o que é mais importante : a aderência à terapia de reposição

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TRATAMENTO HORMONAL DO CLIMATÉRIO.
O QUE É MAIS IMPORTANTE : A ADERÊNCIA À TERAPIA DE
REPOSIÇÃO HORMONAL OU O BEM ESTAR DA PACIENTE.
Lucas Vianna Machado
Prof. Titular de Ginecologia da Faculdade de
Ciências Médicas de Minas Gerais
Membro Titular da Academia Mineira de Medicina
A terapia de reposição hormonal (TRH) envolve fundamentalmente três segmentos: a
paciente, o médico e a industria farmacêutica. A paciente é sem dúvida a vertente mais
importante pois, médicos e laboratórios farmacêuticos visam em suas ações, contribuir para
aliviar os problemas que acometem a mulher no período climatérico. Portanto trabalham
unidos por um objetivo comum.
Os enfoques de um e de outro contudo podem ser diferentes. A indústria farmacêutica,
por ser uma empresa, visa naturalmente obter lucros econômicos provenientes de seus
produtos e cuidar para que os mesmos sejam levados ao maior número possível de pacientes,
com o menor índice de abandono do tratamento.
Ao médico compete conhecer, o mais solidamente possível, todas as opções
terapêuticas, as vias de administração, os esquemas, as dosagens, avaliar os riscos e benefícios
e decidir sobre a melhor maneira de ajudar à paciente, prescrevendo-lhe uma TRH
racionalmente individualizada.
Em ampla e minuciosa pesquisa encomendada por conceituado laboratório
internacional, visando avaliar o problema da aderência ao tratamento, alguns dados valiosos
foram apontados:
1- Nos EUA, 50% das mulheres que iniciaram a TRH, interromperam o tratamento
nos primeiros 6 meses. Nos outros países, 65-88% interromperam nos primeiros 6
meses.
2- Em relação ao sangramento por deprivação, semelhante à uma menstruação, que se
segue após o término de uma série de estrogênio e progestogênio, em esquema
combinado-sequencial, foi acentuado que:
-
é dada pelo médico pouca informação antes do início da TRH sobre o mesmo;
-
ele é apresentado às mulheres como negativo, por seus médicos;
-
pouquíssimas mulheres sabem a razão do sangramento por deprivação
-
as mulheres não estão certas sobre se o retorno do sangramento significa o
retorno da fertilidade e sentem-se embaraçadas em levantar a questão.
Em relação às orientações transmitidas pelos médicos antes do início da TRH, foi
destacado pelas pacientes que houve falta de informações suficientemente detalhadas e que na
maioria dos casos há pouca discussão sobre as vantagens e desvantagens.
As mulheres gostariam de receber dos seus médicos, informações sobre:
-
O conteúdo hormonal dos produtos.
-
O papel do estrogênio e do progestogênio.
-
O significado e propósito do sangramento por depriva ção.
-
O ganho de peso.
-
A relação entre a hormônioterapia e o câncer ginecológico, bem como a
segurança da TRH.
-
A terapia estrogênica e sua rela ção com as doenças cardíacas e a osteoporose.
Ficou bem claro nesta pesquisa, que a principal causa de abandono da TRH é a
manutenção ou retorno do sangramento menstrual por deprivação. O impacto da notícia
acerca do retorno da menstruação em mulheres de 55, 60, 70 anos é evidentemente negativo e
assustador para muitas.
Com estes dados, aos laboratórios interessaria um esquema em que a paciente não
menstruasse, o que contribuiria eficazmente para manter a aderência ao tratamento. Tal
esquema também permitiria uma maior segurança para que clínicos, cardiologistas,
reumatologistas, geriátras, ortopedistas, enfim, outros especialistas pudessem prescrever
hormônios sem os riscos de se depararem com um sangramento uterino anormal para o qual
não estão aptos à lidar, abrindo-se assim o leque de potenciais fontes de prescrição.
Este ponto de vista é perfeitamente lógico e defensável, principalmente sob a ótica da
indústria farmacêutica. Daí, a grande divulga ção e aceitação dos esquemas combinados
contínuos de estrogênios mais progestogênios, com os quais o sangramento por deprivação,
em princ ípio, não ocorreria .
Mas existe o outro lado da moeda. Se este esquema favorece a aderência, expande o
mercado e indiretamente beneficia a indústria farmacêutica, será ele melhor também para a
paciente?
Vejamos.
Toda a sintomatologia do climatério, a curto, médio e longo prazo, é conseqüência
direta ou indireta, da deficiência estrogênica, logo, o tratamento primário e específico é a
reposição estrogênica isolada. Contudo, a ação dos estrogênios isolados sobre o útero, sem a
oposição de um progestogênio, aumenta o risco de câncer do endométrio. Portanto, é
consenso universal, e ninguém questiona, que a principal indicação do progestacional é a
proteção endometrial e que para tal, deve-se empregar a menor dosagem capaz de impedir a
progressão para a hiperplasia ou adenocarcinoma.
Os
progestogênios
apresentam
inúmeros
efeitos
colaterais
indesejáveis
como depressão, irritabilidade, cefaléia, distensão abdominal, ganho de peso, varizes, e
diminuição da libido, por isto, não são bem-vindos. Terão que ser suportados pelo seu efeito
protetor contra o câncer do endométrio, tanto que nas pacientes histerectomizadas, não
havendo o que proteger, o tratamento inquestionável é a estrogênioterapia isolada.
Mais importante do que tudo isto, é o fato da progesterona ser fisiologicamente o
anti-estrogênio natural. Ela impede a síntese de novos receptores de estradiol, aumenta a
atividade da 17-beta hidroxiesteroide-dehidrogenase, enzima que converte o estradiol em
estrona, que é um estrogênio menos potente e aumenta também a atividade da sulfotransferase, que conjuga o estradiol ao seu sulfato, tornando-o biologicamente menos ativo e
facilitando a sua excreção.
Ora, onde está a lógica de se receitar um estrogênio junto com um anti-estrogênio (e
tão eficientemente anti-estrogênico que as biópsias de endométrio os mostram atróficos, ou
seja, sem nenhum sinal de estímulo estrogênico, e é exatamente por isto que as pacientes não
menstruam)? Se
está atrófico,
o endométrio, que é um dos órgãos alvos específicos dos progestacionais,
como estariam os outros? A vagina estaria com boa elasticidade, bem
lubrificada, com elevados índices de eosinofilia e cariopicnose ? O muco cervical adequado ?
E a hidratação e elasticidade da pele ? E o sistema nervoso central ? E a proteção cardiovascular?
Que o diga o recente estudo HERS, onde a inquestionável e importante diminuição da
mortalidade por doênças cardio-vasculares, especialmente nas pacientes com história prévia
de enfarte do miocárdio, que se submeteram à estrogênioterapia isolada, foi anulada ao se
utilizar o esquema estro-progestativo combinado contínuo. (1-2-3)
As ações dos hormônios se fazem fundamentalmente via receptores nucleares e os
efeitos são basicamente os mesmos em todos os tecidos do corpo humano. Portanto, onde
houver uma ação estrogênica, os progestacionais modificarão ou anularão este efeito.
O que nós médicos temos que entender é que a mulher climatérica necessita é de
estrogênios. Ninguém receita progestogênios a pacientes histerectomizadas, exceto em casos
especiais como nas operadas por adenocarcinoma de endométrio e carcinoma endometrioide
do ovário. Pacientes portadoras de mioma, endometriose, osteoporose avançada e portadoras
de hipertrigliceridemia podem tamb ém se beneficiar com a adição do progestogênio. Nestas
eventualidades o medicamento exerce uma ação especificamente desejada.
A nossa grande dificuldade é que, de uma maneira geral, não queremos ou não
podemos perder tempo com as pacientes, explicando- lhes o que é melhor para elas. É
evidentemente mais cômodo e teremos menos telefo nemas inoportunos
devido ao
sangramento, com o esquema combinado cont ínuo.
Pode ser melhor para a ind ústria farmacêutica. Pode ser mais cômodo para o médico,
mas certamente não será melhor para a paciente.
A aceitação e aderência à TRH depende fundamentalmente da relação médicopaciente. Cabe ao médico ser assertivo e transmitir à paciente a mensagem de que ele conhece
e domina o assunto. Informar e esclarecer todos os aspectos da TRH. Ser firme na sua
exposição e, acima de tudo, estar disponível todos os dias, todas as horas.
Se indivíduos como Jimmy Jones, que conseguiu levar centenas de pessoas ao suic ídio
coletivo e outro lunático que fez com que 39 de seus seguidores, antes de tomarem veneno, se
aprontassem convenientemente e colocassem uma nota de cinco dólares em seus bolsos para
embarcarem na cauda do cometa Hale rumo ao paraíso apenas com o poder da palavra, nós,
ginecologistas, não estaremos nos passando um atestado de incompetência profissional por
não conseguirmos explicar e convencer nossas pacientes que o sangramento por deprivação
que ocorre no esquema seqüencial é natural, fisiológico e que representa uma eficaz proteção
contra o câncer do endométrio? Se a fisiologia assim fez dos 12 aos 50 anos, é natural que
assim continue sob a TRH, afinal esta sigla significa “terapia de reposição hormonal” ou seja,
repor aquilo que deixou de ser produzido, imitando o que a natureza faz no período
reprodutivo.
O nosso papel é dar o melhor para nossas pacientes e não nos acomodarmos com
esquemas que, salvo indicações especiais, não permitirão que as pacientes desfrutem de todos
os benefícios da estrogenioterapia.
BIBLIOGRAFIA:
Hulley S, Grady D, Bush T, et.al. Randomized Trial of Estrogen Plus Progestin for
Secondary Prevention of Coronary Heart Disease in Postmenopausal Women. JAMA.
1998; 280: 608- 13.
Sullivan et al. Postmenopausal Estrogen Use and Coronary Atherosclerosis. Ann
Intern Med. 1988;108: 358-63.
Bush T, et al. Circulation.1987; 75: 1104.
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