EM DIA farmacologia OUABAÍNA NO CÉREBRO Estudo revela efeito fisiológico de hormônio no sistema nervoso central e pode levar a novos fármacos E Estrutura molecular da ouabaína envolvida na regulação do equilíbrio celular entre os íons sódio (Na+) e potássio (K+) por meio da quebra de adenosina trifosfato (ATP), a reserva de energia da célula. A inibição inicia uma série de acontecimentos que aumentam a concentração de cálcio e reforçam as contrações do músculo cardíaco. “Em 2007, descobriu-se que a ouabaína tinha outros efeitos fisiológicos. Ela estimula o crescimento celular no sistema cardiomotor, o desenvolvimento de novas células no sistema nervoso e também é capaz de ativar mecanismos de apoptose, a morte celular programada”, relata o neurofarmacologista. ESTIMULANDO A PROTEÇÃO Interessados em esclarecer os efeitos fisiológicos da ouabaína no sistema nervoso, os pesquisadores injetaram 1 microlitro (ml) do cardiotônico no hipocampo de ratos adultos machos. Os resultados mostraram que a ouabaína induz a ativação de um fator de transcrição (uma substância que atua no núcleo da célula) chamado NF-kB, que parece ter duas funções nas doenças neurodegenerativas: quando ativado nos neurônios, promove sua proteção; já nas células da glia, que protegem e dão suporte aos neurônios, e do sistema imune, o NF-kB modula a sinalização inflamatória. “Achávamos que essa ativação era mediada pela inibição da Na+,K+ -ATPase, ou seja, só aconteceria se ela fosse inibida. Mas nossos experimentos mostraram indução de NF-kB mesmo quando a concentração de ouabaína não era suficiente para inibir essa enzima”, observa Scavone. Segundo ele, os dados sugerem que a ouabaína também regula as neurotrofinas, uma família de proteínas que auxilia a sobrevivência dos neurônios e que também estão sob regulação do NF-kB. Os pesquisadores sugerem que a ouabaína estaria se ligando a Na+,K+ -ATPase, sem inibi-la, e fazendo com que ela ativasse uma cascata de reações por meio de um receptor de glutamato na membrana dos neurônios, o N-Metil-D-Aspartato (NMDA). Essa sequência de reações levaria à ativação do NF-kB e o consequente efeito neuroprotetor, mas poderia também estar envolvida com mecanismos de resposta inflamatória no cérebro, também importantes para a atividade neuronal. “De qualquer modo, acreditamos que esse sistema seja um alvo promissor para o estudo de novas drogas contra doenças neurodegenerativas”, diz Scavone. FRED FURTADO | CIÊNCIA HOJE | RJ 291 | ABRIL 2012 | CIÊNCIAHOJE | 57 FOTO UNIVERSITY OF MARYLAND/SPL ncontrar tratamentos para con­ dições neurodegenerativas como as doenças de Parkinson e de Alzheimer é uma preocupação constante e a comunidade científica está sempre à procura de novas formas de atacar o problema. Um possível caminho está sendo proposto por um estudo da Universidade de São Paulo (USP) em conjunto com as universidades federais de São Paulo (Unifesp) e do Rio de Janeiro (UFRJ). Os pesquisadores descobriram que o hormônio ouabaína ativa substâncias que podem ter um efeito neuroprotetor no sistema nervoso. O achado pode levar a novos fármacos para tratar doenças neurodegenerativas. Hoje, já se sabe que a ouabaína é um hormônio produzido pelo corpo humano nas glândulas suprarrenais, mas antes se acreditava que ela só era encontrada na planta Strophantus gratus. Ela está incluída no grupo dos digitálicos, ou similares, substâncias oriundas da dedaleira (Digitalis purpurea) e que são usadas como cardiotônicos para o tratamento de arritmia e insuficiência cardíaca. “Os digitálicos são tóxicos em concentrações altas, mas têm efeitos benéficos em quantidades menos elevadas e vêm sendo usados há décadas com essa finalidade”, explica o neurofarmacologista Cristóforo Scavone, coordenador do Laboratório de Neurofarmacologia Molecular da USP e da pesquisa realizada com a ouabaína no sistema nervoso central. Scavone explica que o efeito cardiotônico da ouabaína ocorre porque essa droga inibe a ação de uma enzima do corpo humano, a Na+,K+-ATPase,