 e artigos que abordassem assuntos [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] Página 3 pertinentes ao tema. Já os critérios de exclusão foram: artigos publicados fora do período desejado e assuntos não pertinentes ao tema. ASPECTOS GERAIS DA NA+/ K+–ATPASE A Na+/K+-ATPase é uma das principais proteínas transportadoras de íons situada nas células de quase todos os mamíferos. Tendo como principal função o transporte dos íons Na+ para fora da célula e dos íons de K + para dentro da célula na proporção de 3:2, esta enzima está envolvida em numerosos processos como captação de neurotransmissores, aminoácidos e açúcares, extrusão de cálcio, mudanças no potencial elétrico de membrana mediado por canais iônicos, volume celular, produção de calor e regulação do pH intracelular. Além disso, a Na+/K+-ATPase tem papel fundamental no transporte transepitelial, como, por exemplo, na reabsorção tubular renal de Na + e água (POÇAS, 2007). Todavia, é necessário energia para que o transporte de íons ocorra contra o gradiente eletroquímico (transporte ativo). A enzima para a obtenção dessa energia promove a hidrólise da molécula de ATP consumindo cerca de 17% do volume total de ATP celular (SCHRAMM et al, 94 apud SMITH et al, 2004, p.385). Classificada como ATPase do tipo P, a bomba de Na + e K+ tem como principais características: o resíduo aspartil no sítio catalítico o qual é fosforilado pelo ATP durante o mecanismo de catálise e a existência de dois estados conformacionais E1 e E2. A presença de dois estados conformacionais foi considerada fundamental para o funcionamento do mecanismo de catálise, pois a mudança de conformação de um estado para o outro que determina uma transição de afinidade e de acessibilidade dos sítios catalíticos e de ligação aos íons (AIRES et al, 2008). Na figura 1 podemos observar uma esquematização dos intermediários formados durante o ciclo da Na+/K+-ATPase. ATP ADP E1 E1P 3Na+ (intracelular) 2K+ (extracelular) 3Na+ (extracelular) + 2K (intracelular) E2 E2P + + Figura 1 – Esquematização do ciclo Na /K -ATPase (Retirado de CAMPBELL, 1995 apud POÇAS, 2007) Pi [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] H2O Página 4 Na figura 1, E1 representa o estado em que os sítios de ligação da enzima se encontram voltados para o citosol apresentando maior afinidade pelo íon Na+ e o sítio de fosforilação se localiza na região hidrofílica da proteína. A partir de quando ocorre a entrada de 3 íons Na + nos sítios de ligação, a enzima é imediatamente fosforilada por ATP em presença de Mg 2+, gerando uma fosfoenzima de alta energia E1-P. Em seguida, a fosforilação do resíduo de aspartil promove a mudança do estado conformacional da enzima para E2-P. Nesse segundo estado o resíduo acil-fosfato encontra-se com a constante de equilíbrio reduzida tornando a fosfoenzima de baixa energia. Essa transição do estado E1-P para E2-P permite que os sítios de ligação a íons se voltem para o meio extracelular. A nova conformação agora possui baixa afinidade por íons Na+ sendo estes liberados no meio, e alta afinidade pelos íons K+ onde 2 deles se ligarão ao sítio. Adicionalmente, é na conformação E2 que os sítios de ligação aos glicosídeos cardíacos se encontram voltados para o meio extracelular possibilitando a interação de tais inibidores com a Na+/K+ATPase. Simultaneamente, ocorre a entrada de água no sítio catalítico liberando o fosfato ligado ao resíduo fazendo com que a enzima retorne ao seu estado E1 (AIRES et al, 2008). Para sustentar todo o seu ciclo enzimático a Na +/K+-ATPase dispõe de uma estrutura heteromérica composta pelas subunidades α, β e FXYD (Figura 2) podendo cada uma variar de isoforma conforme o órgão e a espécie. As primeiras evidências da existência de isoformas foram descritas em estudos feitos com preparações de roedores. O contraste entre o perfil heterogênico de inibição Na+/K+-ATPásica em preparações de cérebro de rato descrito por MARKS e SEEDS (1978) e o perfil das curvas de inibição das preparações de rim de rato com uma única população enzimática indicou claramente a presença de diferentes isoformas em ambos os órgãos. Atualmente, com os avanços da biologia molecular são descritas quatro isoformas para as subunidades e : 1, 2, 3 e 4, 1, 2, 3 e m. Para a subunidade FXYD em mamíferos foram identificadas 7 isoformas, sendo 5 auxiliares a Na+/K+ATPase (GEERING, 2005). A subunidade α é tida como a mais importante por estar encarregada de efetuar as principais atividades enzimáticas como as propriedades catalíticas e de transporte contendo os sítios de ligação de íons, de fosforilação, de interação com o ATP e de inibição por glicosídeos cardíacos. A isoforma α1 também chamada de housekeeping é encontrada em praticamente todos os tecidos, sendo ainda a única isoforma encontrada no tecido renal, a α2 nos músculos esquelético, liso vascular e cardíaco, no cérebro e em adipócitos, α3 em neurônios e ovários e α4 altamente expressas em espermatozóide estando relacionada à sua mobilidade. (BLANCO et al, 2000). Quanto a afinidade aos íons, cineticamente, α2 e α3 possuem uma maior afinidade ao íon Na + do que α1, embora as três subunidades apresentem mesma afinidade pelo íon K + (IBRAHIM, 1997apud POÇAS, 2007). O mesmo ocorre em relação à sensibilidade à ouabaína onde as subunidades α2 e α3 são sensíveis à droga, enquanto a subunidade α1 é tida como resistente (BLANCO e MERCER, 1998). Na subunidade β, as quatro isoformas identificadas parecem estar envolvidas na oclusão de K+ e na modulação da afinidade de K+ e Na+ sendo, por isso, essenciais para a atividade normal da enzima. As isoformas β1 e β2 [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] Página 5 podem ser encontradas em diferentes tecidos de mamíferos e pássaros enquanto que β3 em anfíbios, ratos e humanos (BLANCO e MERCER, 1998). Ao lado das subunidades α e β encontra-se a subunidade γ também denominada subunidade FXYD que interage com Na+/K+-ATPase influenciando aparentemente em sua afinidade pelo K+ extracelular. As isoformas da subunidade FXYD também apresentam distribuição tecidual específica. A isoforma FXYD1 (fosfolema) é expressa nos músculos cardíaco e esquelético, a FXYD2 ou subunidade γ foi a primeira isoforma que se mostrou associada à função da Na+/K+-ATPase renal, FXYD4 (Fator induzido por hormônio corticosteróide – CHIF) é expressa no rim e cólon, e FXYD7 é expressa no cérebro. Todas as isoformas mencionadas em adição a FXYD5, relacionada a canais iônicos estão envolvidas na regulação específica da atividade enzimática. As variações das isoformas demonstram uma complexidade na regulação da Na+/K+-ATPase dos gradientes de Na+ e K+, necessários para a realização de funções teciduais apropriadas, como a reabsorção renal de Na +, a contratilidade muscular e excitabilidade neuronal (GEERING, 2005). + + Figura 2- Modelo estrutural da Na / K -ATPase (Retirado de BLANCO e MERCER, 1998) No modelo estrutural acima estão representadas as subunidades da Na+/ K -ATPase. A subunidade α apresenta 10 domínios transmembrânicos, sendo que seus grupamentos amino-terminal e carboxi-terminal estão no citosol; entre os domínios 4 e 5 há uma longa alça citoplasmática que contem o sítio de fosforilação catalítica e os seus sítios para interação com o ATP. A subunidade β possui apenas um domínio de membrana com grupamento amino-terminal no citosol e carboxi-terminal no meio extracelular. A subunidade γ ou FXYD possui um domínio transmembrânico com grupamentos amino-terminal voltado para o meio extracelular e carboxi-terminal para o citosol (AIRES et al, 2008). + [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] Página 6 MODULADORES CLÁSSICOS DA NA+/K+-ATPase Os glicosídeos cardíacos há séculos são utilizados em tratamentos para ICC devido aos seus efeitos inotrópicos positivos e efeitos benéficos na hemodinâmica. No entanto, a descoberta da Na+/K+-ATPase como o receptor dos glicosídeos cardíacos só ocorreu no ano de 1963 por REPKE e PORTIUS sendo o mecanismo de ação melhor esclarecido em 1977 por AKERA e BRODY. Quanto à estrutura química, os esteróides cardiotônicos são compostos por um núcleo esteroidal acompanhado de um anel insaturado de lactona possuindo ou não um glicosídeo. Seu núcleo esteroidal é precisamente composto por 17 átomos de carbonos sendo o carbono 17 ligado ao anel de lactona que varia quanto ao seu número de membros. Nos bufadienolídeos (Figura 3.a) o anel apresenta 6 membros, enquanto que nos chamados cardenolídeos (Figura 3.b) o anel de lactona apresenta 5 membros em sua estrutura. Figura 3 – Estrutura química da bufagenina (3.a) e digitoxigenina (3.b) (Retirado de FRAGA E BARREIRO, Química Nova, 1996). Na figura 3.a encontra-se uma ilustração de um bufadienolídeo, bufagenina e na figura 3.b uma ilustração de um de um cardenolídeo, digitoxigenina. Na figura 3.a e b podemos observar a diferença de 6 membros (bufadienolídeos) e 5 membros (cardenolídeos) no anel de lactona, respectivamente. O glicosídeo cardíaco é assim definido devido a presença da porção glicosídica (um ou mais açúcares) ligada ao carbono 3 do núcleo esteroidal da molécula (Figura 4). Alguns exemplos de glicosídeos cardíacos bufadienolídeos são a proscilaridina A e de cardenolídeos são a digoxina oriunda da Digitalis lanata Ehrhart, digitoxina da Digitalis purpúrea L. e uma das mais estudadas e que também será abordada neste artigo, a ouabaína oriunda da Strophantus gratus Franchet (BATISTA, 2007). [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] Página 7 Figura 4 – Estrutura geral de glicosídeos cardíacos (POSSAS E DIAMANDIS, 2008). Acima encontra-se a estrutura básica de um glicosídeo cardíaco com o núcleo esteroidal, anel lactônico de 5 membros (cardenolídeos) e 6 membros (bufadienolídeos) e a porção de açúcar. Os bufadienolídeos também possuem origem vegetal como, por exemplo, os originados da família Crassulaceae, assim como animal sendo encontrados em altos níveis em anfíbios da família Bufonídae. Acredita-se que os altos níveis de bufadienolídeos nesses animais auxiliam na migração entre ambientes aquáticos onde o sal encontra-se presente ou não e, ainda como mecanismo de proteção contra predadores. As convulsões e paradas cardíacas provocadas em animais de pequeno porte pela intoxicação por bufadienolídeos de sapos é semelhante a intoxicação por digitálicos (BATISTA, 2007). O efeito inotrópico positivo desses esteróides cardiotônicos é resultado da ligação do mesmo à subunidade α levando a inibição da Na+/K+-ATPase e permite o aumento da concentração de Na+ intracelular. A força propulsora para a extrusão de Ca2+ pelo trocador Na+/Ca2+ é então reduzida o que provoca uma maior captação de Ca2+ pela Ca2+-ATPase de retículo sarcoplasmático (SERCA) e, consequentemente aumenta o conteúdo de cálcio do retículo disponível para a liberação de cálcio induzida por cálcio. Como resultado final, tem-se na sístole uma maior disponibilidade de Ca2+ no citosol para interagir com as proteínas contráteis, aumentando a força de contratibilidade do miocárdio (AIRES et al, 2008). Além do transporte de íons foi descoberta recentemente que a Na+/K+ATPase situada em tecidos não musculares possui a função de sinalização celular iniciada com a interação do glicosídeo cardíaco com a enzima (Figura 5). [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] Página 8 Figura 5– Esquema representativo das vias de sinalização (XIE e ASKARI, 2002). A figura acima se trata de um esquema representativo das vias de sinalização ativadas pelos glicosídeos cardiotônicos quando interagem com a Na+/K+-ATPase (em vermelho) situada no sinalossoma caveolar – um microdomínio celular. Nele a Na+/K+-ATPase está ligada à proteína transmembranar caveolina 1 colocalizada com EGFR, a tirosina cinase Src e a proteína G monomérica, Ras. A ativação da sinalização celular ocorre por meio da ligação da enzima com o glicosídeo cardíaco e estimulação subsequente da proteína tirosina cinase Src que transativa o receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR), juntamente com o recrutamento de proteínas adaptadoras e Ras ativada leva ao incremento da produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) e ativação da cascata de cinases Ras/Raf/MEK/ERK (XIE e ASKARI, 2002). De forma ainda desconhecida, tais processos resultam no aumento do Ca2+ sistólico e diastólico e oscilações de Ca2+ em células do epitélio renal, além de estarem envolvidas no de crescimento, proliferação e diferenciação celular e metastáse. ESTERÓIDES CARDIOTÔNICOS ENDÓGENOS Apesar de terem sido detectados primeiramente em plantas e animais, estudos recentes revelaram a presença de esteróides cardíacos endógenos em mamíferos tais como ouabaína e digoxina (cardenolídeos), marinobufagenina e proscilaridina A (bufadienolídeos) (SCHONER, 2002). Esses esteróides se encontram em níveis sub-nanomolares no plasma, podendo alcançar concentrações um pouco mais elevadas em condições patológicas como hipertensão e insuficiência cardíaca (FERRANDI et al, 2005). No entanto, essas baixas concentrações seriam insuficientes para promover um grau satisfatório de interação de esteróides cardíacos com a bomba que pudesse vir a inibir o transporte dos íons Na + e K+ (modo clássico de atuação) e dissipar os gradientes eletroquímicos. Por outro lado, através da ação sinalizadora da Na+/K+-ATPase, esse mesmo grau de ligação teria a capacidade de estimular alguns milhares de Na+/K+-ATPases por célula. Pelas [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] Página 9 características intrínsecas da amplificação de sinal por esse processo, essa capacidade de estimulação seria suficientemente intensa para deflagrar a cascata de transdução, em especial se ocorrer no sinalossoma caveolar. GLICOSÍDEOS CARDÍACOS E SUAS APLICAÇÕES NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA O homem, embora tenha conquistado melhores condições sócioeconômicas, avanços científicos e tecnológicos que possibilitam o aumento da longevidade da população em geral e dos cardiopatas, tem sido acometido pela ICC de forma significativa mundialmente (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA, 2002 apud JUNIOR et al, 2006, p. 53). Aproximadamente 23 milhões de pessoas são portadoras e 2 milhões de pessoas são diagnosticadas com insuficiência cardíaca no mundo (NETO, 2004). Apesar de não haver estudos epidemiológicos envolvendo a insuficiência cardíaca no Brasil, estima-se que até 6,4 milhões de brasileiros sofram com a patologia. Segundo dados obtidos do Sistema único de Saúde (SUS) e do Ministério da Saúde (MS), o principal motivo da internação de pacientes com mais de 60 anos é a insuficiência cardíaca e em 2000 foram realizadas cerca de 398 mil internações por insuficiência cardíaca com ocorrência de 26 mil óbitos (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA, 2002). Diante dos altos custos de internação, a insuficiência também implica na redução de qualidade de vida dos portadores da insuficiência cardíaca aumentando o número de aposentadorias precoces e, consequentemente gastos para o país. Sabendo-se que o Brasil tem o envelhecimento mais rápido do mundo com previsão para o ano de 2025 de ser a sexta maior população de idosos, o número de casos de insuficiência cardíaca deve multiplicar particularmente a insuficiência cardíaca com função sistólica preservada (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA, 2002). A ICC segundo Lamb (1971) é dada como uma disfunção do coração em que o sangue é bombeado de maneira insuficiente às necessidades do organismo. A redução do bombeamento pode ser originada por idiopatias, diabetes, estresse emocional, obesidade, dieta rica em gordura e sódio, sedentarismo, idade, raça, sexo, história familiar da patologia entre outros (SILVA, 2005). Os principais causadores da ICC contemplando 95% dos casos são a hipertensão arterial, arteriosclerose e alterações nas válvulas cardíacas. Dentre outros fatores que reduzem a força de contratilidade cardíaca está a pressão externa em torno do coração, deficiência vitamínica, miocardite (derivada do reumatismo ou doenças infecciosas) e lesões no pericárdio (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA, 2002). O tratamento farmacológico empregado na ICC visa controlar sintomas como a taquicardia, a redução da tolerância a exercícios, a falta de ar, o edema periférico e pulmonar e a cardiomegalia, assim como promover a melhoria na qualidade de vida do paciente acometido. Portanto, não existe a utilização de um único fármaco na insuficiência cardíaca e, sim utilização de fármacos com efeitos complementares e sinérgicos de forma a otimizar o tratamento [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] Página 10 (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA, 2002). No entanto, essas associações medicamentosas devem ser realizadas com cautela, uma vez que, os digitálicos podem ter seus efeitos terapêuticos reduzidos quando associados aos diuréticos poupadores de potássio (hipercalemia) ou potencializados com os diuréticos não-poupadores de potássio (hipercalemia) (HOSPITAL PRÓCARDÍACOS, 2006). A digoxina extraída da planta Digitalis lanata Ehrhart é reconhecida como o glicosídeo cardíaco mais utilizado para tratamento da insuficiência cardíaca congestiva e fibrilação atrial (WANG, 2012). Apesar da existência de novas terapias, a digoxina ainda é indicada em combinação com os inibidores da enzima conversora da angiotensina (PACKER, 1999 apud POÇAS, 2007, p. 1819) por proporcionar um efeito positivo na morbidez (KJELDSEN et al, 2002 apud POÇAS, 2007). Estudos clínicos como RADIANCE (Randomized Assessment of Digoxin on Inhibition of Angiotensin Converting Enzyme), DIG (Digital Investigations Grups) e PROVED (Prospective Randomized study of Ventricular failure and Efficacy of Digoxin) fundamentaram o emprego clínico da digoxina e, com base nesses estudos hoje se sabe que em portadores de insuficiência cardíaca sintomática, em doses menores que as utilizadas antigamente de digoxina (HOSPITAL PRÓ-CARDÍACOS, 2006) reduzem a estimulação neuro-humoral com a diminuição dos níveis séricos de norepinefrina, melhora o desempenho físico e reduz as hospitalizações, além de não aumentar a mortalidade (BARRETO et al, 1998). A digoxina possui uma ligeira diferença estrutural comparada a digitoxina. A adição de uma hidroxila no C12 do corpo esteroidal torna a digoxina, em relação a sua farmacocinética em ratos, uma molécula de meia-vida curta no plasma e de rápida excreção. A digoxina é principalmente metabolizada pelos rins e a dose empregada está relacionada à idade, peso e função renal do paciente (WANG, 2012). A digitoxina é um produto natural isolado da Digitalis purpurea L. que juntamente com a digoxina é amplamente empregado no tratamento de insuficiência cardíaca congestiva nos Estados Unidos e Europa. Ambas se ligam ao mesmo alvo Na+/K+-ATPase, no entanto, tendo em vista o perfil farmacocinético, a digitoxina é mais estável e não prejudica pacientes com disfunção renal. No entanto, com uma hidroxila a menos a digitoxina é mais lipofílica, característica que torna seu tempo de meia-vida maior que a digoxina aumentando a probabilidade de intoxicação (WANG, 2012). Isolada da planta Strophanthus gratus Franchet, a ouabaína é um glicosídeo cardíaco e uma importante ferramenta utilizada como controle da inibição enzimática in vitro já que a sua fácil oxidação e sua baixa absorção oral possibilitam apenas sua administração por via intravenosa. Em relação à afinidade, as quatro isoformas da subunidade α da Na+/K+-ATPase em roedores diferenciam entre si pelos valores de afinidade à ouabaína. A isoforma α1 encontrada em tecidos de rins é denominada isoforma resistente ou de baixaafinidade à ouabaína (IC50= 69,94 ± 8,52µM) sendo necessárias altas concentrações da droga para a ação inibitória sobre a Na+/K+- ATPase. Enquanto que para as isoformas α2 e α3 encontradas em tecido cerebral denominadas isoformas sensíveis ou de altas afinidades (IC50= 0,0886 ± 0,0075µM), baixas concentrações de ouabaína já são suficientes para a inibição (PÔÇAS et al., 2003). A oleandrina, o principal componente da Nerium oleander é um glicosídeo [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] Página 11 cardíaco cardenolídeo de mesma potência que a ouabaína e mais potente que a digoxina em testes de inibição da Na+/K+- ATPase realizados em córtex cerebral de porco. Extratos da planta têm sido muito utilizados em tratamento de dermatites e insuficiência cardíaca congestiva na China com menor risco de intoxicação em mesma concentração de digoxina e ouabaína, justificado pela forte ligação às proteínas plasmáticas. NA+/K+-ATPase E SUA RELEVÂNCIA NO TRATAMENTO DO CÂNCER A Na+/K+-ATPase foi identificada como um importante alvo farmacológico para tratamento do câncer e, por conta disso, os glicosídeos cardíacos já utilizados na insuficiência cardíaca poderiam ser utilizados como fármacos antitumorais. Especificamente no câncer de mama, diversos estudos observaram a relação do hormônio 17 β-estradiol (E2) ao progresso do câncer de mama constatando-o como principal causa da patologia (RUSSO, 2002, apud CHEN, 2005, p.1). De uma forma geral, é aceito que a maior parte dos efeitos biológicos e alguns efeitos cancerígenos causados pelo E2 são mediados por receptores de estrogênio como ERα e ERβ (PETTERSSON, 2001 apud CHEN, 2005 p.1). Para o tratamento do câncer de mama são então utilizados fármacos anti-estrógenos com alvo em ERs. No entanto, muitos tumores tem se tornado resistentes aos anti-estrógenos tornando necessário o desenvolvimento de drogas alternativas (JENSEN, 2003). Uma revisão realizada em 2005 por Chen uniu diversos estudos que evidenciaram a Na+/K+-ATPase com importante função fisiológica e fisiopatológica e que, juntamente com os ERs está relacionada com a evolução do câncer de mama (CHEN, 2005). As justificativas para a redução da atividade proliferativa de células cancerígenas por inibidores da Na+/K+-ATPase são a perturbação da homeostasia do Ca2+ com o seu aumento intracelular resultando em apoptose, assim como a diminuição de K+ intracelular que precede a ocorrência de diversos eventos apoptóticos como a ativação de caspases e fragmentação do DNA (PRASSAS et al, 2008 apud CARVALHO, 2012). Além disso, a ação antitumoral dos glicosídeos cardíacos poderia estar relacionada com a ativação da Src por meio da ligação à enzima levando a fosforilação do receptor EGFR que, por sua vez ativa a cascata das MAP cinases envolvidas em eventos de diferenciação e morte celular (XIE e ASKARI, 2002). O uso da oleandrina em pacientes com ICC e portadores de sarcoma de Ewing, câncer de próstata e câncer de mama, revelou uma regressão destes tumores, sugerindo que este fármaco teria um efeito colateral benéfico (STENKVIST, 1999 apud CARVALHO, 2006). Já em 2006, foram publicados os primeiros resultados de um estudo clínico de fase 1 do Anvirzel, o extrato aquoso do Nerium oleander patenteado pelos EUA que demonstrou excelente atividade contra tumores sólidos (MEKHAIL et al, 2006). Seu mecanismo de ação difere conforme a linhagem celular. Existem quatro vias possivelmente envolvidas na atividade antitumoral da oleandrina, todas elas relacionadas com a inibição da Na+/K+-ATPase. Uma hipótese para essa atividade antitumoral seria a inativação do NF-κβ, um fator de transcrição ativado no microambiente inflamatório durante a progressão maligna capaz de regular a expressão de citocinas que promovem os tumores e também genes de sobrevivência [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] Página 12 (KARIN, 2009). Outra possibilidade seria a ativação das capases, a formação de ROS como resultado da lesão mitocondrial e fosforilação da PKB que induz a formação do autofagossoma com consequente morte celular (CARVALHO, 2006). A digoxina, por sua vez, parece inibir o crescimento de células tumorais ao impedir a síntese e expressão dos genes da proteína fator-1 (HIF-1), um fator de transcrição altamente presente em tumores que induz a angiogênese e metástase (ZHANG, 2008 apud WANG, 2012). A digoxina também induz a apoptose, cujo mecanismo se assemelha provavelmente ao de outros glicosídeos cardíacos como a ativação das capases promovida pelo aumento dos níveis de Ca2+ intracelulares (WINNICKA, 2007 apud WANG, 2012). A ouabaína induz a apoptose pelos mesmos mecanismos de outros glicosídeos cardíacos já mencionados por meio da fosforilação do EGFR e o aumento dos níveis intracelulares de Ca2+ que alteram o potencial de membrana mitocondrial permitindo o aumento de ROS que levam a apoptose (WANG, 2012). Quanto à digitoxina, ainda falta um estudo detalhado que confirme seu mecanismo de ação antitumoral levando às hipóteses já conhecidas como a perturbação da homeostasia iônica provocada pela inibição da Na+/K+-ATPase, a ativação de sinais de proteínas que inibem a proliferação celular e de iniciação da morte das células. Mesmo assim, com o pouco que se conhece a digitoxina mostrou ter um potente efeito inibitório do crescimento de células tumorais e indução a morte celular por apoptose em concentrações não tóxicas para células normais. Em comparação com a digoxina e ouabaína a digitoxina tende a ter uma maior potência em ensaios antitumorais (WANG, 2012). NA+/K+-ATPase E SUA RELEVÂNCIA NA ISQUEMIA No cérebro, a Na+/K+-ATPase desempenha um papel fundamental ao manter os gradiente eletroquímicos dos íons Na+ e K+ (ZHANG, 2010). A perturbação dos gradientes de tais íons despolariza as membranas neuronais desativando os transportadores de Na+/H+, Na+/Ca2+ e Na+/K+/Cl- e a captação de glutamato sódio-dependente contribuindo para uma lesão cerebral seguida de uma isquemia (DOYLE, 2008). Um tratamento prévio contra tal lesão é o breve período de isquemia denominado pré-condicionamento isquêmico, método que prepara e protege a célula para suportar um tempo prolongado de isquemia com o menor dano celular possível (SUCCI, 2012). O pré-condicionamento isquêmico das células cardíacas, renais e cerebrais impede a redução da atividade da Na+/K+-ATPase protegendo o coração, o rim e o cérebro de um quadro de isquemia (WYSE et al, 2000 apud OSELKIN, 2010). Em culturas de hipocampo notou-se que o aumento da atividade da Na+/K+-ATPase protegeu os neurônios de uma isquemia experimental, no entanto, é improvável a utilização clínica do précondicionamento isquêmico (SCHALLER et al, 2002 apud OSELKIN, 2010). Um estudo realizado em 2010 por OSELKIN e colaboradores mostrou que baixas concentrações de glicosídeos cardíacos protegeram culturas de células de córtex cerebral da isquemia experimental sendo uma alternativa ao précondicionamento isquêmico. Para os autores desse estudo o efeito neuro-protetor [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] Página 13 causado pelas baixas concentrações de glicosídeos cardíacos pode ser justificado pelo aumento da atividade Na+/K+-ATPásica já que o aumento da atividade da enzima poderia evitar a perda do gradiente iônico ou promover uma rápida restauração do transporte iônico. O mecanismo molecular responsável pelo aumento desta atividade enzimática é desconhecido, no entanto, é provável que esteja relacionado com a indução da sinalização intracelular por meio da Na+/K+ATPase (OSELKIN, 2010). NOVOS INIBIDORES NÃO-ESTEROIDAIS DA NA+/K+-ATPASE Devido às desvantagens causadas pelos glicosídeos cardíacos no tratamento de ICC como o estreito índice terapêutico e os efeitos adversos graves como náuseas, vômitos, distúrbios visuais e arritmias, o seu uso é evitado. Visando manter os benefícios hemodinâmicos, assim como a mais nova ação antitumoral consequentes da inibição da Na+/K+- ATPase e o efeito neuro-protetor a partir de baixas dosagens de glicosídeos cardíacos, a busca por novos inibidores não é só um interesse acadêmico como industrial também. Até o momento foram desenvolvidas algumas classes não-esteroidais de inibidores da Na+/K+-ATPase. Por exemplo, no ano de 2001, em um programa destinado à síntese de flavonóides biologicamente ativos foram escolhidos, como moléculas-alvo, alguns cumestanos com diferentes padrões de oxigenação dos anéis A e D. A realização desse ensaio de triagem farmacológica resultou no primeiro registro de inibição Na+/K+-ATPásica por um cumestano de ocorrência natural ,a wedelolactona isolada da Eclipta prostrata L., e um de seus derivados sintéticos, o 2-metoxi-3,9-trihidroxi cumestano (PCALC36) (PÔÇAS et al, 2001). Os cumestanos pertencem à família dos flavonóides, especificamente ao subgrupo de isoflavonóides (Figura 6) que possuem estrutura semelhante ao corpo esteroidal dos glicosídeos cardíacos. O A B O O O A C O O Flavonóide Isoflavonóide O D Cumestano Figura 6 – Estrutura química básica do flavonóide, isoflavonóide e do cumestano (POÇAS et al, 2001). A figura 6 mostra as semelhanças e diferenças estruturais entre o flavonóide e seus subgrupos isoflavonóides e cumestanos. Os flavonóides e isoflavonóides são estruturas tricíclicas com dois anéis aromáticos (A e B) e uma pirona (C) que se diferenciam apenas na orientação de orto para meta do anel B com a pirona. O cumestano é o resultado da adição de uma carboxila no carbono α da pirona juntamente com a ligação do oxigênio do carbono 4 ao carbono 6 do anel B. [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] Página 14 No entanto, a wedelolactona também mostrou ter um efeito colateral indesejável sendo um modulador potencial do canal iônico GABA A envolvido na transmissão inibitória no SNC inviabilizando seu uso. Em estudo posterior, em um estudo mais detalhado de seu mecanismo de ação molecular, o PCALC36 que demonstrou inibir a enzima através de um mecanismo distinto a da ouabaína em testes in vitro tomando por base evidências como a não seletividade por diferentes isoformas da Na+/K+-ATPase de tecido de rato e não antagonização pelo aumento da concentração de K+. Além disso, comparado ao vanadato, um inibidor da Na+/K+-ATPase que é cerca de 25 vezes mais potente para inibir a Na+/K+-ATPase na conformação E2 que a conformação E1, o PCALC36 apresentou mesma potência em ambas (PÔÇAS, 2003). No entanto, pelo fato de ser de alta complexidade e de alto custo de síntese a utilização do PCAL36 como futuro fármaco de ação inotrópica positiva foi inviabilizada (POÇAS, 2007). Dois derivados de antracenos e um derivado de fluoreno (Figura 7) também apresentaram atividade inibitória sobre a Na+/K+-ATPase (ZHANG, 2010), no entanto, falharam em comparação aos glicosídeos cardíacos como a ouabaína e digoxina por apresentarem potência 100 vezes menor (XIE et al, 2012). Foi observada atividade inibitória em um derivado de xantona (Figura 7), MB7 de estrutura semelhante ao antraceno e fluoreno com potência de inibição similar a da ouabaína. Entretanto, diferentemente da ouabaína, a interação entre o MB7 e a enzima não foi afetada em presença de ATP, Na+ e K+. Outra diferença observada foi que o MB7 não afetou a atividade Src mesmo em concentrações de máxima inibição. Embora ainda sejam necessários estudos que comprovem a seletividade e especificidade da ligação do MB7 com a Na+/K+-ATPase, o mesmo poderá ser um forte candidato a inibidor da enzima e antagonização da ouabaína em tratamentos de insuficiência cardíaca (XIE et al, 2012). Figura 7 – Estrutura básica de um antraceno, fluoreno e xantona juntamente com seu derivado MB7 (WANG, 2012). [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] Página 15 Na figura 7 estão presentes os farmacóforos de diferentes classes como a xantona, o antraceno e o fluoreno, mas que se assemelham estruturalmente por serem compostos tricíclicos. CONCLUSÃO A Na+/K+-ATPase é uma enzima transmembranar fundamental para a homeostasia intracelular. Composta pelas subunidades α, β e γ, as três possuem função diferenciadas entre si, sendo a subunidade α e β tidas como as mais importantes por possuir os sítios de ligação dos íons Na+ e K+ e de ATP e modulação da afinidade desses substratos, respetivamente. Essa enzima já era utilizada como alvo farmacológico de substâncias oriundas de plantas e animais denominados esteróides cardiotônicos em tratamento de insuficiência cardíaca congestiva em civilizações antigas. O número de casos doenças cardíacas se encontra em ascensão devido aos maus hábitos alimentares, ao sedentarismo, ao fumo e a significativa industrialização e urbanização. Por isso, não muito diferente daquela época, os glicosídeos cardíacos ainda são utilizados na ICC juntamente com fármacos de primeira linha para o tratamento como os inibidores da ECA entre outros como beta-bloqueadores e diuréticos. Além disso, foi descoberta uma nova função para a enzima como a de sinalização celular via essa ativada com a interação de glicosídeos cardíacos à enzima. O interesse pela Na+/K+-ATPase como alvo farmacológico não está restrito ao tratamento da insuficiência cardíaca visto que, ao longo dos anos estudos evidenciaram uma importante influência da enzima sobre o desenvolvimento de outras patologias como o câncer e a isquemia e o possível controle delas pelo uso de glicosídeos cardíacos. Levando em conta todos esses fatores é importante que sejam feitas buscas de novos inibidores da Na+/K+-ATPase com mecanismo diferenciado a dos glicosídeos cardíacos a fim de se reduzir os efeitos adversos graves causados por eles e também evitar intoxicações por possuírem baixo índice terapêutico. Novas moléculas têm sido estudadas como alternativas aos glicosídeos cardíacos. Os derivados de cumestanos, antracenos, fluorenos e xantonas apresentaram inibição da enzima, sendo principalmente o derivado de xantona, hidroxixantona MB7 um forte candidato a inibidor da Na+/K+-ATPase e antagonista da ouabaína. REFERÊNCIAS - AIRES, M. M. Fisiologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. - BARRETO, A.C.P.; RAMIRES, J.A.F. Insuficiência cardíaca. brasileiros de cardiologia, São Paulo, v.71, n. 4, 1998. Arquivos - BATISTA, F.J.A. Efeitos de dois esteróides de Bufo schneideri Werner [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] Página 16 na atividade de isoformas da Na+, K+ - ATPase e no sistema cardiorrenal. 2007. Dissertação (Mestrado acadêmico em ciências fisiológicas) – FACULDADE ESTADUAL DO CEARÁ, Fortaleza, 2007. - CARVALHO, A. Avaliação dos efeitos citotóxicos de cardenolídeos em células tumorais.2012. Dissertação (mestrado acadêmico em centro de ciências da saúde) – FACULDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, Florianópolis, 2012. - CHEN, J.Q.; CONTRERAS, R.G.; WANG, R. Sodium/potassium ATPase (Na+, K+-ATPase) and ouabain/related cardiac glycosides: A new paradigm for development of anti- breast cancer drugs? Breast Cancer Research and Treatment,USA, v. 1, n.96: p. 1-15, 2006. - DA SILVA, A.J.M.; MELO. P.A.; SILVA, N.M.V. Synthesis and preliminary pharmacological evaluation of coumestans with different patterns of oxygenation. Bioorganic Medicinal Chemistry Letters, Rio de Janeiro, v.11: p.283-286, 2001. - DA SILVA, R.A. Perfil do paciente com insuficiência cardíaca congestiva tratado no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás. Revista eletrônica de enfermagem, v. 07, n.01: p. 09-18, 2005. - DOYLE, K.P.; SIMON, R.P.; POORE, M.P.S. Mechanisms of ischemic brain damage. Neuropharmacology, v.55, p. 310 – 318, 2008. - GEERING, Kathi. Function of FXYD Proteins, Regulators of Na +/K+-ATPase. Journal of Bioenergetics and Biomembranes, V.37, n.6: p. 387-392, 2005. - IBRAHIM, M.Y. Revisão/Atualização em Fisiologia e Fisiopatologia Renal: ATPases K-dependentes ao longo do néfron. Jornal Brasileiro de Nefrologia, Rio de Janeiro, v.19, n.1: p. 66-72, 1997. - JENSEN, E.V.; JORDAN. V.C. The estrogen receptor: a model for molecular medicine. Clinical Cancer Research, v. 9: p. 1980–1989, 2003. - JUNIOR, M.T.O. Tratamento medicamentoso da insuficiência cardíaca crônica. Reblampa, v. 19, n. 1: p. 53-60, 2006. - KARIN, M. NF-κB as a Critical Link between Inflammation and Cancer. Cold Spring Harbor Perpectives in Biology, 2009. - MECKHAIL, T.; KAUR, H.; GANAPATHI, R. Phase 1 trial of AnvirselTM in patients with refractory solid tumors. Invest new drugs, v. 24, n.5: p. 423-427, 2006. - OSELKIN, M.; TIAN, D.; BERGOLD, P.J. Low-dose cardiotonic steroids increase sodium–potassium ATPase activity that protects hippocampal slice cultures from experimental ischemia. Neuroscience Letters, EUA, p. 67-71. - PÔÇAS, E.S.C.; COSTA, P.R.R.; SILVA, A.J.M. 2-Methoxy-3,8,9-trihydroxy coumestan: a new synthetic inhibitor of Na+,K+-ATPase with an original mechanism of action. Biochemical Pharmacology, Rio de Janeiro, v.66, p. 2169-2176, 2003. - POÇAS, E.S.C. Caracterização de novos inibidores da Na+, K+-ATPase. 2007. Dissertação (mestre de ciências biomédicas) - Instituto de Ciências Biomédicas -UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, Rio de [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] Página 17 Janeiro, 2007. - PRASSAS, I.; DIAMANDIS, E.P. Novel therapeutic applications of cardiac glycosides. Nature reviews Drug discorvery, Canadá, v. 7, n. 11: p. 926-935, 2008. - SMITH, N.P.; CRAMPIN, E.J. Development of models of active ion transport for whole-cell modelling: cardiac sodium–potassium pump as a case study. Progress in Biophysics & Molecular Biology, Reino Unido, p. 387-405, 2004. - SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA. Revisão das II Diretrizes Brasileira de Cardiologia para o Diagnóstico e o Tratamento da Insuficiência Cardíaca. Arquivo Brasileiro de Cardiologia, 2002. - SUCCI, J. E.; GEROLA, L.R.; SUCCI, G.M. O pré-condicionamento isquêmico influencia a contratilidade ventricular na cirurgia sem extracorpórea. Arquivo brasileiro de cardiologia, v. 94, n. 3, São Paulo, 2010. - SUHAIL, M. Na+/K+-ATPase: Ubiquitous multifunction all transmembrane protein and its relevance to various pathophysiological condicions. Jornal Clinical Medicine Reseach, v. 2, n.1: p. 1-17. - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO; HOSPITAL PRÓ- CARDÍACO DO RIO DE JANEIRO. Revigorando os Digitálicos. Revista da SOCERJ. Rio de janeiro, v. 19, n. 3: p. 247-255, 2006. - WANG, H.Y.L.; O’DOHERTY, G.A. Modulators of Na/K-ATPase: a patent review. Expert Opinion on Therapeutic Patents, Boston, v. 22, n. 6: p. 587605, 2012. - XIE, Z.; ASKARI, A. Na(+)/K(+)-ATPase as a signal transducer. European Journal of Biochemistry, Rio de Janeiro, v. 269, p. 2434-9, 2002. - ZHANG, L.; ZHANG. Z.; GUO, H. Na+/K+-ATPase-mediated signal transduction and Na+/K+-ATPase regulation. Fundamental and Clinical Pharmacology, v. 22, p. 615 – 621, 2009. - ZHANG. Z.; LI, Z.; TIAN, J. Identification of hydroxylxanthones as Na/KATPase ligands. Molecular Pharmacology, v.77, p.961-967, 2010. [CANÁRIO&PÔÇAS, 2013] Página 18